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Proc. n.º 618/04
2ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. e B. reclamam para a conferência, ao abrigo do disposto no art.º 78º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da decisão sumária proferida pelo relator, na qual se concluiu pelo não conhecimento do recurso.
2 – Como fundamentos da sua reclamação os requerentes aduzem o seguinte:
«1 – O recurso interposto teve em vista declarar a inconstitucionalidade dos arts. 188º e 92º-2 do C.P.P. por manifesta violação dos arts 15°-2 e 32º-1 da Lei Fundamental e art. 6° - 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na hermenêutica expendida pela Veneranda Relação.
A falta de acompanhamento temporal e de controlo sobre as escutas telefónicas com manifesta violação dos requisitos de fidedignidade, transparência e fidelidade e a transcrição efectuada sem a presença do Senhor Juiz de Instrução e com intérpretes cuja idoneidade não foi apurada nos autos viola o disposto no art. 32-1 da Lei Fundamental.
2 – A nomeação de tradutores/intérpretes estrangeiros viola os arts 92º-2 e arts
15°-2 e 32º-1 da Lei Fundamental sendo manifestamente inconstitucional a nomeação de intérpretes estrangeiros – art. 92º-2 CPP por violação daqueles normativos fundamentais, quando não apurada a idoneidade dos mesmos e por não serem cidadãos Portugueses.
3 – Acresce ainda que a diligência para memória futura – fls. 866/970 dos autos
– e respectiva leitura e valoração em julgamento constitui acto nulo pois o art.
271º-2 do CPP exige a notificação aos arguidos para estarem presentes se o desejarem e a defensora oficiosa nomeada nos autos não visitou os arguidos nem estes tiveram conhecimento da diligência nem organizaram Defesa e contra-interrogatório e a defesa não foi actuante nem exercida de modo eficaz pelo que a ausência de defesa e do contraditório torna a memória futura nula por violação dos arts 6°-3 - C) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e art.
32º-1 da Lei Fundamental quando entendida que a defesa – art. 61º, 119º-C,
271º-1 e 327º C.P.P. não tem que contactar os arguidos nem organizar a defesa nem respeitar o princípio do Contraditório nem os arguidos têm que ser notificados e estarem presentes.»
3 – O Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal respondeu à reclamação, dizendo ser a mesma manifestamente improcedente “por em nada abalar os fundamentos da decisão reclamada”, dado esta assentar “na manifesta inutilidade da dirimição das questões colocadas, face ao carácter instrumental da fiscalização da constitucionalidade”.
4 – A decisão reclamada é do seguinte teor:
«1- A. e B., identificados nos autos, recorrem para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do art.º 70º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de Abril de 2004, que julgou improcedentes os recursos interpostos por ambos do acórdão do Tribunal Colectivo da comarca de Torres Vedras que, no processo comum criminal n.º 22/01.4GATVD, os condenara nas penas de, respectivamente, cinco e seis meses de prisão e quatro anos e dez meses de prisão e ainda, ambos, na pena de expulsão do território nacional, pena esta alterada no acórdão recorrido para o prazo de cinco anos, pela prática, por ambos os recorrentes, de crimes de chefia de associação criminosa (art.ºs 223º e
299º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal – CP), extorsão (art.º 223º, n.º 1 do CP), furto qualificado [art.ºs 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea f), do CP], e, pelo primeiro arguido, ainda pela prática de crimes de receptação dolosa (art.º 231º, n.º 1, do CP) e detenção de arma proibida (art.º 275º, n.ºs 1 e 3, do CP).
2 – O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional tem o seguinte teor, na parte relevante:
«[...] O recurso tem em vista declarar a inconstitucionalidade dos arts. 188º e 92º-2 do C.P.P. por manifesta violação dos arts 15º - 2 e 32º-1 da Lei Fundamental e art. 6° - 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na hermenêutica expendida pela Veneranda Relação.
A falta de acompanhamento temporal e de controlo sobre as escutas telefónicas com manifesta violação dos requisitos de fidedignidade, transparência e fidelidade e a transcrição efectuada sem a presença do Senhor Juiz de Instrução e com intérpretes cuja idoneidade não foi apurada nos autos viola o disposto no art.º 32º-1 da Lei Fundamental.
A nomeação de tradutores/intérpretes estrangeiros viola os art.ºs 92º- 2 e arts
15°-2 e 32º-1 da Lei Fundamental sendo manifestamente inconstitucional a nomeação de intérpretes estrangeiros – art.º 92º-2 CPP por violação daqueles normativos fundamentais, quando não apurada a idoneidade dos mesmos e por não serem cidadãos Portugueses.
Acresce ainda que a diligência para memória futura – fls. 866/970 dos autos e
respectiva leitura e valoração em julgamento constitui acto nulo pois o art.º 271º-2 do CPP exige a notificação aos arguidos para estarem presentes se o desejarem e a defensora oficiosa nomeada nos autos não visitou os arguidos nem estes tiveram conhecimento da diligência nem organizaram Defesa e contra-interrogatório e a defesa não foi actuante nem exercida de modo eficaz pelo que a ausência de defesa e do contraditório torna a memória futura nula por violação dos arts. 6° - 3 - C) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e art.º 32º-1 da Lei Fundamental quando entendida que a defesa – art.º 61º,
119º-C, 271º-1 e 327º C.P.P. não tem que contactar os arguidos nem organizar a defesa nem respeitar o princípio do Contraditório nem os arguidos têm que ser notificados e estarem presentes.
[...].
3 – O recurso foi admitido pelo relator, no Tribunal da Relação de Lisboa. Tal despacho não vincula, porém, o Tribunal Constitucional como emerge do art.º 76º, n.º 3, da LTC.
Ora, como se verá, o recurso interposto não satisfaz os requisitos específicos do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade tipificado na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC. Por isso se passa a decidir nos termos do art.º 78º-A, n.º 1, da LTC.
4 – Vejamos então. Tal como claramente emerge dos próprios termos verbais da alínea b) do n.º 1 do art.º 280º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC, e constitui jurisprudência deste Tribunal continuamente reafirmada, objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade só poder ser norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo ou, dito de outro modo, qualquer critério normativo ou regra de conduta que tenha servido de parâmetro de decisão do caso concreto para o tribunal, critério normativo esse que tanto poderá corresponder ao preceito legal a se como traduzir-se apenas em um certo sentido ou acepção do mesmo, determinado por via interpretativa, e que tenha sido aplicada como ratio decidendi do concreto julgamento efectuado ou como fundamento normativo da concreta decisão da causa.
De acordo com o sistema constitucional adoptado, o Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, apenas controla o juízo de conformidade ou de não conformidade com as normas e princípios constitucionais feito pelos restantes tribunais, que se encontram obrigados a não “aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados” (art.º
204º, da CRP), sobre os critérios normativos (normas) que utilizaram como fundamento normativo da concreta decisão tomada ou do conteúdo da mesma. Vale isto dizer que o Tribunal Constitucional não sindica, nem a correcção jurídica da interpretação feita pelos tribunais dos preceitos da lei infraconstitucional que aplicaram na decisão do caso concreto (sendo o seu resultado um dado para o Tribunal Constitucional), nem a correcção jurídica da interpretação das normas ou princípios constitucionais levada a cabo pelos tribunais, ou pela administração, naqueles casos em que estes procedam directamente à sua aplicação ao caso concreto, ao contrário do que sucede, neste domínio, naqueles regimes onde vigora o sistema do recurso de amparo (cfr., por exemplo, os Acórdãos n.º 18/96, publicado no Diário da República II Série, de 15 de Maio de 1996, n.º 520/99, n.º 605/99 e n.º 286/00, todos estes disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia e J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 6ª edição, pp. 977 e segs.).
Entre nós o recurso tem de ter sempre por objecto um acto normativo posicionado entre a Constituição e a decisão judicial e por convocação e aplicação do qual o caso concreto é decidido. Deste modo, a questão de constitucionalidade, que o Tribunal Constitucional poderá conhecer, há-de traduzir-se numa problematização da validade de norma, dimensão, acepção ou sentido normativos de certo preceito legal que hajam sido utilizados como fundamento normativo do conteúdo de certa decisão concreta da causa perante as disposições ou princípios constitucionais. O Tribunal apenas sindica se o critério normativo por aplicação do qual o tribunal chegou a um certo resultado decisório concreto é ou não válido constitucionalmente. A alegação de uma questão de constitucionalidade traduz-se, deste modo, no questionamento ou colocação de um problema de validade perante as disposições ou princípios constitucionais de uma certa norma por aplicação da qual o tribunal obteve certo resultado decisório para a concreta causa. Daí que não lhe caiba sequer refazer esse juízo decisório concreto no caso de concluir pela invalidade da norma antes aplicada: essa é uma tarefa de execução do julgado constitucional que terá de ser levada a cabo pelo tribunal a quo.
5 - Ora, o que é certo é que os recorrentes, relativamente às escutas telefónicas e à nomeação dos tradutores/intérpretes que procederam à sua audição e transcrição, controverteram perante o Tribunal da Relação de Lisboa o despacho do Tribunal de Instrução Criminal, de 9 de Janeiro de 2003 (fls. 1507 a 1511), não com base na inconstitucionalidade dos artigos 188º e 92º, n.º 2, do CPP, que o mesmo havia aplicado, mas antes com o fundamento de que a decisão judicial violava directamente o prescrito em tais preceitos adjectivos, bem como os artigos 15º, n.º 2, e 32º, n.º 1, da Lei Fundamental e ainda o art.º 6º, n.º 3 da Convenção dos Direitos do Homem.
Nesse despacho a Juíza de Instrução Criminal indeferiu o pedido deduzido pelos ora recorrentes, de nulidade das escutas telefónicas efectuadas e da nomeação dos intérpretes de nacionalidade estrangeira que procederam à sua transcrição e tradução, abonando-se na seguinte fundamentação:
«Os arguidos A. e B., vieram, em requerimento de fls. 1486, arguir a existência, em seu entender de algumas nulidades processuais, designadamente entende que as escutas telefónicas e respectivas transcrições violam o disposto no art.º 188º do CPP; são ainda nulas e inválidas por inexistência de perícia nos autos comprovativa de que as pretensas vozes ali contidas pertencem aos arguidos; as escutas e a transcrição ou ausência da mesma não obedece ao requisito de fidedignidade e viola o art.º 188º do CPP e art.º 32º/1 da Lei Fundamental e por
último que a nomeação de interpretes estrangeiros viola o art.º 92º/2 do CPP e art.º 15º/2 da CRP e art.º 6º/3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Cumpre apreciar. Com todo o devido e merecido respeito pela opinião contrária, entendemos que não assiste razão aos arguidos, nem existem quaisquer nulidades nos presentes autos. Todas as escutas efectuadas nos presentes autos foram precedidas de autorização judicial, proferida em despacho fundamentado, e com limitação temporal de realização das mesmas. Mesmo relativamente ao despacho proferido a fls. 20, entendemos que o mesmo se mostra suficientemente fundamentado, quanto à necessidade de se proceder às escutas, fundamentando-se tal necessidade no caracter de actuação dos arguidos, a pluralidade de condutas e os contactos estabelecidos entre si através de contactos telefónicos. Por outro lado e contrariamente ao que afirmam os arguidos, o inquérito nos presentes autos não se iniciou com as escutas telefónicas autorizadas judicialmente, mas através de uma denúncia, da subsequente identificação de alguns dos arguidos e forma de actuação que impuseram a necessidade de realização das aludidas escutas telefónicas. Assim entendemos não se verificar o vício de nulidade. Quanto à violação do disposto no art.º 188º do CPP, quanto às transcrições das escutas efectuadas diremos o seguinte: Dispõe o art.º 188º/2 do CPP:
“Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, com indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova”. Por seu turno dispõe o n.º 3 do citado preceito “Se o juiz considerar os elementos recolhidos ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo, caso contrário, ordena a sua destruição (...)”. Ora dos autos retira-se claramente que a decisão de ordenar determinadas transcrições das respectivas escutas foi feita, por magistrado judicial, após a análise do respectivo suporte onde se constata a existência de conversações telefónicas e respectiva tradução, já que as conversas decorrem em língua estrangeira. As transcrições ordenadas foram efectuadas em auto e encontram-se assinadas pelo agente da PJ que coadjuvou o Juiz de Instrução Criminal, tudo em estrita obediência ás formalidades previstas no art.º 188º do CPP (designadamente o seu n.º 3). Levantam os arguidos a existência de uma nulidade pelo facto de o auto de transcrição não se encontrar assinado pelo juiz. Em nosso entender não existe, nem foi cometida qualquer nulidade, e a existir sempre a mesma poderia ser sanada com a mera repetição do acto. Mesmo admitindo que da interpretação e aplicação conjugada do art.º 188º/4 e
103º/2 e 3, que o juiz deve presidir o auto de transcrição e consequentemente a realização do mesmo, no presente caso e face à circunstância de as escutas reproduzirem conversas em língua estrangeira, que o juiz não domina (nem tal lhe
é exigível) essa formalidade não faz sentido, já que o juiz estará a presidir a um acto sobre o qual não tem domínio directo, já que não sabe, e a sua presença e assinatura não pode certificar que o que resulta da transcrição é o teor da conversa gravada, pela simples razão, já referida, que não domina a língua em que aquela foi mantida. Em situações concretas como a dos presentes autos a presidência do Juiz e presença na elaboração da transcrição e respectivo auto parece-nos um acto sem qualquer interesse e a presença do juiz não se traduz em qualquer valor acrescentado ao acto. E se a presença do magistrado judicial na elaboração da transcrição e assinatura do respectivo auto, tem como objecto e função, de que, digo a certificação de que a transcrição corresponde fielmente à matéria gravada na escuta, face ao não domínio da língua, a aposição da sua assinatura em última instância reconduz-se a uma falsidade, acto que sem sombra de dúvida está vedado ao juiz. O Juiz não é apenas um mero aplicador da lei, deverá e cabe-lhe a função de interpretar a lei, e em nossa modesta opinião, face ás circunstâncias do caso concreto, não podemos fazer outra, e não se vislumbra que com a mesma se diminua os direitos e garantias do arguido, já que este pode sempre confrontar a conformidade do teor das escutas com a transcrição efectuada. Quanto à questão de idoneidade dos Srs. Intérpretes suscitada pelos arguidos, não podemos concordar com as suas afirmações. Em primeiro lugar os Srs. Intérpretes nomeados prestaram compromisso perante o magistrado judicial, responsabilizando-se desta forma e a todos os níveis pelo desempenho das suas funções. A idoneidade de um tradutor/intérprete em nosso modesto entender não resulta das habilitações académicas, de meras credenciações ou recrutamentos públicos. A idoneidade do interprete apenas se deve aferir pelo domínio que detém da língua em que vai traduzir. Não nos esqueçamos que o nosso único Prémio Nobel da Literatura, iniciou a sua actividade profissional como operário de uma oficina, e tanto quanto julgamos saber as suas habilitações literárias cingem-se ao Liceu. Se os arguidos entendem que as traduções (porque é disso que se trata) não são idóneas, invoque factos concretos, indique discrepância relevante, e lance mão dos meios legais que têm ao dispor quanto a esta matéria. Não se vê, pois, e quanto a esta matéria a existência de qualquer nulidade e também não se considera que haja violação do disposto no art.º 15º/2 da CRP, já que não entendemos sequer que seja lícito ou adequado considerar que o intérprete “participe na administração da justiça”, o interprete não decide, não pratica actos judiciais ou jurisdicionais, tem uma função não criativa e meramente material. Quanto ainda á nulidade invocada pelo facto de inexistirem nos autos perícias comprovativas de que as vozes gravadas pertencem aos arguidos, diremos apenas que a Lei Portuguesa não exige a realização de tal perícia, pelo que não se vê como possa existir tal nulidade. As escutas e os demais elementos de prova, serão a seu tempo e no local oportuno devidamente ponderados e aferido o seu real e concreto valor probatório. Por último, e quanto à invocada ausência de transcrição de escuta que se fundamenta em fls. 68 dos autos e atendendo ao teor da cota que ali consta, para um dos números em causa “não houve qualquer comunicação telefónica” e quanto ao outro “foram apenas efectuadas tentativas de chamadas”. Ora se não houve conversação (e destas só as relevantes interessam) não poderá haver transcrição. O nada não se transcreve. Por todo o exposto, e por se afigurar não existirem quaisquer nulidades indefere-se na totalidade ao requerido.».
6 - Pois bem, os recorrentes refutaram este despacho nas suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação com base nas razões sintetizadas nas seguintes conclusões:
«1- AS ESCUTAS TELEFÓNICAS E RESPECTIVA TRANSCRIÇÃO JUNTA AOS AUTOS SÃO INVÁLIDAS POR VIOLAÇÃO DOS ARTS. 188º E 92º-2 CPP E ART. 15° 2 E 32º-1 DA LEI FUNDAMENTAL E AINDA ART. 6°-3 DA C.E.D. HOMEM.
2- HÁ MANIFESTA FALTA DE ACOMPANHAMENTO TEMPORAL E CONTROLO SOBRE AS ESCUTAS TELEFÓNICAS TENDO SIDO VIOLADOS OS REQUISITOS DA FIDEDIGNIDADE, TRANSPARÊNCIA E FIDELIDADE E OS AUTOS DE TRANSCRIÇÃO FORAM EFECTUADOS SEM A PRESENÇA DO SR JUIZ DE INSTRUÇÃO, POR INTÉRPRETES CUJA IDONEIDADE NÃO FOI APURADA NOS AUTOS, APARECENDO EXPRESSÕES COMO 'IRRELEVANTE' APOSTAS POR ELEMENTOS POLICIAIS SEM A PRESENÇA DO SENHOR JUIZ DE INSTRUÇÃO, O QUE É ILÍCITO - Acórdão 407/97 de
21-5-97 Tribunal Constitucional BMJ, LOUREÇO MARTINS e ainda Ac. STJ 5-6-91 BMJ,
408,405.
3- A NOMEAÇÃO DE TRADUTORES ESTRANGEIROS VIOLA OS ARTS. 92º-2 CPP E ART. 32º-1 E
15º-2 DA LEI FUNDAMENTAL. O TRADUTOR - NÃO SENDO UM TÉCNICO - É APENAS UM
'AUXILIARE DEL GIUDICE' - NÃO PODE SER ESTRANGEIRO E A SUA IDONEIDADE DEVE SER CERTIFICADA NOS AUTOS, O QUE NUNCA FOI AFERIDO. Deve assim ser concedido provimento ao recurso e declarados inválidos os Doutos Despachos que ordenaram as escutas telefónicas bem como declarados nulos os actos de nomeação de tradutores estrangeiros e declaradas nulas as transcrições por violação dos arts. 92º-2, 188º do CPP, arts. 15º-2 e 32º-1 CRP e art. 6° - 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.».
Como se infere claramente deste discurso, o que os recorrentes impugnam é a correcção do concreto juízo de subsunção/aplicação, feito pelo despacho recorrido, ao quadro normativo que apresentam como sendo o directamente aplicável, e que fazem corresponder aos art.ºs 188º e 92º, n.º 2 do CPP, 15º, n.º 2 e 32º, n.º 1 da CRP e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, das circunstâncias específicas do caso concreto. Neste sentido esgrimem que o despacho judicialmente impugnado para a Relação violou directamente esses preceitos legais porque “HÁ MANIFESTA FALTA DE ACOMPANHAMENTO TEMPORAL E CONTROLO SOBRE AS ESCUTAS TELEFÓNICAS TENDO SIDO VIOLADOS OS REQUISITOS DA FIDEDIGNIDADE, TRANSPARÊNCIA E FIDELIDADE E OS AUTOS DE TRANSCRIÇÃO FORAM EFECTUADOS SEM A PRESENÇA DO SR JUIZ DE INSTRUÇÃO, POR INTÉRPRETES CUJA IDONEIDADE NÃO FOI APURADA NOS AUTOS, APARECENDO EXPRESSÕES COMO 'IRRELEVANTE' APOSTAS POR ELEMENTOS POLICIAIS SEM A PRESENÇA DO SENHOR JUIZ DE INSTRUÇÃO, O QUE É ILÍCITO» e «O TRADUTOR - NÃO SENDO UM TÉCNICO - É APENAS UM 'AUXILIARE DEL GIUDICE' - NÃO PODE SER ESTRANGEIRO E A SUA IDONEIDADE DEVE SER CERTIFICADA NOS AUTOS, O QUE NUNCA FOI AFERIDO.».
É, pois, evidente que os recorrentes não colocaram ao Tribunal da Relação qualquer questão de validade constitucional, como critério jurídico de decisão, das normas constantes dos art.ºs 188º e 92º, n.º 2, do CPP , seja a se, seja numa determinada acepção normativa que haja sido ou pudesse vir a ser aplicada, por afrontamento das disposições dos art.ºs 15º, n.º 2 e 32º, n.º 1, da CRP. O que eles discutem é que essas normas aplicadas directamente à resolução do caso concreto o tenham sido de acordo com o sentido que os mesmos enunciam como sendo o correcto e que o tribunal haja valorado devidamente, no seu juízo de aplicação, as específicas circunstâncias do caso concreto.
O problema posto à Relação foi, pois, apenas este último e foi assim que a mesma o entendeu e resolveu, como decorre exuberantemente da enunciação das questões a decidir a que o acórdão recorrido procedeu e da apreciação posteriormente feita. Na verdade, o acórdão recorrido elencou as questões decidendas, relativas à matéria, pelo seguinte modo:
«[...]
1- No 1º recurso retido suscitam-se as seguintes questões: As escutas telefónicas e respectiva transcrição estão feridas de nulidade?
–mormente as transcritas na acusação por alegada violação dos art.ºs 118º e 92º, n.º 2, do CPP, 15º, n.º 2 e 32º, n.º 1, da CRP, e ainda 6º, n.º 3 da CEDH, não podendo servir como meios de prova? A nomeação dos intérpretes/tradutores estrangeiros é nula – por alegadamente violar o disposto nos art.ºs 92º, n.º 2, do CPP, 15º, n.º 2 e 32º, n.º 1, da CRP?».
7 - E respondendo a tais perguntas, discorreu o acórdão recorrido pelo seguinte modo:
«a) Quanto à alegada nulidade das escutas telefónicas.
1. Esta matéria vem regulada nos art.ºs 187º a 190º do CPP. No caso concreto, o recorrente não questiona a admissibilidade das escutas. Antes, põe em causa o cumprimento das formalidades legalmente impostas, relativas ao que apelida de acompanhamento judicial, ou seja, as formalidades constantes do art.º 188° do CPP. Estamos perante matéria delicada e sensível, em que são postos em causa valores e direitos fundamentais dos cidadãos, relativos à sua vida pessoal e privada, ao sigilo e privacidade das comunicações, razão por que a lei impõe formalidades que devem ser seguidas com a máxima cautela, porquanto facilmente se colocam em crise aqueles valores, sem que, muitas vezes, existam em contrapartida, reais interesses colectivos a preservar - neste sentido veja-se Prof. Manuel da Costa Andrade, 'SOBRE AS PROIBIÇÕES DE PROVA EM PROCESSO PENAL', Coimbra Editora,
1992, págs. 280/281. Daí que o incumprimento dessas formalidades gere nulidade – art.º 189º do CPP. Nulidade esta que pode ser insanável ou não, conforme a natureza das formalidades. Desde logo, a jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr. Acs. de 21/5/97, in BMJ 467/199, e de 10/7/01, DR, II Série, de 9/11/01), no que a estas formalidades (cfr. art.º 188º do CPP) respeita vem realçando a necessidade de verificação de: “a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica”; pressupondo “acompanhamento contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte (...) que comporte a possibilidade real em função do decurso da escuta ser mantida ou alterada a decisão que a determinou”; e que “a expressão «imediatamente» não poderá (...) reportar-se apenas ao momento em que as transcrições se mostrarem feitas”, “pressupondo (...) um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz”. Tudo isto atendendo à garantia de inviolabilidade dos meios de comunicação privada cfr. art.º 34º, n.º 1 da CRP - aí se ressalvando, no n.º 4 (deste art.º
34º), a possibilidade de haver ingerência das autoridades públicas nesses meios de comunicação nos casos previstos na lei, em matéria de processo criminal.
É por isso que nas garantias do processo criminal, no n.º 8 do art.º 32º da CRP
, se consagra a nulidade das provas obtidas mediante abusiva intromissão nas telecomunicações.
«Para além disso, uma vez que a ingerência nas telecomunicações traduz-se numa limitação de um direito fundamental, a actuação das autoridades públicas, neste domínio, está ainda limitada dado que se estabelece, no n.º 4 do art.º 32º da CRP, quanto a esta matéria, uma reserva de jurisdição.»
«Essa reserva de jurisdição, não abrangendo a execução dos actos materiais, implica, no entanto, que o juiz controle efectivamente os concretos termos da intrusão no domínio da privacidade, ponderando, caso a caso, os interesses conflituantes e assegurando que toda a limitação que ocorra se cinja ao mínimo indispensável à realização da justiça.» - parafraseamos o Ac. da Relação de Lisboa, de 10/12/03 (Rec. 7140/03-3ª; relator: desembargador Dr. Carlos Rodrigues de Almeida). E seguindo a jurisprudência dominante do STJ, mormente a constante do Ac. do STJ de 17/01/01 (Col. Jur., Acs. STJ, Ano IX, tomo II, p. 210), no que aqui importa:
«I – Para além de a intercepção e gravação da comunicação telefónica estar sujeita a ordem ou autorização judicial, sob pena de nulidade insanável, como é geralmente entendido – o que bem se compreende pela delicadeza desta recolha de meio de prova -, as restantes operações de audição, eventual transcrição, e destruição de elementos desnecessários, correm igualmente sob estrito controlo do magistrado judicial. II – Por razões de eficiência e dos necessários meios técnicos e humanos disponíveis, as operações materiais de intercepção e gravação correrão normalmente a cargo da Polícia Judiciária como entidade competente para a investigação criminal – n.º 2 do artigo 187º do CPP e artigo 18º da Lei n.º
20/87, de 12 de Junho. Daí não se recolhe, porém, a ideia de que lhe cabe seleccionar os elementos a juntar aos autos. Tal poder reside na esfera de competência do magistrado judicial. III - Embora se reconheça que a interpretação mais linear do regime legal - apesar da coadjuvação que o magistrado judicial pode solicitar ao órgão de polícia criminal - seja a da audição das fitas gravadas pelo próprio magistrado, eventualmente em conjunto com o funcionário, ordenando de imediato a transcrição dos excertos que considere de interesse probatório, a nova redacção do n.º 1 do art.º 188º, do CP, introduzida pelo DL n.º 320-C/2000, de 15-12, supõe, declaradamente, a audição prévia pelo funcionário de polícia criminal. IV - o procedimento mais correcto, face a qualquer das redacções do citado art.º
188º, do CPP, vai no sentido de não haver transcrições que não sejam ordenadas pelo magistrado judicial (ainda que, face à nova redacção, sob sugestão do órgão de polícia criminal). V - A ordem judicial de transcrição tem de ser prévia a esta, enfermando de nulidade os despachos proferidos a posteriori das transcrições, aceitando a junção destas aos autos. VI - Porém, a nulidade decorrente da situação descrita nas alíneas antecedentes, prevista nos art.ºs 188º e 189º, do CPP, é sanável, sujeita ao regime de arguição a que se referem os art.ºs 120º e 121º, do mesmo Código. VII -(...)»
2. Iremos aplicar tais critérios no caso concreto. Antes porém, há que começar por observar que os recorrentes, ao pretenderem arguir a nulidade das escutas e da sua transcrição, o fazem de modo demasiado genérico, abstracto e, mesmo assim, incoerente, errático, razão por que dificilmente se descortina o fundamento para tal arguição. Desde logo, no seu requerimento de folhas 1486 (que veio a ser indeferido pelo despacho aqui recorrido, de 18-05-01), tal como nas conclusões, e mesmo na motivação deste seu recurso, não concretizam as alegadas violações da lei. Do que se trata é de verificar se, no caso concreto, tais regras e princípios foram, ou não, cumpridos. E se o não foram, quais as consequências de tal vício
(consoante seja tida como nulidade insanável ou dependente de arguição, como vimos acima). Prosseguindo. A incoerência e incongruência dos recorrentes é, desde logo, factual, pois quando se referem ao despacho de fls. 20, como sendo do Mmº JIC, enganam-se. Trata-se - basta ler - de uma promoção do digno magistrado do Mº Pº. Será, assim, um mero lapso de escrita ? Cremos que não! E o mesmo se passa se pretendem pôr em causa o despacho do judicial que decidiu sobre essa promoção, ou seja, o despacho de folhas 22 - que, como se pode ver, é o despacho do Mmº JIC que autoriza a P.J. a proceder à intercepção e gravação das escutas relativas a dois telemóveis: os C. com os nºs CC. e CCC.
(respeitantes ao co-arguido D.). Ora, ao invés do que alegam, mesmo que visassem impugnar este despacho, o mesmo está fundamentado, desde logo, na existência de suspeita da prática de crimes de extorsão, através de telefone e por se estar perante «....diversos indivíduos organizados entre si...» Daí que se invoque o disposto no art.º 187º, n.º 1, al. a), do CPP e, além disso, se previna «...a observância das formalidades prescritas no art.º 188º do citado diploma...» Acresce que foi ali autorizada tal intercepção e gravação, pelo período de noventa dias, e além disso, pedida a facturação detalhada à C. (cfr. fls. 22). Depois, é certo que aparece a informação constante da cota de fls. 68, feita por um inspector da P.J., em que, além do mais, se diz: quanto à primeira intercepção, que não houve lugar a qualquer comunicação; enquanto relativamente
à segunda, que apenas ocorreram tentativas de chamadas para este número; para concluir, obviamente, que: nada foi gravado de interesse. Parece ser esta a intervenção policial que os recorrentes consideram intolerável, face àqueles princípios e normas legais. No entanto, não têm fundamento, como se realçou no supracitado Ac. do STJ, de
17/01/01, mormente, neste caso, face aos seus pontos II e III supra. E mais ainda, se se tiver em consideração que, logo adiante, por despacho do Mmº JIC, de 28/06/01 (fls. 77), foi ordenada a cessação da referida escuta
(relembramos: relativa aos telemóveis CC. e CCC.) e, finalmente, em conformidade, procedeu-se depois à eliminação dos correspondentes suportes magnéticos de audio (cfr. fls. 316-321). Significa isto, desde logo, que o exemplo dado pelos recorrentes é manifestamente improcedente (para a pretendida arguição de nulidade de transcrição que tivesse sido integrada no articulado da acusação), pela singela razão de que, aqui, não houve sequer transcrição, tendo até sido eliminados, por ordem judicial, os respectivos suportes magnéticos».
E, após transcrever o despacho recorrido proferido pela Juíza de Instrução Criminal já atrás reproduzido, o acórdão recorrido continuou:
«Concordamos - aí se evidencia não só a conformidade com a lei, mas ainda que na interpretação desta se fez uso do exigível bom senso (art.º 9º, n.º 3 do C. Civil). Na verdade, ali se revela como foi cumprida escrupulosamente a lei no caso das escutas efectuadas nestes autos, não só com a prévia autorização judicial às intercepções que vieram a ser efectuadas, em conformidade com o disposto no citado art.º 187º do CPP, atendendo aos crimes elencados não só no seu n.º 1, por se estar perante crimes puníveis com penas de prisão superior, no seu máximo, a três anos (al. a)); mas já também atenta a suspeita de associação criminosa (cfr. art.º 299º do CP) - cfr. n.º 2, al. b) (daquele art.º 187º do CPP). Assim, ao invés do que vem alegado pelos recorrentes, verificamos que não só não foi violada a aludida reserva de jurisdição como se constata também um adequado acompanhamento por parte do competente juiz de instrução - mormente no que se refere às aludidas formalidades das operações e, mais especificamente ainda, no que respeita à exigência legal de ser lavrado auto e “imediatamente levado ao conhecimento do juiz” (que tiver ordenado ou autorizado as operações de intercepção e gravação), com a indicação das passagens ou elementos análogos considerados relevantes para a prova - cfr. n.º 1 do art.º 188º do CPP (em conformidade, aliás, com a jurisprudência acima citada). Tal como se constata o cumprido do n.º 3 deste art.º 188º do CPP, aliás, como bem se explicitou no despacho recorrido (acabado de transcrever). Ainda que a título exemplificativo, sempre diremos que os despachos judiciais adiante realçados tornam evidente que foram cumpridas todas as formalidades, do citado art.º 188º, n.ºs 1 e 3, do CPP, revelando os autos que houve um efectivo acompanhamento judicial das escutas e das respectivas transcrições, mormente das que ulteriormente foram carreadas para a acusação (cfr. seus artigos 61 ° e seguintes) - fls. 1343 e segs. Neste aspecto, como se pode ver, só interessam as intercepções respeitantes aos telemóveis C. , utilizados pelos arguidos, mormente os ora recorrentes A. e B.; ou seja, com os nos ------------ (que passamos a denominar de telefone n.º 1),
----------- (o n.º 2), e --------------(o n.º 3); cujas transcrições constam do seguinte modo: Telefone n.º 2 – art.ºs 62º a 68º da acusação: cfr. Apenso III (sessões 734,
806, 807, 846, 1021, 1075, 1191); Telefone n.º 3 - art.ºs 69º e 70º da acusação: cfr. Apenso IV (sessões 841 e
1859); Telefone n.º 1 – art.ºs 71º a 91º da acusação: cfr. Apensos I e III (sessões 46,
66, 94, 184, 227, 1315, 1316, 1777, 1818, 1854, 1859, 2718, 2859, 2868, 2955,
3811 do Ap. I; e sessões 284, 327, 366, 367, 372, do Ap. III, respectivamente). Telefone n.º 3 – art.ºs 92º a 104º da acusação: cfr. Apenso IV (sessões 222,
599, 845, 1606, 2670, 2682, 2731, idem, 2790, 2821, 2828, 524, 3479). Telefone n.º 2 – art.ºs 105º a 111º da acusação: cfr. Apenso III (sessão 483) e Apenso IV (sessões 305, 2155, 2255, 2990, idem, e 3001). Assim, e para além do que já foi dito quanto ao despacho de fls. 22, constatamos que todos os demais despachos judiciais relativos às autorizações prévias das escutas e ao seu posterior acompanhamento, determinando as relevantes transcrições, mormente na acusação dos autos, estão de acordo com a lei, não sendo, portanto, nulos - cfr. art.ºs 187º e 188º do CPP, e art.º 189º, a contrario. Vejam-se, por exemplo, os despachos judiciais de 28/6/01 (fls. 76-77), de
4/10/01 (fls. 161-162), de 24/10/01 (fls. 178), de 17/12/01 (fls. 234), de
25/1/02 (fls. 257-259), de 20/2/02 (fls. 281-282), de 22/3/02 (fls. 323-325), de
19/4/02 (fls. 367-369), e de 11/6/02 (fls. 484-487).
* b) Quanto à nomeação dos intérpretes/tradutores estrangeiros. Finalmente, quanto a este aspecto, os recorrentes insurgem-se contra a nomeação dos intérpretes/tradutores apenas e somente por serem cidadãos estrangeiros e, do seu ponto de vista, por não terem habilitações literárias suficientes para tal função pericial. Com o que entendem terem sido violadas as normas constantes dos art.ºs 92°, n° 2 do CPP, 15º, n.º 2 e 32º, n.º 1, da CRP. Contudo, não têm manifestamente razão. Na verdade, faz-se notar que foi em substituição do anteriormente nomeado, Carlos Alberto Nazaré Caseiro (fls. 42), em virtude de este se ausentar para o estrangeiro, por tempo indeterminado (fls. 156), que foram nomeados intérpretes/tradutores nos autos: E. (ucraniano) e F. (romeno/moldavo), cfr. auto de juramento e compromisso de 23/11/01 (cfr. fls. 214-215); G. e H., cfr. auto de juramento e compromisso de 7/02/02 (cfr. fls. 273). Ora, não houve qualquer violação das citadas normas e princípios, tanto mais que
é a autoridade judiciária quem verifica da idoneidade dos mesmos - cfr. citado art.º 92º, n.º 2 do CPP. Por outro lado, por remissão expressa do seu n.º 4 (citado art.º 92º), atento o disposto nos artºs 47º e 153º do CPP, aplica-se aqui o regime de impedimentos. recusas e escusas «com as adaptações necessárias» - cfr. art.º 47º, n.º 1 do CPP. Assim, o mero facto de se estar perante intérpretes estrangeiros não constitui fundamento, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua idoneidade e/ou imparcialidade (cfr. art.º 43º, n.º 1 do CPP). Se fosse caso disso (e não é), deveria ter sido suscitado o competente incidente, no prazo do art.º 44º do CPP (e não foi). Finalmente, no que respeita à alegada falta de habilitações para traduzirem correctamente aquelas línguas para o português, faz-se notar que os recorrentes não dão nenhum exemplo sequer dessa (alegada) falta de preparação técnica ('Lost in translation'?). Ao invés, como vimos, esses intérpretes são cidadãos naturais dos países cujas línguas traduziram ou retroverteram para português, sob compromisso de honra
(art.º 91º do CPP), pelo que nos parecem assaz idóneos para tal tarefa
(técnica). Não se mostra, pois, violado o aludido art.º 92º do CPP, ou qualquer das normas constitucionais invocadas pelos recorrentes.
* c) Concluindo: Improcede, assim, o recurso dos arguidos A. e B. (motivado a fls. 1679-1685, cfr. 8° vol.), interposto do despacho judicial de 9/1/03 (cfr. fls.1507 a
1551)».
Face ao exposto importa concluir assim que os recorrentes não colocaram ao Tribunal a quo qualquer questão de inconstitucionalidade das normas cujo julgamento de inconstitucionalidade agora pedem ao Tribunal Constitucional e nem aquele Tribunal resolveu qualquer questão dessa natureza como passo intermédio da determinação do fundamento normativo de cuja aplicação decorreu a decisão, tendo-se os mesmos recorrentes limitado a discutir a correcção da decisão recorrida no plano da aplicação directa das disposições da Lei Fundamental e dos preceitos do CPP e da CEDH. Acrescente-se, por fim, que é ainda essa a postura que os recorrentes continuam a assumir no seu requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, como decorre dos segundo e terceiro parágrafos transcritos.
Sendo assim não pode conhecer-se do recurso na parte em que o mesmo tem por objecto as normas dos art.ºs 188º e 92º, n.º 2, ambos do CPP.
8 – Pretendem ainda os recorrentes que o Tribunal Constitucional aprecie também a inconstitucionalidade da norma constante do art.º 271, n.º 2, do CPP, aduzindo, a esse respeito, no requerimento de interposição de recurso, que
“Acresce ainda que a diligência para memória futura – fls. 866/970 dos autos e respectiva leitura e valoração em julgamento constitui acto nulo pois o art.º
271º-2 do CPP exige a notificação aos arguidos para estarem presentes se o desejarem e a defensora oficiosa nomeada nos autos não visitou os arguidos nem estes tiveram conhecimento da diligência nem organizaram Defesa e contra-interrogatório e a defesa não foi actuante nem exercida de modo eficaz pelo que a ausência de defesa e do contraditório torna a memória futura nula por violação dos art.ºs 6° - 3 - C) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e art.º 32º-1 da Lei Fundamental quando entendida que a defesa – art.º 61º,
119º-C, 271º-1 e 327º C.P.P. não tem que contactar os arguidos nem organizar a defesa nem respeitar o princípio do Contraditório nem os arguidos têm que ser notificados e estarem presentes.».
Como se verifica dos autos (fls. 2440), os recorrentes vieram arguir a nulidade das declarações tomadas para memória futura a I., aquando da sua leitura em audiência de julgamento, tendo então alegado que “essa leitura limita seriamente os princípios da imediação da prova e do contraditório; só um pleno exercício desses princípios, consignados nos art.ºs 327º, n.º 2, do CPP, 32º, n.º 1, da CRP e 6º da CEDH, assegura amplas garantias de defesa; o não confronto pessoal da testemunha inquirida com os arguidos presentes impede efectivamente o integral respeito pelos aludidos princípios, mormente por não ter sido cumprido, na altura, o disposto no n.º 2 do art.º 271º do CPP”.
Esse pedido foi indeferido por despacho da Juíza Presidente do Tribunal Colectivo sob o fundamento de que, em síntese, não obstante os arguidos não tivessem sido pessoalmente notificados para a realização da audiência da tomada das referidas declarações para memória futura como o impunha o n.º 2 do art.º
271º do CPP, o certo é que tal omissão integrava uma nulidade processual e esta estava sanada por falta de atempada arguição dos arguidos.
Disse-se em tal despacho:
«Quanto à arguição de nulidade da diligência de leitura das declarações para memória futura colhidas à testemunha I., dir-se-á que por despacho proferido a fls. 497 dos autos (vol. II), foi ordenada a inquirição da referida testemunha nos termos e para os efeitos do disposto no art. 271º do C.P.Penal. Agendada a diligência, foram as ilustres defensoras que então garantiam a defesa dos arguidos notificadas para comparecer, tendo inclusivamente estado presente a Exmª. Drª. J., sem que, quer esta, quer a defensora nomeada no acto ao arguido B., tivessem então arguido qualquer nulidade.
É certo que o art. 271º do C.P .Penal, no seu n.º 2, impõe a notificação, para o que agora considerar, do arguido e do defensor. No entanto, que as suas presenças não são obrigatórias, decorre desde logo da parte final do preceito em referência, nos termos do qual as notificações são efectuadas “... para que possam estar presentes, se o desejarem”. O art.º 119º do mesmo diploma contém o elenco das nulidades insanáveis, as quais devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do processo. As demais constituem nulidades dependentes de arguição (art.º 120º) e, quando não prevista em nenhum dos aludidos preceitos, a omissão de qualquer formalidade constitui mera irregularidade dependente de arguição, nos termos e prazos previstos no n.º
1 do art.º 123º. Constata-se assim que todos os arguidos agora arguentes intervieram em numerosos actos subsequentes sem que tivessem arguido qualquer nulidade ou irregularidade da diligência realizada, encontrando-se deste modo sanada a irregularidade cometida. De resto, acrescenta-se, a ter ocorrido - e entendemos que não se verificou - atropelo ao invocado princípio do contraditório, o mesmo decorreria do despacho que ordenou a diligência e não da mera leitura que em sede de audiência foi feita das declarações então prestadas. Julga-se assim improcedente a arguição da nulidade e condena-se cada um dos arguidos arguentes em taxa de justiça que se fixa em 2 Ucs, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário que oportunamente lhes foi concedido. Notifique.».
No recurso para a Relação, os arguidos controverteram este despacho com base nas razões que sintetizaram nas seguintes conclusões:
«1- A DILIGÊNCIA PARA MEMÓRIA FUTURA - FLS. 866/870 DOS AUTOS - E RESPECTIVA LEITURA EM JULGAMENTO - SESSÃO DE 18 SET 2003 - CONSTITUEM ACTO NULO.
2- O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO IMPÕE QUE O ARGUIDO SEJA CONFRONTADO COM QUEM O ACUSA DE CERTOS FACTOS, A FIM DE PODER DEFENDER-SE.
3- O ART. 271º-2 CPP EXIGE A NOTIFICAÇÃO AOS ARGUIDOS PARA ESTAREM PRESENTES SE O DESEJAREM- FORMALIDADE QUE A POLICIA JUDICIÁRIA, MINISTÉRIO PÚBLICO E ATÉ O SENHOR JUIZ INSTRUÇÃO CRIMINAL OMITIRAM.
4- A DEFENSORA OFICIOSA NOMEADA NOS AUTOS NÃO VISITOU OS ARGUIDOS NEM ESTES TIVERAM CONHECIMENTO DA DILIGÊNCIA PARA MEMÓRIA FUTURA.
5- A DEFESA NÃO FOI ACTUANTE NEM EXERCIDA DE MODO EFICAZ, POIS NÃO CONTACTOU COM OS ARGUIDOS, ANTES OU APÓS A INQUIRIÇÃO PARA MEMÓRIA FUTURA, NEM ESTES PUDERAM DEFENDER-SE, POR AUSÊNCIA DA DEFENSORA.
6- O PATROCÍNIO/DEFESA EM PROCESSO PENAL TEM DE SER EXERCIDO DE MODO EFICAZ E NÃO MERAMENTE TEÓRICO, HAVENDO PORTANTO FALTA DE PATROCÍNIO OFICIOSO SE FOI NOMEADO ADVOGADO QUE POR IMPEDIMENTO, AUSÊNCIA, NEGLIGÊNCIA, DOENÇA, ETC... NÃO CUMPRE OU NÃO PODE CUMPRIR EFECTIVAMENTE AS SUAS OBRIGAÇÕES.... DEVENDO SER ANULADO O PROCESSADO...Acórdão Tribunal Constitucional Espanha Senti/178/1991 - in Sub Judice / novos estilos 6, 1993.
7- A AUSÊNCIA DE DEFESA TORNA A MEMÓRIA FUTURA NULA POR VIOLAÇÃO DOS ARTS. 61º,
119º-C, 271º-2 E 327º DO CÓD. PR. PENAL, ART. 32º-1 e 3 DA LEI FUNDAMENTAL E ART. 6°-3-C) DA CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM.
8- A NÃO COMUNICAÇÃO AOS RECORRENTES DA DILIGÊNCIA E A AUSÊNCIA DE PREPARAÇÃO/ORGANIZAÇÃO DA DEFESA COM VISTA A CONTRADITAR A INQUIRIÇÃO PARA MEMÓRIA FUTURA VIOLAM OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA IMEDIAÇÃO.
9- O DIREITO A INTERROGAR OU FAZER INTERROGAR AS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO FOI OSTRACIZADO AB INITIO POIS NEM OS RECORRENTES FORAM NOTIFICADOS PARA ESTAREM PRESENTES À DILIGÊNCIA EM VIANA DO CASTELO - Fls. 866 - NEM A DEFENSORA NOMEADA OS VISITOU OU ESTES TIVERAM CONHECIMENTO DA DILIGÊNCIA. Acresce que,
10- OS ARGUIDOS SAO NATURAIS DA MOLDÁVIA E NÃO ENTENDIAM ÀQUELA ÉPOCA - JUNHO
2002 - A LÍNGUA PORTUGUESA E HAVIA IMPOSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA COM A DEFENSORA.
11- UMA DEFESA ACTUANTE, EFICAZ E UM PROCESSO PENAL TRANSPARENTE E EQUILIBRADO -
'A EXCLUSIONARY BULE' - IMPÕEM QUE AS PROVAS OBTIDAS EM VIOLAÇÃO DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DOS ARGUIDOS NÃO PODEM SER UTILIZADOS CONTRA ELES EM JULGAMENTO.
12- A AUSÊNCIA DE DEFENSOR OU DE DEFESA CONSTITUI NULIDADE INSANÁVEL - ART
119º-C) CPP, QUE TORNA A MEMÓRIA FUTURA NULA.
13- COM A AUSÊNCIA DOS ARGUIDOS, AUSÊNCIA DE DEFESA EFICAZ, AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO, AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO, AQUISIÇÃO DE PROVA CONTRA LEGE, A MEMÓRIA FUTURA É INVÁLIDA E NÃO DEVE SER VALORADA.
14- OS ARGUIDOS NÃO SE DEFENDERAM NEM FORAM DEFENDIDOS DE UMA DILIGÊNCIA EM INQUÉRITO QUE OS AFECTAVA PESSOALMENTE E AS AUTORIDADES JUDICIÁRIAS OMITIRAM-LHES O DEVER DE INFORMAÇÃO.
15- O ARTIGO 271º-2 DO C.P.P. É INCONSTITUCIONAL NA HERMENÊUTICA EXPENDIDA NA DOUTA DECISÃO DE FLS. 2443 QUANDO ENTENDIDA QUE BASTA A NOTIFICAÇÃO AO DEFENSOR E NÃO É NECESSÁRIA A NOTIFICAÇÃO AO ARGUIDO, POIS NÃO BASTA NOMEAR OU ESTAR PRESENTE O DEFENSOR, SENDO INDISPENSÁVEL UMA DEFESA ACTUANTE, EFICAZ, NÃO DE CORPO PRESENTE OU MERAMENTE TEÓRICA MAS SIM EM DEFESA DO ASSISTIDO, SOB PENA DE VIOLAÇÃO DO ART. 32º-1 E 3 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA E ART.
6°-3-C) DA CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM - Caso Pakeeli S 25 Abril
1983, Caso Artico S 13 Maio 1980 e Acórdão BOE 10.10.1991 Tribunal Constitucional Espanha - in Sub Judice/Novos Estilos, 6, 1993 Foram violados os arts. 32º-1 e 3 da Lei Fundamental, os arts. 61º, 271º-2 e
327º do C.P.P. e o art. 6°-3 c) e d) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, verificando-se a nulidade do art. 119-C - CPP- 'indefesa' Pelo que deve ser declarada a nulidade do acto praticado.».
Conhecendo da questão posta nestas alegações, pronunciou-se o acórdão recorrido nos seguintes termos:
«[...] Os recorrentes impugnam o despacho do Mmº Juiz Presidente, na acta de 18/09/03, a fls. 2442 e 2443 (11º vol.) - cfr. ainda auto de declarações para memória futura constante de folhas 866 a 870 (4.º vol.).
1. Os recorrentes argúem a nulidade da leitura dessas declarações para memória futura colhidas à testemunha I., leitura esta efectuada em audiência de julgamento (na 1ª instância), nos termos e para os efeitos do disposto no art.º
356º, n.º 2 do CPP (cfr. fls. 2440).
[...]
3. Na verdade, a leitura na audiência de julgamento das declarações tomadas à testemunha I. perante o juiz de instrução, nos termos do art.º 271º do CPP
(declarações para memória futura) - é permitida, expressamente pelo citado art.º
356º, n.º 2 do CPP. E, ao invés do que vem alegado pelos recorrentes, não afecta, no essencial, os aludidos princípios da imediação da prova e do contraditório, já que as mesmas podem ser ali contrariadas por outras provas que a defesa queira apresentar. Pressuposto é que a defesa possa, efectivamente, exercer tal contraditório. Ora, no caso. foi-lhe dada essa possibilidade.
4. Contudo, os recorrentes atacam o cumprimento do disposto no n.º 2 do art.º
271º do CPP, por considerarem que só estiveram presentes as suas defensoras oficiosas e que não foram notificados para estarem presentes pessoalmente em tal diligência. Ora, convém dizer que esta tomada de declarações para memória futura à testemunha I. ocorreu na fase de inquérito, mas foi efectuada sob a direcção do juiz de instrução, de Viana do Castelo, cfr. auto de 3/7/02, de folhas 866 a 870
(4.º vol.), estando presentes a Digna Magistrada do M.º P.º e os defensores oficiosos dos arguidos. Aliás, como refere o despacho recorrido, para tal diligência foram notificadas as ils. defensoras oficiosas dos arguidos (mormente dos ora recorrentes), sendo certo que a Drª J. (defensora oficiosa do arguido A.) se deslocou de Torres Vedras a Viana do Castelo para o efeito; e, verificada a falta da Drª L., foi nomeado em sua substituição, o Dr. M., como defensor oficioso do arguido B.
(cfr. fls. 866). Ali foi nomeado intérprete à testemunha I. - que prestou o compromisso legal
(art.º 91º, n.º 2 do CPP). Acresce que a inquirição foi efectuada pelo Mmº JIC de Viana do Castelo em conformidade com o que lhe fora deprecado pelo seu colega, juiz de instrução de Torres Vedras, como consta do despacho de 12/06/02 (fls. 497) e esclarecimento constante do despacho judicial de 21/06/02 (fls. 717), para que a testemunha depusesse, além do mais, sobre os factos constantes do auto de notícia de fls.
33-34 e por haver receio de que (a testemunha) pudesse «...a qualquer momento abandonar o país...» (cfr. fls. 479) - cfr. art.º 271º, n.º 1 do CPP. Improcedem, assim, os argumentos dos recorrentes no sentido de que foram abaladas as garantias (constitucionais) de uma defesa eficaz, por não terem tido a possibilidade efectiva de contraditar a testemunha I., já que, como vimos, ao invés, a sua defesa foi efectiva e eficazmente garantida, mormente através da presença, no acto - aliás, dirigido pelo juiz de instrução, repete-se - dos respectivos defensores (ainda que oficiosamente nomeados). Aliás, não têm qualquer razão quando sugerem que as ils. defensoras nomeadas oficiosamente no decurso do inquérito não exerceram a sua função eficazmente, que até nem os visitaram, porquanto não é verdade. Antes, como vimos, houve uma das ils. defensoras (Drª. J.) que até se deslocou de Torres Vedras a Viana do Castelo, exactamente para acompanhar de perto a defesa dos arguidos - o que fez!
5. No que respeita à não notificação pessoal dos arguidos - cfr. art.º 271º, n.º
2 do CPP - ela ocorreu sem dúvida, mas também entendemos que se trata de uma mera irregularidade processual, porquanto aqui vigora o princípio da legalidade
- cfr. art.º 118º do CPP; sendo que: - «Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.» - cfr. n.º 2 desse art.º 118º do CPP. Tanto assim é que no citado n.º 2 do art.º 271º do CPP não se exige a presença pessoal dos arguidos. Só se assim fosse é que se estaria perante uma nulidade, aliás insanável - cfr. art.º 119º, al. c), do CPP. Mas não é o caso! Daí que, tratando-se de uma mera irregularidade (a não notificação pessoal dos arguidos) e, como vimos, porque não afecta o valor do acto - este foi efectuado pelo juiz de instrução, que garantiu a legalidade e imparcialidade dessa tomada de declarações - e por não ter sido suscitada a sua arguição no acto nem no prazo do n.º 1 do art.º 123º do CPP. Por tudo isto, mostra-se sanado tal vício.
6. Repete-se, a defesa esteve presente e teve a possibilidade efectiva de, querendo, contraditar o depoimento daquela testemunha. Assim, não se mostram violados os invocados princípios constitucionais, mormente o princípio do contraditório, nem se verificou diminuição de qualquer das garantias de defesa que o processo criminal assegura. Em suma, não se mostram violadas as normas constantes dos art.ºs 32º, n.ºs 1 e
3, da CRP, 6º, n.º 3, als. c) e d) da CEDH, 61º, 271º, n.ºs 1 e 2, 327º e 356º, n.º 2, estes do CPP.
7. 2ª CONCLUSÃO: Nos termos acima expostos, improcede o recurso interposto pelos arguidos (A. e B.) do despacho do Mmº Juiz Presidente do Colectivo, constante da acta de
18.SET.03, de fls. 2442 e 2443 (cfr. 11º vol.).».
Como se verifica das transcrições feitas, quer o despacho de 1ª instância quer o acórdão recorrido interpretaram o art.º 271º, n.º 2 do CPP no sentido defendido pelo recorrente, qual seja, o de ser obrigatória a notificação ao arguido e ao seu defensor do despacho que decide e designa dia para a tomada de declarações para memória futura (que vieram a ser colhidas à testemunha I.), a fim de poderem estar presentes pessoalmente, e em ambas as decisões se dá por assente que o arguido não foi notificado de tal despacho nem do dia de realização da audiência de inquirição. Acontece, todavia, que o acórdão recorrido, como aliás já o fizera o acórdão do Tribunal Colectivo, qualificou essa omissão como uma simples irregularidade processual, enquadrada no art.º 118º, n.º 2, do CPP e considerou-a sanada por falta da sua arguição no acto de tomada das declarações ou dentro do prazo estabelecido no art.º 123º, n.º 1 do CPP. Ora, independentemente de se poder questionar se os recorrentes terão problematizado perante o Tribunal da Relação a questão de inconstitucionalidade da norma do art.º 271º, n.º 2, do CPP na acepção que fora aplicada pelo despacho de 1ª instância recorrido, e que veio a sê-lo igualmente no acórdão da Relação, dado a haverem definido como não impondo (contra o considerado) a notificação ao arguido da realização da inquirição para memória futura, e igualmente, e tal como acontece em relação às demais normas sindicadas constitucionalmente, se os mesmos recorrentes não se limitam, face às conclusões transcritas e ao requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, a discutir tão só a correcção da decisão recorrida no plano da aplicação directa das disposições da Lei Fundamental e dos preceitos do CPP, pretendendo desse modo sindicar a inconstitucionalidade da decisão judicial e não a inconstitucionalidade das normas aplicadas, verifica-se, decisivamente, que os mesmos recorrentes não questionam a constitucionalidade das normas que o acórdão recorrido aplicou como prescrevendo que a omissão da notificação ao arguido se consubstanciava apenas numa irregularidade processual cabível no art.º 118º n.º
2 do CPP e cujo vício se sanava nos termos do art.º 123º, n.º 1, do mesmo compêndio objectivo, e que constituiu a ratio decidendi, ou seja, exactamente, estas normas dos art.ºs 118, n.º 2 e 123º, n.º 1, do CPP. Sendo assim, não vindo questionada a constitucionalidade destes preceitos ao abrigo das quais se considerou que a omissão da notificação do arguido em causa integrava um simples vício de irregularidade e que a sua falta de arguição no acto de inquirição da testemunha para memória futura ou nos termos do art.º 123º do CPP importava a sua sanação, como de facto acontecera, nunca o eventual julgamento pelo Tribunal Constitucional no sentido da inconstitucionalidade da referida norma do art.º 271º, n.º 2, do CPP poderia ter quaisquer efeitos jurídicos práticos, por a situação se dever ter por irremediavelmente consolidada na ordem jurídica por virtude do caso julgado constituído sobre a sanação da irregularidade. Não pode, pois, agora, este Tribunal conhecer do recurso nesta parte, porque sempre a decisão da Relação, no que à mesma respeita, se manteria inalterada. Na verdade, como se diz no Acórdão n.º 44/85, inédito, (mas doutrina idêntica se pode colher dos Acórdãos n.os 33/85, publicado no Diário de República II Série, de 25/03/1985, 35/85, 39/85, 44/85, 48/85, 81/85, 83/85, 101/85, todos inéditos,
208/86 e 234/91, publicados no Diário da República II Série, respectivamente, de
3/11/19986 e 20/9/1991 ; cfr. ainda, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. VI, págs. 207/208), “a fiscalização concreta desenvolve-se apenas no âmbito de um processo. [...]. Por isso, o recurso só deve ter seguimento quando a eventual decisão da questão de inconstitucionalidade puder implicar com a decisão recorrida. O recurso tem sempre por objecto uma decisão judicial e visa sempre alterar a decisão recorrida; logo, ele só tem sentido quando a decisão que o TC deva tomar sobre a questão da inconstitucionalidade puder implicar alteração da decisão recorrida. Isto é, o recurso só deve prosseguir, se se admitir que, quanto à questão de fundo, a decisão recorrida não permaneceria incólume caso o TC viesse a alterar o juízo do Tribunal recorrido quanto à questão de constitucionalidade. Ao invés, se é seguro que a decisão quanto ao fundo ficaria intocada mesmo que o Tribunal viesse a alterar o juízo do tribunal recorrido sobre a questão de constitucionalidade, então esta
é, em princípio, irrelevante e o recurso não deve ter lugar”.
9 – Destarte, atento tudo o exposto, decide-se não conhecer do recurso. Custas por cada um dos recorrentes, com taxa de justiça de 8 UC.».
B – Fundamentação
5 – Como se verifica da sua análise, a reclamação em nada controverte a bondade dos fundamentos em que se estribou a decisão sumária: a inutilidade de dirimição das questões de constitucionalidade propostas por os recorrentes não terem questionado a constitucionalidade das normas que o acórdão recorrido aplicou como prescrevendo que a omissão da notificação ao arguido se consubstanciava apenas numa irregularidade processual cabível no art.º 118º n.º 2 do CPP e cujo vício se sanava nos termos do art.º 123º, n.º 1, do mesmo compêndio objectivo, e que constituiu a ratio decidendi, ou seja, exactamente, estas normas dos art.ºs
118, n.º 2 e 123º, n.º 1, do CPP. Nestes termos, a decisão reclamada é de manter.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação. Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça, por cada um, de 15 UC.
Lisboa, 16 de Junho de 2004 Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos