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Proc. n.º 98/04
3ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia foi o ora recorrente, A., condenado na pena de três anos de prisão, suspensa por cinco anos, pela prática, em autoria material, de 3 crimes de homicídio por negligência grosseira, previstos e punidos pelo n artigo 137º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal. Foi ainda decidido aplicar ao arguido a medida de segurança de cassação da licença de condução “não podendo obter nova licença de condução de veículos ligeiros sem que decorram 2 anos sobre o trânsito em julgado da presente decisão e não podendo jamais voltar a ser-lhe concedida licença de condução de pesados”.
2. Inconformado com esta decisão, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, tendo afirmado, nomeadamente, o seguinte:
“1.Há duas questões que levam o Arguido a discordar do aliás Douto Acórdão de
14-3-2002, e que são as atinentes ao julgamento da Matéria de Facto e da Matéria de Direito. Por conseguinte, passaremos de seguida à apreciação de cada um daqueles temas. Assim QUANTO À MATÉRIA DE FACTO:
2. Na FUNDAMENTAÇÃO em que se enumeram os FACTOS PROVADOS da Acusação, o Douto Colectivo deu como assente o seguinte:
- No Ponto 7º, que o Arguido, devido à velocidade a que circulava, não conseguiu imobilizar o Auto-Pesado que conduzia, indo embater violentamente num outro veículo;
- No Ponto 18º, que os embates ocorridos se deveram ao facto de o Arguido, apesar de conduzir um Auto-Pesado numa estrada com muito movimento e com nevoeiro, e de se estar a aproximar de um local onde quase sempre se formam filas de veículos imobilizados, imprimia ao seu veículo uma velocidade que depois não lhe permitiu imobilizá-lo a tempo de evitar o embate;
- No Ponto 19º que o Recorrente actuou de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e era apta a ocasionar um acidente de viação causador de lesões físicas e da própria morte de terceiros, tendo porém confiado sempre que tal não iria ocorrer, sendo certo que lhe era possível o ter actuado de outra forma;
- Nos Pontos 69º, 70º e 71º, que antes da Portagem o Arguido começou a desviar o seu veículo para a faixa esquerda da estrada, pois pretendia entrar e seguir pela Via Verde, cujo acesso estava porém obstruído por uma fila de trânsito que ocupava a dita faixa;
- Nos Pontos 73º e 74º,que aquele após ter desfeito uma curva, apercebeu-se da fila de trânsito de veículos que aguardavam vez para passar a Portagem e que accionou os travões do veículo que conduzia.
3. De interesse é ainda de mencionar alguns dos FACTOS NÃO PROVADOS aduzidos pelo Arguido na sua Contestação, e que se relacionem com aqueles outros que vêm anteriormente referidos. São eles os seguintes:
- No Ponto 16º,que ficou por demonstrar que os travões do veículo que o Recorrente conduzia, sistema ABS, não hajam obedecido, não tendo o veiculo afrouxado a respectiva marcha depois de os mesmos terem sido accionados;
- No Ponto 17º, que também não se demonstrou que o motor do veiculo que o Arguido conduzia, após terem sido accionados os travões, tenha ido abaixo e ficado bloqueada a respectiva direcção, impedindo aquele de efectuar qualquer manobra de emergência;
4. Todavia, crê o Recorrente que os referidos julgamentos do Douto Colectivo em matéria de facto não se justificam, face à afirmações das testemunhas que foram ouvidas e cujos depoimentos constam das várias gravações da Audiência de Discussão e Julgamento, e que de seguida passaremos a analisar. Ora vejamos:
- A Testemunha de Acusação B. afirmou o seguinte :
“Ele havia nevoeiro, mas era um nevoeiro alto, via-se bem, via-se bem os carros” (Cassete n.º 1, Lado A, 1250-1450);
- A Testemunha de Acusação C., à pergunta que lhe foi feita de qual a distância que mediava entre as cabines da Portagem e o Auto-Pesado conduzido pelo Arguido, respondeu: “300, 400 metros, talvez”;
[...] Portanto, e D) EM CONCLUSÃO : QUANTO À MATERIA DE FACTO :
1ª - Atentos os Factos da Acusação dados como provados nos Pontos 72º, 73º e 74º da Fundamentação do Acórdão, conjugados com os depoimentos das Testemunhas [...]
é de concluir que devem ser dados como NÃO PROVADOS os Pontos 7, 18 e 19 daquela mesma Fundamentação;
2ª - Por via disso, e concomitantemente, devem ser dados como PROVADOS os factos mencionados nos nºs 16 e 17, sob a epígrafe Factos Não Provados constante do Acórdão,
3ª - De onde se conclui, pois, que o acidente dos Autos não é imputável à conduta do Arguido, seja ele a que título for,
4ª - Mas antes a deficiência mecânica do Auto-Pesado que aquele conduzia, que apesar de adquirido nessa altura, no estado de novo, não foi devidamente afinado pela Empresa vendedora antes da sua entrega ao comprador,
5ª – O que originou o não funcionamento da direcção e dos travões do veículo, dando causa ao embate deste com um auto-ligeiro estacionado na Portagem e ao posterior choque deste último com vários automóveis que também ali se encontravam , à sua frente.
6a - Irrelevantes e arbitrárias são as considerações do Acórdão vertidas nas Alíneas H) e I) sobre a Fundamentação da Matéria de Facto, pois que os depoimentos das Testemunhas D., E. e F., são plenamente atendíveis, por não terem sido minimamente infirmados, quer em perguntas feitas pelo Tribunal, quer nos contra-interrogatórios “ex adverso”,
7ª - De tudo resultando, pois, que não são de aceitar a apreciação e o julgamento da Prova feitos pelo Douto Colectivo, que assim devem ser corrigidos e reformulados nos termos atrás referidos. QUANTO Á MATÉRIA DE DIREITO:
8ª - Contrariamente ao que foi entendido pela 1ª Instância, a Cassação da Licença de Condução não pode ser decretada para durar perpetuamente,
9ª - Por a isso se oporem, por forma expressa, os preceitos legais dos Artigos
101º, n.º 4 e 100º., n.º 2, do Código Penal e os Artigos 148º., n.º 1 a) e
149º., n.º 1, “in fine”, estes do Código da Estrada,
10ª - Que estabelecem que aquela Medida de Segurança só pode ser aplicada pelo período limitado de um a cinco anos.
11ª Além disso, e para fundamentar aquela Cassação, julgou o Douto Colectivo que o Arguido devia ser considerado inapto para a condução de veículo motorizado, sobretudo de pesados,
12ª - Dada a possibilidade de, no futuro, poder vir a praticar factos igualmente graves ou idênticos àquele por que foi acusado neste Processo
13ª. – Conclusões que, todavia, não são de aceitar, pois vê-se do Ponto 77 dos FACTOS PROVADOS que o Recorrente NUNCA RESPONDEU EM TRIBUNAL,
14ª - Sendo irrelevante por inútil a afirmação que se lê no Ponto 20 dos FACTOS NÃO PROVADOS, de que não se demonstrou que o Arguido jamais tenha tido problemas na sua vida de condutor profissional,
15ª Pois ela contraria o que consta da anterior Conclusão 13ª, que é a prova atendível e relevante do comportamento pretérito daquele, por resultar de documentos oficiais juntos aos Autos,
16ª - Pelo que é indevida, por desnecessária e despropositada, a aplicação da Medida de Segurança prevista no Artigo 101º., nº 1, a) e b) e n.º 3, do Código Penal.
17º - Além disso, a interpretação do Douto Colectivo ao Artigo 101º, n.º 1 a) e b), e n.º 3, do Código Penal tem de se reputar de INCONSTITUCIONAL, por ofensiva do DIREITO DO ARGUIDO AO TRABALHO consagrado nos Artigos 18º, n.º 2 e 58º., nºs
1 e 2, b) da Constituição da República e no Artigo 23º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10-12-1948, que faz parte do Direito Interno Português atento o disposto no Artigo 8º da nossa Lei Fundamental.
[...]”.
3. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 14 de Maio de 2003, decidiu não conhecer do recurso na parte em que o arguido pedia a reapreciação da matéria de facto, mas conceder parcial provimento ao mesmo no que respeita à fixação do tempo de cassação da licença de condução, nessa parte revogando a sentença e fixando em 4 anos o prazo durante o qual o arguido ficaria impedido de obter a licença de condução de veículos pesados. No mais, manteve, em relação ao ora recorrente, todo o conteúdo da sentença recorrida. Para decidir desta forma ponderou aquele aresto, na parte ora relevante:
“[...] A prova dos autos mostra-se gravada em áudio e transcrita. Quer isto dizer que a Relação pode conhecer de facto se impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, e de direito. O arguido [...] impugna para além do mais a decisão proferida sobre a matéria de facto. Mas tê-lo-á feito de acordo com a lei? Vejamos! Diz o Artigo 412º do CPP
(...)
3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve especificar: a) os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as provas que impõem decisão diversa da declarada; c) as provas que devem ser renovadas.
4. Quando as provas tenham sido gravadas as especificações previstas nas al. b) e c) do n.º anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos havendo lugar a transcrição.
É jurisprudência assente que o âmbito dos recursos é determinado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, só abrangendo as questões nelas contidas – artigo 412º- 1-C.P.P. (Cfr. artigos 684-3, 690º C.P.C. e 4º C.P.P.). Como decorre das conclusões da respectiva motivação o recorrente não cumpriu a imposição legal prevista nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 412º C.P.P.. Assim, sendo, a matéria de facto dada como provada, encarada, sob este ponto de vista apresenta-se, como inatacável. Por outro lado do texto da decisão recorrida por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, não se perfila qualquer dos vícios apontados no artigo 410º, 2º a), b) e c) do C.P.P. igualmente não se topando qualquer inobservância de requisito cominado com nulidade e que se não deva considerar sanada.
[...] Quanto ao direito [...] Como consta da sentença posta em crise ao arguido para além da condenação em 3 anos de prisão, foi-lhe aplicada a medida de segurança de cassação da licença de condução, não podendo obter nova licença de veículos ligeiros sem que decorram 2 anos sobre o trânsito, não podendo jamais voltar a ser-lhe concedida licença de condução de pesados. Quanto a esta última parte importa desde já dizer que estamos perante um flagrante erro de direito a corrigir por via do decurso. O nosso ordenamento jurídico em parte alguma prevê penas – sanção com duração perpétua; todas têm duração limitada. No caso dos autos vejamos o que diz o artigo 101ºnº1 do C. Penal:
“Em caso de condenação por crime na condução de veículo motorizado ou com ele relacionado ou com grosseira violação dos deveres que ao condutor (...) incumbem o Tribunal decreta a cassação da licença de condução quando em face do facto praticado e da personalidade do agente. a) Houver fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie; ou b) Dever ser considerado inapto para a condução de veiculo motorizado.” O tribunal a quo fundamentou a aplicação de tal medida de segurança com apelo à al. b) do n.º 1 do citado artigo 101º. Entendeu que “face a tudo o que supra se deixou dito entende-se que a conduta do arguido é susceptível de revelar inépcia para a condução de veículo motorizado, sobretudo de passageiros ou mercadorias. Nada a criticar em tal asserção. Quanto ao prazo dir-se-á ainda que a interpretação dada ao artigo 101º do C. P. no sentido de não prever prazo dir-se-á que é desapoiada de texto legal e manifestamente inconstitucional por violação flagrante do disposto no artigo 30º da C.R.P.. Razão porque terá de ser fixado prazo para a referida interdição considerando a gravidade dos factos, a personalidade do arguido reflectida naqueles mesmos factos fixa-se em 4 anos o prazo durante o qual o arguido fica impossibilitado de obter licença de condução de veículos pesados. Como se vê é assim procedente nesta parte o recurso do arguido. Quanto à falta de fundamentação alegada para aplicação de tal medida falece razão ao recorrente.
É que o arguido agiu com clara negligência grosseira revelando inépcia em grau elevado para a condução de veículos especialmente de pesados atentas as circunstâncias apuradas em total desrespeito pelas regras de circulação rodoviária e pelas consequências da sua negligência tendo em conta as características de tais veículos. Também improcede o recurso nesta parte.
[...]”.
4. É desta decisão que vem interposto o presente recurso, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
[...], Arguido nos Autos de Processo Penal Comum (Tribunal Colectivo) à margem referidos, que lhe move o Exm.º Procurador Geral Adjunto, vem expor o seguinte:
1. O Requerente não se conforma com o Acórdão dessa Relação de 14-5-03, pelo que dele vem recorrer para o Tribunal Constitucional, nos termos dos Artigos 70º, n.
º1 e 75º.-A, n.ºs 1 e 2, todos da Lei daquele Tribunal.
2. Efectivamente, a decisão proferida por essa Relação de não conhecer do Recurso da Matéria de Facto, com a alegação de que não fora cumprida a imposição legal prevista no Artigo 412º, n.ºs 3 e 4, do C.P.P., constitui uma interpretação normativa inconstitucional do referido preceito, por violadora do Artigo 32º, n.º 1, da nossa Lei Fundamental.
3. Além disso, decidiu-se fixar em 4 anos o período de cassação da licença de condução de pesados ao Recorrente, o que representa uma Interpretação Inconstitucional dos Artigos 100º, n.º 2 e 101º, n.º 1 a) e b), e n.º 3, do Código Penal, por ofensiva do disposto nos Artigos 18º, n.º 2, 58º, n.ºs 1 e 2, b), da Constituição e do Artigo 23º, n.º 1, da “Declaração Universal dos Direitos do Homem” de 10-12-1948 e, consequentemente, do Artigo 8º da Lei Fundamental, que incorporou aquele Diploma de Direito Internacional no Direito Interno Português.
4. Quanto ao vício mencionado no anterior n.º 3, ele foi suscitado nas Motivações de fls. 658 e segs., que o Recorrente apresentou no Tribunal da Relação em 5-4-2002.
5. Pelo que respeita ao vício referido no anterior n.º 2 ele só agora pode ser invocado, pois que a decisão do não conhecimento do Recurso, quanto à Matéria de Facto, somente foi proferida “ex novo” no Acórdão recorrido de 14-5-05, sem que anteriormente o Tribunal da Relação lhe haja feito qualquer alusão, por menor que fosse. Por assim ser, é perfeitamente legítimo o suscitar esta questão no presente Recurso para o Tribunal Constitucional, como aliás foi admitido, sem qualquer controvérsia e em hipótese similar, pelo Douto Acórdão daquele Tribunal n.º
288/2000, de 17-5-2000 (B.M.J., n.º 497, pág. 103)”.
5. Já neste Tribunal foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
“EM CONCLUSÃO:
1ª Nos termos do Artigo 4º. Do C.P.P., o Processo Civil é aplicável, como direito subsidiário, ao Processo Criminal, pelo que neste são também de observar as disposições dos Artigos 690º., n.º 4 e 701º., n.º. 1, do C.P.C.,
2ª Que na hipótese de as conclusões serem omissas ou deficientes, quanto às menções que devem conter (neste caso as dos nºs. 3 e 4 do Artigo 412º. do C.P.P.), impunham que o Tribunal da Relação tivesse facultado, ao Recorrente, a oportunidade de as corrigir,
3ª Convite que era tanto mais pertinente, no caso “sub iudice”, por estar em causa Matéria de Processo Criminal, e portanto haver que assegurar todas as garantias de defesa que a Lei concede ao Arguido, conforme o prescreve o Artigo
32º., n.º 1, da C.R.;
4ª Contudo, assim não entendeu o Acórdão recorrido, que omitiu o falado convite e antes optou por não tomar conhecimento do Recurso quanto à matéria de Facto, assim incorrendo numa interpretação inconstitucional do Artigo 412º., nºs. 3 e
4, do C.P.P., por ofensiva do disposto no Artigo 32º., n.º 1, da nossa Lei Fundamental.
5ª Contudo, um outro vício foi originado pelo não conhecimento da referida Matéria, pois ficou por apurar, de um modo definitivo e convincente, se o acidente dos Autos se deveu, ou não, a culpa do Recorrente, justificativa da responsabilidade criminal que lhe foi assacada,
6ª Pelo que, também por este aspecto, se revelou uma interpretação inconstitucional do aludido Artigo 412º., nºs. 3 e 4, igualmente ofensiva do Artigo 32º., nº1, da C.R.;
7ª. Porém, não ficam pelo que se expôs os reparos devidos à decisão da 2ª. Instância, pois que a falta de reapreciação da prova não forneceu elementos que permitissem apurar, com justeza, se era ou não devida a Cassação da Licença de Condução de Pesados imposta ao Recorrente, o que obviamente dependia de um juízo sobre a sua eventual culpa,
8ª Pelo que também aqui deparámos com uma nova interpretação inconstitucional, esta dos Artigos 100º., n.º 2 e 101º., n.º. 1, a) e b), e n.º. 3, do Código Penal, por ofensiva do preceituado nos Artigos 18º., n.º 2, 32º., n.º 2, 58º., nºs 1 e 2, b), da C.R. e do Artigo 23º., n.º. 1, da “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, com referência ao Artigo 8º da nossa Lei Fundamental. Pelo exposto, verifica-se que a Decisão recorrida, por violação do disposto nos Artigos 18º., n.º. 2, 32º., nºs. 1 e 2, 58º., nºs 1 e 2, b), todos da C.R., e no Artigo 23º., n.º. 1, este da “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, com referência ao Artigo 8º, da Nossa Lei Fundamental, fez uma interpretação inconstitucional do Artigo 412º., nºs 3 e 4, do C.P.P., dos Artigos 100º., n.º.
2, 101º., nº.1, a) e b), e n.º 3, ambos do Código Penal e dos Artigos 690º., n.º
4 e 701º., n.º 1, estes do Código de Processo Civil, pelo que deve ser concedido provimento ao presente Recurso e revogar-se o Acórdão recorrido, com o que se fará BOA JUSTIÇA”.
6. Notificado para responder, querendo, à alegação do recorrente, disso o Ministério Público, a concluir:
“1º - O recorrente não delineou, em termos inteligíveis, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa quanto aos artigos 100º e 101º do Código Penal, não especificando qual a interpretação, aplicada pelo acórdão recorrido, que considerava violadora da Constituição - pelo que não deverá, nesta parte, conhecer-se do recurso.
2º - É inconstitucional a interpretação normativa do artigo 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal que considera irremediavelmente preclusivo o vício da motivação do recurso, tendo como objecto a matéria de facto, fixada em audiência, sujeita a gravação (e subsequente transcrição da prova), consistente em o arguido não ter incluído nas conclusões as especificações ali previstas, num caso em que – face ao teor da motivação –se mostram especificados os pontos da matéria de facto controvertidos pelo recorrente e indicadas as provas que, na sua óptica, levariam a decisão diversa da recorrida”.
7. Notificado para responder, querendo, à questão prévia suscitada pelo Ministério Público, veio o recorrente dizer que
“ponderadas as doutas contra alegações do Procurador-Geral Adjunto, crê o Recorrente que lhe assiste razão quanto à Questão do não conhecimento do Recurso, no que respeita à Inconstitucionalidade Normativa dos artigos 100º e
101º do Código Penal. Corrobora-se, assim, com a devida vénia, a Douta argumentação expendida por aquele Ilustre Magistrado.”
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação.
8. Questão prévia: impossibilidade de conhecer do objecto do recurso, na parte em que o recorrente pretendia ver apreciada a inconstitucionalidade dos 100º e
101º do Código Penal.
No requerimento de interposição do recurso afirmou o recorrente que a fixação em
4 anos do período de cassação da licença de condução de pesados, representa
“Interpretação Inconstitucional dos Artigos 100º, n.º 2 e 101º, n.º 1 a) e b), e n.º 3, do Código Penal, por ofensiva do disposto nos Artigos 18º, n.º 2, 58º, n.ºs 1 e 2, b), da Constituição e do Artigo 23º, n.º 1, da “Declaração Universal dos Direitos do Homem” de 10-12-1948 e, consequentemente, do Artigo 8º da Lei Fundamental, que incorporou aquele Diploma de Direito Internacional no Direito Interno Português”.
Na sua alegação o Representante do Ministério Público suscitou, como questão prévia, a impossibilidade de conhecer, nesta parte, do objecto do recurso, por não ter o recorrente delineado “em termos inteligíveis, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa quanto aos artigos 100º e 101º do Código Penal, não especificando qual a interpretação, aplicada pelo acórdão recorrido, que considerava violadora da Constituição”.
O recorrente veio concordar com estas considerações, abandonando a questão. Assim sendo, dela não se tomará conhecimento.
9. Julgamento do objecto do recurso.
A questão de constitucionalidade que vem colocada não é nova na jurisprudência do Tribunal Constitucional. Com efeito, ainda recentemente, no Acórdão n.º
529/2003 (publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Dezembro de
2003), tirado igualmente nesta Secção, o Tribunal se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 412º, n.º 3, do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição, “quando interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito o não conhecimento da impugnação da matéria de facto e a improcedência do recurso do arguido nessa parte, sem que ao mesmo seja facultada oportunidade de suprir tal deficiência”. Fê-lo, no essencial, reafirmando a fundamentação que também já havia levado à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, formulada no Acórdão n.º 320/02 (Diário da República, I Série-A, de 7 de Outubro de 2002), “da norma constante do artigo
412º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência”.
Esta jurisprudência, para cuja fundamentação se remete, mantém inteira validade e é integralmente transponível para os presentes autos, também no que respeita à forma estatuída no n.º 4 do artigo 412º para a indicação das especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do mesmo artigo, quando tais provas tenham sido gravadas. Assim sendo, apenas há, agora, que a reiterar.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição, a norma constante dos n.°s 3 e 4 do artigo 412° do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) daquele n.º 3, pela forma prevista no referido n.º 4, tem como efeito o não conhecimento daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja facultada oportunidade de suprir tal deficiência;
b) em consequência, conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 5 de Maio de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Luís Nunes de Almeida