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Proc. n.º 151/2004
2ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
(Conselheiro Benjamim Rodrigues)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, A. e B., identificados nos autos, recorrem para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei do Tribunal Constitucional, da decisão do Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação que haviam deduzido, ao abrigo do art. 405º do Código de Processo Penal, contra o despacho do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Guimarães que não admitira, com fundamento em intempestividade, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) do acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães. Os recorrentes pretendem a apreciação da inconstitucionalidade dos art.ºs 113º, n.º
9, 114º, n.º 1, 425º e 411º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretados
“no sentido de ter-se o acórdão ou decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso por notificada aos arguidos apenas através da notificação dirigida à sua defensora (oficiosa), não tendo assim de lhes ser notificada pessoalmente, e [de] que o prazo de interposição do recurso desse acórdão ou decisão condenatória se conta a partir dessa notificação à sua defensora”, por violação do disposto no art. 32º, n.º 1, da Constituição.
A decisão recorrida é do seguinte teor:
I - Os arguidos A. e B. interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que os condenou respectivamente nas penas únicas de oito anos e quatro meses de prisão e oito anos e nove meses de prisão. Por despacho do Ex.mo Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido por ser extemporâneo. Desse despacho reclamaram os recorrentes, sustentando, além do mais, que o recurso é admissível, tendo a sua interposição sido tempestiva, porquanto devem considerar-se notificados pessoalmente do acórdão da Relação em 27.10.03, contando-se dessa notificação o prazo para a interposição do recurso (arts.
425º, n.º 6, 113º, n.º 9, 114º, n.º 1, todos do CPP). Acrescentam que a interpretação do disposto no art. 113º, n.º 9, do CPP no sentido da decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso poder ser notificada apenas à defensora dos arguidos é inconstitucional por violação do art.º 32° da CRP, aludem também ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/99, de 2 de Fevereiro de 1999.
II - Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do art. 411º, n.º 1, do CPP, o prazo para interposição do recurso começa a contar-se a partir da notificação da decisão ou tratando-se de sentença
(1ª instância) do respectivo depósito na secretaria. Ora, o acórdão recorrido foi notificado à então defensora oficiosa na data da sua assinatura em 30.06.03, como se prova pelo documento junto a fls. 14 e certificado a fls. 22 e o requerimento de interposição de recurso devidamente motivado foi apresentado em 14.11.03, como resulta do carimbo de entrada nele aposto, junto a fls. 17. Assim sendo, como o prazo para a interposição de recurso é de 15 dias contados a partir da notificação da defensora, nos termos do art.º 411.º, n.º 1, do CPP, verifica-se que o mesmo terminou no dia 18.07.03. Logo a sua interposição foi claramente intempestiva. De resto esta interpretação está conforme à posição que obteve vencimento no acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 59/99, de 2 de Fevereiro de 1999, invocado pelos ora reclamantes. Sendo certo que não se trata da situação prevista em tal acórdão, por o Ex.mo Advogado que subscreveu a reclamação só ter sido constituído pelos arguidos em
16 e 17 de Dezembro (docs. de fls. 12 e 13). No que respeita à invocada inconstitucionalidade do art.º 113º, n.º 9, do CPP, reportada à não notificação pessoal dos arguidos, cabe dizer que o referido acórdão do Tribunal Constitucional, embora com votos de vencido, entendeu que bastava a notificação ao defensor, mesmo que nomeado oficiosamente, contando que se tratasse do primitivo.
III – Termos em que, por intempestividade do recurso apresentado, indefere-se a reclamação.
2. O primeiro Relator proferiu Decisão Sumária em que se concluiu pela não inconstitucionalidade da norma sindicada e pelo não provimento do recurso. Deduzida reclamação para a conferência nos termos do n.º 3 do art.º 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, esta decisão foi revogada, com voto de vencido do primeiro Relator, com o fundamento de o caso não respeitar a questão simples e por isso não se integrar na hipótese do n.º 1 daquele preceito.
3. Ordenada a notificação dos recorrentes e da recorrida para apresentarem alegações, vieram ambos fazê-lo. Os recorrentes defenderam a inconstitucionalidade da norma questionada, concluindo o seguinte:
A. Nos termos do artigo 113º, nº 9, do Cód. Proc. Penal, as notificações ao arguido podem ser feitas na pessoa do respectivo defensor, com excepção das respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado. B. Como se depreende do referido preceito legal, existem momentos e actos processuais que o legislador impôs que fossem notificados pessoalmente aos arguidos, sem prejuízo de igual notificação aos seus advogados ou defensores. C. E essa imposição de notificação pessoal aos arguidos pretendeu salvaguardar a garantia de dar conhecimento efectivo aos arguidos para não pôr em causa o exercício ou possibilidade de exercício do seu legítimo direito de defesa, constitucionalmente consagrado no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, pelo menos nos momentos e actos mais significativos cujo desconhecimento efectivo poderia resultar na preterição dessa garantia fundamental. D. Também nas situações previstas no artº 113º, nº 9, do Código de Processo Penal, os arguidos poderão estar representados em juízo por mandatários
(advogados ou defensores oficiosos) e. contudo, faz-se uma exigência expressa de notificação pessoal aos arguidos sem prejuízo da notificação aos mandatários ou defensores. E. Enveredar pelo entendimento seguido pelo anterior Acórdão nº 59/99 do Tribunal Constitucional que mereceu vencimento apesar do voto de vencido nessa matéria, significa colocar no mesmo prato da balança valores com diferente dignidade e relevância jurídica, plenamente diferenciados na tutela do Direito, sendo certo que a eventual responsabilização do defensor por falta de cumprimento ou observância dos deveres a que está adstrito não irá restituir à liberdade quem dela se viu privado sem possibilidade de esgotar os seus meios de defesa por causa do defensor. F. Os interesses e valores protegidos aqui em causa - a liberdade da pessoa humana -, não se compadecem com menos que uma plena e eficaz garantia de todos os direitos de defesa do arguido. G. Essa garantia concretiza-se ou efectiva-se com a previsão de toda a panóplia de possibilidades, incluindo o mau patrocínio, através de mecanismos legais que obstem à preterição do pleno e cabal exercício dos direitos que assistem aos arguidos em processo penal no âmbito das suas garantias de defesa. H. Importa garantir o pleno e cabal exercício dos direitos dos arguidos no
âmbito das suas garantias de defesa, para tal é indispensável garantir o conhecimento efectivo das decisões que os afectem e das quais possam recorrer ou deduzir oposição esgotando todos os meios judiciais que lhe assistam se tal desejar e se mostrar necessário a que se faça Justiça. I. Pese embora os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor (constituído ou nomeado) que o devem levar a comunicar ao arguido o resultado do decidido no tribunal de recurso, se a comunicação não tiver lugar objectivamente ficam postergados os direitos de defesa do mesmo arguido, o qual, numa tal situação, ficou no total desconhecimento dos motivos fácticos ou jurídicos que o levaram a ser considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de imposição de pena, que lhe foi imposta pelo Estado, ao exercitar o seu ius puniendi. J. Por outro lado, uma decisão tomada por um tribunal superior em via de recurso, não se deverá distinguir daquela outra tomada em primeira instância
(não será mais distinta nem menos distinta, nem mais relevante nem menos relevante, encontra-se no mesmo plano de valores jurídicos) para os efeitos da sua comunicação pessoal ao arguido, a fim de lhe possibilitar saber dos motivos da condenação e, eventualmente, reagir, se possível, contra essa decisão. K. Salvo o devido respeito, a posição sustentada pelo Tribunal Constitucional no que concerne à questão em apreço, ainda que noutro contexto, peca por precipitada e demasiado redutora, violando clara e flagrantemente o disposto no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, impondo-se a revisão dessa posição plasmada no Acórdão nº 59/99 de molde a que o disposto no artigo 113º, nº 9, do Código de Processo Penal, seja interpretado no sentido de se impor a notificação pessoal do arguido da decisão condenatória tomada no tribunal de recurso. L. A decisão de indeferimento da reclamação apresentada ao Venerando Senhor Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da decisão/despacho de fls. 1061 de não recebimento do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de Guimarães, que interpretou e aplicou o disposto nos artigos 113º, nº 9, 114º, nº 1, 425º, nº 6, e 411º, nº
1, do Código de Processo Penal, no sentido de ter-se o acórdão ou decisão condenatória proferida por um tribunal superior (de recurso) por notificada aos arguidos apenas através da notificação dirigida à sua defensora (oficiosa), não tendo assim de lhes ser notificada pessoalmente, e que o prazo de interposição de recurso desse acórdão ou decisão condenatória se conta a partir dessa notificação à sua defensora, viola o disposto no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e como tal deve ser julgada materialmente inconstitucional. M. Mais deverá, em nome das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, mormente no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, ser decretado que o disposto no artigo 113º, nº 9, do Código de Processo Penal, deve ser interpretado no sentido de se impor a notificação pessoal do arguido da decisão condenatória tomada no tribunal de recurso, e que, nos termos dos artigos 411º, nº 1, e 425º, nº 6, do Código de Processo Penal, é a partir dessa notificação pessoal ao arguido que começa a contar o prazo para interposição de recurso. N. E, em consequência, deverá ser determinada a reforma da decisão de indeferimento da reclamação apresentada ao Venerando Senhor Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da decisão/despacho de fls. 1061 de não recebimento do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de Guimarães, de harmonia com o juízo de inconstitucionalidade efectuado, entendendo-se que os arguidos (recorrentes) foram pessoalmente notificados do acórdão recorrido em 27 de Outubro de 2003, contando-se dessa notificação o prazo para a interposição do recurso dessa decisão (acórdão) condenatória, e que, assim sendo, o respectivo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça foi devida e atempadamente apresentado, mediante liquidação e pagamento da multa devida pela apresentação no 3º dia útil após o termo do prazo para a prática desse acto, determinando-se o respectivo recebimento e prosseguimento da demais e normal tramitação processual.
Por seu lado, o Ministério Público defendeu a não inconstitucionalidade da norma impugnada, tendo concluído o seguinte:
1. Não viola o princípio constitucional das garantias de defesa a interpretação normativa dos preceitos que integram o presente recurso que se traduz em contar o prazo para a interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - versando necessariamente 'matéria de direito' - da notificação do acórdão da Relação ao primitivo defensor oficioso do arguido.
2. Na verdade, o estatuto profissional e deontológico deste é plenamente equiparável ao do defensor constituído pelo arguido, não sendo razoável duvidar, em termos globais e sistemáticos, que o referido defensor terá de imediato comunicado ao arguido os termos da decisão condenatória que lhe foi notificada e articulado com ele a estratégia de defesa, em termos de eventual impugnação, envolvendo questões de direito.
3. E sendo certo que a alegação e demonstração de justo impedimento constitui remédio adequado e bastante para suprir qualquer lapso fortuito ou falha ocasional de comunicação com o arguido, que o impossibilitasse, sem culpa da sua parte, de exercer o direito ao recurso.
4. Termos em que deverá improceder o recurso.
Operada a mudança do Relator, cumpre apreciar.
II Fundamentação
4. A questão colocada ao Tribunal Constitucional consiste na eventual inconstitucionalidade de uma norma extraída dos artigos 113º, nº 9, 114º, nº 1,
425º e 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, nos termos da qual seria relevante para a contagem do prazo de interposição de recurso a notificação ao defensor do arguido de uma decisão condenatória, independentemente da notificação pessoal ao próprio arguido.
É essa questão que constitui, precisamente, o objecto do presente recurso de constitucionalidade. Com efeito, ela foi suscitada pelo recorrente e, simultaneamente, constitui a ratio decidendi da decisão impugnada. Na decisão recorrida considerou-se, na verdade, que, “nos termos do artigo
411º, nº 1, do C.P.P., o prazo para interposição do recurso começa a contar-se a partir da notificação da decisão ou, tratando-se de sentença (1ª instância), do respectivo depósito na secretaria”. E a mesma decisão sustentou ainda, interpretando jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional – Acórdão nº
59/99, de 2 de Fevereiro –, quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente relativamente ao artigo 113º, nº 9, do Código de Processo Penal, que aquele aresto do Tribunal Constitucional teria entendido que “bastava a notificação ao defensor, mesmo que nomeado oficiosamente, contanto que se tratasse do primitivo”. Considerando os termos da decisão recorrida, não pode, pois, extrair-se outro sentido que não seja o da irrelevância, para o tribunal a quo, da comunicação pessoal ao arguido. Assim, está perfeitamente delimitado o objecto deste recurso, o qual consiste (tomando em conta, como foi dito, a coincidência entre a questão suscitada e a norma que foi aplicada pelo tribunal recorrido) na suficiência – como critério relevante para a determinação do momento a partir do qual se conta o prazo para interposição do recurso – da notificação da decisão ao defensor, independentemente da comunicação pessoal ao arguido. Sendo completa a coincidência substancial entre a norma questionada e a norma aplicada e não havendo apenas coincidência plena entre os preceitos a partir dos quais o recorrente e o próprio tribunal recorrido a delimitaram formalmente, o Tribunal Constitucional deve restringir aos artigos 113º, nº 9, e 411º, nº 1, do Código de Processo Penal a norma a ser conhecida. Foram estes os preceitos a que o tribunal recorrido referiu a norma efectivamente aplicada e tais preceitos também foram mencionados (entre outros) pelos recorrentes.
5. Jurisprudência anterior sobre questão normativa muito próxima da que é formulada neste processo foi definida, sobretudo, pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 59/99 e, posteriormente, nos Acórdãos nºs 109/99 (D.R., II Série, de 15 de Junho de 1999) e 378/2003 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt). Nesses arestos estava em causa a contagem do prazo para a interposição do recurso a partir da notificação ao defensor do arguido ou do depósito da sentença na Secretaria do Tribunal, em situações em que o arguido não assistira justificadamente à leitura pública da sentença. Os critérios decisórios desses arestos conjugaram duas perspectivas: a de que uma garantia efectiva do direito ao recurso pressupõe que ao arguido seja dado conhecimento da decisão que foi tomada (na medida em que o arguido deve ter oportunidade de organizar a sua defesa); e a de que tal garantia não é posta em causa pelo facto de a notificação da decisão ser feita na pessoa do defensor (ou de este, estando presente na leitura da sentença, ter adquirido conhecimento do conteúdo decisório), na medida em que, desse modo, são criadas as condições para o defensor “ponderar e decidir, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso” (Acórdão nº 109/99). Assim, na linha de uma abundante jurisprudência anterior, o Tribunal Constitucional tem reconhecido um princípio de “oportunidade” de acesso pessoal do arguido ao conteúdo do que foi decidido, em ordem a poder organizar posteriormente a sua defesa (sobre esta linha decisória, cf. o Acórdão nº 199/86
– D.R., II Série, de 25 de Agosto de 1986, em que se afirmou peremptoriamente
“Dispensar a notificação de decisões condenatórias ficticiamente publicadas sem que os réus delas tomem conhecimento, fazendo correr o prazo de recurso sem que estes os suspeitassem sequer, eis o que a todas as luzes se afigura incompatível com o princípio geral contido no nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, pois os interessados vêem-se assim privados de lançarem mão de uma instância de recurso”; e ainda o Acórdão nº 41/96, de 23 de Janeiro, inédito, em que se realça que o direito ao recurso exige uma oportunidade efectiva de este ser exercido). Em todos os casos precedentes, embora as decisões tenham sido ora de inconstitucionalidade ora de não inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional atendeu sempre à efectiva possibilidade de exercício do direito ao recurso e ponderou o valor do conhecimento pessoal pelo arguido do conteúdo decisório que o afecta na concretização dessa oportunidade. Se é verdade que, na jurisprudência deste Tribunal, se admitiu, por vezes, que o conhecimento do defensor poderia ser bastante, também é certo que nesses casos se entendeu sempre que a comunicação entre o defensor e o arguido seria meio adequado e normal de o arguido tomar conhecimento do conteúdo decisório que lhe respeitava e que, de todo o modo, não estava posta em causa, em concreto, a referida oportunidade de o arguido poder, perante o conhecimento desse conteúdo, decidir ponderadamente sobre o exercício do direito ao recurso.
6. A especialidade do presente processo resulta, porém, de ter sido colocada perante o tribunal recorrido a questão da inconstitucionalidade do critério normativo segundo o qual a garantia do direito ao recurso se basta sempre e só com a contagem do prazo para a sua interposição a partir da notificação ao defensor, mesmo que a comunicação entre defensor e arguido não tenha tido lugar. E, na verdade, os recorrentes alegam precisamente que não tiveram conhecimento pessoal do acórdão de que pretendiam recorrer, na data da notificação ao seu defensor, pois na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho de não recebimento do recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, referem, precisamente, que apenas tomaram conhecimento do teor do acórdão da Relação através de uma notificação recebida em data posterior (27 de Outubro de 2003) e não na data da notificação à respectiva defensora. Ora, não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre as circunstâncias concretas do caso quanto à veracidade daquela alegação, nem sequer sobre se o recorrente, segundo o Direito aplicável, teria o ónus de provar uma tal alegação ou se, tendo-o, o terá cumprido. Todavia, no plano das suas competências próprias, o Tribunal Constitucional terá de decidir a questão normativa suscitada, considerando a resposta dada à mesma pelo tribunal recorrido. Assim, o Tribunal Constitucional entende que foi suscitada pelo arguido a inconstitucionalidade de um critério de contagem do prazo do recurso a partir da notificação do conteúdo decisório de um acórdão ao defensor sem o conhecimento, no mesmo momento, pelo arguido do respectivo conteúdo e que, perante tal questão, a resposta dada pelo despacho recorrido foi a de que tal conhecimento efectivo pelo arguido seria irrelevante. O tribunal recorrido não definiu o Direito aplicado de acordo com critérios relacionados com a pertinência da alegação do recorrente, mas entendeu como bastante o critério normativo segundo o qual a comunicação ao defensor do conteúdo decisório definiria o momento a partir do qual se contaria o prazo para a interposição do recurso, sem quaisquer outras condições ou requisitos. Firmada esta interpretação do objecto do recurso, quer na óptica do recurso interposto quer na perspectiva da decisão recorrida, o Tribunal Constitucional considera que aquele critério, ao considerar irrelevante o efectivo conhecimento pelo arguido do conteúdo decisório de uma decisão judicial, não cumpre plenamente a garantia efectiva do direito ao recurso consagrada no artigo 32º, nº 1, da Constituição. Assim, não pode ser indiferente para a plenitude daquela garantia, constitucionalmente consagrada, que o recorrente não tenha tido conhecimento pessoal do conteúdo decisório no momento a partir do qual se iniciaria o prazo para ponderar o exercício do direito ao recurso. Não se pronuncia o Tribunal Constitucional sobre se, no presente caso, tal situação efectivamente se verificou ou se o recorrente a provou cabalmente, mas apenas sobre a afectação do direito ao recurso por um critério que considere irrelevante a ponderação de circunstâncias que impeçam o recorrente de tomar conhecimento pessoal do conteúdo decisório da decisão de que poderá recorrer e que, assim, afaste a possibilidade de discutir a verificação das mesmas circunstâncias. É, consequentemente, esse o plano em que o presente juízo de constitucionalidade se situa e é também esse o critério que deverá presidir à reforma da decisão recorrida, a qual deverá aplicar ao caso concreto, de acordo com as suas circunstâncias, o presente juízo de inconstitucionalidade.
III Decisão
7. Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide: a) julgar inconstitucionais os artigos 113º, nº 9, e 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que a notificação de uma decisão condenatória relevante para a contagem do prazo de interposição de recurso seria a notificação ao defensor, independentemente, em qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido, sem exceptuar os casos em que este não tenha obtido conhecimento pessoal da decisão condenatória; b) Determinar a reforma da decisão recorrida de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade. c) Lisboa, 2 de Julho de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração de voto anexa) Rui Manuel Moura Ramos
Declaração de Voto
Votei vencido por não poder acompanhar a decisão que fez vencimento.
A - Antes de mais considero que a interpretação acolhida no acórdão sobre o sentido da decisão do relator do processo, no Tribunal da Relação, de não admissão do recurso, e depois do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação apresentada pelos arguidos ao abrigo do disposto no art.º 405º do Código de Processo Penal (CPP), segundo a qual a norma que foi aplicada pelo tribunal recorrido “como critério relevante para a determinação do momento a partir do qual se conta o prazo para interposição do recurso – (foi) o da notificação da decisão ao defensor, independentemente da comunicação pessoal ao arguido” (itálico acrescentado), corresponde a uma leitura simplesmente subjectiva (por não poder havida como decisão implícita) dos termos dessas decisões e não encontra neles a mínima expressão verbal. Em ponto algum desses despachos se deixa subentendido que o prazo para a interposição do recurso se conta a partir dos eventos referidos neles
[“notificação da decisão ou, tratando-se de sentença de 1ª instância, do respectivo depósito na secretaria”] independentemente da comunicação pessoal ao arguido. Os despachos em causa não equacionaram e muito menos atribuíram qualquer valor ou efeito jurídico ao fenómeno da comunicação pessoal ao arguido do acórdão da Relação confirmativo de sentença condenatória anterior. Existe uma total ausência de ponderação de tal fenómeno. Ora essa ausência ou esse silêncio não pode ser tomado como implicando a existência de um certo e determinado juízo ponderativo (o silêncio não tem aqui qualquer valor jurídico), ao contrário do que acabou por ajuizar o acórdão com o qual se não concorda. Perante os termos verbais das decisões sob análise, o que quando muito se poderia sustentar – mas isso ou seria irrelevante para a delimitação do recurso de constitucionalidade da dimensão normativa sindicada por a interpretação feita pelo tribunal a quo constituir um pressuposto ou um dado para o Tribunal Constitucional ou devolver-se-ia numa questão de omissão de pronúncia – seria que aquele tribunal não teria procedido à interpretação mais correcta do direito ordinário por ter deixado de equacionar e resolver uma questão que poderia ver-se implicada na notificação da decisão ao mandatário judicial traduzida em saber se o tribunal não estaria obrigado a ponderar se o mandatário comunicou efectivamente ou até se deu ou não efectivo conhecimento do acórdão notificado ao arguido ou então não teria tomado conhecimento de uma questão alegada na reclamação, incorrendo no vício de omissão de pronúncia. Nesta perspectiva, a falta de abordagem deste aspecto por banda do despacho recorrido nada significa relativamente à definição dos contornos do critério normativo que aplicou e que poderia ser sindicado constitucionalmente. E a delimitação feita é tanto mais inconsistente quanto o acórdão com o qual se não concorda distrai o sentido normativo que diz ter sido aplicado pela decisão recorrida através de um simples confronto do critério normativo que explicitamente nela é identificado com uma simples afirmação de princípio que é feita pelos arguidos no meio processual da reclamação para o Presidente do STJ regulado no art.º 405º do CPP, de que não tiveram conhecimento pessoal do acórdão de que pretendiam recorrer a não ser no momento e através do meio a que aludem o art.º 477º, n.º 1, do CPP, sem que aleguem mais nada em concretização de tal afirmação, nomeadamente no que tange às concretas relações havidas com o seu defensor, ou indiquem um só meio de prova que seja.
Acresce ainda que o acórdão convoca como elemento de interpretação do critério normativo aplicado pelo relator na Relação, e confirmado nos mesmíssimos termos pelo despacho recorrido, a alegação dos recorrentes de um facto negativo (de que não tiveram conhecimento pessoal do acórdão de que pretendiam recorrer a não ser no momento e através do meio a que aludem o art.º
477º, n.º 1 do CPP) feita não perante o Tribunal da Relação, a quando da apresentação do requerimento de interposição do recurso, de modo a que pudesse ser tida em conta pelo despacho inicial de admissão ou de não admissão do recurso, mas apenas tão só na reclamação que apresentaram para o Presidente do STJ, nos termos do art.º 405º do CPP.
Tendo-se inferido o sentido normativo aplicado a partir do referido confronto de elementos não se vê como possa valorar-se, retroprojectando-a, para a determinação do critério normativo que foi aplicado no despacho de que reclamaram ao abrigo do art.º 405º do CPP uma afirmação de facto feita apenas na reclamação desse despacho. Ao contrário do que implicitamente diz afastar, o acórdão só tem sentido enquanto apreciação de um caso concreto julgado segundo as regras de um “autêntico recurso de amparo”.
Só um tal entendimento pode justificar a consideração como elemento relevante de inconstitucionalidade (ao ponto de constar do respectivo juízo), que o acórdão faz, da ausência de ponderação, por parte do tribunal a quo, sobre o fenómeno da comunicação pessoal ao arguido do acórdão da Relação.
Por outro lado, ainda, o acórdão entra em linha de conta com a alegação dos arguidos de que não tiveram conhecimento pessoal do acórdão de que pretendiam recorrer a não ser no momento e através do meio a que aludem o art.º
477º, n.º 1, do CPP contra toda a economia do meio processual delineado no art.º
405º do CPP e sem que a impossibilidade da sua consideração em tal momento tenha sido questionada sob o ponto de vista de constitucionalidade. Na verdade, mesmo admitindo que possam ser alegados nessa reclamação elementos de facto novos que não foram invocados parente o tribunal de que se reclama (o que não se adequa à razão de ser do meio processual em causa) e que “os elementos com que pretende instruir a reclamação” a que se refere o n.º 3 do art.º 405º do CPP possam ser ainda factos cuja existência não foi alegada perante o tribunal recorrido, o que é certo é que os elementos de prova da sua existência têm logo de ser indicados na reclamação, não se podendo esta ficar pela simples afirmação da sua existência e do seu não conhecimento apenas se poderá fazer decorrer uma omissão de pronúncia e não como se disse a adopção de qualquer sentido normativo. E nem se diga que a alegação no momento da reclamação era ainda atempada face simplesmente ao alegado pelos reclamantes relativamente ao momento em que tiverem conhecimento do acórdão condenatório. Se os recorrentes tivessem consultado o processo (facto esse normal para quem pretende interpor e motivar um recurso), de acordo com a diligência exigível de um mandatário medianamente cauteloso e prudente, mesmo sob o ponto de vista estritamente técnico, logo poderiam saber da existência da notificação do acórdão ao seu defensor anterior e alegar, logo perante o tribunal de cuja decisão reclamaram para o Presidente do STJ, os factos integradores da válvula de segurança que se admite (justo impedimento) e oferecer os respectivos meios de prova. Também nesta perspectiva não se vê como é possível ao acórdão inferir da existência de um critério normativo como tendo sido aplicado por simples confronto entre a existência de uma simples alegação (que até deveria ter sido efectuada antes) e a decisão recorrida e cujo teor, transcrito no acórdão, merece ser bem examinado.
Por último importa ainda anotar que o acórdão sindicou constitucionalmente uma dimensão normativa diferente daquela que foi erigida pelos recorrentes como objecto do seu recurso, dado que dela não faz parte qualquer critério de relevar para efeitos de contagem do prazo de interposição do recurso a notificação ao defensor, “independentemente, em qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido, sem exceptuar os casos em que este não tenha tido conhecimento pessoal da decisão condenatória”. Segundo os seus próprios termos, os recorrentes pretenderam a apreciação da inconstitucionalidade dos art.ºs 113º, n.º 9, 114º, n.º 1, 425º e 411º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretados “no sentido de ter-se o acórdão ou decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso por notificada aos arguidos apenas através da notificação dirigida à sua defensora (oficiosa), não tendo assim de lhes ser notificada pessoalmente, e [de] que o prazo de interposição do recurso desse acórdão ou decisão condenatória se conta a partir dessa notificação à sua defensora”, por violação do disposto no art. 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
B – Por isso, ao contrário do concluído, sustentámos não caber na dimensão normativa constitucionalmente sindicada a consideração da existência de qualquer ónus de o tribunal a quo ter de ponderar oficiosamente o que se passa
(passou) ao nível da comunicação entre o defensor e os arguidos perante uma simples alegação de que, conquanto o acórdão condenatório tenha sido notificado ao seu (primitivo) defensor, os arguidos não tomaram conhecimento dele, quando essa questão de falta de comunicação não lhe tenha sido expressa e fundadamente colocada (não podendo confundir-se com ela a alegação de que os arguidos não tomaram conhecimento da decisão condenatória) e não ser a norma questionada desconforme com a Lei Fundamental, de acordo com o projecto de acórdão cujos traços essenciais aqui se dão a conhecer, mas que não acolheu o voto da maioria:
«[...]
6 - A questão de saber se uma norma, de sentido equivalente àquela cuja inconstitucionalidade os recorrentes defendem, que determina que as decisões condenatórias tomadas pelos tribunais de recurso podem ser notificadas apenas aos seus defensores, e não também aos arguidos condenados, ofende ou não a Lei Fundamental - então extraída do n.º 5 do art. 113º do CPP, na altura vigente - já foi objecto de apreciação por este Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 59/99, publicado no Diário da República II Série, de 30 de Março de 1999, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 42º vol., pp., 251, relativamente a uma situação em que o defensor que foi dela notificado não fora o defensor nomeado que, embora convocado, faltou à audiência, mas um outro nomeado ad hoc para a audiência de julgamento no tribunal superior e em que o direito que se pretendia exercer era o de obter a anulação da audiência de julgamento que havia condenado o arguido.
7 - Sobre essa temática este acórdão discreteou pelo seguinte modo:
«[...]
4. Volvamos agora a atenção para o preceito constante do n.º 5 do art.º 113º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de a notificação da decisão tomada pelos tribunais superiores em via de recurso poder ser feita ao defensor do arguido, não tendo, assim, de lhe ser notificada pessoalmente.
Não se olvida que a interpretação acolhida no aresto sob censura, quanto ao ponto, acolheu posição semelhante à seguida por alguma jurisprudência dos nossos tribunais superiores da ordem dos tribunais judiciais, jurisprudência essa que aponta no sentido de a 'notificação de um acórdão, de um tribunal superior, proferido em audiência para o qual o arguido não tenha, nem devesse ter sido convocado, vale como feita a ele próprio, quando o seja ao seu defensor oficioso, ainda que nomeado em substituição do primitivo defensor, convocado, mas ausente' (cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 1 de Outubro de 1996, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, 4º tomo, 15, aliás, citado nesse mesmo aresto).
Por outro lado, in casu, atento o que se consagra no art.º 430º, n.º
3, do Código de Processo Penal, porque não havia lugar à renovação da prova, não tinha o ora recorrente de ser convocado para a audiência.
O que se pergunta, porém, é se o normativo agora em análise, numa situação em que, não tendo o arguido de ser convocado para a audiência a realizar em tribunal de recurso, a decisão condenatória levada a efeito por esse tribunal notificação na pessoa do seu defensor nomeado para essa audiência, em substituição do primitivo defensor, que a ela faltou, fere as garantias de defesa que o processo criminal tem de assegurar.
É sabido que o Diploma Fundamental, ao consagrar que o processo criminal tem de assegurar todas as garantias de defesa, aponta para que o mesmo deverá incluir toda uma previsão ou um feixe de direitos, meios e instrumentos de harmonia com os quais é facultada ao arguido uma eficaz defesa e uma adequada contraditoriedade relativamente à acusação.
O processo criminal terá, por isso, de perspectivar-se como um due process of law, permitindo, pois, que nele haja sempre a possibilidade de o arguido se defender (cfr. Acórdão deste Tribunal n.º 61/88, no Diário da República, 2ª Série, de 20 de Agosto de 1988).
E essa defesa, inclusivamente, pode abarcar, quando esteja em causa uma decisão jurisdicional tomada em última instância por um tribunal superior - da qual, consequentemente, já não caiba recurso ordinário -, a colocação em crise, confrontadamente com a sua validade constitucional, da normação com base na qual foi prolatada a decisão condenatória (se, como é claro, estiverem congregados os respectivos pressupostos processuais).
Sendo isto assim, são configuráveis várias hipóteses que apontam para que as garantias de defesa de um arguido só serão plenamente adquiridas se ao mesmo for dado um cabal conhecimento da decisão condenatória que a seu respeito foi tomada.
Mas, entende este Tribunal, esse cabal conhecimento, atinge-se, sem violação das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde que o seu defensor - constituído ou nomeado oficiosamente -, contanto que se trate do primitivo defensor, seja notificado da decisão condenatória tomada pelo tribunal de recurso.
Na verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre esse defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido, apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe há-de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado e efeito no tribunal superior.
De harmonia com tais deveres, há-de concluir-se que o arguido, por intermédio do conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor (aquele primitivo defensor) ficará ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de imposição de pena, que lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercitar o seu jus puniendi .
Outrotanto, porém, se não passa se se tratar de um defensor meramente nomeado para a audiência em substituição do defensor que, para ela notificado, não compareceu.
Aqui, esse defensor não estará vinculado a deveres funcionais e deontológicos que lhe imponham a dação de conhecimento ao arguido do resultado do julgamento realizado no tribunal superior, já que a sua intervenção processual se «esgotou» na audiência e somente para tal intervenção foi nomeado.
Numa tal situação, e só nessa, é que este Tribunal perfilha a óptica segundo a qual norma constante do n.º 5 do art.º 113º do Código de Processo Penal, desse jeito interpretada, se revela contrária ao n.º 1 do artigo 32º da Constituição, por isso assim se não almejam as garantias que o processo criminal deve assegurar ao arguido.
[...]».
8 – Sobre norma de sentido semelhante – a do art.º 373º, n.º 3, do Código de Processo Penal, conjugada com a do artigo 113º, n.º 7 do mesmo código (actual n.º 9 do art.º 113º), ambos na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, interpretada no sentido de a sentença lida perante o primitivo defensor nomeado, ou perante advogado constituído, se considerar notificada ao arguido – pronunciou-se também este Tribunal no seu Acórdão n.º 378/03, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudência, tendo-se aí concluído igualmente pela sua não inconstitucionalidade. Disse-se então, aceitando a jurisprudência anterior nele referida, para além da constante do citado Acórdão n.º 59/99:
«[...] Na verdade, continua a estar em causa o apuramento das consequências da notificação de uma decisão jurisdicional ao defensor do arguido presente na audiência de discussão e julgamento, mas não à audiência de leitura da sentença, entendendo a decisão recorrida que tal “viola o princípio da igualdade, as garantias de defesa e o direito ao recurso consagrados nos artigos 13º e 32º, n.º 1, da CRP.” Por sua vez, no Acórdão n.º 109/99 (publicado no Diário da República, II série, de 15 de Junho de 1999), numa situação que, como nota o Ministério Público, apresenta manifesta analogia com a dos presentes autos, apreciou-se a constitucionalidade da “norma que se extrai da leitura conjugada dos artigos
411º n.º 1 e 113º n.º 5 do Código de Processo Penal interpretados por forma a entender que com o depósito da sentença na secretaria do tribunal o arguido que justificadamente não esteve presente na audiência em que se procedeu à leitura pública da mesma deve considerar-se notificado do seu teor para o efeito de a partir desse momento se contar o prazo para recorrer da sentença se nessa audiência esteve presente o seu mandatário.” E, à pergunta sobre se esta norma violaria “aquele núcleo essencial que constitui o cerne do artigo 32º n.º 1 da Constituição”, deu-se resposta negativa, com as seguintes considerações:
“De facto estando o defensor do arguido presente na audiência em que se procede
à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do tribunal pode aí ficar ciente do seu conteúdo. E de posse de uma cópia dessa sentença – que a secretaria lhe deve entregar de imediato - pode nos dias que se seguirem relê-la repensá-la reflectir ponderar e decidir juntamente com o arguido sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. Assim sendo e tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso em regra depende mais do conselho do defensor do que propriamente de uma ponderação pessoal do arguido há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender-se interpondo se quiser em prazo contado da leitura da sentença que o condene o respectivo recurso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência. O processo continua pois a ser a due process of law a fair process.
6. Entende-se que se pode agora remeter para os fundamentos dos arestos citados
(cfr., ainda, o Acórdão n.º 433/00, in Diário da República, II série, de 20 de Novembro de 2000), para concluir pela inexistência, na norma em análise, de violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição, importando apenas indagar se os argumentos agora aduzidos são de molde a alterar o juízo que este Tribunal formulou nos referidos arestos. Diz-se que a “desigualdade em relação a outros arguidos no que toca ao exercício do direito de recurso” resulta da necessária notificação pessoal aos arguidos ausentes na audiência de discussão e julgamento (artigo 334º, n.º 8, do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, e artigo 334º, n.º 6, do mesmo Código, na redacção do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro), por estes não verem correr contra si “o prazo para a prática do acto de interposição de recurso” enquanto não tiver sido notificado o último (artigo
113º, n.º 7, do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, e n.º 9 do mesmo artigo na redacção do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro). No entanto, além de, em concreto, não haver nenhum outro arguido em relação ao qual fizesse sentido invocar tal diferenciação de regime, resulta da consideração, em abstracto, desse argumento, que também os arguidos que estivessem presentes na audiência de leitura de sentença (a mais de na de discussão e julgamento) estariam na mesma posição de “desigualdade” em relação aos faltosos. Ora, a aceitar-se existir um benefício para os ausentes, como se invocou, haveria um ainda maior “prejuízo” para os arguidos inteiramente cumpridores (porque sempre presentes em tribunal). O que chama a atenção para o fundamento da diferença de regime, que é materialmente justificada: estando presentes na altura da leitura da sentença o arguido ou o seu representante, é logo possível perspectivar a conduta a adoptar quanto à decisão de que se inteiraram. Estando ambos ausentes não o é, e daí o diferimento temporal até à efectiva notificação. Resulta da Lei n.º 59/98 que, para tal determinação da conduta processual subsequente, basta que esteja presente um defensor do arguido, seja este constituído por ele ou nomeado para a sua defesa ou para o acto. E resulta do Acórdão n.º 59/99 que só é assim desde que esteja presente o seu representante primitivo, seja ele nomeado ou constituído. Não se pode considerar, pois, que, em matéria de recurso, haja uma desigualdade que não decorra da própria diferença de situações e não seja materialmente justificada por esta.
7. Considerou-se, depois, que o arguido não presente na audiência de leitura da sentença vê “correr contra si o prazo de recurso de cujo início não teve qualquer conhecimento”. Porém, mesmo que se admita que os tribunais podem vir a adoptar essa interpretação – o que, em todo o caso, não compete ao Tribunal Constitucional antecipar –, a implicação que se pretende extrair não se afigura correcta, na medida em que, estando o arguido devidamente representado na audiência, o início do prazo se pode presumir do seu conhecimento, a coberto dos deveres de representação, e na medida em que, em todo o caso, ao ser, como foi, notificado da data da leitura da sentença, logo se haveria de ter por ciente do momento do seu início, mesmo sem a adequada representação no acto. O que é dizer que também se não corrobora o diagnóstico quanto às limitações do direito de recurso – independentemente de saber se, no caso concreto, face aos factos confessados e à pena aplicada, este poderia trazer alterações substanciais.
8. Por fim, o argumento de que “o arguido não toma conhecimento pessoal em momento algum da censura penal resultante da condenação e, designadamente, dos termos condicionais em que lhe é concedido o perdão” só poderia valer se se desconsiderassem os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor do arguido, como, correctamente, se sublinhou nos citados Acórdãos n.ºs
59/99 e 109/99. E isto, acrescente-se agora, apenas se se considerasse que o arguido, ciente que estava de ter praticado um facto punível – de resto, no caso concreto, confessado –, e de que a sentença seria proferida em data determinada, revelava em relação a esta indiferença. Porém, mesmo somadas estas duas condições, ainda daí não resultaria uma violação das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, porque delas não resulta que a inércia e a indiferença perante as decisões judiciais possam ser transformadas em vantagens. Como escreveu o Ministério Público neste Tribunal:
“é evidente que, no caso ora em apreciação, o arguido sabia perfeitamente em que data exacta iria ocorrer a leitura da sentença, já que, no termo da audiência de julgamento em que esteve presente, foi notificado da data em que viria [a] ocorrer a leitura da sentença - ao contrário do que ocorre com a leitura do acórdão no Tribunal Superior, em que (...) o arguido não tem (sem a efectiva colaboração do defensor) conhecimento da data em que tal decisão é publicitada. Ora, neste circunstancialismo, discorda-se inteiramente da argumentação expendida na decisão recorrida, já que o arguido dispôs de plena oportunidade para ter acesso à decisão condenatória contra si proferida, bastando que diligenciasse contactar, logo de seguida à data em que bem sabia que tal decisão iria ser proferida, quer o seu defensor (que bem conhecia) quer a própria secretaria judicial. O hipotético e eventual desconhecimento do exacto teor da sentença só poderá radicar, neste circunstancialismo, numa grosseira negligência do próprio arguido, que bem sabendo que, em certa data, ia ser publicitada ( e lhe era plenamente acessível) o teor de tal sentença, se desinteressou totalmente (e injustificadamente) do sentido e conteúdo da mesma.” Ora esta eventual negligência e desinteresse não merece, certamente, tutela ao abrigo das garantias de defesa reconhecidas ao arguido.».
9 - Como se verifica do Acórdão n.º 59/99, a decisão do Tribunal baseou-se, essencialmente, em três linhas de ponderação: a de que o processo penal tem de se perspectivar, segundo as exigências constitucionais, como um due process of law, permitindo que nele haja, sempre, uma possibilidade efectiva do arguido se defender, incluindo-se nessa defesa o direito de recorrer para os tribunais superiores e para o Tribunal Constitucional; a de que o exercício desse direito pressupõe que ao arguido seja dado “cabal conhecimento” da decisão condenatória que a seu respeito foi tomada; e, finalmente, a de que esse conhecimento, funcionalizado a permitir o exercício por banda do arguido do “feixe de direitos, meios e instrumentos de harmonia com os quais é facultada ao arguido uma eficaz defesa e uma adequada contraditoriedade relativamente à acusação”, pode ser efectuado na pessoa do defensor, constituído ou nomeado oficiosamente,
“contanto que se trate do primitivo defensor”, e não de uma pessoa nomeada apenas ad hoc para intervir em certo acto processual em relação ao qual o arguido possa tomar qualquer posição integrada nas suas garantias de defesa.
10 – E o recente Acórdão n.º 378/03 não deixou de considerar igualmente a posição especial em que o primitivo defensor do arguido se encontra, ou o advogado constituído, bem como a circunstância, já relevada no Acórdão n.º
109/99, cuja fundamentação se assumiu e transcreveu em parte, de “a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso em regra depende[r] mais do conselho do defensor do que propriamente de uma ponderação pessoal do arguido”, pelo que “há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender-se interpondo se quiser em prazo contado da leitura da sentença que o condene o respectivo recurso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência”.
11 - O entendimento de que o que verdadeiramente releva, num processo penal de um Estado de Direito, é que este processo seja um processo equitativo e justo, um due process of law, um fair process, que deve assegurar ao arguido todas as garantias de defesa e a ideia de que o princípio das garantias de defesa sai violado toda a vez que ao arguido não se assegure, de modo efectivo, a possibilidade de organizar a sua defesa ou não se lhe dê a oportunidade real de apresentar as suas próprias razões e de valorar a sua conduta - o que tem a ver com a dação de conhecimento dos actos ou decisões que o afectem e contra os quais poderá reagir usando o amplexo dos direitos abrangidos nas suas garantias de defesa - correspondem a afirmações axiológicas continuamente repetidas por este Tribunal Constitucional.
Por razões de economia, reproduzem-se apenas dois excertos de duas decisões deste Tribunal, um extraído do referido Acórdão n.º 109/99, - em que se intenta definir os sentidos de um processo equitativo e justo e do princípio das garantias de defesa - e um outro extraído do Acórdão n.º 41/96, este publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., pp. 235-245 - em que é abordada a mesma matéria, mas na sua conexão com o estabelecimento de prazos para a prática de actos processuais - nos quais, para além da citação de muitos outros arestos proferidos dentro da mesma linha de pensamento, é possível surpreender exactamente aquelas exigências e a expressão normativa do seu conteúdo.
Afirmou-se, na verdade, naquele primeiro aresto:
“[...]
5.1. Este Tribunal tem sublinhado, em múltiplas ocasiões, que o processo penal de um Estado de Direito tem que ser um processo equitativo e leal (a due process of law, a fair process, a fair trial), no qual o Estado, quando faz valer o seu ius puniendi, actue com respeito pela pessoa do arguido (maxime, do seu direito de defesa), de molde, designadamente, a evitarem-se condenações injustas. A absolvição de um criminoso é preferível à condenação de um inocente. Tal como se escreveu no Acórdão n.º 434/87 (publicado no Diário da República, II série, de
23 de Janeiro de 1988), o processo penal, para além de assegurar ao Estado ‘a possibilidade de realizar o seu ius puniendi’, tem que oferecer aos cidadãos ‘as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam cometer-se no exercício desse poder punitivo, designadamente contra a possibilidade de uma sentença injusta’. O processo penal, para – como hoje exige, expressis verbis, a Constituição (cf. artigo 20º, n.º 4) – ser um processo equitativo, tem que assegurar todas as garantias de defesa, incluindo o recurso (cf. o artigo 32º, n.º 1, da Lei Fundamental). No Acórdão n.º 61/88 (publicado no Diário da República, II série, de 20 de Agosto de 1988) – depois de se acentuar que, no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, ‘se proclama o próprio princípio da defesa’ e, portanto, apela-se, inevitavelmente, para ‘um núcleo essencial deste’ – escreveu-se, na verdade, o seguinte:
‘A ideia geral que pode formular-se a este respeito – a ideia geral, em suma, por onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio da defesa, para além das consignadas no n.º 2 do artigo 32º – será a de que o processo criminal há-de configurar-se como um due process of law, devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.’
(Cf. também o Acórdão n.º 207/88, publicado no Diário da República, II série, de
3 de Janeiro de 1989). Assim, pois, como se sublinhou no Acórdão n.º 135/88 (publicado no Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1988), se o processo deixa de ser um due process of law, um fair process, viola-se o princípio das garantias de defesa. O princípio das garantias de defesa é violado toda a vez que ao arguido se não assegura, de modo efectivo, a possibilidade de organizar a sua defesa. Dizendo de outro modo: sempre que se lhe não dá oportunidade de apresentar as suas próprias razões e de valorar a sua conduta (cf. os Acórdãos nºs 315/85 e
337/86, publicados no Diário da República, II série, de 12 de Abril de 1986, e I série, de 30 de Dezembro de 1986, respectivamente). Ora, quando, designadamente, se trata de decidir se deve recorrer-se de uma sentença condenatória, sobremaneira se a pena aplicada foi de prisão, o arguido e o seu defensor têm que ponderar muito bem os prós e os contras da decisão que tomarem. E isso exige o conhecimento do teor exacto da sentença. E reclama, bem assim, um tempo suficiente para poderem reflectir e decidir, pois seria inadmissível que se vissem forçados a fazê-lo precipitadamente. Porque isto é assim, é que este Tribunal, logo no seu Acórdão n.º 40/84
(publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3º volume, páginas 241 e seguintes), julgou inconstitucional – justamente por violação do artigo 32º, n.º
1, da Constituição – a norma constante dos artigos 561º e 651º, § único, do Código de Processo Penal de 1929, e do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 605/75, de
3 de Novembro, e do assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/79, de 28 de Junho, segundo a qual, em processo sumário, o recurso restrito à matéria de direito tinha que ser interposto logo depois da leitura da sentença (cf., no mesmo sentido, os Acórdãos nºs 17/86, 104/86, 123/86, 202/86, 210/86 e 265/86, publicados no Diário da República, II série, de 24 de Abril, 4 de Agosto, 6 de Agosto, 24 de Agosto, 5 de Novembro e 29 de Novembro, de 1986, respectivamente)». Por seu lado, afirmou-se no Acórdão n.º 41/96:
«O processo penal de um Estado de Direito há-de 'assegurar ao Estado a possibilidade de realizar o seu ius puniendi'; mas há-de também
'oferecer aos cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam cometer-se no exercício desse poder punitivo, designadamente contra a possibilidade de uma sentença injusta' (cf. Acórdão n.º 434/87, publicado no Diário da República, II série, de 23 de Janeiro de 1988 e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 371, página 160).
Tal processo há-de ser, assim, um due process of law, no sentido de que, nele, há-de o arguido poder sempre defender-se. Este, o núcleo essencial do princípio da defesa, que, no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, se proclama.
A este propósito, escreveu-se no Acórdão n.º 61/88, publicado no Diário da República, II série, de 20 de Agosto de 1988:
A ideia geral que pode formular-se a este respeito - a ideia geral, em suma, por onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio da defesa, para além das consignadas nos números 2 e seguintes do artigo 32º - será a de que o processo criminal há-de ser um due process of law, devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.
(Cf. também o Acórdão n.º 322/93, publicado no Diário da República, II série, de
29 de Outubro de 1993).
Esta cláusula constitucional - que se apresenta com um cunho reassuntivo e residual (relativamente às concretizações que já recebe nos números seguintes do artigo 32º) e que, na sua abertura, acaba por revestir-se de um carácter acentuadamente programático - contém, ao cabo e ao resto, 'um eminente conteúdo normativo imediato a que se pode recorrer directamente, em casos limite, para inconstitucionalizar certos preceitos da lei ordinária (cf. FIGUEIREDO DIAS, in A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, p. 51). E contém esse conteúdo normativo imediato, justamente, porque aí se proclama o próprio princípio da defesa e, portanto, inevitavelmente, se faz apelo para o seu núcleo essencial, cuja ideia geral é a de que o processo criminal tem de assegurar sempre ao arguido a possibilidade de ele se defender (cf. também o Acórdão n.º
186/92, publicado no Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992).
O princípio das garantias de defesa - afirmou-se no já citado acórdão n.º
434/87 - será violado 'toda a vez que ao arguido se não assegure, de modo efectivo, a possibilidade de organizar a sua defesa'; ou seja: sempre que se lhe não dê oportunidade real de apresentar as suas próprias razões e de valorar a sua conduta (cf. Acórdão n.º 315/85, publicado no Diário da República, II série, de 12 de Abril de 1986)».
12 - Face à jurisprudência anterior do Tribunal, não pode deixar de considerar-se que a norma, tal qual foi aplicada pela decisão recorrida e se mostra definida pelos recorrentes, não viola o princípio do asseguramento efectivo de todas as garantias de defesa do arguido, incluindo o recurso, consagrado no art. 32º, n.º 1, da Constituição.
Na verdade, não pode deixar de ponderar-se que, sendo a decisão condenatória notificada ao seu defensor primitivo, o arguido ficará, no plano da razoabilidade em que o legislador se posiciona, com a possibilidade efectiva de conhecer os seus fundamentos e de tomar uma posição sobre ela, nomeadamente, de recorrer para os tribunais superiores ou para o Tribunal Constitucional.
“O defensor - usando as palavras de Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, I, 4ª ed., 2000, pp. 310-311) - é um elemento essencial à administração da justiça (art. 208º da CRP e art. 114º da LOFTJ), um verdadeiro órgão de administração de justiça [...]», com o que «pretende significar-se que o defensor exerce também uma função pública, no interesse geral», que «exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este». O defensor do arguido é deste modo «um sujeito processual através do qual (ou com o auxílio do qual) pode, e nalguns casos deve, ser exercida a função defensiva do arguido» (cfr., Germano Marques da Silva, op. cit., pp. 306), essencialmente, no domínio da defesa técnico-jurídica.
É dentro desta axiologia que se inscreve o preceito constitucional que dispõe que “a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça» (art. 208º) e que a lei ordinária estabelece o seu estatuto, reconhecendo-lhes direitos e impondo-lhes deveres (cfr., entre outros, os arts.
62º a 67º do CPP; art. 114º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro - e os Capítulos IV e V do Estatuto da Ordem dos Advogados, republicado em anexo à Lei n.º 80/2001, de 20 de Julho, a qual lhe introduziu algumas alterações). Ora, o defensor do arguido está sujeito a deveres funcionais e deontológicos no que diz respeito ao seu relacionamento com o arguido cuja defesa tomou a seu cargo, seja porque aceitou a sua constituição como mandatário forense, seja porque foi nomeado para tal função. O desembaraço de tais deveres, decorrentes do seu especial estatuto jurídico, de natureza pública, mormente no domínio do processo penal, impõe forçosamente que o defensor dê a conhecer ao arguido a condenação que lhe foi aplicada e que concerte com ele a posição a tomar dentro do exercício das suas garantias de defesa. Estando o defensor dotado daquele estatuto de natureza pública, que coenvolve o direito de «exercer os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este», nunca a lei poderá, evidentemente, sob pena de perversão dos princípios, partir de um princípio de suspeição sobre o cumprimento, pelo mesmo, do seu dever de comunicação ao arguido de uma decisão judicial, emitida, ademais, em consequência de uma anterior intervenção no processo do próprio defensor concertada com o arguido, e dos demais deveres funcionais e deontológicos cuja satisfação a organização concertada do arguido lhe demande. Numa situação em que o defensor foi quem tomou a defesa do arguido relativa ao próprio acto judicial de cujo resultado aquele foi notificado tem de admitir-se a sua comunicação ao arguido como facto simplesmente consequente da actividade antes desenvolvida em função daquele acto, em princípio feita concertadamente com o arguido. A ser assim, nunca a lei ordinária, até por força da referida injunção constitucional, poderá partir do princípio, salvo existindo manifestação objectiva em sentido contrário no processo, de que o defensor constituído ou nomeado não seja ou não continue a ser a pessoa que está legalmente habilitada a exercer os direitos que a lei reconhece ao arguido e antes se tenha de haver o mesmo por inapto ou não cumpridor dos seus deveres funcionais e deontológicos. Daí que não seja desadequado, desrazoável ou arbitrário (cfr., art. 18º, n.ºs 2 e 3 da CRP) admitir-se que o primitivo defensor do arguido - como é o do caso sub judice - lhe dê conhecimento do resultado do recurso interposto para o tribunal superior ou para o Tribunal Constitucional, quando é certo que essa interposição ou foi feita por ele ou teve a oportunidade de a contraditar, contra-alegando, e, que qualquer que seja a posição a tomar em matéria de recursos, esta terá sempre de ser feita através de defensor [cfr. art. 64º, n.º
1, alínea d) do CPP]. Mas tal juízo de não desrazoabilidade mostra-se ainda mais pertinente nos casos em que, estando em causa recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o msmo é restrito a matéria de direito. Neste tipo de recursos, a intervenção do defensor
é que se revela absolutamente decisiva para o efectivo exercício do direito ao recurso, não sendo essencial que haja uma plena articulação entre o defensor e o arguido. A actuação deste só se poderá ter por verdadeiramente essencial relativamente ao conhecimento dos factos e à informação que sobre eles poderá dar ao seu defensor. Mas tal aspecto encontra-se senão ultrapassado pelo menos bastante atenuado no recurso de revista, dado que este terá que ser estruturado em função do acervo fáctico constante do acórdão condenatório.
É claro que poderá haver “casos-limite” em que por lapso fortuito ou qualquer falha de comunicação o defensor oficioso primitivo do arguido não lhe haja transmitido atempadamente o conteúdo da sentença ou do acórdão condenatório e o direito de recurso só possa ser eficazmente exercido se houver uma efectiva articulação entre ambos, pela utilidade da eventual consideração de matéria de facto dentro dos limites estabelecidos na lei (cfr. n.º 2 do art.º 410º do CPP). Já acima, todavia, se disse que se admite que, em caso de existência, no processo, de manifestação objectiva no sentido de que o defensor não comunicou ao arguido a decisão condenatória, tal circunstância seja relevada para aquele efeito. Mas mesmo que essa prova objectiva não exista, sempre o sistema jurídico, em tais casos-limite, proporciona ao arguido um meio que lhe assegura a possibilidade de exercício do direito de recurso – a arguição do justo impedimento nos termos dos art.ºs 107º, n.º 5, primeira parte, do CPP e 146º do Código de Processo Civil, alegando e provando a existência das circunstâncias fortuitas que obstaram ao conhecimento, sem culpa da sua parte, do teor do acórdão condenatório. Claro que a argumentação que vem de desenhar-se não é transponível para o caso de estarmos perante um defensor nomeado ad hoc para o acto ou que tem uma intervenção meramente pontual no processo. Em tal situação é normal que entre o arguido e o defensor não se tenham estabelecido relações de concertação e articulação do modus agendi da defesa ou de informação do material fáctico pertinente a essa defesa e que o defensor ad hoc não esteja em condições de poder perspectivar da melhor forma o exercício dos direito de defesa que no caso couberem em função do plano estabelecido com o arguido. Mas tal não é a hipótese que ocorre no caso agora em apreço ao contrário do que aconteceu na situação analisada naquele Acórdão n.º 59/99. Por outro lado, também não é caso de justo impedimento, pois que nem sequer os arguidos o alegaram. Em rigor, estes esgrimem a possibilidade de não conhecimento do acórdão em termos puramente abstractos, argumentando com os
“riscos” de poder ser eventualmente omitida a comunicação pessoal do acórdão condenatório pelo defensor, mas sem que ponham em causa o seu conhecimento.».
C – Como se vê, o acórdão vai ao arrepio da jurisprudência anterior e acaba por julgar inconstitucional a norma apenas porque o julgador não ponderou, em concreto, a possível existência das válvulas de segurança que já existem no sistema, lançando mão de um argumento de falta da sua integração como parte da norma para a julgar constitucionalmente inválida. Trata-se de uma posição que poderia igualmente ser encarada e resolvida nos casos relativos às normas paralelas de cuja jurisprudência se deu conta atrás. Eis como a falta de ponderação, em conctreto, pelo tribunal a quo das excepções, salvaguardas e válvulas de segurança possíveis relativamente a certas normas jurídicas poderão justificar a interposição e o julgamento de inconstitucionalidade não obstante aquelas poderem existir precisamente para acautelar as normas e princípios constitucionais. Estamos no caminho do recurso de amparo. Benjamim Rodrigues