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Proc. n.º 834/03
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1 - A., identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art.º 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da sentença, de 30 de Junho de 2003, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga (3º Juízo Criminal), pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade da “norma contida no n.º 1 do art.º 26º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, com a interpretação [...] de que o prazo peremptório ali previsto, suspenso após a notificação prevista no art. 24º da referida Lei e até à sua resposta ou preclusão do prazo para ela, só pode ser contado após a disponibilização à entidade administrativa de todos os elementos necessários e suficientes à sua apreciação, considerados [n]estes os que tenham sido carreados em função do aludido art. 24º, não se produzindo assim o deferimento tácito”, e da norma “contida no art. 20º, n.º 1, alínea c) [por manifesto lapso escreveu-se n.º 20º, n.º 1, alínea c)] e n.º 2 do art. 20º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, com a interpretação de que não basta demonstrar-se a limitação dos rendimentos aos valores legalmente estabelecidos para as presunções de insuficiência económica ali estabelecidas para poder beneficiar de apoio judiciário”.
2 - O objecto do recurso ficou, entretanto, delimitado apenas àquela primeira norma por despacho do relator, transitado em julgado, constante dos autos (fls. 103 e ss.).
3 - No recurso judicial impugnatório da decisão administrativa de indeferimento do pedido de apoio judiciário, o recorrente sustentou que “a decisão administrativa que ora se impugna judicialmente mostra-se tomada, e notificada, após o prazo legal previsto no art.º 26º, n.º 1, da LAJ, pelo que está o benefício tacitamente deferido e concedido (idem n.º 2), como se fez menção no processo judicial respectivo” [alínea a)], “resultando assim, e desde logo, violados os princípios da legalidade administrativa e celeridade previstos no art.º 3º do Código de Procedimento Administrativo e o art.º 20º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa” (CRP).
4 - A sentença recorrida não se pronunciou expressamente sobre a questão de constitucionalidade, tendo abordado a matéria da inexistência de deferimento tácito do pedido nos seguintes termos:
«O recorrente invocou antes de mais que a decisão não poderia subsistir por se ter verificado o deferimento tácito da sua pretensão, de harmonia com o preceituado no art. 26° n° 1, da Lei n° 30-E/2000, de 20/12. Importa, pois, antes de mais, averiguar se lhe assiste razão. Dispõe o art. 26° n° 1, da citada Lei que 'O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de apoio judiciário é de 30 dias' , findo esse prazo sem que tenha sido proferida decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de apoio judiciário, por força do n°
2, do mesmo normativo. Assim, prefiguram-se aqui, as hipóteses de passividade da administração, sancionando-a em benefício do particular. Todavia, consoante ressalta do disposto no art. 22°, do mesmo diploma, os procedimentos administrativos relativos à concessão de apoio judiciário, em todos os casos omissos, regulam-se pelo Cód. do Proc. Administrativo. Por outro lado, estando previsto o indeferimento, tem que ser ouvido o requerente, aplicando-se, então, o disposto no art. 103° nºs 1 e 2 a), desse Código, de acordo com o preceituado no art. 24°, da Lei n° 30-E/2000. In casu, o requerente apresentou o seu pedido de apoio judiciário à segurança Social, no dia 9/10/2002 (v. fls. 11). Considerando os elementos apresentados, o ISSS entendeu que seria de indeferir a pretensão do requerente, sugerindo-lhe, porém a junção de outros elementos probatórios para melhor esclarecer a sua situação económica, em 10 dias, através de notificação enviada a 7/11/2002 (fls. 38 e 71 ), prazo em que ficou suspenso o prazo em curso. A tal solicitação respondeu o requerente juntando documentos e reiterando o pedido de apoio judiciário, em 22/11/2002 (fls. 32 e 64). Deste modo, só nesta data se pode considerar concretizada a pretensão do requerente, visto que apenas nessa ocasião foram disponibilizados à entidade administrativa todos os elementos necessários e suficientes à sua apreciação. Ora, tendo presente tal circunstância e ainda o prazo de suspensão aludido, e o facto da decisão a indeferir o pedido de apoio formulado ter sido proferida a
29/11/2002, conforme ressalta de fls. 34, é manifesto que não se mostram verificados os pressupostos para o deferimento tácito da pretensão do ora recorrente.»
5 - Nas alegações apresentadas no Tribunal Constitucional sobre tal objecto do recurso assim concluiu o recorrente o seu discurso:
«a) - O acesso à justiça é garantido a todo o cidadão e deverá ser célere e equitativo de modo a obter tutela efectiva dos seus direitos em tempo útil, como resulta da imposição contida nos nºs 1, 4 e 5 do Artº 20° da Constituição da República Portuguesa;
b) - Em submissão a estes imperativos a Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro impõe prazos peremptórios para a conclusão e decisão administrativa sobre o pedido de apoio judiciário;
c) - Aos quais são contados seguidos e durante as férias judiciais, tal como em processo civil urgente, imposição no Artº 41° da referida Lei;
d) - Não sendo este princípio postergado em prazo algum em face da norma contida no Artº 22°, in fine, do mesmo diploma legal, pois que essa matéria está perfeita e pacificamente regulada no supra referido Artº 41°;
e) - O prazo para a conclusão e decisão do processo administrativo suspende-se durante o período de audição prévia do interessado, como previsto no Artº 24°, nº 1, da mesma Lei e no Artº 100º do Código de Procedimento Administrativo;
f) - Esta suspensão termina com a resposta do interessado, recomeçando o prazo suspenso a correr até final;
g) - Só assim se cumpre o referido princípio constitucional da celeridade da justiça, imposto nos nºs 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa; h) - E, a fortiori o princípio da equidade processual, ali também determinado, face ao direito à igualdade contido no Artº 13° da Lei Fundamental;
i) - A interpretação destas normas contida na douta decisão judicial sob recurso, ancorando-se numa confusão entre interrupção e suspensão do prazo, viola estes imperativos constitucionais;
j) - Matéria que carece de intervenção deste Tribunal que, revogando a douta decisão recorrida, a substitua por outra que declare inconstitucional a interpretação da norma em causa ali expandida, assentando a interpretação correcta para as legais consequências.»
6 - Contra-alegando o recorrido INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL defendeu o não provimento do recurso com base nas razões condensadas na seguinte síntese conclusiva:
«Em conclusão:
1- O nº 1 do artº 26º da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação de que o prazo peremptório para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de apoio judiciário só pode ser contado após a disponibilização à entidade administrativa de todos os elementos necessários e suficientes à sua apreciação, considerados nestes os que tenham sido carreados em função do artº 24º, não se produzindo assim o deferimento tácito é conforme a Constituição da República Portuguesa;
2- Tal interpretação permite a prossecução do escopo do diploma que é o de garantir o acesso aos tribunais pelos cidadãos em insuficiência económica;
3- Estão sempre garantidas ao cidadão as possibilidades de completar o seu requerimento, de requerer a revogação da decisão e mesmo de impugnar judicialmente a decisão da entidade administrativa;
4- É o requerente quem determina, em primeiro lugar. o suporte probatório da sua petição, não podendo este beneficiar das omissões e insuficiências do seu requerimento;
5- Ao cidadão requerente é garantido o direito a uma decisão em prazo razoável. por parte da administração através do mecanismo do deferimento tácito;
6- A relação entre Instituto de Solidariedade e Segurança Social e cidadão requerente não é de paridade, não sendo por isso viável uma alegada violação do princípio da igualdade; Nestes termos e nos mais de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exa., deverá o nº 1 do artº 26º da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação de que o prazo peremptório para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de apoio judiciário só pode ser contado após a disponibilização à entidade administrativa de todos os elementos necessários e suficientes à sua apreciação, considerados nestes os que tenham sido carreados em função do artº 24º, não se produzindo assim o deferimento tácito, ser declarado conforme aos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa.»
B – A fundamentação
7 - A questão decidenda
É a de saber se a norma constante do n.º 1 do art.º 26º da Lei n.º
30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação segundo a qual a «o prazo peremptório ali previsto, suspenso após a notificação prevista no art. 24º da referida Lei e até à sua resposta ou preclusão do prazo para a mesma, só pode ser contado após a disponibilização à entidade administrativa de todos os elementos necessários e suficientes à sua apreciação, considerados [n]estes os que tenham sido carreados em função do aludido art. 24º, não se produzindo assim o deferimento tácito”, viola o disposto no art.º 20º, n.ºs 1, 4 e 5 e o princípio da igualdade consagrado no art.º 13º, ambos os preceitos da CRP.
8 - Do mérito do recurso
8.1 - Antes de mais cumpre anotar que não cabe ao Tribunal Constitucional aferir da correcção, no plano do direito ordinário, do resultado da interpretação normativa relativa ao art.º 26º, n.º 1, da Lei n.º 30-E/2000, levada a cabo pelo tribunal a quo cuja conformidade com a Lei Fundamental o recorrente pretende ver sindicado. A norma, tal como foi definida e aplicada na decisão recorrida, apresenta-se para ele como um dado.
Na perspectiva do recorrente a contagem do prazo de 30 dias a que se refere o art.º 26º, n.º 1, da Lei n.º 30-E/2000 (e de cujo decurso o n.º 2 do mesmo artigo faz depender a formação do deferimento tácito do pedido de apoio judiciário) apenas a partir da “disponibilização à entidade administrativa de todos os elementos necessários e suficientes à sua apreciação, considerados
[n]estes os que tenham sido carreados em função do aludido art. 24º”, viola o disposto no n.º 1 do art.º 20º da CRP, fere “o princípio constitucional da equidade processual (art.º 20º, n.º 4), pois que seria o meio [é um meio] adequado à dilação desmesurada e desequilibradora entre os direitos dos sujeitos processuais - o requerente e a administração -, face ao direito à igualdade contido no art.º 13º da Lei Fundamental”, e ofende o “princípio constitucional da celeridade da justiça, imposto nos n.ºs 4 e 5 do art.º 20º da CRP”.
8.2 - Mas tal posição não merece acolhimento. Senão vejamos. Como refere J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
6ª edição, pp. 496), a garantia do acesso aos tribunais pode ser perspectivada em «termos essencialmente “defensivos” ou garantísticos: defesa dos direitos através dos tribunais», mas ela «pressupõe também dimensões de natureza prestacional na medida em que o Estado deve criar órgãos judiciários e processos adequados (direitos fundamentais dependentes da organização e procedimento) e assegurar prestações (“apoio judiciário”, “patrocínio judiciário”, “dispensa total ou parcial de pagamento de custas e preparos), tendentes a evitar a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos (CRP, artigo 20º)». E o mesmo Autor acrescenta que «o acesso à justiça é um acesso materialmente informado pelo princípio da igualdade de oportunidades» (cfr., também, José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de
1976, 2ª edição, pp. 356).
O apoio judiciário, que constitui uma das modalidades de prestação de protecção jurídica dispensada pelo Estado cuja concessão se encontra, hoje, regulada na Lei n.º 30-E/2000 (diploma que revogou o DL. n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, que regia a matéria), visa evitar que alguém, por insuficiência de meios económicos, deixe de ter acesso aos instrumentos em que se concretiza aquela primeira dimensão da garantia de acesso aos tribunais, simpliciter, a garantia de fazer valer ou defender, nos tribunais, os seus direitos ou interesses, de modo efectivo e eficaz, e através dos meios judiciários dispensados (n.º 1 do art.º 20º da CRP).
O apoio judiciário analisa-se assim em uma prestação positiva cuja realização incumbe ao Estado. Tratando-se de uma prestação positiva que apenas deve ser realizada a favor de quem precise dela - dado nada impor no nosso sistema que a justiça seja gratuita (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, pp. 165) - , não pode a respectiva previsão constitucional deixar de ser lida no sentido de admitir que a sua concessão seja necessariamente antecipada de um acto de avaliação daquela insuficiência económica para suportar as despesas do conflito, acto esse cuja competência para a sua prática está hoje atribuída à Administração que se encontra essencialmente vocacionada para a realização de prestações de natureza de segurança social (a Segurança Social), em cujo tipo esta acaba por inserir-se, mas que antes, no regime do referido Decreto-Lei n.º
387-B/87, coube aos tribunais. Atenta a sua finalidade e razão de ser, não pode, por outro lado, esse acto de avaliação da insuficiência económica do requerente e de decisão da sua concessão ou denegação dispensar a organização de um procedimento prévio de instrução cuja estruturação esteja funcionalizada à averiguação e demonstração da insuficiência económica do requerente. É claro que bem poderia esta instrução ter sido cometida exclusivamente à administração. Mas não foi essa a opção do legislador da Lei n.º 30-E/2000, o que bem se compreende: ninguém melhor do que o interessado está em condições de, por um lado, sentir a necessidade de lançar mão da prestação do apoio judiciário, e, por outro, de revelar a situação real de carência de meios económicos para suportar as despesas do pleito judicial (cfr., a este propósito o acórdão deste Tribunal n.º 98/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudência). De qualquer modo, esse pôr a cargo do requerente a instrução do seu pedido, traduzida em demonstrar a sua real insuficiência económica, mesmo se visto como um ónus ou condicionamento do seu direito à prestação do apoio judiciário por parte do Estado, não poderá ser tido como comprometendo o direito de acesso à prestação em causa ou como comprometendo demasiadamente o exercício desse direito, dado referir-se a factos que ninguém melhor do que o requerente pode conhecer (sobre esta vertente, cfr. o referido Acórdão n.º 98/04, deste Tribunal).
À Administração ficou reservada, como não poderia deixar de ser, a tarefa de controlo da correspondência à realidade dos elementos declarados. Ora, o desempenho de uma tal actividade demanda algum tempo para poder ser levado a cabo. Na dimensão expressa pela norma sindicada, esse prazo de conclusão do procedimento administrativo e de decisão sobre o pedido é de 30 dias contados sobre a data em que são entregues à autoridade administrativa os elementos que esta solicite através de despacho proferido, pressuposta e necessariamente, dentro dos 30 dias subsequentes à formulação do pedido sob pena de ocorrer o deferimento tácito a que alude o n.º 2 do art.º 26º. Relativamente à repercussão que o procedimento do apoio judiciário possa ter na instauração ou no andamento da causa judicial a que respeite, importa, dentro da perspectiva de utilidade para a questão de constitucionalidade aqui a resolver, dar conta do que se dispõe no art.º 25º da Lei n.º 30-E/2000.
Diz este preceito:
“ 1 – O procedimento de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes.
2 - Nos casos previstos no n.º 4 do art.º 467º do Código de processo Civil e, bem assim, nos casos em que, independentemente das circunstâncias referidas naquele normativo, está pendente recurso da decisão relativa à concessão de apoio judiciário e o autor pretenda beneficiar deste para dispensa total ou parcial da taxa de justiça, deve juntar à petição inicial documento comprovativo da apresentação do respectivo pedido de apoio.
3 – Nos casos previstos no número anterior, o autor deve efectuar o pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão que indefira, em definitivo, o pedido de apoio judiciário, sob a cominação prevista no n.º 5 do artigo 467º do Código de Processo Civil.
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 – O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior reinicia-se, conforme o caso: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono”.
Em face do que vem de ser dito e do preceito que acaba de transcrever-se, e no que tange à conexão do procedimento administrativo de apoio judiciário com a causa, podem reter-se três ideias fundamentais: uma é a de que, mesmo segundo o entendimento da decisão recorrida sobre o cômputo do prazo constante do n.º 1 do art.º 26º da Lei n.º 30-E/2000 durante o qual deve ser decidido o pedido de apoio judiciário, a decisão administrativa da sua concessão ou da sua denegação deve ocorrer dentro do prazo máximo de 30 dias contados sobre a data de apresentação dos elementos de instrução pedidos pela Administração ou sobre a data de esgotamento do prazo concedido ao requerente para o efeito, só se constituindo o efeito jurídico do deferimento tácito do pedido depois de esgotado esse prazo; a outra é a de que, demore o tempo que demorar a apreciação, em definitivo, do pedido de apoio judiciário por banda da Administração, nunca o requerente do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa total ou parcial de taxa de justiça vê diminuída a possibilidade de, em tempo, poder recorrer a juízo para fazer valer os seus direitos ou de aí os defender; finalmente, a terceira é a de que a única demora na apreciação, em definitivo, do pedido de apoio judiciário que poderá, de algum modo, implicar negativamente com o grau de realização da garantia de acesso aos tribunais para aí fazer valer ou defender os seus direitos, na sua dimensão de direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas ou prazo razoável (a que o recorrente apelida de princípio da celeridade), é a que contende com o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono.
Na verdade, quando o apoio judiciário se concretize nesta última modalidade, e seja apresentado na pendência de acção judicial, é inarredável que não exista algum atraso na tramitação do processo judicial porquanto a sua verificação é uma mera consequência da interrupção do prazo que está em curso à data da junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento do pedido de apoio e cujo reinício apenas ocorre com a notificação ao patrono nomeado da sua designação ou com a notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
É também hipotizável a eventualidade de existência de algum atraso naqueles casos em que o apoio judiciário pretendido se traduza na nomeação de advogado (e pagamento de honorários), categoria essa em que se integra a situação factual que subjaz à norma sub judicio, e se pretenda esse apoio para interpor a acção judicial.
Todavia, independentemente de, em tal situação, esse atraso poder, eventualmente, ser devido apenas a alguma apatia ou falta de iniciativa do interessado em requerer a concessão do apoio judiciário, por não formular o pedido logo que ficou colocado na posição de ter de recorrer aos tribunais, sempre o mesmo interessado poderá tornear o obstáculo mediante a escolha de patrono e a formulação posterior do pedido de apoio na modalidade de pagamento de honorários ao patrono escolhido.
De qualquer modo não se vê – e este é um argumento que tanto vale para o caso de nomeação de patrono na pendência da causa como para o nomeado anteriormente à sua instauração – que a opção legislativa (nos termos em que a decisão recorrida a definiu), no sentido de prever que o efeito jurídico de deferimento tácito do pedido de apoio apenas se constitua 30 dias após a contar da entrega por banda do requerente de todos os elementos necessários à apreciação do pedido de apoio judiciário, e que, por virtude disso, possa ocorrer algum atraso no recurso aos tribunais ou que, efectivamente, ele se verifique nos termos correspondentes na tramitação da acção judicial intentada, comprometa o asseguramento da garantia constitucional do acesso a uma tutela jurisdicional efectiva, nas suas dimensões de “direito de acesso à justiça”, de
“direito de obter uma decisão em prazo razoável” e de “direito à efectividade das sentenças” (sobre os momentos em que se analisa o direito de acesso aos tribunais, cfr., entre outros, os Acórdãos n.º 86/88, publicado no Diário da República II Série, de 22 de Agosto de 1988 e n.º 934/96, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Dezembro de 1996, no BMJ, 459º, pp. 81 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 34º Vol., pp. 327). Tratando-se embora de direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, op. cit., pp. 177 e
356, que os enquadra na categoria de direitos fundamentais potestativos), tal não impede, todavia, que, atenta precisamente aquela sua natureza de direito a prestações positivas demandante de um acto de avaliação, o legislador ordinário possa, dentro da sua discricionariedade normativo-constitutiva constitucionalmente prevista, sujeitar o respectivo beneficiário ao cumprimento de certos ónus ou condições ou regular o procedimento conducente ao seu reconhecimento desde que, num caso e noutro, não inviabilize ou dificulte excessivamente o exercício desse direito, aí se compreendendo o estabelecimento de um prazo razoável para a administração poder controlar a veracidade da insuficiência económica alegada pelo requerente (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, op. cit., pp. 215 e ss.).
Ora, em bom rigor, mesmo dentro do entendimento seguido pela decisão recorrida, à Administração apenas poderá ser imputado, no máximo (atenta a configuração normativa do instituto de deferimento tácito ao fim de 30 dias), um
“atraso” de 30 dias, que é o tempo correspondente ao intervalo que vai entre o momento da apresentação do pedido e o da formação do acto tácito de deferimento. O resto do eventual atraso, em termos substanciais, apenas ao requerente poderá ser atribuído, ao não instruir o requerimento com todos os elementos informativos e comprovativos de qual a sua real situação económica e da sua consequente insuficiência económica para suportar as despesas do pleito, nela incluídos os honorários ao seu patrono. Ora, atenta a necessidade de controlo real das informações que são prestadas pelo requerente não se afigura que esse prazo seja desadequado ou desproporcionado atenta a tarefa que a Administração tem de levar a cabo de verificar a existência da situação de que decorre o direito de apoio invocado. Por outro lado, a admissibilidade de convite ao requerente do apoio judiciário por parte da Administração para que complete o seu requerimento ou supra deficiências probatórias em nada se choca com a garantia constitucional, antes tem como escopo dar-lhe efectiva concretização na medida em que visa evitar que não seja por insuficiência económica que ele deixe de aceder à justiça e nela se defender. Ao contrário do que sustenta o recorrente não tem qualquer sentido a convocação do princípio da igualdade, na dimensão que titula “de princípio de igualdade e de equidade processual”
(extraível das disposições conjugadas dos arts. 13º e 20º da CRP) para confrontar a posição procedimental de sujeição do requerente do benefício do apoio judiciário a certos ónus com o dever de pronúncia da administração dentro de certo prazo. É que as suas situações são substancialmente diferentes, pelo que a sua diferenciação não é proibida constitucionalmente: o requerente é o beneficiário de uma prestação, a Administração é a realizadora dessa prestação e os prazos em causa dizem respeito não a processo judicial mas a procedimento administrativo no qual esta actua na sua veste de autoridade.
É claro que o legislador poderia ter previsto um prazo mais curto para a Administração se pronunciar ou uma outra forma de contagem do mesmo (como a de contar o prazo desde a apresentação do requerimento propulsor do procedimento do apoio judiciário). Mas não cabe ao Tribunal Constitucional censurar a opção feita pelo legislador ordinário ao abrigo da sua competência discricionária exercida dentro dos limites constitucionais referidos.
De tudo flui, pois, que não se mostram violados nem o art.º 13º nem os n.ºs 1, 4 e 5 do art.º 20º da CRP.
C – A decisão
9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 1 do art.º
26º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação segundo a qual a
«o prazo peremptório ali previsto, suspenso após a notificação prevista no art.
24º da referida Lei e até à sua resposta ou preclusão do prazo para a mesma, só pode ser contado após a disponibilização à entidade administrativa de todos os elementos necessários e suficientes à sua apreciação, considerados [n]estes os que tenham sido carreados em função do aludido art. 24º, não se produzindo assim o deferimento tácito»; b) Negar provimento ao recurso; c) Condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 19 de Maio de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos