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Processo n.º 747/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1.Em 20 de Julho de 2004 foi proferida nos presentes autos decisão sumária de não conhecimento do recurso de constitucionalidade, com o seguinte teor:
«I. Relatório
1. Por acórdão de 24 de Março de 2003 do Tribunal da Comarca de Braga, A. e outros, melhor identificados nos autos, foram condenados como autores materiais de diversos crimes de receptação, falsificação e burla, tendo o referido arguido sido condenado na pena única de seis anos e seis meses de prisão. Recorreram os arguidos, em separado, para o Tribunal da Relação de Guimarães, mas este, por acórdão de 20 de Outubro de 2003, confirmou inteiramente o acórdão recorrido. Interpuseram, então, recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, em separado, mas, apesar de os recursos terem sido admitidos no Tribunal da Relação, vieram a ser rejeitados naquele Supremo Tribunal, por acórdão de 14 de Abril de 2004, por se ter considerado, no seguimento de parecer da Procuradora-Geral Adjunta em funções no tribunal ad quem, oportunamente notificado aos recorrentes, que eram
“aplicáveis as normas das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP, não sendo, por isso, como dispõe o artigo 432º, alínea b), do mesmo diploma, admissível recurso para o Supremo Tribunal” – isto é, por os crimes pelos quais os recorrentes foram condenados serem puníveis com penas de prisão não superior a cinco anos, ou com pena não superior a oito anos, tendo a decisão sido inteiramente confirmada na 2ª instância. O referido arguido e ora recorrente veio pedir a aclaração desse acórdão, tendo o acórdão de 9 de Junho do Supremo Tribunal de Justiça deferido, em parte, o pedido. Após ter sido indeferido o requerimento de recurso para fixação de jurisprudência interposto por outro dos arguidos, veio o arguido referido apresentar recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para obter a apreciação da conformidade com o disposto no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, da norma do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
II. Fundamentos
2.O presente recurso foi admitido no tribunal a quo, mas, porque tal decisão não vincula este Tribunal (artigo 76º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional), e porque não estão preenchidos os pressupostos do tipo de recurso interposto, é de proferir decisão nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, na redacção da Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
3.Para que se possa tomar conhecimento de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional é necessário, como se disse no Acórdão n.º 66/92 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., págs. 769-775):
“a) que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de determinada(s) norma(s) de direito ordinário; b) que a decisão recorrida tenha aplicado essa(s) norma(s); c) e que a decisão recorrida seja insusceptível de recurso ordinário [cfr. artigo 70º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, e artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional].” Ora, no presente caso o recorrente não suscitou durante o processo – isto é: antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a que tal questão de constitucionalidade respeita (cfr. já o Acórdão n.º 90/85, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 663-672) – nenhuma questão de constitucionalidade normativa. O mais que fez foi, na resposta ao citado parecer da Procuradora-Geral Adjunta no Supremo Tribunal de Justiça, escrever o seguinte:
“6º - Ora, uma pena de prisão superior a 5 anos é, necessariamente, prevista para a média ou elevada criminalidade, pelo que não é concebível, sob pena de violação dos mais elementares direitos processuais penais e constitucionais, que não seja admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de uma decisão que aplicou penas de prisão, v.g., de 16 e 18 anos!
(...)
8º - Assim, e pelos motivos expostos, não pode o Recorrente, naturalmente, conformar-se com a posição assumida pela Ilustre Procuradora-Geral Adjunta, pugnando pela admissibilidade do presente recurso e consequente revogação da decisão recorrida, sob pena de violação dos mais elementares direitos constitucionais reconhecidos ao Recorrente, nomeadamente, o direito ao recurso, previsto no art. 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.” Tais asserções não constituem, porém, modo adequado de suscitar qualquer questão de constitucionalidade normativa, isto é, reportada a uma norma ou dimensão normativa, devidamente identificada. Justamente por isso, o Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciou, nem tinha de se pronunciar, sobre isso. E, em consequência do não cumprimento do ónus de definir e conduzir uma estratégia processual adequada a possibilitar a interposição de um recurso de constitucionalidade (cfr. Acórdão n.º 479/89, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14º vol., págs. 5-154), o recorrente obstou a que o Tribunal Constitucional possa agora reapreciar essa inexistente decisão sobre uma questão de constitucionalidade, sendo certo que não lhe cabe fazer senão isso. Acrescente-se, ainda, que as razões aduzidas pelo recorrente se referem ao artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal – único preceito identificado no requerimento de interposição do recurso –, e que este não foi aplicado, nem poderia ser, para obstar ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que intentou interpor, e que o levou a pretender recorrer ao Tribunal Constitucional. É que, qualquer que fosse a interpretação a adoptar para tal alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, ela não seria nunca aplicável ao recorrente, por nenhum dos crimes pelos quais foi condenado exceder o limite aí referido de “pena de prisão não superior a oito anos”, tendo-lhe a pena única aplicável ao concurso sido fixada em 6 anos e 6 meses
(também inferior, portanto, àquele limite de 8 anos). Conclui-se, portanto, que nenhuma questão de constitucionalidade normativa foi suscitada durante o processo – falhando o primeiro requisito acima indicado -, e, ainda, que a norma que se pretendeu submeter à apreciação deste Tribunal não foi, sequer, aplicada ao caso do recorrente – falhando o segundo requisito acima indicado. Como tal, não pode conhecer-se do recurso. Ex abundanti, diga-se, ainda, que do conhecimento do recurso não poderia, previsivelmente, resultar alteração da situação do recorrente, pelo menos, face
à anterior jurisprudência deste Tribunal, que sempre tem entendido que a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal não padece de qualquer desconformidade com a Constituição.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decido, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º
1, da Lei do Tribunal Constitucional, não tomar conhecimento do presente recurso e condenar o recorrente em custas, com 7 (sete) unidades de conta de taxa de justiça.»
2. Inconformado com a decisão acima transcrita, o recorrente veio deduzir a reclamação para conferência, nos seguintes termos:
«1. Por douta decisão sumária do Exmo. Juiz Conselheiro Relator, proferida a 20 de Julho do corrente ano, foi decidido o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto pelo ora Reclamante por entender que durante o processo, o Reclamante não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade do art. 400º, n.º 1, alínea f), do Cód. Processo Penal, bem como pelo facto de a pena que lhe foi aplicada em concreto não ser sequer superior a 8 anos, sendo certo ainda que, segundo refere o douto acórdão, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que a alínea f) do n.° 1 do art. 400° do Cód. Processo Penal não padece de qualquer desconformidade com a Constituição, pelo que do conhecimento do recurso não resultaria qualquer alteração da situação do ora Reclamante.
2. Salvo o devido respeito e a mais subida vénia, carece de razão a decisão sumária em apreço, pelos motivos que infra melhor se explanarão.
3. Desde logo, não corresponde à verdade que o Reclamante não tenha suscitado durante o processo a questão da inconstitucionalidade da alínea f) do n.° 1 do art. 400° do Código de Processo Penal. Vejamos:
4. Nos presentes autos, o Recorrente foi julgado pelo Tribunal Colectivo de Vieira do Minho, tendo sido condenado na pena de prisão efectiva de 6 anos e 6 meses de prisão, sendo certo, porém, que os demais arguidos foram condenados a penas de prisão bem mais elevadas.
5. De tal douto acórdão, o Reclamante interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, o qual julgou improcedente o mesmo, mantendo a decisão de primeira instância.
6. Novamente inconformado, o Reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual veio a ser admitido.
7. No seu douto Parecer, a Ilustre Procuradora-Geral Adjunta junto do Supremo Tribunal de Justiça, suscitou a questão da não admissão do recurso interposto pelo ora Reclamante em virtude do mesmo, a seu ver, não ser permitido, de harmonia com o disposto no art. 400°, n.º 1, alínea f), do Cód. Processo Penal.
8. Apenas em tal momento, foi a questão da admissibilidade do recurso interposto pelo Reclamante suscitada no processo.
9. Em resposta a tal douto Parecer, o Reclamante alegou a desconformidade com a Lei Fundamental, da referida norma, na interpretação dada pela Ilustríssima Procuradora-Geral Adjunta, nomeadamente, por violação ostensiva do art. 32º, n.º
1 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
10. Apenas em tal momento foi suscitada tal questão porque, do mesmo modo, apenas no douto Parecer da Ilustre Procuradora Distrital foi abordada a possibilidade de rejeição do recurso por inadmissibilidade legal.
11. Não houve no processo qualquer outro momento processual onde tivesse sido possível abordar a questão da inconstitucionalidade da norma inserta no art.
400°, n.º 1, al. f), do Cód. Processo Penal.
12. É que, salvo o devido respeito por melhor opinião, junto da primeira instância seria absolutamente descabido e mesmo inadmissível, suscitar tal questão,
13. sendo certo que junto do Tribunal da Relação de Guimarães a situação seria exactamente a mesma.
14. Apenas junto do Supremo Tribunal de Justiça, a questão da desconformidade da norma aludida com a Lei Fundamental foi levantada, porque apenas em tal Supremo Tribunal se equacionou a possibilidade de rejeição do recurso interposto com fundamento na referida norma.
15. Assim se conclui, salvo o devido respeito por melhor opinião, que a questão da inconstitucionalidade da dita norma, na interpretação dada, em primeira sede pela Ilustra Procuradora Distrital, e posteriormente pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi devida e oportunamente suscitada no processo, motivo pelo qual se encontra preenchida a exigência do art. 70°, n.° 1, al. b), da Lei do Tribunal Constitucional.
16. Acresce que, de igual modo, carece de razão a douta decisão sumária em apreço, quando refere que a norma do art. 400°, n.º 1, alínea f), do Cód. Processo Penal não seria aplicável ao Reclamante, já que o mesmo foi condenado a
6 anos e 6 meses de prisão, logo numa pena inferior ao limite de 8 anos previsto na norma.
17. Desde logo se dirá que o Reclamante apenas fez referência à alínea f) da citada norma, por, após aclaração junto do Supremo Tribunal de Justiça, ter sido essa a norma aplicável ao caso sub judice.
18. Ora, dispõe o art. 400°, n.° 1, alínea f) que não é admissível recurso: “de acórdãos proferidos, em recurso pelas Relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções – o sublinhado é nosso.
19. No caso em apreço, nomeadamente o arguido B. foi condenado na pena de 18 anos de prisão e o arguido C., na pena de 16 anos e 6 meses de prisão, ou seja, em pena de prisão bem superior aos 8 anos aludidos no art. 400° do Cód. Processo Penal a que se aludiu.
20. Conforme refere Manuel da Costa Andrade, em comentário ao Acórdão proferido por esse Supremo Tribunal de Justiça em 06 de Fevereiro de 2003, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 3: “numa situação de concurso de infracções, um caso especial de determinação da pena, a pena aplicável tem como limite a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, segundo o disposto no art. 77º Cód. Penal. Transpondo este critério quanto à pena aplicável em caso de concurso de infracções, para a matéria das regras de determinação da competência dos Tribunais, a conclusão só pode ser a de que a pena aplicável tem como limite máximo a soma dos limites máximos de cada uma das molduras penais aplicáveis. É a partir da soma dos limites máximos das penas aplicáveis que fica determinada a pena aplicável ao agente da prática dos diversos crimes em concurso” – pág. 428.
21. O Reclamante encontrava-se pronunciado pela prática de um crime de associação criminosa p. e p. pelo art. 299°, n.ºs. 1 e 2, de 3 crimes de receptação, p. e p. pelo art.. 231º, nºs. 1 e 4, e de 10 crimes de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256°, n.º 1, alínea a), e 3, todos do Cód. Penal, logo crimes cuja moldura penal abstracta é claramente superior a 8 anos de prisão.
22. Assim se conclui, se encontrarem verificados todos os requisitos legais para que o recurso interposto pelo Reclamante tivesse sido admitido por esse Tribunal Constitucional.
23. Sempre se dirá, ainda, em jeito de mera conclusão, que pese embora a jurisprudência do Tribunal Constitucional tenha entendido, em situações eventualmente análogas à dos presentes autos, que a norma da alínea f) do n.° 1 do art. 400° não padece de qualquer desconformidade com a Constituição, a verdade é que nada impede tal douto Tribunal de, in casu, entender de forma diversa.
24. Conforme Manuel Costa Andrade, in ob. cit., pág. 431, “só o entendimento defendido (o de que em caso de concurso de infracções o acórdão condenatório da relação que confirme decisão de primeira instância, é irrecorrível quando aos crimes em concurso não seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos, por ser inferior a este limite a soma dos limites máximos das penas aplicáveis aos diversos crimes) assegura que um tribunal da relação não possa condenar numa pena de vinte e cinco anos de prisão”.
25. Neste mesmo sentido, vide, inter alia, acórdãos desse Supremo Tribunal de Justiça de 02/05/2002, proferido no processo n.° 220/03, de 25/09/2002, proferido no processo n.° 1682/02 e de 30/04/2003 proferido no processo 752/03.
26. Assim se conclui que a alínea f) do n.º 1 do art. 400° do Cód. Processo Penal, norma na qual o douto acórdão desse Colendo Tribunal, proferido em 14 de Abril do corrente ano, se fundamenta para rejeitar o recurso interposto pelo Recorrente, deve ser interpretada no sentido de ser recorrível o acórdão condenatório da Relação, que confirme decisão de primeira instância, quando aos crimes em concurso seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos, por ser superior a este limite, a soma dos limites máximos das penas aplicáveis aos diversos crimes.
27. Entender de forma diversa é, salvo o devido respeito por melhor opinião, violar flagrantemente os mais elementares direitos constitucionais reconhecidos ao Recorrente, nomeadamente, o direito ao recurso, previsto no art. 32°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.
28. Assim, e porque a questão da inconstitucionalidade da norma em apreço, na interpretação que lhe foi dada pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça, foi devidamente suscitada durante o processo, não sendo a decisão já passível de qualquer recurso, deveria tal inconstitucionalidade ter sido devidamente apreciada pelo Tribunal Constitucional. Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser admitido o recurso em toda a sua extensão, tudo com as legais consequências.» Notificado para responder, o Ministério Público veio dizer:
“1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Na verdade, o recorrente não suscitou, durante o processo, em termos procedimentalmente adequados, a questão de inconstitucionalidade normativa a que vem reportado o recurso interposto para este Tribunal Constitucional.
3 – Tendo tido plena oportunidade para o fazer, no âmbito da resposta apresentada ao parecer exarado nos autos pelo representante do Ministério Público.” Por parte dos recorridos não foi apresentada qualquer resposta à reclamação deduzida. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3. Adianta-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento. Com efeito, o reclamante vem, discordando da decisão sumária, afirmar que invocou, em resposta ao parecer da Procuradora-Geral Adjunta junto do Supremo Tribunal de Justiça, a “desconformidade constitucional com a Lei Fundamental, da referida norma [artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal], na interpretação dada pela Ilustríssima Procuradora-Geral Adjunta, nomeadamente por violação ostensiva do art. 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa...”, e ainda que “apenas em tal momento foi suscitada tal questão porque, do mesmo modo, apenas no douto parecer da Ilustre Procuradora Distrital foi abordada a rejeição do recurso por inadmissibilidade legal”. O certo, porém, é que, como se deduz da consulta dos autos, o recorrente não suscitou então, podendo fazê-lo, qualquer questão de constitucionalidade normativa, como lhe era exigido, nos termos do n.º 2, do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional. Na verdade, como já se notou na decisão reclamada, na parte relevante o recorrente limitou-se a dizer, em resposta ao parecer da Procuradora-Geral Adjunta no Supremo Tribunal de Justiça :
“(...)
4º Ora, é certo que o art.º 400º, n.º 1, alínea f), refere que não é admissível recurso ‘de acórdãos proferidos, em recurso pelas Relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções.’
5º Sucede que no caso em apreço, nomeadamente o também recorrente B. foi condenado na pena de 18 anos de prisão e o arguido C. na pena de 16 anos e 6 meses de prisão, ou seja, em pena de prisão bem superior aos 8 anos aludidos no art.º
400º do Cód. Processo Penal a que se aludiu.
6º Ora, uma pena de prisão superior a 5 anos é, necessariamente, prevista para a média ou elevada criminalidade, pelo que não é concebível, sob pena de violação dos mais elementares direitos processuais penais e constitucionais, que não seja admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de uma decisão que aplicou penas de prisão, v.g., de 16 e 18 anos!
7º Conforme bem refere a Ilustre Procuradora Geral Adjunta trata-se de crimes de maior gravidade objectiva, pelo que, necessariamente, terá que ser possível a admissão de recurso perante instância superior, in casu, o Supremo Tribunal de Justiça.
8º Assim, e pelos motivos expostos, não pode o Recorrente, naturalmente, conformar-se com a posição assumida pela Ilustre Procuradora-Geral Adjunta, pugnando pela admissibilidade do presente recurso e consequente revogação da decisão recorrida, sob pena de violação dos mais elementares direitos constitucionais reconhecidos ao Recorrente, nomeadamente, o direito ao recurso, previsto no art. 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.” O que daqui claramente resulta não é que tenha sido invocada durante o processo, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido a inconstitucionalidade de qualquer norma, ou de qualquer dimensão normativa – isto é, de uma determinada interpretação de um ou mais preceitos. Antes pelo contrário, o que o arguido invocou foi, e apenas, a desconformidade constitucional de decisões, da actuação judicial concreta, não identificando sequer um preceito ao qual fosse de imputar uma determinada interpretação que tinha como inconstitucional. Tal não basta para se poder dar por preenchido o requisito da suscitação da inconstitucionalidade de norma, ou dimensão normativa. Era, porém, ao recorrente que cabia o ónus de identificar, perante o tribunal recorrido, e antes de esgotado o poder jurisdicional deste, a norma ou interpretação normativa que tinha por inconstitucional. O que não fez, assim deixando de preencher um requisito indispensável para se poder tomar conhecimento do recurso que veio a interpor, ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Este Tribunal tem, aliás, salientado, em aplicação do disposto no artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, que incumbe ao recorrente o ónus de suscitar a inconstitucionalidade durante o processo de modo procedimentalmente adequado, “o que exige que, ao suscitar-se uma questão de inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade constitucional se questiona, ou, no caso de se questionar certa interpretação de uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem por violador da lei fundamental” – assim o Acórdão n.º 199/88 (publicado no Diário da República
[DR], II Série, de 28 de Março de 1989); no mesmo sentido, podem ver-se também, por exemplo, o Acórdão n.º 269/94, in DR, II Série, de 18 de Junho de 1994, e o Acórdão n.º 560/94, in DR, II Série, de 10 de Janeiro de 1995, no qual se “exige que quem tem o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e perceptível”. Tanto basta para se dever concluir que a presente reclamação tem de ser desatendida, pois não se pode tomar conhecimento do presente recurso por falta de preenchimento de um requisito a tanto indispensável.
III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 2 de Setembro de 2004
Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos