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Proc.º n.º 570/2004
3ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 31 de Maio de 2004 o relator proferiu decisão com o seguinte teor:
“1. Não se conformando com a decisão que, em 21 de Novembro de 2002, foi tomada pelo Governador Civil de Leiria, e por intermédio da qual lhe foi imposta a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir pelo período de
150 dias, por, no dia 7 de Julho de 2002, conduzir, no sentido Sul/Norte e ao quilómetro ------ da A----, um veículo automóvel à velocidade de duzentos e vinte e um quilómetros por hora, impugnou a mesma perante o Tribunal de comarca de Leiria A..
Tendo, por sentença proferida em 8 de Janeiro de 2004 pelo Juiz do 1º Juízo Criminal do indicado Tribunal, sido julgado improcedente o recurso, dela recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra, vindo, na respectiva motivação, e para o que ora releva, a formular as seguintes «conclusões»:
‘a) O artº 133º nº 4 do Código da Estrada é omisso relativamente à identificação da entidade administrativa competente para o processamento e sancionamento das contra-ordenações estradais. b) Como tal, e em casos omissos, aplica-se a lei geral, ou seja, o Dec-Lei
433/82, alterado pelo 256/89 e pelo 244/95 que formam o RGCO, referindo o seu artº 34 nº 2 que, no silêncio da lei, [são] competente[s] os serviços designados pelo membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa defender. c) Sucede que, sendo esta matéria da reserva relativa da Assembleia da República, salvo autorização expressa dada ao Governo (artº 165º nº 1 al. d) da CRP), não se compadece com uma designação aleatória do órgão competente para o processamento de cada tipo de contra-ordenação, d) Situação que tem ocorrido com a nomeação quer do Governador Civil, quer da DGV, sem critério legal e objectivo. e) Ou seja, há aqui a violação do princípio da legalidade, não sabendo à partida o cidadão visado qual vai ser o órgão competente para a apreciação da contra-ordenação alegadamente cometida ([s]e Governador Civil, se DGV) f) Resultando inconstitucionais ambas as normas indicadas em a), por violação entre outros do artº 20º,. 266º e 268º da CRP. g) A inconstitucionalidade acima invocada implica a absolvição do Arguido.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 14 de Abril de
2004, negado provimento ao recurso, nesse aresto concluindo pela não desarmonia constitucional da norma ínsita no artº 133º do Código da Estrada, do mesmo recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, o que fez ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por intermédio de tal recurso intentando a apreciação ‘da constitucionalidade do artº 133º nº 4’ do aludido compêndio normativo e ‘da constitucionalidade da sua conjugação com o nº
2 do artº 34º do Regime Geral das Contra-Ordenações (Dec-Lei 433/82 de 27/10 e alterado pelo Dec-Lei 356/89 de 17/10 e Dec-Lei 244/95 de 14/09)’.
O recurso foi admitido por despacho prolatado em 28 de Abril de 2004 pela Desembargadora Relatora do Tribunal da Relação de Coimbra, recurso esse a que fixou efeito não suspensivo.
Remetidos os autos ao Tribunal Constitucional, fez o arguido a eles juntar requerimento, dirigido aos ‘Juízes Conselheiros’ deste órgão de administração de justiça e que apelidou de ‘reclamação’, no qual impetrou que ao recurso fosse conferido efeito suspensivo.
2. Preliminarmente sublinhar-se-á que não é entendível o epíteto utilizado pelo arguido no falado requerimento.
Na verdade, a reclamação a que alude o artº 77º da Lei nº 28/82 apenas se circunscreve aos despachos proferidos nos tribunais pertencentes às várias ordens e por via dos quais se não admitam recursos intentados interpor para o Tribunal Constitucional ou que retenham a respectiva subida.
O que, manifestamente, não é o caso sub iudicio.
Por outro lado, comanda o artº 78º-B da mesma Lei que se inserem nos poderes do relator, por entre outros, o de corrigir o efeito atribuído à interposição do recurso, sendo certo que, de harmonia com o que se prescreve na parte final do nº 3 do artº 76º, ainda da dita Lei, a decisão, admissora do recurso e que lhe determine os efeitos não vincula o Tribunal Constitucional, decisão essa que só pode ser impugnada pelas «partes» nas suas alegações, as quais, na situação sub specie, ainda não foram produzidas.
Nesta conformidade, interpreta-se o aludido requerimento, não propriamente como consubstanciando uma «reclamação» ou impugnação do efeito conferido ao vertente recurso, mas sim como uma «chamada» de atenção do relator para, no exercício dos seus poderes, corrigir o efeito da deduzida impugnação.
Com base em tal perspectiva, tendo em conta que ao recurso interposto da decisão sentença lavrada na 1ª instância foi fixado efeito suspensivo, ponderando o estatuído no nº 3 do artº 78º da Lei nº 28/82, corrige-se o efeito do recurso dirigido ao Tribunal Constitucional por forma a que o mesmo seja processado com efeito suspensivo.
3. O acórdão ora impugnado, para alcançar, no que ora interessa, a decisão de ter sido competente a entidade aplicadora da sanção de inibição da faculdade de conduzir, suportou-se, e tão só, no artº 133º do Código da Estrada, pelo que, tendo sido aquele preceito o único aplicado quanto a este particular na decisão recorrida, e tendo em conta ainda que, conforme resulta das
«conclusões» apresentadas pelo recorrente na motivação do recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o mesmo não equacionou nenhuma questão de desconformidade constitucional por banda do nº 2 do artº 34º do Decreto-Lei nº
433/82, de 27 de Outubro, unicamente ao indicado artº 133 se cingirá o objecto do presente recurso.
Entende-se ser de proferir decisão ex vi do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, pois que se perfilha a perspectiva de acordo com a qual o recurso é manifestamente infundado.
Como se viu, o ora recorrente, no recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, brandiu, em síntese, com a argumentação segundo a qual, sendo o
‘artº 133º nº 4 do Código da Estrada’ (sic) silente quanto à entidade administrativa competente para efectivar o sancionamento das contra-ordenações nele previstas, o que implicava o entendimento de que, nos termos do artº 34º, nº 2, do Decreto-Lei nº 433/82, era competente o membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visava defender, e constituindo a matéria atinente às contra-ordenações matéria da reserva relativa de competência da Assembleia da República, haveria de concluir-se pela inconstitucionalidade daquele normativo.
3.1. Cumpre assinalar, num primeiro passo, que não se lobriga a existência de qualquer nº 4 no artº 133º do Código da Estrada (cuja versão decorrente do Decreto-Lei nº 265-A/2001, de 28 de Setembro, era a aplicável in casu - cfr. artº 6º desse Decreto-Lei - e, aliás, já o mesmo sucedia em tal corpo de leis na redacção anterior àquele diploma).
Efectivamente, o referenciado artº 133º apresenta apenas dois números, com a seguinte redacção:-
1 - As infracções às disposições deste Código e legislação complementar têm a natureza de contra-ordenações, salvo se constituírem crimes, sendo então puníveis e processadas nos termos da lei geral.
2 - As contra-ordenações são sancionadas e processadas nos termos da respectiva lei geral, com as adaptações constantes deste Código.
Da forma como foi impostada a questão no recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, resulta evidente que, na óptica do impugnante, porque nos encontraríamos perante matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa do Parlamento, a norma de onde decorresse a atribuição de competência a qualquer entidade que não ao membro do Governo que detivesse a tutela dos interesses que a contra-ordenação pretendia proteger, padeceria de inconstitucionalidade orgânica.
Ora, desde logo, num primeiro momento, torna-se evidente que, a aceitar-se que o recorrente, muito embora se tivesse referido ao ‘artº 133º nº 4 do Código da Estrada’, pretendeu referir o nº 2 do artº 133º desse Código - acima transcrito -, não se vê minimamente em que é tal preceito, que se limita a determinar que o sancionamento e processamento das contra-ordenações prevista em tal corpo de normas e que não constituam crime, são efectuados nos termos da lei geral, desbordou qualquer regra vertida no regime geral das contra-ordenações, pois que é justamente para esse regime que remete.
3.2. Mas, para além disto, é cabido citar aqui o que, em dado ponto, foi escrito no Acórdão nº 50/2003 deste Tribunal, publicado na II Série do Diário da República de 16 de Abril de 2003:
‘............................................................................................................................................................................................................................................
5. Equacionada a questão de constitucionalidade objecto do presente recurso, pode desde já afirmar-se que a posição sustentada pela recorrente – e que significa que às decisões proferidas por uma autoridade administrativa no
âmbito de um processo contra-ordenacional só podem ser aplicadas normas editadas ao abrigo do disposto no artigo 165º, n.º 1, alínea d), da Constituição, sob pena de inconstitucionalidade orgânica –, carece de fundamento.
Senão, vejamos a que conduziria tal entendimento. O artigo 33º do Decreto-Lei n.º 433/82 prescreve que o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem às autoridades administrativas. Por seu turno, o artigo seguinte estabelece as regras que determinam a competência em razão da matéria das mesmas autoridades administrativas. De acordo com essas regras, tal competência pertencerá às autoridades indicadas pela lei que prevê e sanciona as contra-ordenações; no seu silêncio, serão competentes os serviços designados pelo membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa defender ou promover. Por
último, o mesmo artigo 34º permite que os dirigentes dos serviços aos quais tenha sido atribuída a competência a deleguem, nos termos gerais, nos dirigentes de grau hierarquicamente inferior.
Ora, poder-se-ia pensar que os aspectos de regime jurídico-administrativo aplicáveis no âmbito de um processo de contra-ordenação são-no apenas em virtude de uma norma remissiva para esse efeito contida em diploma credenciado por autorização parlamentar emitida ao abrigo do artigo
165º, n.º 1, alínea d), da Constituição, como sucedeu com o Decreto-Lei n.º
433/82. Imagine-se, todavia, que uma lei que prevê e sanciona uma contra-ordenação determina que a competência em razão da matéria, para o processamento da contra-ordenação e da aplicação da coima e sanções acessórias que no caso caibam, pertence a um órgão colegial. Faz sentido admitir sequer a possibilidade de as regras de funcionamento desse órgão, no silêncio daquela lei, não se encontrarem sujeitas ao disposto nos artigos 14º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo? Ou sustentar que o funcionamento dos órgãos administrativos colegiais deixa de estar sujeito às regras previstas no Código de Procedimento Administrativo, quando esses órgãos apliquem coimas, a não ser que exista uma norma emitida ao abrigo do disposto no artigo 165º, n.º 1, alínea d), da Constituição, que remeta para o mesmo Código? Parece evidente que a resposta a estas questões não pode deixar de ser negativa. Tal resposta negativa é, aliás, mera decorrência lógica da opção legislativa de atribuir competência às autoridades administrativas para o processamento do processo contra-ordenacional e aplicação de coimas, opção essa que o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 158/92 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., pp. 713 e seguintes), considerou já isenta de censura constitucional, atendendo à diferença dos princípios jurídico-constitucionais que regem a legislação penal, por um lado, e aqueles a que se submetem as contra-ordenações, por outro (desde que esteja garantido, naturalmente, o direito de impugnação judicial das decisões de autoridades administrativas que hajam aplicado coimas, o que agora não está em causa).
............................................................................................................................................................................................................................................’
Disse-se também no Acórdão nº 62/2003 (publicado na II Série do Diário da República de 23 de Maio de 2003):
‘............................................................................................................................................................................................................................................ Subjaz, deste modo, ao entendimento do recorrente a ideia de que as matérias, todas as matérias, que respeitem à punição dos ilícitos de mera ordenação social são da competência legislativa da Assembleia da República (salvo autorização ao Governo).
Ora, como se disse e é jurisprudência firme deste Tribunal, só é da competência da Assembleia da República (ou do Governo com autorização legislativa) legislar em matéria de regime geral de punição de ilícitos de mera ordenação social e respectivo processo.
.............................................................................................................................................................................................................................................. Ora, sobre a competência em razão da matéria para aplicar coimas, o artigo 34º nº 1 do Decreto-lei nº 433/82 limita-se a dispor que ela ‘pertencerá às autoridades determinadas pela lei que prevê e sanciona as contra-ordenações’. Remete-se, assim, para a lei que define um determinado tipo de contra-ordenação, a competência para aplicar a respectiva coima, sendo certo que o Tribunal Constitucional, desde o seu citado Acórdão nº 56/84 (cfr., ainda, Acórdão nº
110/95 in Acórdãos do Tribunal Constitucional 30º vol. págs. 627 e segs.) firmou já doutrina no sentido de que a criação ex novo de contra-ordenações se insere na competência concorrente da Assembleia da República e do Governo.
Não faz, pois, parte do regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social a definição das entidades competentes para punir esse ilícito.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Aliás, no mesmo sentido se pronunciaram os Acórdãos números 174/2003,
249/2003, 283/2003 e 492/2003 (disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/).
Releva citar igualmente o que se contém no Acórdão nº 237/2003 (in Diário da República, II Série, de 2 de Julho de 2003; cfr. ainda o Acórdão nº
387/2003, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/):
‘............................................................................................................................................................................................................................................
5. A questão de saber se a determinação da autoridade administrativa competente para punir um ilícito de mera ordenação social integra o regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo, a que se refere o artigo 165º, n.º 1, alínea d), da Constituição, mereceu já, por diversas vezes, uma resposta negativa por parte deste Tribunal. Assim, como se afirmou no Acórdão n.º 174/2003 (inédito), é ‘o próprio regime geral das contra-ordenações que remete para a lei que prevê as contra-ordenações em especial a indicação das entidades a quem compete a aplicação das correspondentes coimas; e é essa norma, apenas, que integra aquele regime geral’
(no mesmo sentido, cfr., ainda os Acórdãos n.ºs 50/2003 e 62/2003, ambos inéditos). Por outras palavras, é apenas a opção de atribuir às autoridades administrativas, em geral, tal competência que integra o regime geral a que alude o artigo 165º, n.º 1, alínea d), da Constituição. Uma vez tomada essa opção, expressa nos artigos 33º e 34º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, ao abrigo das correspondentes autorizações legislativas, a determinação da autoridade administrativa concretamente competente, em cada caso, para a aplicação das coimas é feita nos termos aí previstos.
O artigo 33º do Decreto-Lei n.º 433/82 prescreve que o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas incumbem às autoridades administrativas. Por seu turno, o artigo seguinte estabelece as regras que determinam a competência em razão da matéria das mesmas autoridades administrativas.
De acordo com essas regras, tal competência pertencerá às autoridades indicadas pela lei que prevê e sanciona as contra-ordenações; no seu silêncio, serão competentes os serviços designados pelo membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa defender ou promover. Por último, o mesmo artigo 34º permite que os dirigentes dos serviços aos quais tenha sido atribuída a competência a deleguem, nos termos gerais, nos dirigentes de grau hierarquicamente inferior.
.............................................................................................................................................................................................................................................. O facto de a Lei n.º 97/97, de 23 de Agosto, nada dispor sobre a competência do Director-Geral de Viação e dos Governadores Civis para a aplicação das coimas previstas no Código da Estrada é irrelevante, uma vez que essa questão se deve resolver, ’o silêncio da lei’, nos termos previstos no artigo 34º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82.
............................................................................................................................................................................................................................................’
E, do mesmo modo, não deixa de ser relevante transcrever-se o que, no Acórdão nº 419/77 do Tribunal Constitucional (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 37º volume, 279 a287), foi dito, em certos passos:
‘............................................................................................................................................................................................................................................
O Código da Estrada foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio.
O artigo 152º do Código da Estrada estabelece a aplicação das normas gerais que regulam o processo das contra-ordenações às contra-ordenações previstas no Código.
O Código da Estrada não contém nenhuma norma de competência para a aplicação das contra-ordenações previstas.
No silêncio da lei, rege o artigo 34º, nº 2, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que atribui ao membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contra-ordenação visa defender ou promover a competência para designar os serviços competentes para aplicar as contra-ordenações.
O artigo 34º, nº 2, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, estabelece assim uma competência do membro do Governo, cujo conteúdo consiste na designação dos serviços competentes para aplicação das contra-ordenações.
A aplicação das contra-ordenações não é, deste modo, uma competência própria do membro do Governo. A competência estabelecida na referida norma consiste apenas na designação dos serviços competentes para aplicar as contra-ordenações.
Assim, o acto de designação dos serviços competentes (que, aliás, não se confunde com a designação individualizada dos respectivos dirigentes) traduz o exercício de uma determinada competência do membro do Governo que não se confunde com a competência para aplicar contra-ordenações, não se podendo, assim, falar em delegação de competências. Apenas haveria delegação de competências se o membro do Governo delegasse noutra entidade a competência para designar os serviços competentes para aplicar as contra-ordenações. Porém, tal não aconteceu no presente caso. Uma situação de delegação de competências desse tipo é, aliás, a que agora se prevê no nº 3 do mesmo artigo 34º, aditado pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro.
Traduzindo-se o Despacho nº 7/94 no exercício de uma competência própria do membro do Governo, em que não se pode falar em delegação de competência, logo por aí improcede a argumentação do recorrente relativa a esta matéria.
..............................................................................................................................................................................................................................................
Contudo, o despacho nº 7/94 não visou regulamentar o Decreto-Lei nº
433/82, de 27 de Outubro. Tal diploma, no artigo 34º, nº 2, estabelece, como se viu, uma competência do membro do Governo. No exercício de tal competência, o membro do Governo designa os serviços competentes para aplicação de contra-ordenações, quando a lei que prevê e sanciona essas contra-ordenações nada estabeleça relativamente à competência em razão da matéria para proceder à respectiva aplicação.
Ora, o diploma em causa é o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio, que por seu turno remete, no artigo 152º, nº 1, para o regime geral das contra-ordenações.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Da jurisprudência deste Tribunal, de que são exemplos dos arestos acima focados, resulta, pois, que a competência para o processamento e sancionamento das contra-ordenações previstas no Código da Estrada, cometida pelo membro do Governo que tutela os interesses visados pelo estabelecimento de tais contra-ordenações a determinada ou determinadas entidades sujeitas à sua dependência, não se inclui nas matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
3.3. Por outro lado, o despacho do membro do Governo que deferiu à Direcção-Geral de Viação ou aos Governadores Civis o processamento e sancionamento das contra-ordenações ao Código da Estrada, consoante estivessem, respectivamente, em causa contra-ordenações leves e graves e contra-ordenações muito graves ou aquelas relativamente às quais fosse apresentada defesa, nada tem de aleatório ou reveste características não objectivas, antes proporcionando aos visados um perfeito conhecimento de qual a entidade competente para tais processamento e sancionamento.
Por isso, a faculdade - que se extrairia das disposições conjugadas dos artigos 133º, nº 4, do Código da Estrada e 34º, nº 2, do Decreto-Lei nº 433/82
(e isso caso tivesse, quanto a este último preceito, sido suscitada a sua inconstitucionalidade precedentemente à prolação do acórdão de 14 de Abril de
2004, o que já se viu que não ocorreu - cfr. «conclusões» da motivação acima transcritas) - de o membro do Governo poder conferir competência a determinadas entidades consoante as contra-ordenações que estivessem em causa, nada tem de aleatório ou discricionário que a tornasse conflituante do a Constituição.
3.4. Uma última menção à circunstância de não se divisar minimamente em que é que a norma ora apreciada - o nº 2 do artº 133º do Código da Estrada (e nenhuma indicação concreta forneceu o impugnante na motivação de recurso para o Tribunal Constitucional da Relação de Coimbra) - em que é que esse preceito pode conflituar com o artigo 268º do Diploma Básico.
É, desta sorte, manifestamente improcedente o recurso, pelo que ao mesmo se nega provimento, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta”.
Da transcrita decisão vem reclamar o arguido para a conferência, dizendo:
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
Das conclusões efectuadas nas alegações de recurso do ora Recorrente para o Tribunal da Relação de Coimbra, reproduzidas aliás pela douta decisão sumária do presente recurso, apenas foi apreciada in casu a alegada desconformidade constitucional do artº 133° do Código da Estrada (nº 2, apesar de se invocar por lapso o nº4), referindo-se que o Recorrente apenas a este artigo se teria referido.
Assim, surge a presente decisão restrita apenas à apreciação da constitucionalidade do artº 133° nº2 do Código da Estrada.
Ora, salvo melhor opinião, e atendendo apenas às conclusões formuladas perante a Relação de Coimbra, não seria apenas este o artigo a apreciar pelo presente recurso, mas também o artº 34° nº 2 do Dec-Lei 433/82 posteriormente alterado, usualmente denominado por RGCO, conjugado com o referido artº 133° nº
2 do Código da Estrada.
De facto, e para a1ém do artigo 34° do RGCO ser especificamente citado na alínea b) das conclusões, o sentido destas aponta para a conjugação dos dois artigos referidos: o artº 133° nº 2 do Código da Estrada que é omisso relativamente à identificação da entidade administrativa competente para ao processamento e sancionamento das contra-ordenações estradais, e que por isso mesmo, atira a resolução deste problema para o regime geral das contra-ordenações, artº34° nº 2 o qual remete também por sua vez para os serviços designados pelo membro do governo encarregue da tutela dos interesses subjacentes à contra-ordenação.
Note-se que a intenção do recurso então apresentado sempre foi a conjugação dos dois artigos citados, e como tal a apreciação de ambos, uma vez que, como se refere na alínea c) das referidas conclusões, é dela que provém a defendida designação aleatória do órgão competente para a apreciação de cada tipo de contra-ordenação.
Assim, nunca foi intenção do Recorrente restringir apenas o seu objecto de recurso constitucional à remissão, aparentemente constitucional, que o artº
133 nº2 do Código da Estrada faz para o Regime Geral das Contra-Ordenações.
O problema surge quando o próprio Regime Geral das Contra-Ordenações não define especificamente o órgão competente, caindo numa álea atributiva de competências a designar por despacho de um membro do Governo, o qual tem defendido diferentes critérios, entre os quais a distribuição por órgãos diferentes (DGV e Governador Civil) consoante a grau de gravidade da contra-ordenação praticada, mas sem que se saiba da lógica subjacente à mesma atribuição, ou da maior ou menor competência de um ou outro órgão para a elaboração de tais decisões.
Assim, não se tendo especificamente debruçado sobre a apreciação constitucional da remissão de um artigo para outro (133° nº2 para 34° nº2), apesar de a mesma ser por vezes aflorada na jurisprudência citada, entende o Recorrente que não foi tido em conta, salvo melhor opinião, o objecto versado no presente recurso pela douta decisão sumária proferida, pelo que requer a sua reapreciação, nos termos do disposto no n° 3 do artº 78°-A da LTC, pela Conferência de Juizes”.
Ouvido sobre a reclamação o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de, manifestamente, não ser posta em causa a fundamentação que consta da decisão reclamada, sendo evidente não poder constituir objecto do recurso a apreciação da conformidade constitucional da norma do artº 34º, nº 2, do Decreto-Lei nº
433/82, de 27 de Outubro.
Cumpre decidir.
2. A decisão sub specie assinalou devidamente (cfr. o seu ponto 3.) que, tendo-se a decisão recorrida para este Tribunal suportado, e tão só, no artº 133º do Código da Estrada, e não tendo, no recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, sido equacionada a questão de inconstitucionalidade reportadamente ao nº 2 do artº 34º do Decreto-Lei nº
433/82, de 27 de Outubro, a impugnação para o Tribunal Constitucional haveria de cingir-se unicamente àquele primeiro preceito.
Ora, o juízo, nesse particular levado a efeito pela decisão reclamada e as razões que a ele conduziram nenhuma censura merecem a este Tribunal.
E sendo unicamente neste ponto que incide a reclamação, entende-se que a mesma é de indeferir.
Custas pela impugnante, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 22 de Junho de 2004 Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida