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Proc. n.º 486/04
3ª Secção Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama da seguinte decisão sumária:
“1. A., com os sinais dos autos, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16 de Fevereiro de 2004, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo
116º, n.º1 do Código de Processo Penal, “quando interpretada no sentido ... [de] que é injustificada a falta da testemunha que comparece em inquérito no dia, hora e local designados, mas exige que no seu depoimento esteja acompanhada por advogado”, que entende violar o disposto no artigo 20º, n.º2 da Constituição.
2. Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso – n.º 3 do artigo 76º da Lei n.º 28/82 – entende-se não poder conhecer-se do objecto do recurso, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A do mesmo diploma legal, o que se passa a justificar sumariamente.
3. Como se sabe, a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como é o caso, implica, para que possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, a congregação de vários pressupostos, entre os quais a aplicação pelo Tribunal recorrido, como sua ratio decidendi, de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida. No exercício deste controlo normativo escapa à competência do Tribunal Constitucional – de acordo com o nosso ordenamento jurídico – qualquer forma de fiscalização sempre que a questão de constitucionalidade seja dirigida à decisão judicial, em si mesma considerada.
4. No caso dos autos, no recurso que a recorrente interpôs para o Tribunal da Relação de Guimarães do despacho do Juiz de Instrução Criminal que a condenou no pagamento da quantia de 2 unidades de conta, nos termos do artigo 116º, n.º2, do Código de Processo Penal – por entender não ter sido justificada a falta de comparência da testemunha à diligência marcada nos autos de inquérito n.º
776/02.OTAVCT-C, do 2º Juízo Criminal de Viana do Castelo –, a recorrente não suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa, como se verifica das conclusões da sua motivação de recurso que se transcrevem:
1. “A recorrente não faltou à diligência nem decidiu prestar declarações por perrice.
2. Não prestou declarações, dados os factos estranhos que conhecia do processado, mas sempre o pretendeu fazer e quis fazê-lo, em circunstâncias que um direito da Lei Fundamental lhe garante.
3. Aliás, apesar da sua razão, pelos fundamentos invocados, no seu requerimento de 8/10/02, dispôs-se, apesar dela, por valores mais altos se levantarem, a prestar depoimento imediatamente. Ainda hoje aguarda resposta à sua pretensão.
4. Ninguém, até hoje, conseguiu nos autos argumento para infirmar a sua razão.
5. Não houve, pois, falta injustificada.
6. A decisão recorrida ao ter entendido de outra forma, violou os artigos
20°, n.° 2 da CRP e 116°, n.° 1 do CPP .
7. Assim, impõe-se a sua revogação.” Na verdade, como resulta da conclusão 6ª da motivação, a recorrente não imputa o vício de inconstitucionalidade à norma do artigo 116º, n.º1 do Código de Processo Penal, nem à interpretação que é feita desta norma, antes imputa o vício de inconstitucionalidade à própria “decisão recorrida”, que entende ter violado os artigos 20º, n.º 2 da Constituição, e 116º, n.º1, do Código de Processo Penal. Deste modo, não tendo a recorrente suscitado adequadamente durante o processo a questão de constitucionalidade normativa, não pode tomar-se conhecimento do recurso.
5. Em face do exposto, nos termos do n.º1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.”
2. Os fundamentos da reclamação são os seguintes:
“1- Salvo melhor juízo, a recorrente imputou juízo de inconstitucionalidade à interpretação que a decisão recorrida fez do artigo 116º, n.º 1 do CPP, por violação do artigo 20º, n.º 2 da CRP, já que disse, explicitamente, que o ter sido considerada injustificada uma falta, que não ocorreu, já que a mesma foi considerada pura e simplesmente, por se não ter admitido que a recorrente estivesse acompanhada de advogado, direito constitucional que imediatamente invocou.
2- Tal juízo de inconstitucionalidade resulta da conclusão n.º 6, ainda que se entenda que, efectivamente, a remissão simultânea para os artigos 20º, n.º 2 da CRP e 116º, n.º 1 do CPP, só é completamente explícita coordenando a totalidade do início conclusivo da sua motivação, nomeadamente, o seu n.º 2.”
O Ministério Público sustenta que a reclamação é manifestamente improcedente uma vez que a reclamante não suscitou, em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de fundar o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
3. A reclamação não abala os fundamentos da decisão sumária, que espelham jurisprudência corrente deste Tribunal, quer quanto à caracterização do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC como de fiscalização da constitucionalidade de normas que hajam sido aplicadas e não do acto judicial de aplicação do direito, quer quanto à exigência de suscitação da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (cfr. artigo 72º, n.º 2, da LTC).
Efectivamente, no recurso interposto perante o Tribunal da Relação a recorrente insurgiu-se contra o juízo de injustificação de uma falta a uma diligência que entende não ter dado porque se limitou a defender o que entende ser o seu direito fundamental a fazer-se assistir por advogado, nos termos do n.º 2 do artigo 20º da Constituição. Imputou a violação desse direito fundamental à decisão recorrida e não a qualquer norma ou a uma sua interpretação ou sentido com que foi aplicada. Aliás, foi nesse plano que o Tribunal da Relação entendeu a questão, não versando a questão da constitucionalidade de qualquer norma de direito infraconstitucional.
Contrariamente ao que a recorrente agora sustenta, não se trata de uma deficiência de expressão que pudesse ser corrigida com recurso a outras passagens das conclusões ou da motivação do recurso, mas da clara estruturação da peça processual. Basta ter presente, além das conclusões já reproduzidas na decisão sumária reclamada, a fundamentação jurídica da motivação de recurso onde a recorrente diz :
“(...) O DIREITO APLICÁVEL
5- Determina o artigo 20º, n.º 2 da CRP: Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
6- Determina o artigo 116º, n.º 1 do CPP: Em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre 2 UC e 10 UC.
7- Como se vê da matéria comprovada documentalmente, a recorrente não só compareceu, como se dispôs a prestar depoimento, nas condições que a lei lhe garante e se o não prestou, foi porquanto quem tinha a direcção do inquérito, não conseguindo arranjar argumento técnico para a sua posição, decidiu que indeferia a sua pretensão, sendo certo que apesar de tudo, não promoveu, nessa altura, qualquer punição.
8- A pretensão da recorrente tem sustentáculo em direito fundamental.
(...).”
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação, confirmando a decisão de não tomar conhecimento do objecto do recurso, e em condenar a reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 15 de Junho de 2004
Vítor Gomes Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida