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Processo n.º 226/04
3ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 121, foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. A., assistente, recorreu da sentença do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães de 24 de Abril de 2003, constante de fls. 20 e seguintes, que absolveu os arguidos B., C., D. e E. do da acusação de crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo artigo 227º, n.º 1, als. a), b) e c), n.ºs 2 e
5, do Código Penal, e declarou extinto o procedimento criminal, por efeito da prescrição, no que se refere a um crime de infidelidade e a um crime de abuso de confiança. Por requerimento apresentado no Tribunal Judicial de Guimarães em 9 de Maio de
2003, de fls. 96, A., afirmando pretender interpor recurso da sentença mencionada, o qual teria também por objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, veio pedir que lhe fosse concedido “o alargamento do respectivo prazo para apresentação em juízo do recurso e respectivas motivações, nos termos do previsto no art. 698º, n.º 6, do C.P.C., ex vi do art. 4º do C.P.P.”. Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho, de 12 de Maio de 2003 (a fls. 99):
“De acordo com o entendimento perfilhado por este tribunal, ao prazo de 15 dias do recurso em processo penal, a que alude o artigo 411º, n.º 1, do CPP, não acresce o de 10 dias estabelecido no n.º 6 do artigo 698º do CPC, já que não existe qualquer lacuna nesta matéria que importe integrar, tal como decorre do espírito subjacente à elaboração do Código de Processo Penal actual, o qual visou uma regulamentação autónoma do respectivo processo, tornando-o mais independente do processo civil. Nesta conformidade, indefere-se o requerido.” Inconformado, A. recorreu do indeferimento. O Tribunal da Relação de Guimarães, porém, negou provimento ao recurso, pelo acórdão de 15 de Dezembro de 2003, de fls. 104, nos seguintes termos:
“(...) Na tramitação do processo penal apenas são conferidos poderes de alteração de prazos a requerimento nos termos previstos no artº 107º, n.ºs 1 a 4
(se a autoridade judiciária for o juiz) e 6, do Código de Processo Penal. Na tramitação do recurso penal o Juiz não tem qualquer poder de determinação do prazo aplicável, apenas lhe cabendo, além do mais, verificar se o recurso foi ou não interposto em prazo, nos termos do disposto no artº 414º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Aliás, mesmo raciocinando-se em termos puramente pragmáticos, não poderia ser de outra forma. Como poderia o Juiz conceder um prazo em função de uma realidade que os autos não o habilitavam a verificar?
É que só perante a motivação do recurso o Juiz pode saber se a mesma versa sobre matéria de facto e nunca antes. A lei não admite ‘gentlemen agreements’ nesta matéria. Assim sendo, o requerimento teria de ser indeferido, como foi, ainda que por razões distintas”. Este acórdão transitou em julgado (cfr. certidão de fls. 103).
2. Entretanto, por requerimento apresentado no Tribunal Judicial de Guimarães em 21 de Maio de 2003, A. veio interpor recurso da referida sentença de 24 de Abril de 2003, mas o recurso não foi admitido, por extemporaneidade do recurso (cfr. fls. 86). A. reclamou então do despacho de não admissão para o Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães; a reclamação foi indeferida, por despacho de 26 de Janeiro de 2004, de fls. 109:
“Reclama A. (...) com fundamento em que, tendo a sentença sido depositada em 24 de Abril de 2003 e o recurso interposto em 19 de Maio seguinte, este era tempestivo, contando o prazo de 15 dias do artº 411º do C.P.Penal e o de 10 dias previsto no artº 698º n.º 6 do C.P.C., ex vi do disposto no artº 4º do C.P.P. e porque o recorrente pretendia uma reapreciação da prova gravada em audiência de julgamento. No decurso do prazo, o recorrente requereu ao juiz o alargamento do prazo de recurso, precisamente com tal fundamento. Tal requerimento foi indeferido; desta decisão foi interposto o legal recurso que, tendo sido objecto de conhecimento, foi julgado improcedente, por decisão transitada em julgado. Como é bem de ver esta decisão constituía ‘questão prévia’, cujo desfecho final contendia, directa e necessariamente, com o objecto desta reclamação. O despacho reclamado saiu como que ‘reforçado’ pela decisão daquele recurso, mostrando-se agora claro que aos 15 dias do artº 411º do C.P.Penal nada se adita, em sede de prazo, face à improcedência daquele recurso. Eis porque, contando apenas a recorrente com este prazo para interpor recurso
(15 dias), o despacho reclamado não merece qualquer censura (art. 411º do C.P.P. e 145º, do C.P.C.). Indefere-se a reclamação.
(...)”
3.Finalmente, A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 70º, n.º 1, alínea b), 72º e 75º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, deste “despacho proferido pelo Exmo. Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães que rejeitou a reclamação, deduzida contra o indeferimento do seu recurso”.
Pretende o recorrente que “este Alto Tribunal declare a inconstitucionalidade da norma extraída dos arts. 4º e 411º, n.º 1, do C.P.Penal, ao menos, quando interpretado no sentido de, ao prazo de 15 dias do recurso em processo penal, a que alude o art. 411º, n.º 1, do C.P.Penal, não acrescer o prazo de 10 dias estabelecido no n.º 6 do art. 698º do C.P.C., quando está em causa a reapreciação de toda a matéria de facto gravada na audiência de julgamento que teve lugar no Tribunal de 1ª Instância – no caso 80 cassetes relativas ao depoimento de cerca de 40 testemunhas e peritos – por alegadamente não existir lacuna nesta matéria, no âmbito do processo penal, que importe suprir por recurso ao disposto na lei processual civil.
Por violação, entre outros, dos princípios constitucionais do amplo exercício do direito ao recurso e da cabal reapreciação da matéria de facto pelo tribunal ad quem, consagrados, entre outros, nos artigos 2º e 20º da Constituição da República Portuguesa.”
É recorrido o Ministério Público.
4. O Tribunal Constitucional não pode conhecer do presente recurso, por inutilidade.
Com efeito, as normas impugnadas não constituíram a ratio decidendi do indeferimento da reclamação; diferentemente, o motivo invocado pelo despacho reclamado para o efeito foi a decisão do recurso interposto do despacho de fls.
99, que indeferiu o requerimento de alargamento do prazo, decisão que, como se pode ler na transcrição atrás feita, foi considerada como determinante para o indeferimento da reclamação por julgar uma “questão prévia” e “conten[der], directa e necessariamente, com o objecto” respectivo.
Assim o demonstra a circunstância de, ainda que o Tribunal Constitucional apreciasse as normas que constituem o objecto do recurso de constitucionalidade e viesse a julgá-las inconstitucionais, tal julgamento não implicaria qualquer alteração da decisão agora recorrida, pois sempre se manteria o julgamento, pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls.
104, com força de caso julgado, da “questão prévia”, e a sua necessária consequência quanto à extemporaneidade do recurso.
Ora, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recurso de constitucionalidade tem natureza instrumental, o que implica, como se sabe, que é condição do conhecimento do respectivo objecto a possibilidade de repercussão do julgamento que nele vier a ser efectuado na decisão recorrida
(cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 463/94, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 1994).
5. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Assim, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs. »
2. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão sumária. Em seu entender, não seria inútil o conhecimento do recurso de constitucionalidade, nos termos afirmados na decisão reclamada, porque “o (...) Acórdão da Relação de Guimarães de 15.12.2003 não se pronunciou, nem decidiu sobre a questão fundamental que ali lhe era colocada – tal como aqui também –, qual seja” a de saber se “é aplicável ‘ex vi’ do artº 4º do C.P.P., o acréscimo de 10 dias previsto no art. 698º n.º 6 do C.P.C”, se o recurso tiver também “por objecto a impugnação da decisão da matéria de facto”.
Por esse motivo, “aceitou a pertinência da respectiva ‘questão prévia’ invocada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães”; ora, “apenas nessa parte – a referente à dita questão prévia – se formou caso julgado formal nos autos”.
Assim, nada vinculava a primeira instância a considerar extemporâneo o recurso; e o indeferimento da reclamação subsequentemente apresentada perante o Presidente do Tribunal da Relação de Évora – de que foi interposto o recurso de constitucionalidade – não decorreu de decisão de nenhuma questão prévia, nem da existência de qualquer “pretenso caso julgado”.
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação, observando não ser “obviamente possível controverter no âmbito deste recurso de constitucionalidade a expressa qualificação como ‘prévia’ da questão já dirimida em anterior recurso, quanto ao prazo para impugnar a decisão”, e considerando que era ainda “evidente, pelo teor da decisão recorrida, a preclusão da questão de constitucionalidade suscitada, em sede do prazo para recorrer”.
4. Com efeito, a reclamação não pode proceder. Como refere o Ministério Público, não pode ser discutida no âmbito de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, como é o caso, a questão de saber se o indeferimento definitivo do pedido de alargamento do prazo constituía ou não questão prévia no julgamento da reclamação pelo Presidente do Tribunal da Relação de Évora. E é manifestamente nessa qualificação que o referido indeferimento assenta, e não em qualquer aplicação das normas que o ora reclamante impugna neste recurso.
Ora, não tendo sido impugnada nenhuma outra norma, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do presente recurso, nos termos e pelas razões apontadas na decisão reclamada.
5. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não conhecimento do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 18 ucs.
Lisboa, 4 de Maio de 2004
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Luís Nunes de Almeida