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Processo n.º 633/04
3ª Secção Relator Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária:
“1. Por acórdão de 30 de Abril de 2003, proferido pelo Colectivo na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, foram os arguidos A., B. e C., todos identificados nos autos, condenados, cada um deles, pela forma seguinte :
- O arguido A., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no art.º 21°, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e de um crime de aquisição de moeda falsa para colocação em circulação, previsto e punido pelo art.º 266°, alínea a), do Código Penal, nas penas de 8 anos de prisão e de 2 anos e 6 meses de prisão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão;
- O arguido B., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no art.º 21°, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão; e
- O arguido C., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21°, n.º1, do Decreto-Lei n.º
15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos de prisão e, ainda, na pena acessória de expulsão do território nacional, após o cumprimento da pena, pelo período de
6 anos, nos termos dos artigos 101º, n.° 1, 3 e 5, e 106°, do Decreto-Lei n.º
4/01, de 10 de Janeiro.
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido A., para o Tribunal da Relação de Évora, o qual motivou, concluindo do seguinte modo
[transcrição parcial das conclusões do recurso]:
“1ª As escutas telefónicas são, em princípio, proibidas - cf art.ºs 32º/8 e 34º da C.R. P.;
2ª O texto constitucional entrou em vigor em 1976, ano em que vigorava o C.P.P.
29, o qual continha quadro de invalidades processuais mais liberal do que o C.P.P. hoje em vigor;
3ª No quadro de invalidades previsto no C.P.P. 29 não havia lugar expresso para a nulidade constitucionalmente instituída em 1976;
4ª A nulidade prevista no art.º 32º/8 da C.R.P. não pode ser entendida como mera irregularidade prevista no art.º 100º do C.P.P. 29;
5ª Deve sim ser aproximada do conceito doutrinário e jurisprudencial de inexistência, de acordo com a lição de Maia Gonçalves – cf. supra;
6ª O que quer dizer que a nulidade referida é de conhecimento oficioso, invocável por qualquer interessado, a todo o tempo e com efeito retroactivo, quer de acordo com o conceito de inexistência, quer atendendo ao conceito de nulidade previsto no corpo do art.º 99º do C.P.P. 29, quer atendendo ao conceito de nulidade provindo do Direito Comum;
7ª Era impossível ao legislador constituinte de 1976 consagrar uma nulidade diversa da conhecida, muito menos apertar o conceito consagrado no funil das
“nulidades” previstas no nosso actual C.P.P., como já se viu menos liberal do que o de 1929, da Ditadura Nacional emergente do golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 e da Constituição republicana de 1933, pura e simplesmente porque o conceito de 1987 não existia em 1976;
8ª É inconstitucional interpretar a regra contida no art.º 120º/3 al. c) do C.P.P. da forma da forma como o tribunal a quo o fez, por limitar no tempo o exercício de um direito que a C.R.P. quer invocável e portanto exercitável a todo o tempo;
9ª O art.º 126º/3 do C.P.P. estabelece que é método proibido de prova o que usado nos autos, estando de acordo com a C.R P., devendo esta norma ter sido aplicada, ao invés da que consta do art.º 120º/3 al. c) aplicada;
10ª O prazo do art.º 120º/3 al. c) do C.P.P. era, em concreto, impossível de aplicar, como decorre da extensão do processo, da necessidade de o mesmo ser estudado. visto pelo arguido nas suas partes principais e de tais actos não poderem ser executados em 5 dias, após encerrado o inquérito;
11ª Não podia o arguido intervir no processo antes de decorrido o prazo de contestação a não ser para contestar;
12ª Para contestar o arguido dispõe de 20 dias e não de prazo mais curto, devendo condensar a sua defesa, não podendo ir deduzindo requerimentos avulsos e dispares fora de tempo;
13ª A regra contida no art.º 120º/3 al. c) do C.P.P. é uma “norma alçapão”, sem qualquer espécie de justificação plausível e que vai contra o princípio da concentração da defesa do arguido na contestação;
14ª Jamais as escutas telefónicas podem ser efectuadas com recurso a privados, sejam operadores ou não de telecomunicações, pois os privados obedecem a regras, contratos e códigos de conduta incompatíveis com as especiais obrigações dos funcionários públicos;
15ª Enquanto o Estado não dotar as entidades públicas competentes de meios humanos e materiais para por si serem efectuadas as escutas, estão são inconstitucionais e ilegais, por violarem os art.ºs 32º e 34º da C.R.P e 187º e ss. do C.P.P.;
16ª O tribunal a quo violou, entre outros os art.ºs 13º, 32º e 34º da C.R.P., tendo feito interpretação ilegal e inconstitucional do art.º 120º/3 al. c) do C.P.P. e tendo deixado de aplicar a norma do art.º 126º/3 do CPP, a qual deveria ter sido aplicada;
17ª As escutas do processo não obedeceram ao disposto na lei, nomeadamente no art.º 188º do C.P.P., não podendo valer para todo e qualquer efeito nos presente autos;
(...)
24ª Foi ainda violado o comando jusnatural que impõe a propriedade privada dos bens materiais, quando o tribunal decide declarar perdido a favor do Estado bem alheio;
25ª Sendo além do mais violados os art.ºs 55º da C.R.P., na medida em que consagra o direito de propriedade e ainda os art.ºs 1º, 2º e 5º do Código do Registo de Bens Móveis, aprovado pelo D.L. n.º 277/95 de 250ut, particularmente o art.º 5º do referido Código, na medida em que caberia ao Ministério Público, ao impugnar o facto comprovado pelo registo, pedir simultaneamente o seu cancelamento, o que não fez;
(...)
30ª Foi ainda violado o art.º 355º do C.P.P., pois as escutas não foram ouvidas em audiência, nem mesmo as suas transcrições, assim não podendo ser consideradas ao invés do que aconteceu.”
2. Por acórdão de 23 de Setembro de 2003, o Tribunal da Relação de Évora decidiu
“em não tomar conhecimento do recurso quanto ao objecto referente às escutas telefónicas”, por força do caso julgado - uma vez que o recorrente havia interposto recurso interlocutório para a Relação suscitando a nulidade das escutas, com o mesmo objecto, sobre o qual recaiu o acórdão da Relação de 9 de Julho de 2002, a negar-lhe provimento -, “e no mais [decidiu] negar provimento ao mesmo, confirmando, no todo, o douto acórdão recorrido”. Desta decisão da Relação de Évora, recorreu o arguido A. para o Supremo Tribunal de Justiça, reproduzindo na peça que apresentou, a fls. 1928 a 1942, a motivação e conclusões do recurso intercalar e do recurso interposto para a Relação do
[1º] acórdão do Colectivo da 1ª Instância, de 9 de Outubro de 2001 – que veio a ser anulado pelo acórdão da Relação de 9 de Julho de 2002, que ordenou a repetição do julgamento – (cfr. fls. 950 a 957 e 1044 a 1058), que considera como fazendo parte do presente recurso, às quais aditou as seguintes conclusões:
“1ª É inconstitucionalidade o entendimento e a interpretação dos artigos 672º e
673º do C.P.P. de acordo com o qual se teria formado caso julgado sem apreciação material das questões controvertidas antes já levantadas pelo recorrente e que podem e devem ser apreciadas por este mais Alto Tribunal, por violação, designadamente, dos artigos 20º, 26º, 27º, 33º, 202º e 205º da C.R.P.;
2ª É Inconstitucionalidade o entendimento e a interpretação do artigo 410º/2 do C.P.P. constante do douto acórdão recorrido, por violação, designadamente, dos supra mencionados dispositivos constitucionais”
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 12 de Maio de 2004, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando integralmente o acórdão recorrido.
3. Notificado o arguido A. interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, nos seguintes termos:
“1. Interposição de recurso : a) O arguido não pode conformar-se com a aplicação de normativos que reputa contrários à Constituição da República; b) Assim, pretende que, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade de tais normas, seja recebido recurso para o Tribunal Constitucional, designadamente, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 69º e ss. da Lei n.º 28/82 de 15 Nov (L.T.C.), na sua actual redacção; c) Efectivamente, ao longo dos autos, todas as instâncias e este Supremo Tribunal, aplicaram regras e legais que o arguido reputou e continua a reputar de inconstitucionais, seja em termos absolutos, seja por via da interpretação e aplicação que delas foi feita; d) Ao caso concreto já não cabe recurso ordinário, nem para uniformização de jurisprudência; e) Pode recorrer-se de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo – al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da L.T.C.; f) Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 75º-A da L.T.C., o recorrente indica, como normas ou princípios constitucionais violados, designadamente, os seguintes: art.ºs 20º,25º,26º,27º,30º,32º,34º e 37º da C.R.P. e os princípios do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva, à integridade pessoal, à tutela dos direitos pessoais e fundamentais, da liberdade e segurança pessoais, ao processo penal justo, equitativo e garantido, da inviolabilidade do domicílio e da correspondência, à liberdade de expressão e informação, à prevalência da materialidade subjacente e da tutela da confiança legítima; g) Com todo o muito devido respeito, afigura-se como particularmente grave a violação da Constituição que resulta de se concluir que o Código de Processo Penal de 1929, aplicado, garantiria direitos e interesses do arguido que o actual Código de Processo Penal, tal como lido a aplicado até aqui nos presentes autos, completamente desguarnece; h) Não é preciso sublinhar que, o Código de Processo Penal de 1929 é o corpo de regras e de princípios que pautavam o procedimento criminal na vigência, primeiro da Ditadura militar e, depois, do Estado Novo e que, o actual, se pretende do auto-denominado Estado de Direito Democrático; i) Crê-se que, qualquer interpretação como a que tem sido feita nos presentes autos, se encontra ferida de insanável inconstitucionalidade material; j) Nos termos do mesmo normativo, o recorrente indica que suscitou tal questão nas seguintes peças processuais: contestação; motivação de recurso e de recurso interlocutório para o Tribunal da Relação de Évora; motivação do segundo recurso para este tribunal, após repetição do julgamento em 1ª instância; motivação de recurso para este Supremo Tribunal;
(...)”.
4. No Tribunal Constitucional, por despacho do relator, de 3 de Junho de 2004, foi o recorrente convidado, ao abrigo do n.º6 e sob a cominação do n.º7 do artigo 75º-A, da Lei n.º 28/82, a indicar, com clareza e precisão, a norma ou normas (ou o sentido normativo) cuja inconstitucionalidade quer ver apreciada, tendo o mesmo apresentado o seguinte requerimento:
1. “O recorrente quer ver apreciadas, designadamente, as seguintes regras legais, do ponto de vista da sua conformidade face à Constituição da República
(tal como suscitou, oportunamente, nas peças processuais identificadas no requerimento de interposição do presente recurso, isto é, na contestação, na motivação de recurso e de recurso interlocutório para o Tribunal da Relação de
Évora, motivação do segundo recurso para esse tribunal após repetição do julgamento em lª instância e motivação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça): Art.º 120º/3 al. c) do C.P.P., quando interpretado como impedindo a arguição da falta de imediata apresentação das escutas ao Mmº. Juiz no prazo da contestação em processo impossível de consultar no prazo de 5 dias aí estabelecido, como é o caso, particularmente quando interpretado como anulando o efeito do estatuído nos artºs. 126º e 129º do mesmo Código; não se pode pretender ser possível a um arguido preso, obter ler, estudar e impugnar - tudo em 5 dias após notificação da acusação - vários volumes de escutas telefónicas, cujas cópias, requeridas dentro do prazo, só foram entregues ao seu mandatário após expirado tal prazo; trata-se de norma sem qualquer justificação, de aplicação inviável, unicamente destinada a criar um “alçapão”' legal, por onde os direitos do cidadão caem sem amparo; e ainda mais quando aplicada olvidando o regime dos art.ºs. 126º e 129º do C. P. P.., como foi o caso dos autos; Art.º 188º/1 do C.P.P., quando interpretado no sentido de ser possível a
“imediata” apresentação ao Mmº. Juiz do auto com as fitas gravadas 9 meses (!) após as intercepções, ou seja, quando interpretado de tal forma aberta que transforme o conceito indeterminado em conceito indeterminável; Artºs 187º e 188º do C.P.P., quando interpretado como permitindo que sejam entidades privadas a proceder às operações materiais de escuta, pois tais pessoas não contratam funcionários públicos para defesa exclusiva do interesse público, mas sim trabalhadores subordinados que, antes de tudo e sempre, devem lealdade e obediência ao empregador e não ao Estado; quer dizer que, não podem ser privados, sociedades anónimas que licitamente têm por escopo o lucro, com pessoal de direito privado, geridas para o fim único de defesa dos interesses dos accionistas a realizar funções de soberania, tão delicadas como interferir nas comunicações alheias, pondo em causa os direitos fundamentais mais elementares desde sempre insertos nas cartas de direitos, desde a Magna Carta de
1215; Art.º 189º do C.P.P., quando interpretado como estabelecendo nulidade com regime de arguição e de validação formal mais exigente do que o regime do C.P.P. de
1929, pois parece absurdo que o Código da Ditadura saída do 28 de Maio de 1926
(nem sequer da Constituição de 1933), consagre mais direitos do que o C.P.P. do regime dito democrático do post golpe de Estado de 1974; Art.º 355º do C.P.P.-, quando interpretado como permitindo a dispensa da leitura em audiência dos autos de transcrição das escutas telefónicas, por absoluta carência de possibilidade de actuação dos meios legais de defesa do arguido, mormente por tornar impossível qualquer contraditório e análise ponderada das provas; Art.ºs. 672º e 673º do Código de Processo Civil, quando interpretados no sentido de considerar-se a formação de caso julgado sem apreciação material das questões controvertidas antes já levantadas pelo recorrente e que poderiam e deveriam ter sido objecto de apreciação valorativa pelo Supremo Tribunal de Justiça; Art.º 410/2 do C.P. P., quando interpretado da forma como o Supremo Tribunal de Justiça o fez, quer no 1º acórdão que proferiu, quer no acórdão final.
1. Diz ainda o arguido recorrente que pretende ver sindicada a aplicação normativa feita nas anteriores decisões, quer quanto aos procedimentos adoptados, quer quanto à forma como as normas legais foram aplicadas e interpretadas pelas instâncias e pelo S.T.J., expressamente remetendo para o teor do requerimento de interposição de recurso e para as demais peças processuais escritas que produziu ao longo dos autos e das quais consta a posição do arguido recorrente sobre as várias inconstitucionalidades que em seu entendimento existem e o prejudicaram.”
5. No caso dos autos, entende-se não poder conhecer-se do objecto do recurso, por não estarem reunidos os pressupostos de admissibilidade do tipo de recurso em causa, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do n.º1 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, como se passa a fundamentar sumariamente.
6. Com efeito, a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, implica, para que possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, a congregação de vários pressupostos, entre os quais a aplicação pelo Tribunal recorrido, como sua ratio decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida. No exercício deste controlo normativo escapa à competência cognoscitiva do Tribunal Constitucional – de acordo com o nosso ordenamento jurídico – qualquer forma de fiscalização sempre que a questão de constitucionalidade seja dirigida à decisão judicial, em si mesma considerada. Assim, competindo ao recorrente o ónus de suscitação, deverá este cumpri-lo, referenciando-o normativamente, desse modo pondo em causa, por alegada violação de preceito ou de princípio constitucional, o critério jurídico utilizado na decisão ao aplicar a norma jurídica questionada. E, nesta medida, quando, nomeadamente, se discuta uma dimensão interpretativa, deverá fazê-lo não só atempadamente mas de forma clara e perceptível, em termos de o Tribunal recorrido saber que tem essa questão para resolver e não subsistam dúvidas quanto ao sentido da mesma – até porque, frequentemente, não se revela tarefa fácil traçar com nitidez a linha de demarcação entre a interpretação discutida e a decisão qua tale, cuja reapreciação não pode, nesta sede, ser reaberta.
7. Começa o recorrente por indicar que pretende a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas (ou complexos normativos), na interpretação que enuncia no requerimento de fls. 2135, acima transcrito:
- Artigo 120º, n.º3, alínea c), 188º, n.º1;
- Artigo 188º, n.º1;
- Artigos 187º e 188º;
- Artigo 189º, todos do Código de Processo Penal.
Ora, relativamente a estas normas não pode tomar-se conhecimento do recurso em virtude de a decisão recorrida não ter feito aplicação das mesmas. A referência a estes preceitos surge no contexto da questão suscitada pelo recorrente relativamente à nulidade das escutas telefónicas e à sua invalidade como meio de prova, questão que o acórdão recorrido apreciou e decidiu nos seguintes termos:
“(...) A invocada ilegalidade das escutas telefónicas e a sua invalidade como meio de prova: O recorrente, na sua motivação, a fls. 1939, afirma que “a questão central do presente recurso (...) versa sobre a validade das escutas telefónicas”; e, ainda, que, “sem escutas telefónicas, a droga não poderia ser apreendida, nem a moeda”, e retiradas as escutas, o que resta?' (ver fls. 1935). Por isso, o recorrente defende que as escutas telefónicas são, em princípio, proibidas (art.ºs 32°, n.º8, e 34° da C.R.P .); e violaram o disposto nos art.ºs
187° e 188° do Cód. Proc. Penal; e o Tribunal “a quo”', fez interpretação ilegal e inconstitucional do art.º 120°, n.º3, al. d), e não aplicou a norma do art.º
126°, n.º3, ambos do Cód. Proc. Penal. Esta questão já anteriormente fora suscitada nos autos, já que, a nulidade das escutas telefónicas havia sido levantada, em recurso interlocutório, para a Relação de Évora, que lhe negou provimento por seu acórdão proferido em
9-7-2002, como pode ver-se de fls. 1307 a 1333. Assim, a questão da invocada nulidade e invalidade das escutas telefónicas realizadas, foi decidida pelo Tribunal da Relação de Évora, com trânsito em julgado, ficando a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos termos dos art.ºs 671º a 673° do Cód. Proc. Civil, aplicáveis subsidiariamente em processo penal, ex vi art.º 4° do Cód. Proc. Penal. Logo, este Supremo não pode, agora, debruçar-se de novo, sobre uma questão já decidida nestes autos, com trânsito julgado, e quanto a este ponto, não se vislumbra que houvesse sido violada qualquer norma constitucional.
(...)”.
Deste modo, o acórdão recorrido, ao não tomar conhecimento da questão, por entender que a mesma já havia sido decidida pelo acórdão da Relação de 9 de Julho de 2002, já transitado em julgado, não aplicou as normas impugnadas, não podendo, consequentemente, tomar-se conhecimento do recurso na parte a elas respeitante.
8. Quanto às normas dos artigos 672º e 673º do Código de Processo Civil, entende o recorrente que foram aplicadas “no sentido de considerar-se a formação de caso julgado sem apreciação material das questões controvertidas antes já levantadas pelo recorrente e que poderiam e deveriam ter sido objecto de apreciação valorativa pelo Supremo Tribunal de Justiça”.
8.1. É verdade que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça invocou como ratio decidendi as normas respeitantes ao caso julgado dos artigos 671º a 673º (e não só dos artigos 672º e 673º) do Código de Processo Civil, que julgou aplicáveis ao processo penal, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal. Porém, o acórdão recorrido não fez aplicação destes preceitos com a interpretação que o recorrente impugna. Como resulta do excerto da decisão acima transcrita, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que as questões relativas à “nulidade e invalidade das escutas” estavam decididas, com trânsito em julgado, pelo acórdão da Relação de 9 de Julho de 2002. Este aresto, apreciou os recursos interpostos do [1º] acórdão da 1ª Instância de
9 de Outubro de 2001, e também do recurso interlocutório. Quanto ao recurso da decisão final concedeu parcial provimento ao recurso da co-arguida D., na parte referente à irregularidade das gravações da prova em audiência, declarando nulo o julgamento efectuado e determinou a sua repetição, julgando prejudicadas as demais questões suscitadas, e, quanto ao recurso interlocutório do arguido A., negou-lhe provimento. Deste acórdão interpôs o mesmo arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, abrangendo a parte da decisão referente ao recurso interlocutório e a respeitante à decisão final, tendo o Supremo decidido, por acórdão de 5 de Fevereiro de 2003, “em rejeitar, por manifesta improcedência, ambos os recursos interpostos pelo arguido A., o interlocutório e o principal”.
8.2. O Tribunal da Relação de Évora, no acórdão de 9 de Julho de 2002, fundamentou a sua decisão quanto ao recurso interlocutório no seguinte:
“(...)
16.1. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações (art.º 32 n.º 8 da Constituição da República Portuguesa).
É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei do processo criminal (art.º 34 n.º 4 da CRP). Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular (art.º 126 n.º 3 do CPP). A intromissão no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações encontra-se regulamentada nos art.ºs 177, 179 e seg.s do CPP; por sua vez, as disposições do título V do CPP, relativas a nulidades, não prejudicam as normas do CPP relativas a proibições de prova (art.º 118 n.º 3 do CPP). O art.º 34 n.º 4 da CRP , proibindo as escutas telefónicas, excepciona os casos previstos na lei do processo penal, pelo que a sua realização - desde que observadas as regras processuais - não colide com aquele preceito, como não colide com o art.º 32 n.º 8 da CRP, onde apenas se consagra que são nulas tais provas se obtidas com abusiva intromissão na vida privada ou nas telecomunicações, ou seja, se obtidas fora do condicionalismo previsto no art.º
34 n.º 4 da mesma CRP . Os art.ºs 187 a 190 do CPP prevêem um conjunto de regras e procedimentos quanto
à realização das escutas:
1) elas têm que ser ordenadas ou autorizadas por um juiz (no caso foram-no, como se vê dos autos);
2) têm que respeitar a um dos crimes mencionados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 187 (no caso concreto respeitam ao crime previsto na al.ª b ));
3) exige-se que haja um processo a correr, não podendo, pois, constituir investigação pré ou extraprocessual, e devem assentar em suspeita suficientemente alicerçada da prática do crime;
4) a sua determinação deverá fundamentar-se na existência de razões para crer que a diligência se revelará de interesse para a descoberta da verdade ou para a prova - não um mero interesse, mas um interesse relevante, no sentido que 'não será legítimo ordenar as escutas telefónicas nos casos em que os resultados almejados possam, sem dificuldades particularmente acrescidas, ser alcançados por meio mais benigno de afronta aos direitos fundamentais' (Costa Andrade, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano I, Julho-Setembro de 1999,380);
5) “necessário é, ainda, que a escuta se revele um meio em concreto adequado a mediatizar aquele resultado” (mesmo autor, in obra e local citado, pág. 291). No caso concreto todas estas exigências se verificam, pelo que não estamos perante qualquer prova proibida e, por conseguinte, carece de fundamento o argumento que a obtenção de tal prova, de acordo com o disposto no art.º 32 n.º
8 da CRP , é nula. A questão que se coloca é outra e tem a ver, não com a obtenção desse meio de prova, mas com as formalidades como as escutas foram efectuadas e o seu conteúdo chegou ao tribunal, previstas no art.º 188 n.º 1 do CPP, designadamente a falta de elaboração do auto de intercepção e gravação e a apresentação imediata ao juiz que as ordenou ou autorizou. Relativamente a estas, e não obstante o disposto no art.º 189, que comina a sua inobservância como nulidade, tem a doutrina e alguma jurisprudência entendido que se trata de nulidades sanáveis, sujeitas ao regime dos art.ºs 120 e 121 do CPP (ver, por todos, Maia Gonçalves, in CPP Anotado e Comentado, 12ª edição,
431, Simas Santos e Leal-Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, vol. I,
721, e o acórdão do STJ de 17.01.01, Col. Jur., Ano IX, t. I, 210, embora reconheçamos que esse entendimento não é pacífico) - a razão deste entendimento justifica-se, por um lado, porque o auto a que se refere o art.º 188 do CPP se destina-se a dar fé à operação de intercepção enquanto tal, devendo mencionar o despacho que a autorizou ou ordenou, a identidade da pessoa que a ela procedeu, a identificação do telefone interceptado e os circunstancialismos de tempo, modo e lugar da intercepção, elementos que, mesmo que o auto não tenha sido lavrado, constam dos próprios autos; por outro, e não obstante a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica aparecer como um meio que melhor garante que uma medida de tão específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas pelo texto constitucional, a essencialidade dessa garantia não pode ficar dependente da existência de meios humanos ou técnicos susceptíveis de, num dado momento, assegurar essa imediatividade, tanto mais que as escutas são transcritas, a essa transcrição têm acesso o arguido, o assistente e as pessoas cujas conversações tiverem sido escutadas (art.º 188 n.º
5 do CPP), que poderão inteirar-se da sua conformidade e suscitar as questões que tenham como pertinentes; por outro lado, a partir do momento em que as transcrições são juntas aos autos e o juiz nada diz entende-se que ele se conformou com os procedimentos adoptados e, portanto, aceitou-os; por outro lado, ainda, não podemos deixar de anotar que o n.º 2 do art.º 188 do CPP foi introduzido pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, e veio permitir que, não obstante o disposto no número anterior ( quanto à necessidade de lavrar o auto da intercepção e gravação e apresentar o mesmo imediatamente ao juiz), o órgão de polícia criminal que procede à investigação pode tomar previamente conhecimento do conteúdo da comunicação interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova - circunstância que permite concluir que aquela exigência tem que ser encarada em termos hábeis, de modo a serem levadas em conta, quer as dificuldades próprias dessa tarefa, quer as disponibilidades dos meios técnicos e humanos para a realização da mesma, quer, ainda, as necessidades de assegurar os meios de prova que se mostrem pertinentes em face das escutas efectuadas. Tratando-se, pois, de uma nulidade sanável - não se aplicam a estes procedimentos as razões que impõem a autorização judicial para efectuar as escutas - o prazo para arguir a mesma há muito decorreu quando ela foi suscitada pelo recorrente, face ao disposto nos art.ºs 120 n.º 3 al.ª c) do CPP, pois ele apenas a suscitou na contestação, apresentada muito para além dos cinco dias em que podia argui-la, sendo certo que na acusação constava claramente a indicação dessa prova (ver, neste sentido, o acórdão do STJ de 15.03.00, Proc. n.º
14/2000, citado pelo acórdão do STJ de 17.01.01, acima citado). Uma última nota para dizer: 1) a lei não estabelece quem efectua as intercepções, mas, e só, quem as ordena (art.º 187 do CPP), deduzindo-se que elas serão efectuadas pela entidade competente para a investigação (art.º l88 n.º 2 do CPP); 2) as escutas foram ordenadas pelo juiz e efectuadas pela PJ
(órgão de polícia criminal), como dos autos consta, não obstante a intercepção só ser possível com a colocação, à disposição da PJ, pela respectiva operadora
(da rede móvel), dos meios técnicos necessários à realização da escuta, o que não configura qualquer nulidade - a ligação da intercepção, enquanto meio técnico de permitir, posteriormente, ouvir a conversação, não se confunde com as escutas das conversações. Improcede, assim, o recurso interlocutório interposto pelo arguido A., no que à nulidade das escutas respeita.”
8.3. Neste aresto o Tribunal da Relação de Évora apreciou as questões relativas
à nulidade e à validade da utilização do meio de prova suscitadas pelo recorrente, entendendo que na obtenção da prova foram respeitadas as regras e os procedimentos quanto à realização das escutas, previstos nos artigos 187º a 190º do Código de Processo Penal, e, quanto à questão relativa às formalidades como as escutas foram efectuadas e o seu conteúdo chegou ao tribunal, previstas no artigo 188º, n.º1, do Código de Processo Penal, “designadamente a falta de elaboração do auto de intercepção e gravação e a apresentação imediata ao juiz que as ordenou”, concluiu que, não obstante o artigo 189º do mesmo código cominar com a nulidade a inobservância dessas formalidades, constituíam nulidades sanáveis, que, por não terem sido arguidas em tempo, estavam sanadas, nos termos do artigo 120º, n.º3, alínea c) do Código de Processo Penal. Deste modo quando o acórdão recorrido apela ao caso julgado relativamente a estas questões, invocando as normas dos artigos 671º a 673º do Código de Processo Civil, como obstando ao conhecimento do recurso, está a entender que o aresto da Relação decidiu definitivamente as questões atinentes às nulidades das escutas e à validade da utilização deste meio de prova. Assim, tendo o acórdão da Relação de 9 de Julho de 2002 tomado conhecimento daquelas questões que lhe foram colocadas e decidido pela sua improcedência, ao invocar o caso julgado relativamente a estas questões, não se pode afirmar que o acórdão recorrido interpretou as normas relativas ao caso julgado “no sentido de considerar a formação de caso julgado sem apreciação material das questões controvertidas antes já levantadas pelo recorrente”, porque a Relação procedeu a essa apreciação material. Não pode, pois, tomar-se conhecimento do recurso quanto a estas normas porque, e resumindo, embora o acórdão recorrido tenha feito aplicação dos artigos 671º a
673º do Código de Processo Civil, não aplicou estes preceitos no sentido invocado pelo recorrente, faltando, assim, este pressuposto processual de necessária congregação.
9. Quanto à norma do artigo 355º do Código de Processo Penal, entende o recorrente que o acórdão recorrido a interpretou como “permitindo a dispensa da leitura em audiência dos autos de transcrição das escutas telefónicas, por absoluta carência de possibilidade de actuação dos meios legais de defesa do arguido, mormente por tornar impossível qualquer contraditório e análise ponderada das provas”. Relativamente a esta questão, entendeu o aresto recorrido que:
“Ainda, no tocante às escutas, o recorrente sustenta haver sido infringido o art.º 355° do Cód. Proc. Penal, por não terem sido ouvidas em audiência, nem mesmo as suas transcrições, mas o certo é que constam do vol. IV dos autos as transcrições de todas as escutas efectuadas, estando ao dispor das partes, tendo sido valoradas no acórdão da 1ª Instância, com a necessária largueza, como pode ver-se de fls. 1742, nada obrigando a que as mesmas tivessem de ser ouvidas em audiência.”
Ora, quanto à aplicação deste preceito o recorrente não suscitou durante o processo qualquer questão de constitucionalidade, designadamente, não o fez no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, pois apenas invoca a violação deste preceito pela decisão recorrida, pelo que não pode tomar-se conhecimento do recurso.
10. Pretende ainda o recorrente a apreciação do artigo 410º, n.º2 do Código de Processo Penal “quando interpretado da forma como o Supremo Tribunal de Justiça o fez, quer no 1º acórdão que proferiu, quer no acórdão final”. O recorrente suscitou a inconstitucionalidade deste preceito nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mas sem concretizar qual a dimensão interpretativa que pretendia impugnar. No requerimento que apresentou em resposta ao despacho do relator, proferido ao abrigo do n.º6 e sob a cominação do n.º7 do artigo 75º-A, da Lei n.º 28/82, para indicar, com clareza e precisão, a norma ou normas (ou o sentido normativo) cuja inconstitucionalidade quer ver apreciada, quanto à norma em apreciação, o recorrente também não especificou qual a dimensão interpretativa aplicada pelo acórdão recorrido que pretendia impugnar, motivo pelo qual não pode tomar-se conhecimento do recurso.
11. Em face dos exposto, decide-se, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 78º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades de conta.”
2. O recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pedindo a revogação da decisão sumária e o prosseguimento do recurso, em síntese útil, pelo seguinte:
As “dimensões interpretativas” que quer ver apreciadas são as que decorrem da aplicação concreta das normas. O entendimento acolhido na decisão sumária veda-lhe a possibilidade de ver materialmente apreciadas, pelo Supremo Tribunal de Justiça e, em último termo, pelo Tribunal Constitucional, as questões que, desde o princípio da sua intervenção no processo, tem vindo a reputar de inconstitucionais, apesar do cuidado que sempre teve em assegurar os pressupostos do recurso.
Termina perguntando como deveria ter agido para ver essas questões decididas, se o Supremo Tribunal de Justiça disse que não podia conhecer do objecto do recurso por estar já assente a decisão e ao mesmo tempo ordenou a repetição do julgamento e como proceder para fazer apreciar pelo Tribunal Constitucional a constitucionalidade das regras que foram o principal fundamento das anteriores decisões.
O Ministério Público responde que nada do que o reclamante alega é susceptível de abalar o teor da decisão reclamada, no que respeita à evidente inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso.
3. As reflexões magoadas que o reclamante faz sobre as vicissitudes do processo não abalam os fundamentos da decisão sumária no que respeita à evidente inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade que interpôs. Aliás, só com o ponto 8 da decisão reclamada, ou seja, quanto à questão de constitucionalidade respeitante à norma dos artigos
672.º e 673.º do Código de Processo Civil, têm um mínimo de articulação, pelo que quanto às demais questões se reitera, sem mais, o que se disse nessa decisão.
Mas também quanto a este ponto a reclamação improcede.
O Tribunal lembra que – como já resultaria das regras processuais gerais, mas é especialmente imposto pelo artigo 75º-A da LTC - o ónus de delimitação do objecto do recurso de constitucionalidade incumbe ao recorrente e que, como tem afirmado repetidamente, quando o recorrente pretenda questionar uma certa interpretação de uma norma tem ele não só o ónus de identificar o preceito (ou o “bloco legal”) de que se extrai essa norma mas também o de precisar o sentido normativo que reputa de inconstitucional, de modo a que, vindo essa norma a ser considerada inconstitucional com esse sentido, o Tribunal o possa enunciar na decisão (nesse sentido, entre outros, o acórdão n.º 366/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º Vol., pp. 525 e ss.). Daí que, não tendo o recorrente cumprido esse ónus no requerimento de interposição, (cfr. o n.º 3 da decisão sumária), lhe tenha sido dada a oportunidade de fazê-lo, mediante despacho proferido nos termos do n.º 6 do artigo 75º-A da LTC.
O recorrente veio então dizer que pretendia ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 672º e 673º do Código de Processo Civil, “quando interpretados no sentido de considerar-se a formação de caso julgado sem apreciação material das questões controvertidas antes já levantadas pelo recorrente “ e que poderiam e deveriam ter sido objecto de apreciação valorativa pelo Supremo Tribunal de Justiça [sublinhado agora o que é relevante; a proposição seguinte é tautológica]. Mas esse não foi seguramente o sentido com que as normas foram aplicadas, porque a decisão que o acórdão recorrido
(confirmando acórdão da Relação de 23 de Setembro de 2003) considerou constituir caso julgado foi a do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Julho de
2002 que apreciou as questões relativas à validade das escutas, julgando-as improcedentes (cfr. n.º 8.2 da decisão sumária).
É certo que o Supremo Tribunal de Justiça, no anterior acórdão de 5 de Fevereiro de 2003 (fls. 1500 e segs., VIII vol.), rejeitou o recurso interposto pelo recorrente do acórdão de 9 de Julho de 2002, considerando que desse acórdão não cabia recurso por não ter posto termo à causa, por força da interpretação que fez das disposições conjugadas dos artigos 400º, n.º 1, alínea c) e 432º, alíneas e) e b) do Código de Processo Penal. Porém, isso não permite afirmar que o caso julgado agora considerado impeditivo da reapreciação das questões relativas às escutas se tenha formado sobre uma decisão formal, sem apreciação material dessas questões. Pelo contrário, é de toda a evidência que houve tal apreciação; o que não houve foi reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça. Assim, não foi por aplicação das norma que o recorrente identifica que agora não pode ver (re)apreciadas as referidas questões. E de outra não pode o Tribunal Constitucional ocupar-se, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 70º, n.º 1, alínea b), 75º-A, n.º 2 e 79º-C da LTC.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária e condenando o recorrente nas custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 19 de Julho de 2004 Vítor Gomes Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida