Imprimir acórdão
Processo n.º 602/2004
3ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 32 de Maio de 2004 o relator proferiu decisão com o seguinte teor:
“1. No Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e solicitando a citação do Presidente da Câmara Municipal de Cascais e de cento e vinte e seis recorridos particulares, interpôs A., em 5 de Agosto de 1996, recurso contencioso de anulação da decisão por intermédio da qual foi elaborada a lista de classificação definitiva dos candidatos admitidos e excluídos ao concurso público aberto para a atribuição de dezoito licenças para a indústria de transporte de aluguer em veículos ligeiros de passageiros para o concelho de Cascais, concurso esse cuja abertura fora publicitada no Boletim Municipal da Câmara Municipal de Cascais de 20 de Dezembro de 1995.
Tendo a Juíza daquele Tribunal, por despacho de 21 de Junho de 1999, entendido que o aludido Presidente da Câmara era parte ilegítima, já que a decisão impugnada foi tomada, não por ele, mas sim pela Câmara Municipal de Cascais, igualmente sendo partes ilegítimas os recorridos particulares que foram excluídos do concurso, convidou o recorrente a apresentar nova petição.
Na sequência desse convite, o recorrente fez apresentar nova petição, na qual indicou como recorridos a dita Câmara e cento e vinte e cinco recorridos particulares, vindo a indicada Juíza, por despacho de 19 de Março de
2001, a determinar que recorridos particulares eram, e tão só, B., C., D., E., F., G., H., I., J., L., M., N., O., P. e Q..
Por sentença proferida em 14 de Janeiro de 2002, foi o recurso julgado improcedente, o que motivou o impugnante a, do assim decidido, recorrer para a Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo.
Na alegação adrede efectuada pelo recorrente, apenas se surpreendem, no que ora releva, as seguintes asserções:
‘............................................................................................................................................................................................................................................ Por outro lado, igualmente salvo o devido respeito e melhor opinião, houve incorrecta interpretação de norma jurídica por parte do Tribunal ‘a quo’. Com efeito é expresso no nº 6 do artº 8º da Portaria 149/79 de 4 de Abril que ‘A antiguidade da carta de condução será comprovada mediante fotocópia autenticada da mesma ou certidão da DGV’. O referido normativo tem carácter geral aplicável aos CONCURSOS PÚBLICOS para atribuição de ALVARÁS de veículos ligeiros de aluguer com condutor - Táxis - como o dos presentes autos. Não distingue se a obrigatoriedade da referida prerrogativa, se aplica a uma ou outra classe de concorrentes. Daí que, seja nosso entendimento que no concurso dos autos a entrega do referido documento tanto se aplica na categoria em que se insere o recorrente como na categoria 3ª. (Concorrentes pessoas singulares). Ora a incorrecta interpretação da referida norma, é imprescindível para aquilatar do vício de Violação do Princípio de Igualdade, alegado e invocado pelo recorrente, no RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO destes autos, influindo na boa decisão da causa. Daí que A douta decisão recorrida viola o disposto no nº 6 do artº 8º da Portaria
149/79, supra citada, por incorrecta interpretação da referida norma.
.............................................................................................................................................................................................................................................. EM CONCLUSÃO
..............................................................................................................................................................................................................................................
8ª Por outro lado a douta decisão recorrida viola o disposto no nº 6 do artº 8º da Portaria 149/79 de 4 de Abril, por incorrecta interpretação desta norma.
9ª Com efeito, entende a douta decisão recorrida que, a documentação a apresentar nas diversas categorias do PROGRAMA DO CONCURSO, objecto destes autos, é diferente.
10ª Daí que, segundo a douta decisão recorrida, não esteja consubstanciado o vício de violação do PRINCÍPIO DE IGUALDADE, invocado e alegado pelo recorrente.
11ª Porém, salvo o devido respeito e melhor opinião não é este o entendimento do recorrente.
12ª A referida norma é extensível às categorias dos concorrentes - pessoas singulares - nas quais se insere o recorrente (categoria 1ª) e o concorrente e recorrido R..
13ª Sendo que, desta forma é obrigatória em ambas as categorias e nos mesmos termos, a apresentação de fotocópia autenticada da carta de condução ou da certidão, em substituição da mesma, emitida pela DGV.
14ª A incorrecta interpretação do referido normativo, influi na boa decisão da causa, no que concerne ao vício invocado pelo recorrente, neste particular.
15ª Pelo que se conclui pela violação do mesmo pela douta decisão recorrida, nos precisos termos alegados.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Tendo o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 16 de Março de 2004, negado provimento ao recurso, fez o impugnante juntar aos autos requerimento onde disse:
‘A. recorrente nos autos à margem referenciados, notificado do DOUTO ACÓRDÃO de fls. dos Autos, e, não se conformando com o seu teor no que concerne à douta posição no mesmo assumida quanto à Violação do Princípio Constitucional da Igualdade previsto no artº 13º da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, reportado à violação em face daquele Princípio Constitucional da norma constante do nº 6 do artº 8º da Portaria 149/79 de 4 de Abril e alínea C) do ponto 4 do Programa de Concurso, integrando assim o disposto na alínea b) do nº 1 do artº
70º da LEI DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, sendo que cumpre apreciar, em face do disposto no artigo 13º da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, a violação do PRINCÍPIO DA IGUALDADE, reportado à violação daquele Princípio Constitucional a CONSTITUCIONALIDADE e ILEGALIDADE da norma constante dos acima aludidos nº 6 do artº 8º da Portaria 149/79 de 4 de Abril e alínea C) do ponto 4 do Programa de Concurso, invocados e alegados na petição de Recurso no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, e nas subsequentes e posteriores Alegações, quer naquele tribunal, quer nas Alegações de Recurso para o Venerando Supremo Tribunal Administrativo, conforme dispõem os nº’s 1 e 2 do artº 75º-A da LEI DO TRIBUNAL CONTITUCIONAL, por estar em tempo e para tal ter legitimidade, vem, interpor RECURSO para o Venerando TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, conforme o disposto no nº 1 b) do artigo 72º, artº 75º e nº 2 do artº 75º-A todos da LEI DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL.
.......................................................................................................................................................................................................................................................’
O recurso interposto através do requerimento de que parte se encontra transcrita foi admitido por despacho lavrado em 20 de Abril de 2004, vindo os autos a serem remetidos ao Tribunal Constitucional em 18 de Maio de
2004.
2. Porque tal despacho não vincula este órgão de administração de justiça (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Efectivamente, como deflui do relato supra efectuado, aquando da efectivação da alegação atinente ao recurso interposto da sentença prolatada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, o ora impugnante não suscitou relativamente ao preceito contido no nº 6 do artº 8º da Portaria 149/79, de 4 de Abril, qualquer questão de desconformidade do mesmo reportadamente à Lei Fundamental.
Antes, o argumento com que brandiu foi o de que, na sua perspectiva, tal preceito, no que toca à forma de apresentação documental, era aplicável a qualquer categoria de concorrentes, pelo que a sentença então impugnada, ao decidir diferentemente, errou ao considerar que não tinha ocorrido vício de violação de lei, assim violando essa sentença um alegado princípio da igualdade
(da mesma forma que, no petitório de recurso contencioso de anulação, já tinha defendido que a decisão administrativa consubstanciadora do objecto do recurso de anulação enfermava de um tal vício).
Ora, como se sabe, objecto dos recursos visando a fiscalização concreta da constitucionalidade são normas precipitadas no ordenamento jurídico ordinário e não outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas e os actos administrativos.
Neste contexto, porque, in casu, precedentemente ao acórdão intentado impugnar perante o Tribunal Constitucional, não foi assacada ao referido preceito qualquer desarmonia com o Diploma Básico, não se congrega um dos requisitos do recurso a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, justamente aquele que consiste na suscitação, antes da decisão tomada pelo tribunal de onde emergiu o recurso, da questão de inconstitucionalidade normativa.
2.1. Por outro lado, independentemente de se saber se a designada alínea c) do ponto 4 do programa de concurso poderia ser considerada «norma» para efeitos de recurso para o Tribunal Constitucional, porque relativamente à mesma, igualmente, não foi equacionada a sua desarmonia com a Lei Fundamental, não se poderá tomar conhecimento do objecto do recurso a ela referente.
2.2. E, pelo que tange à pretendida apreciação da ‘ILEGALIDADE’ do preceito da indicada Portaria e do mencionado programa de concurso, estando-se, como se está, perante um recurso esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, é por demais óbvio que, por seu intermédio, não é possível aferir do vício de ilegalidade, e isto sem se entrar na consideração sobre se, na situação sub specie, era admissível tal tipo de impugnação [cfr. alíneas c), d), e), f) e i) do nº 1 daquele artigo].
Termos em que se não conhece do objecto do recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta”.
Da transcrita decisão veio reclamar o recorrente, dizendo:
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................ I. Na sua douta decisão que não admitiu o presente recurso, entende o Venerando Juiz Conselheiro Relator, e em súmula, que, II. Que os objectos dos recursos visando a fiscalização concreta da constitucionalidade, são normas precipitadas no ordenamento jurídico ordinário, e, não actos do poder público como decisões judiciais e/ou actos administrativos.
III. Que, por outro lado, não foi assacado ao nº 6 do artº 8° da Portaria
149/79 de 04.04, qualquer desarmonia com o Diploma Básico, antes da prolação do douto acórdão de que se recorre para o Tribunal Constitucional não se congregando assim os pressupostos consignados na alínea b) do nº1 do artº 70º da Lei 28/82, e, IV. Concluindo pela não admissibilidade do presente recurso. V. Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, não podemos concordar com a douta asserção do Venerando Juiz Conselheiro Relator. VI. Com efeito, o recorrente, desde a RECLAMAÇÃO relativa ao Programa do Concurso, destes autos, bem co[m]o posteriormente, nas suas alegações no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, e subsequentemete nas alegações de recurso para o Venerando S.T.A., sempre alegou a desconformidade da norma citada, - bem como da sua interpretação dada em sede dos sucessivos recursos – com o artº 13º da Constituição da República Portuguesa, (cfr. fls. dos autos), ou seja, VII. A violação do Principio da Igualdade. VIII. Ora esta desconformidade de tratamento, emergente da aplicabilidade da referida norma – e consequentemente do Programa do Concurso – ao recorrente, integra os legais pressupostos do artigo 70º nº 1 b) da Lei 28/82. IX. Daí que o recorrente venha reclamar para a CONFERÊNCIA, pela não admissibilidade do presente recurso.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Ouvidos os recorridos sobre a reclamação apresentada, tão só sobre a mesma se pronunciou a Câmara Municipal de Cascais, que veio propugnar pela sua improcedência, já que, sustentou em súmula, “o Recorrente sempre alegou a ‘incorrecta interpretação’ do n.º 6 do art.º 8º da Portaria
149/79 de 4 de Abril, e a consequente violação do Princípio da Igualdade resultante daquela interpretação” o “que é diferente de alegar a desconformidade daquele preceito com o disposto em normas constitucionais, e que, nessa caso sim, consubstanciaria o requisito da alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei
28/82”, não podendo a eventual ilegalidade do mesmo preceito, ainda que tivesse sido alegada pelo então recorrente e ora reclamante, ser agora apreciada com fundamento na indicada alínea b) do nº 1 do artº 70º;
Cumpre decidir.
2. É manifestamente improcedente a reclamação ora deduzida.
Na verdade, na alegação que produziu para o Supremo Tribunal Administrativo - e é esse momento processual que unicamente releva - nunca foi dirigido ao preceito ínsito no nº 6 do artº 8º da Portaria nº 149/79, de 4 de Abril, qualquer vício de desconformidade com a Constituição, designadamente, uma pretensa violação do princípio da igualdade, como bem deflui dos extractos de tal alegação efectuados na decisão ora sub specie.
O que se atacou, isso sim, foi a decisão então impugnada, imputando-lhe a violação daquele princípio.
Aliás, se se utiliza uma argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais, tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento jurídico infra-constitucional que se tem por violado com essa decisão, pois que se posta como contraditório sustentar-se que há violação desse ordenamento e este é desconforme com o Diploma Básico. Efectivamente, se um preceito da lei ordinária é inconstitucional, não deverão os tribunais acatá-lo, pelo que esgrimir com a violação desse preceito, representa uma óptica de acordo com a qual ele se mostra consonante com a Constituição.
Por outro lado, no que concerne ao designado «programa de concurso», não se vislumbra qualquer razão que infirme o que, a tal propósito, foi dito na aprecianda decisão.
Neste contexto, indefere-se a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 7 de Julho de 2004
Bravo Serra Gil Galvão
Luís Nunes de Almeida