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Processo nº. 222/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – A. e B., com os sinais dos autos, foram demandados por C. em acção declarativa com processo ordinário em que se pedia a condenação daqueles a entregarem, livre e devoluta, uma fracção de imóvel sito na Av.
-----------------, nº. ------, em Lisboa, e a pagarem indemnização de Esc. 280
000$00 por cada mês ou fracção em que conservassem o imóvel na sua posse, com início em 1.12.1999 e termo na data da restituição do imóvel, tudo com fundamento na caducidade do contrato de arrendamento celebrado com D. que facultara a utilização do imóvel para nele os Réus exercerem medicina.
Os RR. apresentaram uma única contestação, na qual se defenderam pedindo a absolvição dos pedidos, alegando exercerem medicina no local por direito próprio, com base na alteração por transacção do contrato de arrendamento; no conhecimento da instalação dos RR. no imóvel pela Autora desde
1990 e 1995, que os considerou e reconheceu como locatários; no recebimento das rendas pela Autora após a morte de D..
Na fase de instrução do processo, os RR. requereram separadamente o depoimento de parte do respectivo co-Réu (comparte) a pontos não coincidentes da base instrutória, pretensão que lhes foi indeferida, pelo que impugnaram a decisão de indeferimento.
No dia em que se encontrava fixada data para julgamento, o Advogado do Réu B. juntou aos autos um requerimento, datado do dia anterior, em que pedia o adiamento da audiência, invocando só ter tido conhecimento da mesma no dia anterior por erro de agendamento provocado por erro correspondente na notificação que lhe havia sido feita pela Secretaria.
Este requerimento foi indeferido, tendo a decisão sido impugnada através de recurso de agravo.
A acção foi julgada parcialmente provada e procedente, tendo os RR. sido condenados a restituírem o imóvel identificado nos autos e a indemnizarem a Autora no montante de € 1 246,99 por cada mês decorrido desde Dezembro de 1999, incluído, até efectiva entrega.
Ambos os RR. apelaram da decisão condenatória da 1ª instância, mas o Tribunal da Relação de Lisboa negou, por um lado, provimento aos agravos interpostos e, por outro, confirmou a sentença da 1ª instância.
Do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, cada um dos R. interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
O Réu B. pediu a revogação da decisão que não admitiu os depoimentos de parte, da que não admitiu o adiamento da audiência de julgamento por falta de advogado, da sentença e do acórdão, tendo concluído a sua alegação para o Supremo Tribunal de Justiça, na parte que interessa, nos seguintes termos:
“1. No que concerne à não admissão dos depoimentos de parte requeridos pelos Réus, a decisão recorrida está em oposição com o acórdão da Relação de Coimbra, de 13 de Outubro de 1976 e pode ser reapreciada; Os depoimentos devem ser admitidos, não só de acordo com o disposto no art.
553º-3 CPC, como por respeito pelo direito constitucional à prova que integra o direito à acção judicial contemplado no art. 20º da Lei Fundamental
2. Na parte que respeita ao não adiamento da audiência por falta de advogado do Recorrente, a decisão recorrida está em oposição com o acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de Novembro de 2002; Deve determinar-se o adiamento da audiência, em consonância com o que está consignado no art. 651º-1-d) conjugado com o nº. 5 do art. 155º CPC, como também por força do art. 208º da Constituição, que consagra o patrocínio forense como
“elemento essencial à administração da justiça”.
...........................................................................................................................'.
O Réu A. concluiu assim a sua alegação perante o Supremo Tribunal de Justiça, também na parte que interessa:
“1. Não admitindo no depoimento pessoal do co-réu, o Tribunal “a quo” cometeu nulidade, por violação do nº 3 do art. 553ºCPC; Em matéria de prova deve decidir-se, em caso de dúvida, pela admissão, e não pela restrição, pois interessa ao julgador que lhe seja dado o maior número de possibilidades de conhecer a verdade – a admissão do requerido depoimento do co-réu, não obstante a apresentação de contestação comum.
2..............................................................................................................
3. O co-réu B. foi privado, ilegitimamente e por erro imputável à Secretaria, da defesa a que tinha direito, com clara violação dos arts. 651º - 1 d) e 155º - 5 CPC, como do artº 208º CR;
..........................................................................................................................'
8. A decisão recorrida viola o princípio da tutela da confiança – art. 2º CR – e constitui abuso de direito, nos termos do art. 334º do Cód. Civil”.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de Janeiro de 2004 negou as revistas pedidas por ambos os co-Réus (cfr. fls. 656 a 681 dos presentes autos).
Inconformados com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, vieram os RR. recorrer para o Tribunal Constitucional tendo dito no requerimento de interposição de recurso:
“2. Os Recorrentes pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade das seguintes normas: a) A do nº 3 do art. 553º do Código de Processo Civil, na interpretação acolhida no acórdão recorrido, no sentido de que uma parte não pode requerer o depoimento do comparte quando esse depoimento, incidindo sobre a matéria de facto indicada, não possa conduzir à confissão de factos desfavoráveis ao comparte depoente; b) A do nº. 2 do art. 754º do CPC, aplicável por remissão do art. 722º, nº
1, do mesmo diploma, interpretado no sentido de que a oposição da jurisprudência exigida para a admissibilidade desse recurso não se afere pela mera aplicação da mesma norma interpretada divergentemente nos dois acórdãos em oposição, mas exige a perfeita identificação das situações de facto sobre que incidiram os dois arestos.
3. A norma indicada na referida alínea a) do número anterior na interpretação acolhida no douto acórdão recorrido (ponto 4.1), viola o princípio constitucional do direito à prova, o qual se reconduz ou se baseia no princípio de acesso aos tribunais regulado no art. 20º, nº 1, da Constituição. Por outro lado, a norma indicada na alínea b) do número anterior, com a interpretação acolhida no douto acórdão recorrido (ponto 4.2), viola os princípios de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional efectiva (art. 20º, nºs 1 e 2, da Constituição) e o princípio constitucional da igualdade, impedindo a fixação de jurisprudência sobre as mesmas normas.
4. Os recorrentes suscitaram a questão da inconstitucionalidade da norma indicada na alínea a) do nº 2 nas suas alegações no recurso de revista
(conclusão 1ª), não tendo suscitado a questão de inconstitucionalidade da norma referida na alínea b) por não terem tido oportunidade de o fazer, por não ser previsível a adopção de um entendimento restritivo da interpretação do referido nº 2 do art. 754º CPC, de forma a pôr em causa a desejável uniformização de jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça.”
Delimitado, por despacho do relator de 23 de Março de 2004, o objecto de recurso
“à apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 553º, nº 3 do CPC”, vieram os Recorrentes apresentar alegações que concluíram como segue:
“1ª. Vem o presente recurso de constitucionalidade interposto do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 27 de Janeiro de 2004, na parte em que negou provimento ao fundamento processual do recurso de revista consistente na ilegalidade de não admissão de depoimento de parte requerido pelo outro comparte, tendo os compartes apresentado uma contestação comum;
2ª No recurso de revista, os ora Recorrentes suscitaram, além da ilegalidade consistente na não aplicação sem restrições do nº 3 do art. 553º do CPC, a questão de constitucionalidade da mesma norma, na interpretação segundo a qual uma parte não pode requerer o depoimento do comparte quando esse depoimento, incidindo sobre a matéria de facto indicada, não possa conduzir à confissão de factos desfavoráveis ao comparte depoente;
3ª É este o objecto do recurso de constitucionalidade;
4ª Nem o Código de Processo de 1939, nem o de 1961, previram qualquer limitação
à possibilidade de uma parte chamar o comparte a prestar depoimento de parte, desde que observados os trâmites legais desse meio de prova;
5ª Tão-pouco a doutrina mais antiga sobre ambos os Códigos sustentou que devessem ser introduzidos quaisquer limites;
6ª A partir de 1976, a jurisprudência começou a discutir a legalidade do requerimento feito pela parte de prestação de depoimento pelo comparte, em litisconsórcio voluntário, quando ambos tivessem apresentado articulados comuns, sendo maioritária a jurisprudência no sentido de tal impossibilidade, quando existam “interesses comuns” (caso dos cônjuges, nomeadamente)
7ª A jurisprudência maioritária foi recebida de forma não pacífica na doutrina
(posição desfavorável de ANTUNES VARELA, favorável de LEBRE DE FREITAS e TEIXEIRA DE SOUSA);
8ª Todavia essa orientação jurisprudencial representa uma visão estática do devir processual, pressupondo, por um lado, que os compartes mantenham ao longo do processo uma comunidade de interesses (o que está longe de se verificar em casais subsequentemente desavindos!) e, por outro, que exista uma presunção inilidível de que o depoimento do comparte venha a confirmar a posição favorável de alegação de um facto, não admitindo que o comparte, sob juramento, negue a veracidade do facto alegado;
9ª Este preconceito jurisprudencial traduz uma intuição antecipada, baseada numa probabilidade estatística indemonstrada, de coincidência entre os factos alegados e o futuro depoimento do comparte;
10ª Só que, como a jurisprudência constitucional e a doutrina processualista nacional e estrangeiras têm sustentado nos anos recentes, não é conforme à chamada Constituição processual a restrição casuística do direito legal à produção de certa prova com base numa antecipação de um resultado tido por provável;
11ª É o que sucede no presente caso, pois se desvaloriza por completo a possibilidade de o comparte vir a dar uma resposta desfavorável aos factos da base instrutória indicados no requerimento de prova, contradizendo, sob juramento, os factos alegados em articulado comum;
12ª Só depois de produzida em concreto a prova, se pode tomar posição sobre o valor probatório do depoimento, para se saber se há confissão relevante;
13ª Aliás, tal situação é semelhante ao requerimento de depoimento de prova da comparte, visto ser estatisticamente pouco frequente que a parte se desdiga sobre a sua versão dos factos no articulado por si apresentado;
14ª A restrição introduzida viola, de resto, além do princípio de acesso aos tribunais, na modalidade do sub princípio do direito constitucional à prova, o princípio da igualdade, visto ser permitido por lei que a contraparte preste o seu depoimento em quaisquer circunstâncias ou o próprio comparte o faça, quando o seu depoimento seja ordenado oficiosamente;
15ª É assim materialmente inconstitucional a norma do nº 3 do art. 553º do CPC, na interpretação restritiva e casuística acolhida no acórdão recorrido”.
2 – Como se deixou relatado, o objecto do presente recurso foi delimitado à apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 553º nº 3 do CPC.
Pretendem os ora recorrentes que seja apreciada a constitucionalidade daquela norma “na interpretação acolhida no acórdão recorrido, no sentido de que uma parte não pode requerer o depoimento do comparte quando esse depoimento, incidindo sobre a matéria de facto indicada, não possa conduzir à confissão de factos desfavoráveis ao comparte depoente”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ora recorrido, afirma-se que “a lei, não só restringe o âmbito do depoimento aos factos susceptíveis de confissão, como exige a prévia indicação dos mesmos factos materiais ao tribunal (arts.
552º e 554º), o que só se justificará para lhe permitir o controlo dos requisitos substantivos da prova por confissão de parte. Ora, no caso presente, efectuado o controlo em causa através do confronto entre os factos indicados e a sua proveniência e natureza, leva a concluir pela ausência dos ditos requisitos susceptíveis de provocar declarações confessórias e, consequentemente, pela inadmissibilidade do depoimento pessoal recíproco do Co-réu”.
A presente questão de constitucionalidade pode, então, enunciar-se assim:
Viola a Constituição, nomeadamente, o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, uma interpretação da norma constante do artigo 553º, nº 3 do Código de Processo Civil no sentido de limitar o depoimento de parte por forma a impedir o exercício do direito de o prestar quando o respectivo objecto seja irrelevante enquanto confissão?
3 – A norma em causa, inserida no Título II (“Do processo de declaração”), subtítulo I (“Do processo ordinário”), Capítulo III (“Da instrução do processo”), Secção III (“Prova por confissão das partes”), tem o seguinte teor:
“Artigo 553º
(De quem pode ser exigido)
1. O depoimento de parte pode ser exigido de pessoas que tenham capacidade judiciária.
2. Pode requerer-se o depoimento de inabilitados, assim como de representantes de incapazes, pessoas colectivas ou sociedades; porém, o depoimento só tem valor de confissão nos precisos termos em que aqueles possam obrigar-se e estes possam obrigar os seus representados.
3. Cada uma das partes pode requerer não só o depoimento da parte contrária, mas também o dos seus compartes”.
De acordo com a respectiva inserção sistemática no diploma adjectivo civil, é claro que o depoimento de comparte se traduz numa modalidade da confissão judicial, enquanto meio de prova.
Como se evidencia na doutrina e também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ora recorrido, o CPC não fornece um conceito legal de depoimento de parte, não dizendo igualmente o que pode dele ser objecto.
A lei processual limita-se a estabelecer sobre quem pode prestar o depoimento, a quem pode ser exigido e sobre que factos pode recair do ponto de vista da sua relação com a pessoa do depoente.
O que leva a que se torne absolutamente necessário delinear a figura por recurso ao meio probatório confissão das partes.
A lei define a confissão, enquanto meio de prova, como “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” (cfr. artigo 352º do Código Civil).
Alberto dos Reis dá uma perspectiva ampla da matéria relativa à prova por confissão das partes, destacando não só a doutrina nacional, mas também a estrangeira (cfr. Código de Processo Civil anotado, vol. IV, Coimbra Editora,
1987, págs. 69 a 165).
Como referem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “A confissão consiste, assim, numa declaração de ciência, traduzida no reconhecimento da realidade de um facto (...) A confissão é uma declaração de ciência que emana da parte ... e ... reveste a natureza confessória, quando nela se reconhece a realidade de um facto desfavorável ao declarante (contra se pronuntiatio) e favorável à parte contrária, a quem competiria prová-lo nos termos do artigo 342º do Código Civil.”
Os referidos autores procedem à distinção entre a confissão e o depoimento de parte nos seguintes termos:
“O depoimento de parte é apenas uma das vias processuais através das quais se pode obter a confissão.” (cfr. Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 534 a 574).
Ora, destinando-se o depoimento de parte a provocar a confissão da parte e se esta, pelo seu objecto, implica o reconhecimento de factos desfavoráveis ao depoente e favorecentes da posição da parte contrária, então o depoimento de parte só pode ser exigido quando está em causa o reconhecimento pelo depoente de factos, nas palavras de Manuel de Andrade, “cujas consequências jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à parte contrária, nos termos do art. 342º do Código Civil” (cfr. Noções Elementares de Processo Civil,
1976, pág. 240).
Como se salientou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ora recorrido, “a confissão, como meio de prova típico e diferenciado, escreve A. DOS REIS
(Anotado, IV, 76), pressupõe o reconhecimento da verdade de facto contrário ao interesse do confitente; se a parte alega facto favorável ao seu interesse, não confessa, faz uma afirmação cuja veracidade tem de demonstrar; pela razão simples de que ninguém pode, por simples acto seu, formar ou fabricar provas a seu favor. A confissão constitui prova, não a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária; portanto recai necessariamente sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis ao seu adversário. O depoimento de parte surge, assim, como um “testemunho qualificado pelo objecto
(ser contrário ao interesse do seu autor)”, o que não é o mesmo que o denominado
“testemunho de parte”, enquanto depoimento de parte de livre apreciação pelo julgador, à semelhança da valoração do depoimento das testemunhas, figura que a nossa lei não admite”.
Relativamente ao depoimento de comparte, Alberto dos Reis coloca a questão em termos de litisconsórcio, fazendo depois a distinção entre litisconsórcio voluntário e necessário, concluindo assim:
“a) Se o litisconsórcio é voluntário, cada um dos compartes tem liberdade de movimentos, uma vez que a sua actuação não compromete os interesses dos associados, e só compromete os seus próprios; b) Se o litisconsórcio é necessário, cada um dos liticonsortes está preso aos seus compartes, visto não poderem dissociar-se os interesses comuns. Por isso é que nesta espécie de listisconsórcio não tem valor, a não ser quanto a custas, a confissão do pedido feita por um dos litisconsortes. Deve entender-se o mesmo, porque assim o impõe o art. 31º, em matéria de confissão-prova; e aqui nem sequer tem cabimento a restrição relativa a custas, visto que a confissão-prova não opera a extinção da instância. Temos, pois, que é válida e eficaz a confissão, espontânea ou provocada, de qualquer consorte, sendo voluntário o litisconsórcio; quando se trate de litisconsórcio necessário, não tem valor algum a confissão isolada dum dos consortes. A frase “não tem valor algum” significa que a confissão não pode ser invocada, nem como prova plena (art. 565º), nem como prova livre”. (cfr., ob. cit., pág. 91).
Ora, será que a norma constante do artigo 553º, nº 3 do CPC interpretada no sentido de limitar o depoimento de parte por forma a impedir o exercício do direito de o prestar quando o respectivo objecto seja irrelevante enquanto confissão viola o direito de acesso aos tribunais ou se traduz numa diminuição da tutela efectiva do “direito à prova” ?
4 - Importa transcrever o que, a propósito da questão de constitucionalidade, se expendeu no acórdão recorrido, muito especialmente pela justeza - adiante-se já
- do que ali se decidiu:
“Resta referir que também não se vislumbra violação dos princípios que dimanam do art. 20º da Lei Fundamental. Aí se consagra o direito geral à protecção jurídica e de acesso aos tribunais de que o direito à prova é entendido como uma das componentes. Dele decorre, por um lado, o dever de o tribunal atender a todas as provas produzidas no processo, desde que lícitas, independentemente da sua proveniência, princípio acolhido no art. 515º-1 do CPC, e, por outro lado, a possibilidade de utilização pelas partes, em seu benefício, dos meios de prova que mais lhes convierem e o momento da respectiva apresentação, devendo a recusa de qualquer meio de prova ser devidamente fundamentado na lei ou no princípio jurídico, não podendo o tribunal fazê-lo de modo discricionário. Porém, o direito à prova, nesta última vertente, que é a que ao caso cabe, como a generalidade dos direitos, não é absoluto, antes contém limitações de natureza intrínseca e extrínseca. Desprezando, agora, o caso das provas lícitas ou proibidas, prazos de apresentação, etc., bem podem considerar-se entre aqueles limites intrínsecos os atinentes à relevância da prova sob a perspectiva em que a lei “define e circunscreve exactamente o objecto do direito à prova relevante” (RUI RANGEL, “O
Ónus da Prova no Processo Civil”, 73, citando M. TARTUFFO “Il diritto alla prova nel processo civ., Riv. Dir. proc, 1984, 78); cfr., ainda, ISABEL ALEXANDRE,
“Provas Ilícitas em Proc Civl”, 68 e ss.). Ora, justamente, como atrás se pôs em relevo, o que aqui está em causa é essa limitação intrínseca postulada pela circunstância de os requerentes, ao fazerem afirmações de factos favoráveis aos seus interesses, que têm de demonstrar, se colocarem, quanto a esses factos, fora dos limites da eficácia da confissão, que
é o meio de prova que pretendem utilizar. A confissão, como dito, não constitui meio de prova de quem emite a declaração, mas a favor da parte com interesses contrários, ninguém podendo, por mero acto seu, formar provas a seu favor. Não se vê que fique vedado ao legislador ordinário regular a possibilidade de limitar o depoimento de parte por forma a impedir o exercício do direito de o prestar quando o respectivo objecto seja irrelevante enquanto confissão, ou seja, quando se anteveja uma disfunção entre o meio processual e o fim tido em vista pela sua previsão. Deste modo, não haverá qualquer diminuição da tutela efectiva do “direito à prova”, nem os Recorrentes ficaram, nem discricionária, nem injustificadamente, privados de produzir esse meio probatório – que não o era como confissão, objectivo normal do depoimento de parte -, a impor interpretação diferente da norma nº 3 do art. 553º CPC, por desconformidade com os princípios acolhido pelo art. 20º CR”.
A presente questão de constitucionalidade é nova para este Tribunal, embora venha firmando jurisprudência sobre a “constituição processual civil”, no que concerne à maior ou menor dificuldade em efectuar a prova, no sentido de que se não verifica inconstitucionalidade na solução legislativa que opte por onerar uma das partes em detrimento da outra em matéria de ónus da prova (cfr., neste sentido, o Acórdão nº 236/99, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 43º, págs. 285 e segs).
No Acórdão nº 389/99 entendeu, também, este Tribunal que “da Constituição não se consegue retirar nenhuma imposição de que deva existir, nem uma inversão do ónus da prova (que, a ser sistemática, ofenderia de forma intolerável a posição da parte contrária), nem uma dispensa de prova, o que impossibilitaria o exercício de defesa dos demandados” (in Diário da República, II Série, nº 260, de 8.11.99, a fls. 16765).
O direito à prova, enquanto uma das componentes do direito geral à protecção jurídica e de acesso aos tribunais, implica a possibilidade de as partes utilizarem, em benefício próprio, os meios de prova que escolherem, apresentando-as no momento processual que escolherem, devendo a recusa de admissão de qualquer meio de prova ser fundamentado na lei ou em princípios jurídicos, assegurando-se, em geral, recurso da decisão.
O depoimento de comparte, enquanto uma modalidade da prova por confissão, é admitido para confessar factos favorecentes da posição da Autora e desfavoráveis aos co-réus.
Utilizar - como pretendem, in casu, os recorrentes - este meio de prova fora do
âmbito da prova por confissão traduziria uma disfunção do meio probatório consagrado no diploma adjectivo civil e um claro desvio da sua finalidade, tal como foram interpretados pelo acórdão recorrido.
Esses âmbito e finalidade constituem-se assim em “limite” essencial, intransponível, do meio de prova em questão, não se vislumbrando aí nenhuma diminuição intolerável do direito de acesso aos tribunais.
Trata-se, antes, de uma limitação inerente ao âmbito, natureza e finalidade do meio de prova em análise e que não se configura como desrazoável ou intolerável desprotecção da parte.
Ora, o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º n.º
1 da Constituição, não vincula à admissibilidade de todo e qualquer meio de prova e em todas e quaisquer circunstâncias; o legislador goza, nesta matéria, de uma considerável margem de liberdade de conformação dos meios de prova que prevê, nada obstando a que, de acordo com critérios de razoabilidade, estabeleça condicionamentos à sua utilização, nomeadamente - como é o caso - tendo em conta os limites que a finalidade desses meios logicamente impõem.
5 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 13 de Julho de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida