Imprimir acórdão
Proc. n.º 240/04
3ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., ora reclamante, impugnou judicialmente, junto do Tribunal Tributário de
1ª instância de Braga, a liquidação de IRC relativa aos anos de 1997, 1998 e
1999. Subsidiariamente, pediu ainda o reconhecimento dos direitos decorrentes do pagamento do imposto no seu entender indevidamente liquidado e pago.
2. Por decisão daquele Tribunal, de 18 de Março de 2003 (fls. 104 e 105), foi decidido não conhecer do pedido e, consequentemente, absolver a Fazenda Pública da instância, “por ilegalidade do meio de reacção utilizado, por falta de prévia reclamação”.
3. Não se conformando com esta decisão a impugnante recorreu dela para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 28 de Janeiro de 2004, decidiu negar provimento ao recurso (fls. 141 a 149).
4. Desta decisão foi interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
“A recorrente considera que os arts. 7° dos decretos-lei n.º 264/92, de 24 de Novembro, e n.º 31/98, de 11 de Fevereiro, padecem de inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade tributária, consagrado nos arts. 103°, n.º
2, e 165°, n.º 1, al. i), da Constituição, e da tributação pelo lucro real constante do n.º 2 do art. 104° da Constituição, na medida em que os preceitos em causa, sem estarem habilitados por competente autorização legislativa, estabelecem restrições à dedutibilidade fiscal de determinados custos - e bem assim, consequentemente, o direito fundamental consagrado no art. 103°, n.º 3, da Constituição. A recorrente entende que os actos tributários praticados ao abrigo do preceituado naqueles artigos são nulos, pois violam o conteúdo essencial daquele direito fundamental, pelo que, invocando o disposto no n.º 3 do art. 102° do C.P.P.T. e na al. d) do n.º 2 do art. 133° do C.P.A., deduziu a impugnação judicial que deu origem aos presentes autos. Sucede que a pretensão da recorrente foi julgada improcedente pelo douto Acórdão do STA que afirmou que a
«[n]ão sendo caso de actos nulos, é óbvio, face ao probatório, que a impugnação foi deduzida para além do respectivo prazo legal, pelo que é intempestiva», julgando, por isso, extemporânea a petição inicial, abstendo-se do conhecimento do mérito da causa. A recorrente entende que é inconstitucional, por violação dos arts. 20°, 103° e
104° da Constituição, do art. 133° do C. P. A. e do art.102° do C.P.P.T., o entendimento, vertido no douto Acórdão do STA, de não considerar violado o conteúdo essencial do direito fundamental supra referido e que, em consequência, os actos tributários em apreço seriam meramente anuláveis, pois as inconstitucionalidades detectadas e invocadas ao longo dos autos geram a nulidade daqueles actos. As questões de inconstitucionalidade acima elencadas decorrem passim das peças apresentadas pela recorrente, tendo sido expressamente invocadas nos artigos 1º,
6° a 8°, 11° a l5° da petição inicial e na parte II, ponto A, e parte m das alegações do recurso interposto da sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga”.
5. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
“[...] O recurso previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, designadamente, que o recorrente tenha suscitado, perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida e de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica - ou de uma sua dimensão normativa -, e que, não obstante, aquela decisão a tenha aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso. Importa, pois, começar por averiguar se a recorrente suscitou, perante o Supremo Tribunal Administrativo e de forma processualmente adequada, alguma questão de constitucionalidade normativa, em termos de permitir o recurso de constitucionalidade que pretendeu interpor. Vejamos. Se atentarmos no teor da parte II, ponto A e parte III das alegações do recurso interposto da sentença do Tribunal Tributário de 1ª instância de Braga - para que a recorrente remete no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional -, ou no teor das conclusões daquela peça processual, verificamos que ou pura e simplesmente não foi aí suscitada qualquer questão de constitucionalidade (parte II, ponto A) ou essa inconstitucionalidade foi indevidamente imputada à própria decisão recorrida e não a normas por ela aplicadas (parte III e conclusões). Para o demonstrar convirá recordar aqui, nessas partes, o conteúdo daquela peça processual. É o seguinte o teor daquela parte II, ponto A:
“II - OBJECTO DA LIDE E DA CAUSA DE PEDIR, NA ORDEM PROCESSUAL Conforme se referencia já, nas alíneas F e G do Capitulo I destas Alegações, o objecto da lide e da causa de pedir, do presente processo, compreende dois campos da ordem substantiva e igual dualidade de campos da ordem processual: o da nulidade dos actos de auto-liquidação e da correcção dos respectivos efeitos em termos de direito ao reembolso do que por tais actos foi indevidamente pago; e o da susceptibilidade de haver ou exigir eventualmente uma dualidade de meios ou regimes processuais para a reintegração dos direitos afectados: A-A nulidade dos actos tributários de auto-liquidação A instituição jurídica da auto-liquidação, como é do domínio comum, é um efeito da evolução da ordem tributária no sentido do relevo nela dado à pessoa do contribuinte, a quem se atribui a prioridade de funções e competência para a definição das situações individuais e concretas de obrigação fiscal e se relegou a função da Administração Fiscal para o campo predominante do controlo e da eventual reparação das situações de incumprimento do contribuinte faltoso. Se, no regime anterior à actual ordem fiscal o acto tributário era uma instituição de natureza exclusivamente administrativa, diverso e obviamente mais amplo é hoje tal conceito e regime, pois que, designadamente no IRC, é do acto de auto-liquidação, quando efectivamente realizado, que emerge o efeito definitivo e executório da situação de obrigação fiscal, sem qualquer intervenção da Administração Fiscal que não seja a de exercício da função de controlo. A auto-liquidação vale por si mesma. E a recepção da correspondente declaração pela Administração Fiscal nada lhe acrescenta nem tira quanto ao valor jurídico do acto vinculativo da situação de obrigação fiscal decorrente da auto-liquidação. Tem, pois a auto-liquidação por si mesma a qualidade e o valor de acto tributário sujeito ao mesmo regime e efeitos dos actos de idêntica natureza quando produzidos pela Administração Fiscal, por competência directa ou por acção de controlo (ALBERTO XAVIER- O acto tributário pág. 51). E tão evidente é esta qualidade da auto-liquidação que os artigos 68° e 151 ° do Código do Procedimento e do Processo Tributário admitem, e por vezes exigem, a sujeição da situação a decisão da entidade fiscal administrativa para eliminar os efeitos da eventual ilegalidade no procedimento do contribuinte que, por se não pode suprir os eventuais vícios do seu acto quando os reconheça após o cometimento. Como acto de aplicação da lei a uma situação individual e concreta pode o acto de auto-liquidação sofrer dos mesmos vícios, e com os mesmos efeitos, do acto administrativo tributário segundo os artigos 133° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo. Pode, pois, o contribuinte pedir a declaração de nulidade do seu acto de auto-liquidação, a qualquer tempo, quando reconheça que o mesmo acto é ferido de tal vício. E um dos vícios reconhecíveis e invocáveis é, obviamente - e até o mais grave - o da inconstitucionalidade do diploma legal segundo o qual, praticara o acto. Invocação que tem natureza de causa de pedir, quando o contribuinte recorra à entidade competente para a reintegração dos seus direitos que por si não pode reparar: no caso, o Tribunal.” Como a simples leitura do enunciado supra transcrito deixa facilmente perceber,
é evidente que não está ali sequer colocada qualquer questão de constitucionalidade. Por sua vez, na Parte III, acrescentou-se:
“III - A SENTENCA RECORRIDA A circunstância de a douta Sentença recorrida, substituindo uma outra sentença anterior cujo agravo foi oficiosamente reparado pelo Meritíssimo Julgador, mas agravando a situação tributária com uma nova omissão de conhecimento do mérito da causa que embora por reacções diversas das anteriormente invocadas, implica a necessidade de se proceder à analise dos caracteres do Julgado nos termos seguintes, alguns dos quais se repetem e mais se precisam em relação à decisão judicial de substituição: o enquadramento da sentença recorrida na linha geral do circuito processual em causa; o erro de qualificação do objecto do pedido e da causa do pedido; o erro de julgado quanto à natureza, enquadramento legal na ordem tributária dos actos de auto-liquidação; os vícios gerais e comuns da Sentença em relação ao objecto de cada um dos dois pedidos, formulados em termos de subsidiariedade mas com regimes próprios e diversos nos campos formal e substantivo; e a violação dos artigos 2°, 20º e 103° da Constituição: A- O enquadramento da Sentença na linha legal do circuito processual Precedida a fase judicial do presente Processo, da tramitação administrativa constante dos artigos 111º e seguintes do Código do Procedimento e do Processo Tributário em que a Fazenda Pública longamente cuidou da realidade da situação e tomou clara a firme posição sobre a matéria de fundo da petição em causa, foi o Processo remetido ao Tribunal em Julho, e, a partir de 8 do mesmo mês, nele tomou posição o Meritíssimo Juiz em vários despachos sem qualquer objecção quanto ao objecto da Instancia. A Fazenda Pública, na sua contestação e parecer dos Serviços, pronunciou-se sobre o fundo da questão, sem qualquer objecção quanto à possibilidade do conhecimento do mérito da causa; afirmando expressamente, segundo o referido Parecer dos Serviços, que, se a impugnante alguma razão tivera à data da Impugnação, deixaria de a ter perante o teor do acórdão, que juntou, do Tribunal Constitucional, n.º 236/2001. Assim limitando o objecto da causa à suposta discordância entre o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo e outro acórdão do Tribunal Constitucional posterior à instauração da Impugnação. Em 10.01.03, o Meritíssimo Julgador levantou porém pela primeira vez, a questão da abstenção de conhecimento do mérito da causa, enquanto notificou as partes para a pretensa falta de cumprimento prévio, pelo Contribuinte do artigo 131º do Código do Processamento e Processo Tributário; e pôs em duvida se o objecto da situação em causa seria um 'acto tributário', ou se se tratava apenas de um
'acto da responsabilidade do contribuinte'. A Fazenda Pública, não se pronunciou sobre o objecto desta notificação. A Impugnante respondeu àquela questão posta pelo Julgador em termos que assim se resumem: A Contribuinte formulou dois pedidos, na sua Petição: o relativo ao objecto processual e substantivo do artigo 102°, e, subsidiariamente, o do objecto processual e substantivo do artigo 145°; e a questão posta pelo Meritíssimo Julgador só poderia respeitar, segundo a ordem legal, ao pedido principal não tendo, obviamente, qualquer cabimento no âmbito do processo do artigo 145°. E, mesmo quanto ao regime do artigo 102° e seguintes, também o artigo 131º era inaplicável, porque o que se pedia era o reconhecimento e declaração de nulidade do acto de auto-liquidação, e não a anulação do respectivo acto; e subsidiariamente, se pedia a declaração do direito ao reembolso e indemnização em relação à prestação indevida. Em sentença de 18.03.03, o Meritíssimo Julgador decidiu no sentido da questão que pusera à consideração das partes em 10.01.03 no sentido da pretensa falta de cumprimento do artigo 131° do Código do Procedimento e do Processo Tributário, abstendo-se de conhecer do mérito da causa e [absolvendo-se] a Fazenda Pública da Instância. Tendo porém a impugnante recorrido de tal decisão, o Meritíssimo Julgador, em
12.06.03 reparou o agravo, dando sem efeito aquela sentença de 18.03.03, e substituindo por outra em que novamente se absteve de conhecer do mérito da causa, mas por novas razões sobre as quais não suscitou previamente a pronuncia das partes, ao contrário do que fizera em 10.01.03. B- O objecto do julgado Consistindo o objecto da questão em causa, segundo a sentença, no facto de ter-se acrescentado 40% do valor da reavaliação para efeitos da determinação da matéria colectável- em que “seria inconstitucional de acordo com o douto acórdão do STA o diploma que tal acréscimo impôs”- “a impugnante (sem os caracterizar) refere ainda a nulidade dos actos em que tenha sido aplicado aquele acréscimo',
“parecendo com isto querer apontar para aqueles actos da administração fiscal
(AF) que de algum modo sancionavam aquele acréscimo, posto que este foi, como é evidente da sua (do impugnante) responsabilidade'. Desenvolve seguidamente a tese de que a Administração Fiscal, ao receber as declarações modelo 22, e os pagamentos do imposto “não tem o dever de verificar se, nas suas declarações fiscais, o contribuinte cometeu algum erro (...) e não cabe à Administração Fiscal fazer juízos constitucionais”. Afastada, assim, na sentença, a hipótese de consenso do procedimento da Administração fiscal, considera o Meritíssimo Julgador “a hipótese da nulidade dos actos do próprio impugnante”. Mas, nesse caso “estar-se-ia em face de erro na declaração; a impugnante teria feito (ou declarado) o dito acréscimo convencida, por erro, sobre a constitucionalidade do dito diploma, que estaria a cumprir a lei, quando, se soubesse da dita inconstitucionalidade não a (à declaração) teria feito - ver artigo 247° do C.C.” E ainda: “Uma declaração destas é meramente anulável segundo esta normativa, e não nula (...)”. E dai concluindo não estar a impugnante em tempo para deduzir a presente impugnação. Aplicando tal tese ainda ao pedido subsidiário, conclui que sendo o meio do artigo 145° meramente residual, não podia o impugnante dele se socorrer, por ter deixado de usar em devido tempo, o direito à impugnação do acto tributário. Concluindo pela extemporaneidade da instauração do processo por caducidade do direito à impugnação abstém-se novamente de conhecer do mérito da causa. C - Os vícios da sentença recorrida Sofre, porém, a douta sentença, entre outros, como mais relevantes, os vícios seguintes:
- O erro de facto e de direito quanto ao objecto do pedido e da causa de pedir;
- O erro de direito quanto à instituição jurídica da auto-liquidação e do pagamento do imposto;
- O erro de direito quanto à remoção da situação jurídica em causa para o campo do direito comum sobre o negócio jurídico; sobre o valor da vontade nas situações tributárias; sobre natureza e valor da declaração da matéria colectável; e sobre a instituição da responsabilidade no âmbito da ordem tributária; A violação do artigo 20° da Constituição quanto ao acesso ao direito e à justiça e do artigo 103° n.º1 quanto a falta do requisito da revelação da capacidade contributiva dos normativos e situações em causa. D - O erro de facto e de direito quanto ao objecto do pedido e da causa de pedir
É na verdade, manifesto e grave, o erro de facto e de direito, da sentença recorrida, quanto ao objecto do pedido e da causa de pedir: Toda a petição do contribuinte é estruturada numa base clara e simples de facto e de direito: Efectuou actos de auto-liquidação de IRC, em cumprimento da decretos-leis e de orientações genéricas; verificou, depois - por o S.T.A ter levantado a questão da inconstitucionalidade de um decreto-lei idêntico – que, a parte de tais diplomas que respeitam ao acréscimo da matéria colectável era na verdade inconstitucional. E pediu, por isso: a declaração de nulidade do acto tributário de auto-liquidação. E pediu, ainda directa ou subsidiariamente, que lhe fosse reconhecido e declarado o direito ao reembolso do que indevidamente tinha prestado. A causa de pedir era comum aos dois pedidos: a inconstitucionalidade de tais diplomas que, por si mesma, implicava a nulidade dos actos de auto-liquidação que neles se haviam baseado . Não se pediu nada de nada em relação aos procedimentos da Administração Fiscal. Não se pediu a anulação da declaração modelo 22. A declaração é apenas um elemento formal de comunicação das situações tributarias; não é a declaração que se tributa, mas sim os factos tipificados nas leis de incidência, de que a declaração se limita dar noticia. E, no caso, o elemento vinculativo era o acta tributário de auto-liquidação. E foi a declaração da sua nulidade, que se pediu e subsidiariamente, os efeitos de tal nulidade: o reembolso do indevidamente prestado e a indemnização correspondente ao dano causado pelo vicio da lei. Não houve erro na declaração; e nem tão pouco erro, na auto-liquidação. O que ocorreu foi a realização de uma auto-liquidação baseada em lei vigente, e que teria de ser cumprida enquanto não fosse declarada inconstitucional por quem ara tal fosse competente: o Tribunal. E foi isso que ao tribunal se pediu.
É, pois, manifesto o erro de julgado quanto ao objecto do pedido. E - O erro de direito quanto à instituição da auto-liquidação e do pagamento do imposto Repete-se, na sentença, o erro de direito, já repetidamente cometido neste processo, quanto à natureza. e função na ordem tributária da instituição de liquidação. Conforme se refere na alínea A do Capitulo II destas alegações, a auto-liquidação é a instituição da nossa ordem tributária em que, face ao relevo constitucional dado à pessoa humana, se atribuiu ao contribuinte o primado da aplicação da lei tributária e se reservou para a Administração Fiscal a mera função de controlo. A auto-liquidação é, pois, um acto tributário, com a mesma qualidade e eficácia dos actos tributários praticados pela Administração Fiscal. E por isso a lei admite que o contribuinte recorra aos meios legais, e até, ao da impugnação, para pedir a declaração de nulidade de um acto que ele próprio já não pode revogar nem invalidar por auto-declaração de nulidade com efeitos gerais ou mesmo próprios. Errado é, pois, o desvio tal problemática, feito na sentença recorrida, para o campo do regime e efeitos da acção da Administração Fiscal de recepção da declaração modelo 22, e recepção do pagamento. A recepção do pagamento não é um acto tributário. Nem, por si, é ou pode ser objecto de impugnação. E apenas um meio de cumprimento da obrigação constituída vinculativamente. E por isso o contribuinte enquadrou o pedido subsidiário de repetição do indevidamente prestado, no âmbito do artigo 145°, pois que não era impugnável por si mesmo. Mas susceptível de sujeição a decisão judicial, condenatória de quem o tenha recebido indevidamente. F - O erro de direito quanto à remoção da situação jurídica para os campos do direito comum. A existência de situações meramente anuláveis. Comete a douta sentença vários erros de direito, quando, em várias partes da sua estrutura, removeu a situação tributária do campo do Direito Fiscal para os campos variados do Direito Comum: Assim é, na parte em que considera a situação como um erro do contribuinte quanto à legalidade da declaração por inconstitucionalidade dos diplomas em que se baseou, quanto ao seu 'convencimento de que estava a cumprir a lei'; e quanto
à sua 'responsabilidade' pela declaração. As situações tributárias decorrem por si, e 'ex lege', da conjunção dos factos tributários com as leis que os tributam. Não dependem da vontade do contribuinte, e quase sempre são contrários, nem tão pouco dos erros de vontade ou do “convencimento” . Não foi na base do artigo 247º do Código Civil que o Contribuinte pediu a declaração de nulidade do seu acto, mas sim na base do artigo 103° nºs 1 e 2 da Constituição. E, repete-se, não pediu a anulação da declaração, que não estava em causa: A declaração estava certa, porque referia o cumprimento da lei. O que estava ferido de nulidade era o acto de auto-liquidação, vinculante de uma situação tributária cuja nulidade era indispensável que fosse reconhecida pela entidade competente: o Tribunal. Não ocorre em tal situação, nenhum caso de anulabilidade; mas sim, e apenas de declaração de nulidade por inconstitucionalidade da lei que obrigou a contribuinte a realizar os actos de auto-liquidação. G – A violação dos artigos 20º e 130º da Constituição, e dos artigos 120º n.º 3 e 143º do C.P.P.T. Uma das garantias fundamentais do cidadão é, segundo o artigo 20° da Constituição, a do acesso ao direito e à justiça; esta como valor ético, social e jurídico, e como acção fundamental do Estado de direito democrático de que aos Tribunais cabe a fundamental incumbência. E é, precisamente essa garantia que é inequivocamente violada pela sentença, recorrida, enquanto, sem impedimento válido segundo a justiça, se absteve da conhecer do mérito da causa. Se violou o artigo 130º n° 1 da Constituição, enquanto, com a abstenção do mérito da causa, sancionou ou evitou a reparação de uma situação de tributação de situações não reveladoras de repartição justa da riqueza ou do rendimento, e antes reveladoras de decréscimo da capacidade contributiva. E, finalmente, se violou o n° 3 do artigo 120º do Código do Procedimento e do Processo Tributário se reduziu a 90 dias a validade do pedido de declaração de uma qualificação para que a lei não estabelece limitações de tempo”. (Os sublinhados a negrito foram aditados). E, finalmente, nas conclusões daquela peça processual, na parte ora relevante, pode ainda ler-se:
“[...]
8°- Contém a Sentença a violação do artigo 20° da Constituição, e do artigo 102° n.º 3 do Código de Procedimento e do Processo Tributário, enquanto negou o acesso ao direito e à justiça sem fundamentos legais que impedissem o Tribunal de conhecer da nulidade do acto tributário a todo o tempo e da inconstitucionalidade dos diplomas que obrigavam a Contribuinte à realização dos actos de auto-liquidação nos termos em que ! foram realizados.
9ª - É ainda juridicamente errada a Sentença, na parte em que se recusou a conhecer do direito ao reembolso e indemnização nos termos do artigo 145° do C.P.P.T. em termos da acção condenatória da repetição de valores indevidamente recebidos, essa sim, matéria de direito comum decorrente de uma situação tributária ferida de nulidade.
10° - Violou, finalmente, os artigos 20 e 130 n° 1 e 2 da Constituição, os artigos 120 n.º 3 e 145 do C.P.P.T. e os artigos 133 e 134 do Código do Procedimento Administrativo, na parte em que, abstendo-se do conhecimento do mérito da causa, sancionou situações de manifesta ofensa de tais normas e princípios fundamentais da ordem jurídica”. (Os sublinhados a negrito foram aditados). Ora, é manifesto que, como resulta evidente da transcrição acima efectuada, a recorrente não suscita aí qualquer questão de constitucionalidade normativa, de forma a permitir o recurso que pretendeu interpor, insistindo em imputar à própria decisão recorrida, a violação do disposto nos artigos 20º, 103º e 130º da Constituição. Resulta, porém, expressamente do disposto nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, e tem sido por inúmeras vezes repetido por este Tribunal (cfr., a título de exemplo, o Acórdão n.º 20/96, in Diário da República, II série, de 16 de Maio de 1996), que o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade tem por objecto a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas e não das decisões judiciais que as apliquem. Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do presente recurso, já que o recorrente não suscitou, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida e de forma processualmente adequada, como exige a alínea b) do n.º 1 do art. 70º da LTC, ao abrigo da qual recorre, qualquer questão de constitucionalidade normativa.”
6. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º
3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que a reclamante fundamenta da seguinte forma:
“[...] Salvo o devido respeito, a A. entende que se mostram preenchidos todos os requisitos que a lei exige para a interposição de um recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82, nomeadamente a arguição de uma questão de inconstitucionalidade normativa ao longo do processo.- Vejamos: A questão da inconstitucionalidade dos preceitos constantes nos mencionados art.
7.º do D. L. n.º 264/92 e art. 7.º do D. L. n.º 31/98 foi o ponto de partida e o sustentáculo do processo iniciado pela A.. Com efeito, foi a partir do conhecimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo de 5.07.2000 que julgou inconstitucional, por violação dos arts. 103.º e 165.º da Constituição da República, a limitação à dedutibilidade de parte dos custos decorrentes da reavaliação do activo imobilizado das empresas, que a A. entendeu impugnar os actos tributários de auto-liquidação que haviam aplicado aqueles preceitos. Para o efeito, a A. invocou expressamente, logo na petição inicial, a inconstitucionalidade normativa daqueles preceitos e sustentou que os actos de auto-liquidação em causa se encontravam, por esse facto, viciados de nulidade. A A. entende que o regime de dedutibilidade de custos constante dos preceitos em causa envolve a violação do conteúdo essencial do direito .fundamental consagrado no n.º 3 do art. 103.º da Constituição da República, pelo que a impugnação poderia ser deduzida a todo o tempo, ao abrigo do preceituado na al. d) do n.º 2 do art. 134.º do Código de Procedimento Administrativo e do n.º 3 do art. 102° do Código de Procedimento e de Processo Tributário. A viabilidade da impugnação apresentada, nomeadamente no que concerne à respectiva tempestividade, dependia, desde logo, da análise da contrariedade com a Constituição das referidas normas constantes dos decretos-lei de reavaliação do imobilizado para efeitos fiscais. Na verdade, somente a consideração de estarmos diante de uma inconstitucionalidade normativa grave, ao ponto de se verificar a violação do conteúdo essencial do direito fundamental, é que tomaria tempestiva a impugnação apresentada. Por esse motivo, a A. procurou desde logo, nomeadamente ao longo da petição inicial, demonstrar a contrariedade com a Constituição da República das normas em causa, designadamente a infracção dos princípios da legalidade tributária, consagrado nos arts. 103°, n.º 2, e 165°, n.º 1, al. i), da Constituição, e da tributação pelo lucro real constante do n.º 2 do art. 104° da Constituição, na medida em que os preceitos em causa, sem estarem habilitados por competente autorização legislativa, estabelecem restrições à dedutibilidade fiscal de determinados custos - e bem assim, consequentemente, o direito fundamental consagrado no art. 103°, n.º 3, da Constituição. Após a prolação da sentença do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga, a A. intentou evidenciar no Supremo Tribunal Administrativo as razões pelas quais a decisão do Tribunal a quo não se poderia manter. Assim, as alegações de recurso foram estruturadas de forma a rebater a fundamentação da sentença em causa. Todavia, ao contrário do que se afirma na douta decisão sumária, a A. não se limitou a «imputar à própria decisão recorrida a violação do disposto nos artigos 20º 103° e 130° da Constituição»; mas procurou demonstrar que a sentença incorreu em erros graves no que diz respeito ao juízo de constitucionalidade efectuado. Na verdade, a impugnação foi julgada intempestiva pois o Tribunal não considerou violado o conteúdo essencial de um direito fundamental. Por este motivo, a arguição da inconstitucionalidade normativa destes preceitos foi efectuada simultaneamente com a impugnação da decisão recorrida. A A. manteve a arguição da inconstitucionalidade normativa mas fê-lo em sintonia com o recurso da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga. No modesto entender da A., a questão da inconstitucionalidade foi arguida durante o processo, tendo sido colocada ao Tribunal ( quer ao Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Braga, quer ao Supremo Tribunal Administrativo) de molde a que a mesma fosse apreciada pelas diversas instâncias, pelo que se mostra preenchido o requisito exigido pela lei para a interposição do recurso previsto na al. b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82. Mais uma vez, a A. afirma que as questões de inconstitucionalidade acima elencadas decorrem passim das peças apresentadas pela recorrente, tendo sido expressamente invocadas nos artigos 1°, 6° a 8°, 11° a 15° da petição inicial e na parte II, ponto A, e parte III das alegações do recurso interposto da sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga. Por último, a A. entende que as decisões recorridas, ao manterem válidos os actos de auto-liquidação, consideraram constitucionais as normas constantes dos art. 7.º do D. L. n.º 264/92, de 24 de Novembro, e do art. 7.º do D. L. n.º
31/98, de 11 de Fevereiro, mantendo a respectiva aplicação.[...]”
7. Notificada para responder, querendo, à reclamação do recorrente, a recorrida nada disse, dentro do prazo legal.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
III – Fundamentação
8. Na decisão sumária reclamada considerou-se que não estavam preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, invocada pela recorrente, já que esta não suscitou, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida e de forma processualmente adequada, qualquer questão de constitucionalidade normativa.
A recorrente vem reclamar desta decisão. Limita-se, porém, a discordar, o que é legítimo, sem adiantar qualquer argumento que possa fazer modificar o decidido. De facto, a ora reclamante apenas invoca que, “na parte II, ponto A, e parte III das alegações do recurso interposto da sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga”, única peça aqui relevante, terá suscitado as questões de inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas. Ora, como se demonstrou na decisão reclamada e decorre das extensas transcrições efectuadas da peça em causa, nunca aí se suscitou, de forma processualmente adequada, qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Assim sendo, e pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantém inteira validade e em nada é infirmada pela presente reclamação, é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que a recorrente pretendeu interpor.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 13 de Maio de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida