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Processo n.º 446/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Com invocação dos artigos 668º n. 1 alínea c) e 669º n. 1 alínea a) e n. 2 alínea b) ambos do Código de Processo Civil, apresenta a recorrente A. a seguinte reclamação contra o acórdão de fls. 178/187 dos presentes autos:
“... A matéria de facto que vem assente nos autos é a seguinte:
1. No dia 26/10/2002, cerca das 03:00 horas, na -----------------, B. conduzia o ciclomotor de matrícula --------------, não tendo sido efectuado o seguro de responsabilidade civil obrigatório.
2. Tal veículo é propriedade da arguida que o emprestou, na altura, ao seu filho - o referido B. - para este «ir dar umas voltas no monte».
3. A arguida sabia que o veículo em causa não dispunha de seguro válido mas, não obstante, não cuidou de evitar que o mesmo circulasse na via pública. Consequentemente, ficou somente provado nos autos que, o ciclomotor é propriedade da recorrente, que o emprestou a seu filho para este 'ir dar umas voltas no monte'. Pelo que, como igualmente ficou provado nos autos, se o filho da recorrente conduzia o mencionado ciclomotor na 'via pública' - Estrada Municipal
------------------------------ - e não 'no monte', desde 1ogo estará e está efectivamente provado que os termos da autorização concedida pela recorrente foram manifestamente infringidos, tendo desde logo a recorrente efectuado a prova que exige o artigo 134°, n° 3, do Cód. da Estrada. Sucede, contudo, que o acórdão proferido pela Relação de Guimarães, assim não o entendendo, ou seja, considerando aquele acórdão que a recorrente não efectuou tal prova ('no caso, todavia não ficou comprovado que o condutor, ao andar com o motociclo na via pública, estivesse a contrariar a autorização recebida para 'ir dar umas voltas no monte'; 'não resultou por conseguinte provado que o condutor, ao circular naquele local, o fizesse em contrário da autorização recebida de 'ir dar umas voltas no monte'), é por demais evidente que a Relação fez aplicação - contra a recorrente – ao presente caso da mencionada norma, constante do artigo
134º, nº 3, do Cód. da Estrada. Isso mesmo, é explícita e claramente assumido e afirmado no douto acórdão objecto da presente reclamação, aí se afirmando que, 'é certo que nessa decisão se ponderou a circunstância de a recorrente não haver provado um determinado facto' Posto o que, afigura-se manifesto, salvo melhor opinião, que o acórdão ora reclamado enferma de obscuridade ou ambiguidade que importará aclarar, bem como que os fundamentos do mesmo acabam por estar em oposição com a decisão e, ainda, até que resultam dos autos elementos que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida e que, só por lapso manifesto, não foram tomados em consideração, tudo em conformidade com os normativos legais supra mencionados. Assim, devendo resultar a efectiva rectificação do acórdão proferido, admitindo-se o recurso de inconstitucionalidade interposto para este Tribunal, atendendo a que a norma do artigo 134º, nº 3, do Código da Estrada foi aplicada nos autos e contra a arguida, recorrente, norma essa materialmente inconstitucional, por violadora do princípio da presunção de inocência do arguido consagrado no artigo 32º, nº 2 e nº 10 (aplicável aos processo de contra-ordenação) da Constituição da República Portuguesa.”
O representante do Ministério Público responde que, em seu entender, nada haverá que rectificar ou esclarecer relativamente ao aresto reclamado.
Os preceitos invocados pela reclamante determinam a nulidade das decisões jurisdicionais quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (alínea c) do n. 1 do artigo 668º), permitem o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que nelas se contenha (alínea a) do n. 1 do artigo 669º) ou conduzem
à reforma do decidido quando ocorra lapso manifesto dos juizes (alínea b) do n.
2 do artigo 669º do referido Código de Processo Civil).
Mas o que é patente é que a decisão não enferma de qualquer destes vícios. Aliás, a errada perspectiva do recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo
70º da LTC – que transparece da actividade processual da reclamante – acentua-se nesta reclamação ao pretender ligar o desfecho do julgamento da questão de inconstitucionalidade à matéria de facto apurada no processo, em vez de o associar à norma determinante da decisão recorrida.
Na verdade, a decisão não apresenta qualquer contradição no seu fundamento, nem padece de obscuridade, nem foi proferida na decorrência de lapso manifesto do Tribunal. Nem verdadeiramente a reclamante concretiza qualquer destes vícios; o que faz é exprimir discordância face à decisão, repetindo os argumentos que oportunamente foram valorizados em justa medida e que, também por isso, não cabe aqui reanalisar.
Indefere-se, por isso, a reclamação, com custas pela reclamante. Taxa de justiça: 15UC.
Lisboa, 13 de Julho de 2004
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos