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Processo n.º 389/04
3ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 258 foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. Por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Pouca de Aguiar de 15 de Julho de 2002, constante de fls. 90 e seguintes, foi declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre A. e B., como senhorios, e C., como inquilino, e este último condenado a despejar imediatamente o local arrendado, deixando-o devoluto de pessoas e bens, e a pagar aos primeiros as rendas vencidas até à data da propositura da acção, bem como as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença.
Inconformado, C. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, tendo aí o Relator do processo, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 690º do Código de Processo Civil, convidado “o recorrente a apresentar conclusões conforme o disposto no n.º 1 do mesmo artº 690º, sob pena de não se conhecer do recurso, sem esquecer que conclusões são proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação, por modo a que se apresentem ao Tribunal de recurso ou ‘ad quem’, de uma forma clara e concisa quais as questões – e só estas – que são submetidas à sua apreciação e decisão com vista ao provimento do recurso”. Apresentadas novas conclusões pelo recorrente, foi proferido novo despacho com data de 25 de Novembro de 2003, constante de fls. 204, pelo Relator do processo, em que se decidiu o seguinte:
“Apesar de expressamente se ter chamado a sua atenção para a sanção da falta de cumprimento do disposto no mencionado n.º 1 do artº 690º - ‘sob pena de não se conhecer do recurso’ -, verifica-se que o apelante não deu cumprimento à notificação que lhe foi feita, na medida em que as novas ‘conclusões’ não só continuam a apresentar carácter complexo, como sobretudo, apesar de terem passado de 32 para 34, não concretizam, ao fim e ao cabo, as questões que pretende submeter à apreciação e decisão do tribunal de recurso conforme se referiu naquele despacho de fls. 187.
Por todo o exposto, em consonância com o legislado no referido artº 690º, n.ºs 1 e 4, não se conhece do recurso de apelação interposto por C..”
Novamente inconformado, o recorrente reclamou deste despacho para a conferência, reclamação que veio a ser indeferida por acórdão de 12 de Fevereiro de 2004, constante de fls. 236.
2. Finalmente, C. veio recorrer para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“Não se conformando com a Douta decisão proferida nos autos à margem referenciados de fls. que não conheceu do Recurso de Interpelação Interposto, por entenderem que as Conclusões tinham carácter complexo,
Dela vem Interpor Legal e Tempestivo Recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do preceituado no artº 30º, als. a), b), c), f), 75,
78, n.º 4, entre outros, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei 85/89 de 7 de Setembro e Lei 88/95 de 1 de Setembro.”
O recurso foi admitido, embora com dúvidas, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. Convidado, pelo despacho de fls. 251, a completar o requerimento de interposição de recurso, “fornecendo as indicações exigidas” pelo artigo 75º-A da Lei nº 28/82, o recorrente apresentou a resposta de fls. 253 na qual não presta os esclarecimentos requeridos, dizendo apenas que “O Recorrente interpôs recurso para esse Colendo Tribunal , por entender (...) que o Tribunal da Relação do Porto, por douto despacho de fls., ao não conhecer do recurso de apelação nos autos, feriu de inconstitucionalidade todo o processado, por violação da lei, mormente artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
O Recorrente inconformado, reclamou para a Conferência, junto do Tribunal da Relação do Porto, onde suscitou a inconstitucionalidade da própria decisão por violação, entre outros, do art. 20 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que tal normativo assegura a todos os cidadãos o acesso aos Tribunais para defesa dos seus direitos, direitos estes, com a devida vénia, foram aqui cerceados na sua plenitude, na medida em que o Tribunal não conheceu do recurso interposto, assim aplicando norma cuja inconstitucionalidade havia suscitado durante o processo”.
4. Cabe começar por observar que se considera que, ao basear o seu recurso em diversas alíneas do artigo 30º da Lei nº 28/82, o recorrente queria antes referir-se ao artigo 70º da mesma Lei.
Feita esta correcção, há que verificar que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso, por não estar definido pelo recorrente qualquer objecto susceptível de integrar um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade ou da ilegalidade normativa, como é o que foi interposto.
Note-se, desde logo, que o recorrente invoca, para fundamentar o recurso, as alíneas “a), b), c) e f)” do n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e que na resposta de fls. 253 não esclareceu qual o recurso que interpunha, sendo certo que há requisitos diferentes de admissibilidade para cada um deles; essa falta de esclarecimento já impediria o Tribunal Constitucional de conhecer do recurso.
Seja como for, e quer esteja em causa uma questão de constitucionalidade
(cfr. alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70º), quer uma questão de ilegalidade
(alíneas c) e f)), sempre o objecto do recurso há-de ser uma norma, cuja apreciação se pede ao Tribunal Constitucional, e não uma decisão judicial, que o recorrente acuse de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, como aqui se verifica. Com efeito, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade ou da ilegalidade de normas destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional (ou a legalidade, nos casos previstos) de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, ou cuja recusa ocorreu como ratio decidendi (cfr. diversas alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), e não das próprias decisões que as apliquem, ou que recusem a sua aplicação. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de exemplo, os Acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de
1995 e 16 de Maio de 1996).
5. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs.»
2. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão sumária, sustentando, em síntese, que, quando recorreu para o Tribunal Constitucional, “quando se refere a decisão judicial, deu logo como implícita a interpretação inconstitucional, por banda daquele Tribunal [Tribunal da Relação do Porto] da norma do artº 690 n.º 1 do C.P.C. (...)”.
E acrescenta que “A interpretação que o Tribunal da Relação do Porto fez do artº 690 n.º 1 do C.P.C. (...) é inconstitucional por violação do (...) princípio do livre acesso ao direito, contido e com garantia plena no artº 20 da C.R.P., devendo, por isso, ser declara a Inconstitucionalidade, com força obrigatória geral da norma do artº 690 n.º 1 do C.P.C., aplicado pelo Tribunal , por violação do referido normativo Constitucional”.
E termina dizendo de novo que o recurso é interposto ao abrigo do disposto nas alíneas a), b), c) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro. Junta fotocópia do requerimento de apoio judiciário que dirigiu à Segurança Social. Os recorridos, notificados para o efeito, não se pronunciaram.
3. A reclamação é manifestamente infundada. Em primeiro lugar, porque nunca pode pretender-se, pela via do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa, uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Em segundo lugar, porque não é possível definir o objecto do recurso de forma apenas “implícita”, como pretende o reclamante. Note-se, aliás, que o mesmo reclamante atribui claramente a inconstitucionalidade à decisão de que recorre, não tendo sequer fundamento a pretensão de que, ao proceder desta forma, está a invocar a inconstitucionalidade de uma norma pela mesma aplicada. Em terceiro lugar, porque o reclamante continua a indicar que o recurso é interposto ao abrigo de disposições legais que definem recursos com fundamentos e requisitos diferentes, impedindo o Tribunal Constitucional de determinar que recurso pretendia interpôr.
4. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não conhecimento do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs., independentemente do apoio judiciário que eventualmente venha a ser concedido.
Lisboa, 12 de Julho de 2004
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Luís Nunes de Almeida