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Proc.º n.º 460/2004.
3ª Secção. Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Por sentença proferida em 25 de Fevereiro de 2002 pelo Juiz do Círculo Judicial de Faro foi julgada improcedente, por não provada, a acção, seguindo a forma de processo ordinário, que, em 25 de Outubro de 1993, A. intentara contra B. e mulher, C., e na qual solicitava a condenação dos réus a pagarem ao autor o quantitativo de Esc. 26.011.439$00, acrescidos de juros a contar da citação e até integral pagamento.
Não se conformando com o assim decidido apelou o autor para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 15 de Maio de 2003, negou provimento à apelação.
Nesse aresto foi considerado que, não sendo carreado aos autos qualquer outro meio de prova que não dados documentos particulares juntos pelo autor, e porque estes apresentavam um conteúdo que lhe era favorável, não podendo, em consequência, ser a ele ser conferido o valor probatório conferido pelo nº 1 do artº 376º do Código Civil, haveria a acção de improceder, por não provada.
Do acórdão de 15 de Maio de 2003 pediu revista o autor, sendo que, na alegação que adrede produziu, não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 13 de Janeiro de 2004, negou a revista.
Disse-se, a dado passo, nessa peça processual:
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
É nítido que estamos perante uma situação em que não se exige determinado meio de prova, pelo que apenas se poderia verificar a hipótese de algum meio de prova produzido nos autos ter uma força legal que não tenha sido atendida no acórdão recorrido. E esse eventual meio de prova só poderia consistir nos documentos juntos pelo autor, pois outros não existem.
Tais documentos, porém, revestem todos eles,[ ...], natureza meramente particular (art.º 363º, n.º 3, do Cód. Civil), tendo sido todos eles impugnados pelos réus. Mas não contêm declarações dos réus, eventualmente contrárias aos interesses destes, que digam respeito aos factos constantes daqueles quesitos, pelo que, pelo menos no tocante a tais factos - [...], não dispõem os aludidos documentos da força probatória plena que, se as contivessem, lhes conferiria o art.º 376º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil: poderiam tê-la apenas no domínio das relações entre declarante e declaratário, podendo então ser invocados como prova plena, pelo declaratário, contra o declarante. Já em relação a terceiros, como é o caso dos réus quanto aos ditos documentos, as declarações destes constantes não têm eficácia probatória plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo Tribunal.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Do acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça intentou o autor recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por seu intermédio pretendendo “ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do[ ] art. 376º nºs 1 e 2 do CCivil com a interpretação que foi aplicada na decisão recorrida”.
O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 3 de Fevereiro de 2004, não admitiu o recurso, fundado na circunstância de a inconstitucionalidade das normas referidas no respectivo requerimento de interposição não ter sido oportunamente suscitada.
É deste despacho que vem deduzida reclamação para o Tribunal Constitucional.
Na peça processual consubstanciadora da reclamação o autor veio dizer que “a interpretação dada ao art. 376º do CCivil na decisão recorrida, ao entender que ‘Já em relação a terceiros, como é o caso dos réus quanto aos ditos documentos, as declarações destes constantes não têm eficácia probatória plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo Tribunal’ foi de todo imprevisível, não podendo razoavelmente contar com [
] a sua aplicação” e, por isso, não pôde o reclamante, “em momento anterior ao da decisão, representar a possibilidade de aplicação da norma com tal interpretação”, razão pela qual “não se mostrava adequado exigir-lhe, no caso concreto, um qualquer juízo de prognose relativo a essa aplicação, em termos de se antecipar ao proferimento da decisão, suscitando logo a questão de inconstitucionalidade”.
O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciando-se sobre a reclamação, defendeu o ponto de vista segundo o qual a mesma era manifestamente improcedente, já que se não mostrava
“realizada qualquer interpretação objectivamente ‘surpreendente’ da norma do art. 376º do CC, tendo em conta que o sentido atribuído a tal preceito legal pelo Supremo é o norma e corrente e que tal questão já se mostrava, aliás, equacionada na sequência da precedente prolação do acórdão da Relação, impugnado perante o STJ”.
Cumpre decidir.
2. Como resulta do relato supra efectuado, o Tribunal da Relação de Évora negou provimento à apelação da sentença lavrada pelo Juiz do Círculo Judicial de Faro, pois que entendeu que, não havendo nos autos qualquer outra prova para além dos documentos juntos pelo autor, a questão era a de saber qual a força probatória que deveria ser conferida a tais documentos. E, na análise desta questão, concluiu que, tratando-se eles de documentos particulares, cujo conteúdo foi impugnado pelos réus, e porque os mesmos não continham declarações desfavoráveis a estes, não lhes podia ser conferida prova plena nos termos do nº 1 do artº 376º do Código Civil.
Ora, foi exactamente este mesmo entendimento o sufragado pelo acórdão ora desejado impugnar perante o Tribunal Constitucional.
E o passo do acórdão invocado pelo reclamante, como comportando uma interpretação dos preceitos ínsitos nos números 1 e 2 do citado artº 376º, que, na perspectiva desse mesmo reclamante, se afigura como insólita e imprevisível, de todo em todo, não pode ser assim considerada. Efectivamente, aquele passo mais não significa, justamente, do que a explicitação da consideração de aos documentos in casu não poder ser atribuída eficácia probatória plena.
Neste contexto, tratando-se, como se trata, de um recurso esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, e porque a norma que constitui a ratio decidendi do aresto querido recorrer (ainda que alcançada mediante um processo interpretativo) em nada se diferencia da que foi adoptada na decisão judicial que se impugnou perante o Supremo Tribunal de Justiça, incumbia ao ora reclamante, aquando do recurso de revista, suscitar a desconformidade constitucional dessa norma, tendo, pois, tido toda a oportunidade processual para tanto.
O que não fez.
Termos em que não merece censura o despacho reclamado, consequentemente estando votada ao insucesso a vertente reclamação que, por isso, se indefere.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 23 de Abril de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida