Imprimir acórdão
Processo n.º 739/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.
1. Relatório
Os autos de que emerge a presente reclamação contra não admissão de recurso de constitucionalidade (artigos 76.º, n.º 4, e 77.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro – LTC) conheceram as seguintes vicissitudes:
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra intentou, em 13 de Fevereiro de 2003, nos termos dos artigos 9.º, alínea e), e 11.º da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, contra a Junta de Freguesia de ----------, do município de S. Pedro do Sul, acção declarativa para dissolução de órgão autárquico, por falta de elaboração, sem motivo, de orçamento para o ano de 2002.
A acção foi julgada improcedente por sentença daquele Tribunal, de 24 de Abril de 2003 (fls. 101 a 103), que considerou que os motivos de dissolução de órgão autárquico são enunciados taxativamente no artigo 9.º da Lei n.º 27/96, com exclusão de qualquer analogia, e que, face à previsão da alínea e) desse preceito (“Não elabore e não aprove o orçamento de forma a entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de cada ano, salvo ocorrência de facto julgado justificativo”), ocorreu motivo justificativo do não cumprimento dessa específica obrigação (aprovação do orçamento a tempo de entrar em vigor em 1 de Janeiro de cada ano), consistente em as eleições autárquicas se terem realizado em 16 de Dezembro de 2001 e só em 8 de Janeiro de 2002 se ter concretizado a instalação da Assembleia de Freguesia em causa.
O Ministério Público interpôs recurso desta sentença para o Supremo Tribunal Administrativo (fls. 108).
Por seu turno, a ré veio interpor recurso subordinado, invocando o artigo 682.º do Código de Processo Civil (fls. 120), recurso que não foi admitido “uma vez que [a ré] não ficou vencida e em conformidade com o disposto no artigo 682.º, n.º 1, do CPC” (despacho de 29 de Maio de 2003, a fls.
127).
Deste despacho reclamou a ré para o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 130), aduzindo:
“O Tribunal a quo apenas conheceu uma das várias questões alegadas pela demandada na sua contestação.
Não se pronunciou sobre as restantes questões, maxime, a alegada inconstitucionalidade dos artigos 9.º e 11.º da Lei n.º 27/96. Ora, a ser procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, sempre o Tribunal deve conhecer das restantes questões que obstam ao pedido formulado na petição inicial.
E tal conhecimento, porque se trata de um processo urgente, pode e deve ser feito pelo Tribunal ad quem. E só ocorre se for interposto recurso subordinado, posto que em relação às questões não apreciadas pelo Tribunal a quo se forma caso julgado.”
Esta reclamação foi indeferida por despacho do Presidente do STA, de 15 de Julho de 2003 (fls. 138 a 140), do seguinte teor:
“A Junta de Freguesia de ------------ deduziu reclamação contra o despacho, de
29 de Maio de 2003, do Senhor Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra que não admitiu o recurso subordinado interposto para o Supremo Tribunal Administrativo. Alega, em suma, o seguinte: a) O Tribunal a quo não conheceu de todas as questões suscitadas pela demandada na contestação da acção de dissolução de órgão autárquico, maxime, a alegada inconstitucionalidade dos artigos 9.º e 11.º da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto; b) A ser julgado procedente o recurso principal, o Tribunal ad quem «deve conhecer das restantes questões que obstam ao pedido formulado na petição inicial», de modo a evitar a formação de caso julgado. Pertinentemente, resulta dos autos: a) O Magistrado do Ministério Publico moveu no TAC de Coimbra uma acção declarativa para dissolução de órgão autárquico (Junta de Freguesia de
----------); b) Em sede de contestação, a Junta de Freguesia invocou, nomeadamente, a inconstitucionalidade do artigo 9.º, alínea e), e artigo 11.º da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, por violação do disposto nos artigos 6.º e 242.º, n.º 3, da CRP, na interpretação de que aquele artigo 9.º prevê «como ilegalidade grave a omissão de não elaboração do orçamento»;
c) Por sentença do TAC de Coimbra foi julgada improcedente a referida acção, com o fundamento de que «os motivos de dissolução estão taxativamente previstos no referido artigo 9.°, pelo que só nos seus precisos termos podem ser considerados, com exclusão de qualquer analogia, de modo que a situação verificada no caso vertente não se mostra prevista entre esses motivos»;
d) Inconformado, o Magistrado do Ministério Público interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo;
e) A Junta de Freguesia de ----------- contra-alegou e
f) Interpôs recurso subordinado, nos termos do artigo 682.º do CPC, apresentando alegações em que concluía pela falta de pronúncia do TAC de Coimbra sobre as referidas inconstitucionalidades;
g) Sobre este requerimento de interposição de recurso, o Senhor Juiz do TAC de Coimbra proferiu despacho do seguinte teor: «Não admito o recurso subordinado interposto pela requerida, uma vez que não ficou vencida e em conformidade com o disposto no artigo 682.°, n.º 1, do CPC».
É deste despacho que vem a presente reclamação.
Vejamos.
Sob a epígrafe «quem pode recorrer», dispõe o artigo 680.º, n.º 1, do CPC que «os recursos, exceptuada a oposição de terceiro, só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido».
Por sua vez, o artigo 682.º, n.º 1, do mesmo diploma, preceitua: «se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas terá de recorrer se quiser obter a reforma da decisão na parte que lhe seja desfavorável; mas o recurso por qualquer delas interposto pode, nesse caso, ser independente ou subordinado».
Ora, no presente caso e uma vez que a acção interposta pelo Ministério Público contra a Junta de Freguesia de -------------- foi julgada improcedente, com a absolvição da ré do pedido, só o autor, o Ministério Público, ficou vencido e não também a ré, Junta de Freguesia de -----------.
E daí que esta não tenha legitimidade para interpor recurso, independente ou subordinado.
Asserção que, porém, não impedia o uso do mecanismo previsto no artigo 684.º-A do CPC, onde vem permitida a «ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido» nos termos que seguem:
«1 – No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2 – Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação, e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
3 – Na falta dos elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, pode o tribunal de recurso mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida.»
Por todo o exposto, vai indeferida a presente reclamação.”
Por acórdão de 30 de Julho de 2003 (fls. 143 a 148) da
1.ª Subsecção da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, foi concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e decretada a dissolução da Junta de Freguesia de -----------. Entendeu-se nesse acórdão que, como decorre do artigo 88.º da Lei n.º 169/99, de
18 de Setembro, na redacção da Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, que estabelece o quadro de competências e o regime jurídico de funcionamento dos
órgãos dos municípios e das freguesias (“1 – A aprovação das opções do plano e da proposta de orçamento para o ano imediato ao da realização de eleições gerais tem lugar, em sessão ordinária ou extraordinária do órgão deliberativo que resultar do acto eleitoral, até ao final do mês de Abril do referido ano. 2 – O disposto no número anterior é igualmente aplicável ao caso de sucessão de órgãos autárquicos na sequência de eleições intercalares realizadas nos meses de Novembro e Dezembro.”), a ré devia ter apresentado a proposta de orçamento por forma a que pudesse ser aprovada até ao final do mês de Abril de 2002, o que não fez, nem mesmo até à data da apresentação da petição inicial (13 de Fevereiro de
2003), como nesta se aduz; era, assim, inaceitável o entendimento acolhido na sentença recorrida, que permitia, em última análise, a não elaboração de orçamentos nos anos subsequentes a eleições gerais autárquicas (que, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, se realizam entre os dias 22 de Setembro e 14 de Outubro do ano correspondente ao termo do mandato).
A ré apresentou, em 5 de Agosto de 2003, requerimento a
“interpor recurso” [sem indicação do tribunal para que pretendia recorrer] da decisão do Presidente do STA, de 15 de Julho de 2003, que indeferiu a reclamação deduzida contra a não admissão de recurso subordinado da sentença da
1.ª instância, acompanhado das respectivas alegações (fls. 153 a 155), do seguinte teor:
“A recorrente, na sua contestação ao pedido de dissolução formulado pelo Ministério Público invocou várias questões que obstavam, no seu modesto entender, à procedência do pedido. Foi proferida sentença que apenas conheceu de uma dessas questões e negou provimento ao recurso. Foi interposto recurso pelo Ministério Público e recurso subordinado pela ora recorrente, a qual, nas alegações, entende que a eventual procedência do recurso interposto pelo Ministério Público para o STA obsta a que sejam conhecidas as restantes questões postas na contestação e que impedem a procedência do pedido de dissolução. Ora, só através do recurso subordinado pode o STA conhecer de tais questões.
É que o Tribunal ad quem só conhece das questões que lhe sejam colocadas e o Ministério Público não lhe colocou as questões que obstavam à procedência do seu pedido de dissolução, mas tão-só uma errada interpretação da lei sobre uma e só uma das questões. Logo, só com o recurso subordinado pode ser dada tutela jurisdicional efectiva ao direito da recorrente, o que de resto não ocorreu com a prolação do acórdão que deu provimento ao recurso do Ministério Público e não conheceu de todas as questões, nomeadamente a questão da inconstitucionalidade.
Concluindo:
1) Deve ser admitido o recurso subordinado tendo em vista apreciar as questões postas na contestação ao pedido formulado de dissolução da recorrente sob pena de violação do direito desta à tutela jurisdicional efectiva.
2) A douta decisão recorrida violou o artigo 680.º, n.º 1, 682.º, n.º 1, e
689.º, todos do CPC.”
Em 18 de Agosto de 2003, a recorrente requereu a aclaração do acórdão de 30 de Julho de 2003 (fls. 156), o que foi indeferido por acórdão de 10 de Setembro de 2003 (fls. 160 a 162).
Veio então a ré interpor recurso para o Tribunal Constitucional daquele primeiro acórdão (fls. 165 a 167), mas por Decisão Sumária da respectiva Relatora, de 9 de Dezembro de 2003 (fls. 172 a 181), foi decidido não tomar conhecimento do objecto do recurso, por as questões de inconstitucionalidade não haverem sido suscitadas durante o processo. A ré reclamou desta decisão sumária, mas, pelo Acórdão n.º 51/2004 (fls. 193 a 205), foi indeferida a reclamação.
A ré veio interpor recurso para o plenário do Tribunal Constitucional (fls. 211 e 212), que não foi admitido por despacho da Relatora, de 5 de Fevereiro de 2004 (fls. 214).
Remetidos os autos ao STA, a ré requereu que fosse ordenada a baixa do processo à 1.ª instância, “tendo em vista a fundamentação da douta decisão de facto sobre os factos justificativos da omissão cometida pela recorrida em não aprovar o plano e orçamento para o ano de 2002”, ou, se assim se não entendesse, interpor recurso para o Pleno do STA, por oposição de julgados (fls. 217).
Por despacho do Conselheiro Relator do STA (fls. 219) foi indeferido esse requerimento, dado que, por um lado, a baixa para fundamentação da decisão da matéria de facto pressupõe um recurso pendente, e, por outro lado, o anterior acórdão do STA já transitou em julgado, com o trânsito da decisão do Tribunal Constitucional no sentido de não tomar conhecimento do recurso dele interposto.
A ré, considerando que esse despacho só considerara o primeiro pedido formulado (baixa dos autos), requereu (fls. 223) que fosse emitida pronúncia sobre o segundo pedido (interposição de recurso por oposição de julgados).
Por despacho do Conselheiro Relator do STA, de 5 de Abril de 2004 (fls. 225), foi indeferido o requerido, já que o anterior despacho contemplara os dois pedidos, incluindo o de interposição de recurso por oposição de julgados, que foi considerado manifestamente extemporâneo, tendo por objecto decisão transitada em julgado. Mais se determinou que, afigurando-se integrar litigância de má fé a insistência da ré, que não podia ignorar a falta de fundamento da sua pretensão, e que parece visar o protelamento da execução do acórdão do STA, que a mesma fosse notificada para se pronunciar.
Por requerimento apresentado em 20 de Abril de 2004
(fls. 228), a ré veio assinalar que, em 4 de Agosto de 2004, interpusera recurso do despacho do Presidente do STA, que indeferira reclamação contra não admissão de recurso subordinado, que sobre o respectivo requerimento de interposição de recurso não recaíra ainda nenhuma decisão, e que mantinha interesse nesse recurso.
Na mesma data, apresentou resposta quanto à litigância de má fé (fls. 229) e reclamação, endereçada ao Presidente do STA, contra o despacho que não admitira recurso por oposição de julgados (fls. 233).
Por despacho de 27 de Abril de 2004 (fls. 239 a 241), o Presidente do STA convolou essa reclamação a si dirigida em reclamação para a conferência, e, por acórdão de 5 de Maio de 2004 (fls. 244 a 246), foi julgada procedente a reclamação e admitido o recurso para o Pleno da Secção, com fundamento em oposição de julgados.
Por despacho do Presidente do STA, de 10 de Maio de 2004
(fls. 250), não foi admitido o recurso do seu despacho de 15 de Julho de 2003, que indeferira reclamação da não admissão de recurso subordinado da sentença da
1.ª instância, por o artigo 689.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC) dispor que “a decisão do presidente não pode ser impugnada”.
Veio então a ré interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º da CRP, das normas dos artigos
680.º, n.º 1, 682.º e 689.º, n.º 2, do CPC, na interpretação dada pela decisão recorrida, questão de inconstitucionalidade que teria sido levantada nas alegações do recurso que não foi admitido (fls. 252).
Por despacho do Presidente do STA, de 28 de Maio de 2004
(fls. 263 e 264), o recurso para o Tribunal Constitucional não foi admitido, com a seguinte fundamentação:
“A Junta de Freguesia de ------------- interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do despacho do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, de
10 de Maio de 2004, que indeferiu o requerimento de interposição de recurso da decisão proferida no âmbito de uma reclamação, apresentada ao abrigo do artigo
688.° do Código de Processo Civil.
Vejamos.
Atendendo ao disposto no n.º 2 do artigo 72.° da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, o recurso em causa «só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
Ora, a recorrente nunca antes invocou qualquer inconstitucionalidade relativa à norma constante do artigo 689.°, n.º 2, do CPC, que determina que «A decisão do presidente não pode ser impugnada», única norma em que se alicerçou o despacho sob recurso.
Invoca a recorrente estar em causa a apreciação da inconstitucionalidade das normas dos artigos 680.°, n.º 1, 682.° e 689.°, n.º
2, todos do CPC, inconstitucionalidade que teria sido levantada nas alegações de recurso que não foi admitido.
Contudo, se atentarmos nas alegações de recurso a que a recorrente alude, não se faz qualquer referência a essa inconstitucionalidade.
Aliás, o Tribunal Constitucional vem entendendo que a arguição da inconstitucionalidade deve ocorrer num momento em que o tribunal recorrido ainda pode conhecer da questão. Deve, portanto, a questão da constitucionalidade ser suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz, na medida em que se está perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que pressupõe a existência de uma decisão anterior do tribunal a quo sobre a questão de constitucionalidade que é objecto do recurso. No caso em apreço, a recorrente, não podendo ignorar a disposição do artigo
689.°, n.º 2, do CPC, deveria ter suscitado a questão da sua inconstitucionalidade logo no requerimento de interposição de recurso da questionada decisão, proferida no âmbito da reclamação ao abrigo do artigo 688.º do CPC – o que não se verificou. Assim, face ao disposto nos artigos 72.°, n.º 2, e 76.°, n.ºs 1 e 2, da citada Lei n.º 28/82, vai indeferido o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.”
É desse despacho que vem deduzida a presente reclamação
(fls. 270), nos seguintes termos:
“O fundamento invocado na douta decisão reclamada reside no facto de a reclamante não ter, antes, invocado a questão da inconstitucionalidade, surgindo esta ex novo no requerimento interposto. Acontece, porém, que a reclamante apresentou alegações, que juntou ao requerimento de interposição de recurso, nas quais é suscitada a questão da inconstitucionalidade das normas ao referir-se que «a não admissibilidade do recurso viola o direito à tutela jurisdicional efectiva». Ou seja, as normas dos artigos 680.º, n.º 1, 682.º e 689.º, n.º 2, do CPC, que não admitem recurso contra a decisão do Presidente do Tribunal de admitir ou não o recurso ofende aquele direito. Daí que não fosse surpresa a invocação da inconstitucionalidade.”
Neste Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público emitiu parecer (fls. 272 verso), no sentido do indeferimento da reclamação, “já que é manifesto que não foi suscitada de forma formalmente adequada nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa”.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
A recorrente nunca chegou a identificar com precisão, designadamente por referência à data da sua prolação, de qual das decisões do Presidente do STA pretendeu interpor recurso para o Tribunal Constitucional. A propósito da questão da admissibilidade do recurso subordinado, o Presidente do STA proferiu três despachos:
1.º) o de 15 de Julho de 2003 (fls. 138 a 140), que indeferiu reclamação contra despacho do juiz do TAC de Coimbra que não admitira o recurso subordinado da ré;
2.º) o de 10 de Maio de 2004 (fls. 250), que não admitiu recurso do seu anterior despacho, interposto pela ré sem especificação do tribunal a que era endereçado tal recurso; e
3.º) o de 28 de Maio de 2004, que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Não podendo, obviamente, ser este último o despacho objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, constata-se que o primeiro despacho fez aplicação, como ratio decidendi, das normas dos artigos 680.º, n.º
1, 682.º, n.º 1, 684.º-A, do CPC, interpretadas no sentido de que a parte que não ficou vencida não tem legitimidade para interpor recurso, independente ou subordinado, mas tão-só, sendo caso, lançar mão da faculdade de ampliação do
âmbito do recurso contemplada no último preceito citado. Por seu turno, a única norma aplicada no segundo despacho foi a do artigo 689.º, n.º 2, do CPC (“A decisão do presidente [do tribunal superior proferida em reclamação contra indeferimento ou retenção de recurso para esse tribunal interposto] não pode ser impugnada, mas, se mandar admitir ou subir imediatamente o recurso, não obsta a que o tribunal ao qual o recurso é dirigido decida em sentido contrário”), no seu primeiro segmento.
Ora, não tendo os referidos despachos feito das ditas normas qualquer interpretação insólita, inesperada ou anómala, antes adoptando interpretações conformes aos respectivos teores literais, constituía requisito indispensável de admissibilidade de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a recorrente tivesse “suscitado a questão da inconstitucionalidade (...) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (artigo 72.º, n.º 2), requisito este que manifestamente se não mostra preenchido.
Na verdade, na reclamação contra a não admissão do recurso subordinado (fls. 130), atrás integralmente transcrita, nenhuma questão de inconstitucionalidade se suscita.
E nas “alegações” que logo anexou ao requerimento de interposição de recurso do despacho do Presidente do STA de 15 de Julho de 2003
(fls. 153 a 155), também atrás integralmente transcrita, o que a recorrente aduz
é que a “decisão recorrida violou os artigos 680.º, n.º 1, 682.º, n.º 1, e
689.º, todos do CPC” e que o recurso subordinado devia ser admitido “sob pena de violação do direito [da recorrente] à tutela jurisdicional efectiva”. Isto é: imputa-se directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas, a violação de normas legais e do direito à tutela jurisdicional efectiva, sem se referir a qualquer norma de direito ordinário (ou interpretação normativa do mesmo direito) qualquer violação de normas ou princípios constitucionais. Não é este um meio adequado de suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Acresce que, mesmo que se entendesse que a questão tinha sido adequadamente suscitada nessa peça, o certo é que tal suscitação seria manifestamente extemporânea. Na verdade, ao tempo já se encontrava esgotado o poder jurisdicional do autor da decisão para apreciar a questão. Se, como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, o pedido de aclaração e a arguição de nulidade de decisão já não constituem momentos oportunos de suscitação da inconstitucionalidade das normas aplicadas nessa decisão, muito menos o é a “alegação” junta a requerimento de interposição de “recurso”
(juridicamente inexistente) desse mesma decisão.
Impunha-se, assim, como bem decidiu o despacho ora reclamado, a não admissão do recurso de constitucionalidade, por falta de suscitação, em tempo e por modo adequados, da questão de inconstitucionalidade.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Lisboa, 15 de Julho de 2004.
Mário José de Araújo Torres Benjamim Silva Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos