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Proc. 188/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A sociedade comercial denominada A. impugnou, no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Setúbal, a liquidação adicional do IVA referente aos exercícios de
1993, 1994 e 1995, requerendo, para o efeito, apoio judiciário na modalidade de dispensa total de preparos e custas.
Ambos os pedidos improcederam.
Inconformada, a A. recorreu para a 2ª Secção do Tribunal Central Administrativo requerendo a substituição da decisão por outra que declarasse a procedência das suas pretensões. Invocou, no que aqui interessa, que a sentença, ao indeferir o pedido de apoio judiciário, teria violado o artigo 20º da Constituição, fundamentalmente porque “ignorou e desprezou elementos relevantes para a caracterização da situação económico-financeira da requerente à data do pedido de apoio judiciário”, o que se traduziu na “denegação de justiça proibida pelo princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”; no restante, a sentença, por força dos erros de julgamento cometidos e por falta de exame crítico das provas, teria ainda violado, entre outros preceitos legais, os artigos 103º n.ºs 1 e 2 e 105º n.ºs 2 e 3 da Constituição.
O recurso, porém, também improcedeu por acórdão de 21 de outubro de 2003, sendo dessa decisão que surge o presente recurso de constitucionalidade.
Nele, afirma a recorrente questionar, por inconstitucional, a interpretação e aplicação dos artigos 7º n. 5 e 29º do Decreto-Lei n.º 387-B/87 de 29 de Dezembro e dos artigos 35º n. 5 e 71º n. 5 do CIVA, operada no aresto recorrido.
No entanto, por decisão sumária de 26 de Março de 2004, tomada nos termos do artigo 78º-A n. 1 da LTC, o Tribunal recusou-se a conhecer do objecto do recurso com fundamento nas seguintes considerações:
“(...) Convém reter, desde logo, que o recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), ao abrigo da qual é interposto este recurso, é um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade de normas efectivamente aplicadas na decisão recorrida e não das próprias decisões que as apliquem, tal como tem sido repetidamente afirmado por este Tribunal (cfr. Acórdãos 612/94, 634/94 e 20/96 in DR II Série, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de 1996, respectivamente).
Ora, no recurso em análise a recorrente visa manifestamente questionar a conformidade constitucional da decisão, embora com reporte a determinadas normas legais. Isto é; ao impugnar a interpretação dos artigos 7º e 29º do Decreto-Lei
387-B/87 de 29 de Dezembro, a recorrente questiona na verdade a decisão jurisdicional, apontando-lhe o defeito de haver desprezado determinada prova, assim determinando uma ilegítima restrição de acesso à justiça. Quanto aos artigos 35º n. 5 e 71º n. 5 do CIVA, é também manifesto que o vício de inconstitucionalidade surge associado à decisão e não a normas: “a falta de exame crítico das provas e erro de julgamento na apreciação dos documentos de fls. 17 a 19 consubstancia ainda violação do princípio da legalidade tributária...”
Torna-se, assim, patente que o recurso não pode prosseguir, pois nele se questiona directamente a decisão recorrida e não normas que esta tenha aplicado ao decidir.
(...)”
É contra essa decisão que agora reclama a A., pretendendo:
“reclamar para a conferência, o que faz nos termos do artigo 78°-B n° 2 da LTC, com o que requer a apreciação e julgamento do recurso de constitucionalidade oportunamente interposto do acórdão da 2ª Secção do Tribunal Central Administrativo de fls. 444 e segs. pelos fundamentos nele invocados, com o que se suscita uma questão de inconstitucionalidade normativa de uma dada interpretação ou dimensão normativa das disposições ali discriminadas cuja apreciação se pretende obter em sede de constitucionalidade.”
Cumpre decidir.
A reclamante não invoca, como se vê, qualquer argumento que possa contrariar a fundamentação do despacho reclamado.
E é, na verdade, certo que, tal como se afirmou na decisão reclamada, o recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC, como o presente, é um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade de normas efectivamente aplicadas na decisão recorrida e não das próprias decisões que as apliquem, tal como tem sido repetidamente afirmado por este Tribunal.
A questão que agora se coloca consiste, portanto, em saber se o recurso interposto, na configuração concreta que é delineada pela recorrente no respectivo requerimento, visa impugnar a própria decisão recorrida ou visa impugnar a norma ou normas que foram aplicadas na decisão recorrida como sua ratio decidendi.
Ora, a verdade é que a determinação jurídica impugnada não se refere ao critério legal generalizante empregue pelo julgador para decidir, mas à actividade de subsunção da norma ao caso concreto, que preenche tipicamente a natureza da própria decisão jurisdicional.
Na verdade, tal como também se escreveu na decisão sumária em apreço, ao impugnar a interpretação dos artigos 7º e 29º do Decreto-Lei 387-B/87 de 29 de Dezembro, a recorrente questiona na verdade a própria decisão recorrida ao apontar-lhe o defeito de haver desprezado determinada prova, assim impondo uma ilegítima restrição de acesso à justiça; é a actividade decisória que constitui, na formulação da recorrente, a desconformidade constitucional.
Quanto aos artigos 35º n. 5 e 71º n. 5 do CIVA, é também manifesto que o vício de inconstitucionalidade surge associado à decisão, na medida em que proviria da
“falta de exame crítico das provas e erro de julgamento na apreciação dos documentos de fls. 17 a 19”. É à actividade judicial, não coberta por qualquer injunção normativa, que é imputada a desconformidade constitucional.
Não pode, portanto, duvidar-se de que nos termos em que se mostra definido o
âmbito do presente recurso, é a própria decisão que constitui o seu objecto, o que é, na verdade, inadmissível por força do disposto na citada alínea b) do n.
1 do artigo 70º da LTC.
Nenhuma crítica merece, portanto, a decisão em análise. Nestes termos, o Tribunal decide confirmar o despacho reclamado, não conhecendo do objecto do recurso. Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UC.
Lisboa, 26 de Maio de 2004
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos