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Proc. n.º 133/04
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1 - A., veio pelo requerimento de fls. 265 reclamar para a conferência, nos termos do disposto no art.º 78º-A, n.º 3 da LTC (redacção da Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro”, pedindo que seja admitida a reclamação.
Em fundamento da reclamação nada alega.
2 – A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:
«1 - A., melhor identificada nos autos, interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 771.º, alíneas b), c), e), f), e g), do Código de Processo Civil, recurso extraordinário de revisão, pretendendo que seja declarada a nulidade da sentença final proferida no processo n.º 188/90 do 2.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Aveiro, datada de 3 de Janeiro de 1998, transitada em julgado por Acórdão proferido neste Tribunal Constitucional.
No Tribunal Judicial de Aveiro foi proferido, ao abrigo do artigo 774.º do Código de Processo Civil, despacho que indeferiu o requerimento inicial por manifesta falta de pressupostos da solicitada revisão.
Não se conformando com tal despacho, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, onde foi proferida [ex vi do disposto nos artigos 700.º, n.º 1, al. g) e 705.º do Código de Processo Civil] decisão sumária do Relator negando provimento ao agravo interposto e, em consequência, confirmando a decisão recorrida. A Recorrente reclamou para a conferência, que, por Acórdão de 18 de Março de
2003, confirmou a decisão recorrida.
Novamente inconformada a Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído o seu arrazoado com a apresentação das seguintes conclusões:
«(...)
1. Em 08.10.98, o mandatário da recorrente, Dr. B., renunciou ao mandato.
2. Face ao requerimento entrado na secretaria judicial da comarca de Aveiro em 8-10-98, o Meritíssimo Juiz despachou consoante fls. 636, ou seja que se cumprisse o disposto no art.º 39º do C.P.C., ordenando que se notificasse tanto a recorrente como a parte contrária da renúncia do mandato, o que não foi cumprido quanto à primeira pela carta devolvida, a qual já foi requerida que fosse aberta para saber o seu conteúdo, protestando-se juntar a mesma quando o Tribunal cumprir o requerido.
3. A resposta à matéria de facto data de 10.11.1990, o que é impossível atendendo ao facto do processo ter ido para conclusão em 10.11.98, verificando-se desde logo erro nas datas por parte do Tribunal.
4. Em 29.10.98, o Tribunal Judicial de Aveiro não verificou se a recorrente já tinha sido notificada ou não do despacho proferido e é efectuado o julgamento
à revelia da recorrente do seu advogado, e sem as suas testemunhas com directa e flagrante violação do artigo 39°, n.º 3 do CPC e do art.º 20° da CRP.
5. Não foram observados e cumpridos os prazos previstos na norma citada.
Assim,
6. Mesmo que a recorrente tivesse recebido a notificação, que inequivocamente não recebeu, teria sempre 20 dias a contar da sua recepção, para constituir novo advogado, prazo esse que acabaria em 9 de Novembro de 1998.
7. Por ironia, “in casu”, tal princípio impõe-se ao próprio tribunal, que não esperou sequer os 20 dias, do artigo 39º, n.º 3 do C.P.C. para dar à Recorrente os mesmos direitos que assistiram à parte contrária. Dir-se-á, que a recorrente interveio nos autos por seus mandatários em diversos actos processuais e que assim está precludido o prazo de arguição da nulidade face ao disposto no artigo 205º n.º 1 do C.P.C., mesmo na redacção “adoçada” do Código de 1961.
8. O princípio da igualdade ínsito no art.º 3-A do C.P.C. tem correspondência com o art.º 13 CRP que nem o art.º 39° (aliás nem sequer cumprido) nem sobretudo o artigo 205º do C.P.C. ressalvam e resguardam.
9. Devolvida a carta de notificação ao tribunal procedeu-se mesmo assim ao julgamento e às respostas aos quesitos, sendo tão só a reclamante avisada da decisão pelo seu advogado renunciante, que entretanto se mudara de Lisboa para o Entroncamento e dali enviara a cópia da sentença ao gerente da reclamante C..
10. No entanto o art.º 771º, alínea b), permite à recorrente arguir a nulidade por se ter efectuado o julgamento à revelia da recorrente, sem representante, e por não se ter cumprido o disposto no art.º 39º do CPC.
11. A revelia da recorrente resulta da falta de citação pelo que é fundamento de recurso de revisão, nos termos do disposto no artigo citado.
12. Conforme se pode analisar nos documentos juntos “respostas aos quesitos”, as respostas dadas pelos peritos, neles estando incluído o Senhor D. e quanto aos quesitos 24 e 25 em questão, verifica-se que em 15 de Junho de 1993 e 27 de Abril de 1994, os Senhores peritos nada sabiam acerca desta matéria e, curiosamente, em 10 de Novembro de 1990, o Senhor D. vem dizer que tinha conhecimento preciso dessa obra, custos e sua progressão.
13. Ora, tal como resulta da Lei, art.º 571º do CPC, os peritos encontram-se impedidos de prestarem depoimento na qualidade de testemunhas.
14. Tal depoimento, que não podendo ser prestado, foi falso, influenciou a decisão e serviu para formar a convicção do tribunal para a prova dos referidos quesitos.
15. O depoimento do perito, foi determinante para a decisão a rever e o despacho recorrido não se debruçou sobre este fundamento invocado pela recorrente, o qual nos termos do disposto no art.º 771º, alínea b), é fundamento de recurso de revisão.
16. Verifica-se a preterição de formalidades essenciais as quais são de conhecimento oficioso e tiveram influência na boa decisão da causa.
17. E aqui neste ponto, juntou a Autora a respectiva certidão onde consta o depoimento das testemunhas e a sentença respectiva, a qual se baseia nestes depoimentos para proferir a decisão.
18. Relativamente ao fundamento invocado pela recorrente da apresentação de documentos de que não tinha conhecimento, também o despacho recorrido não se pronunciou.
19. Estes documentos, com as quantias efectivamente dispendidas pela Autora, ao contrário das que diz ter dispendido, só agora chegaram ao conhecimento da recorrente, não tendo podido fazer uso dos mesmos no processo e que podiam ter alterado a decisão em sentido mais favorável à recorrente.
20. Decorre dos referidos documentos que eram efectuados depósitos nesta conta para se proceder aos pagamentos dos custos das obras que se iam realizando e sem o conhecimento e consentimento da recorrente.
21. Nesses documentos, fazendo as contas aos depósitos efectuados e de acordo com E., após a compra dos Lotes de terreno pela A. e F., apenas foi dispendida, realmente, a quantia de Esc: 6.858.537$00 (seis milhões oitocentos e cinquenta e oito mil quinhentos e trinta e sete escudos).
22. A recorrida provavelmente por engano referiu a quantia de Esc:
116.403.800$00 em vez dos esc: 6.858.537$00 e conforme se verifica, não foi a recorrida que dispendeu tal quantia, mas sim, G. em nome individual.
23. Pretende-se apurar a verdade dos factos, o que durante o processo não foi feito por motivos de falsos depoimentos conforme supra referido.
24. Estes elementos só agora chegaram ao conhecimento da sociedade A., razão por que só agora os veio invocar em sede de recurso de revisão, o qual foi indeferido sem ter sido analisado fundamentadamente pelo despacho recorrido.
25. Tem a recorrente sido prejudicada, contrariando e violando o disposto no art.º 3º - A do CPC, o qual deve ser interpretado à luz dos art.os 13º e 20º da CRP
Além disso,
26. Nos termos do disposto no art.º 6º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativamente.
27. A justiça da causa implica, com o devido respeito, o reexame do processo em sede de revisão.
28. A revisão ora requerida e que foi indeferida, traduz-se num apelo a um julgamento justo, observando-se a regra inscrita na primeira parte do n.º 1 do art.º 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, razão pela qual interpôs a recorrente o presente recurso.
29. Pelo que fica exposto, resulta em tese geral ter havido violação de princípios e valores fundamentais, nomeadamente a inobservância do principio da legalidade, igualdade, a adequação de sentença aos factos efectivamente provados e erradamente valorados, a desigualdade e disparidade de meios de defesa.
30. O recurso extraordinário de revisão tem fundamento e motivação adequados, existindo factos que suscitam dúvidas sobre a justiça da condenação e revelam erro notório na apreciação e valoração da prova.
31. Foram violados os art.os 3º-A, 39º, 571º, 771º do CPC, art.os 13º e 20º da CRP e o art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
32. Nestes termos e nos mais de direito, deve revogar-se o acórdão recorrido e ordenar-se o prosseguimento dos autos.».
2 - O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 18 de Dezembro de 2003, negou provimento ao agravo, afirmando que:
«Face às exemplares e sumárias - mais não era necessário - decisões proferidas no despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso e no acórdão recorrido, sob recurso, mas com que se concorda inteiramente, mais não será preciso, do que negar provimento ao agravo, remetendo-se os fundamentos da decisão agora impugnada, nos termos do disposto nos art.os 762° n.º 1, 749º e
713º n.º 5, do C. P. Civil, tanto mais que as conclusões do agravo em 2ª instância são, no seu teor, substancialmente idênticas às conclusões do agravo. Algumas considerações se farão, porém, sobre o recurso de revisão, para um melhor entendimento, do que com o mesmo pretende o legislador.
É regra geral, prevista no n.º 1 do art.º 671º do C. P. Civil, que a decisão transitada em julgado sobre a relação material controvertida, fica tendo força obrigatória geral dentro e fora do processo. Só nos casos previstos no recurso de revisão e de oposição de terceiro pode ser impugnada a força obrigatória geral da decisão decorrente do caso julgado, nos termos previstos no n.º 1 do citado art.º 671º e art.º 771º e 778° do C. P. Civil.
É claro que só verificando-se um dos casos limite previstos no art.º 771° do C. P. Civil, se pode pedir a revisão da sentença. E tais casos limite, taxativamente previstos, por contenderem com a regra geral do caso julgado material, têm de ser integralmente provados pelos recorrentes. Daí que o recurso de revisão seja um recurso extraordinário. No caso em apreço, como bem se diz no acórdão recorrido, não se mostram provados os casos alegados e previstos no art.º 771°, alíneas b), c), f) e g). Efectivamente, a recorrente não apresentou sentença já transitada em julgado, que tenha verificado a falsidade alegada. Por seu lado, o documento agora apresentado pela recorrente, por dele não ter conhecimento atempado, por si só não é suficiente para modificar a decisão transitada em julgado. Por sua vez, a revelia da recorrente não foi absoluta, pois teve intervenção no processo. Por fim, não se mostra provado que a decisão transitada em julgado, e que se pretende impugnar, esteja em contradição com outra, que constitua caso julgado para as partes. Assim sendo, constata-se que não há motivo para a revisão.
É manifesto, que não é neste processo, que se mostram violados os art.os 13° e
20° da Constituição da República Portuguesa e o art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nem os art.os 3° A, 39º, 571º e 771° do C. P. Civil, como pretende a recorrente. Improcedem, pois, integralmente as conclusões recursórias.».
3 - Inconformada, a recorrente veio então interpor recurso para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), indicando que “pretende[-se] ver apreciada a inconstitucionalidade do art. 3.º A, art. 39.º e 771.º, todos do Código de Processo Civil, na medida em que não houve igualdade nos meios de defesa e que o art. 39.º permite, aos Réus, intervirem no processo sem mandatário/patrocínio”, porquanto, no seu entendimento, “a aplicação das normas referidas viola as normas constantes dos art.os 13.º e 20.º da CRP”.
4 - Por se desenhar, face ao relatado, uma situação que se ajusta à previsão do n.º 1 do art. 78º-A, da LTC, passa-se a proferir decisão sobre o mérito do recurso.
5 - O presente recurso foi interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. b), da L.T.C.. Constituem requisitos da sua admissibilidade que se esteja perante a aplicação de uma norma efectivamente aplicada pela decisão recorrida como sua ratio decidendi e que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada pela recorrente durante o processo.
Relativamente a este último requisito, o Tribunal Constitucional tem afirmado, em múltiplas decisões, que ele deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que “a mesma questão de constitucionalidade respeita” (v. Acórdão n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994).
5.1 - Ora, tais requisitos não se encontram preenchidos no caso sub judicio. Desde logo, e em rigor, a Recorrente não suscitou durante o processo qualquer questão de inconstitucionalidade normativa relativamente a normas aplicadas como ratio decidendi ou fundamento normativo da decisão recorrida. Perscrutando os articulados sucessivamente apresentados perante as instâncias, verifica-se que esta sustenta que tem “sido prejudicada, contrariando e violando o disposto no art.º 3.º-A do CPC, o qual deve ser interpretado à luz dos art.ºs
13.º e 20.º da CRP”, e isto porque, inter alia, “em 29.10.98, o Tribunal Judicial de Aveiro não verificou se a recorrente já tinha sido notificada ou não do despacho proferido e é efectuado o julgamento à revelia da recorrente do seu advogado, e sem as suas testemunhas com directa e flagrante violação do artigo
39º, n.º 3 do CPC e do art.º 20º da CRP”, além de que, “o princípio da igualdade
ínsito no art.º 3-A do C.P.C. tem correspondência com o art.º 13º CRP que nem o art.º 39º (aliás nem sequer cumprido) nem sobretudo o artigo 205º do C.P.C. ressalvam e resguardam”, concluindo no sentido de que, segundo o seu entendimento, “foram violados os art.ºs 3º-A, 39º, 571º, 771º do CPC, art.ºs 13º e 20º da CRP e o art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”.
5. 2 - Ora, é manifesto que as normas invocadas pela recorrente, quanto ao problema de constitucionalidade que cristaliza no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, não foram de todo aplicadas pela decisão, agora recorrida, que pretende refutar. Na verdade, o presente recurso de constitucionalidade surge na sequência da interposição, por banda da recorrente, de um recurso extraordinário de revisão de sentença já transitada em julgado (artigos 771.º e ss. do Código de Processo Civil), o qual, por falta dos respectivos pressupostos essenciais à sua admissibilidade, não foi objecto de conhecimento pelo tribunal a quo. Como fundamento para tal decisão, foi sucessivamente considerado pelas instâncias que (v. g. o Acórdão da Relação de Coimbra):
«Em função das conclusões apresentadas pela Recorrente nas suas alegações de recurso, as quais delimitam o objecto do recurso, as questões que importa apreciar dizem respeito à verificação do cumprimento pela Recorrente da especificação do ou dos fundamentos para a revisão de sentença pretendida, nos termos dos art.ºs 771º e 773º do CPC. Isto porque a admissibilidade de um processo de recurso de revisão está absolutamente dependente de certas causas taxativas ou fundamentos tipificados de revisão, conforme resulta dos art.ºs 771º, 773° e 774° do CPC - veja-se, neste sentido e sobre a admissibilidade e processamento desta forma de processo, Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Proc. Civil”, pg. 267 e segs. Por se entender que o despacho proferido pelo Relator do processo analisou e decidiu de forma legalmente correcta a ou as questões supra enunciadas, nada mais se oferecendo acrescentar-lhe, neste acórdão seguir-se-á a exposição constante do dito. Estando em causa um pedido de revisão de sentença transitada em julgado
(sentença proferida no processo ordinário n° 188/90, do 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, datada de 3/01/1998), para que esse pedido de revisão logre ser admitido, necessário é que se verifiquem determinados pressupostos, designadamente que o requerente especifique o fundamento para a revisão pretendida, apresentando imediatamente certidão da sentença ou o documento em que se funda o pedido, caso o fundamento desse recurso de revisão se integre nas als. a ), b ), c ), d) e g) do art.º 771º do CPC; ou, nos casos previstos nas als. e) e f) do art.º 771º, que fundamente tais situações, sem o que deve ser indeferido liminarmente o processo de pedido de revisão – art.º 774°, n.º 2, do CPC - o mesmo devendo suceder quando se reconheça logo que não há motivo para revisão. Analisando os fundamentos para a admissibilidade de um processo de recurso extraordinário de revisão, verifica-se que uma qualquer decisão judicial transitada em julgado apenas pode ser objecto de revisão nos seguintes casos
(art.º 771º do CPC): a) quando se mostre que por sentença criminal passada em julgado foi considerado que a sentença a rever foi proferida por prevaricação, concussão, peita, suborno ou corrupção do juiz ou de algum dos juízes que na decisão intervieram (o que apenas pode ser feito por junção de certidão da sentença criminal); b) quando se apresente sentença já transitada que tenha verificado a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos, que possam ter determinado a decisão a rever (o que apenas pode ser feito por junção da sentença respectiva); c) quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida (apresentando-se, de imediato, esse documento); d) quando tenha sido declarada nula ou anulada, por sentença já transitada, a confissão, desistência ou transacção em que a decisão a rever se fundou (o que apenas pode ser feito por junção dessa sentença); e) quando seja nula a confissão, desistência ou transacção, por violação de normas (previstas no referido preceito); f) quando, tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a sua citação ou é nula a citação feita; g) quando a sentença a rever seja contrária a outra que constitua caso julgado para as mesmas partes e formado anteriormente (o que apenas pode ser feito por junção dessa sentença).
Analisando a petição da presente acção de revisão, pode dar-se conta de que a A. pretende alicerçar a sua pretensão no disposto nas als. b), c), f), e g), do CPC. Porém, não alega a Autora a existência de qualquer sentença, já transitada em julgado, onde se tenha verificado alguma falsidade de documento ou de acto judicial, a existência de alguma falsidade de depoimento ou das declarações dos peritos, pelo que também não juntou certidão de uma qualquer sentença com esse conteúdo. Sendo assim, a sentença cuja revisão se pretende não pode ser objecto dum processo de revisão com fundamento na citada al. b) do art.º 771° do CPC, pela simples razão de que não existe e não se juntou sentença que permita a pretendida revisão. No caso da al. c) do art.º 771°, também não alega a Autora a existência de qualquer documento do qual não tivesse conhecimento aquando do julgamento da acção onde foi proferida a sentença que se pretende rever e do qual só agora tenha tomado conhecimento, e que por si só seja suficiente para modificar essa decisão transitada em julgado, razão pela qual também não se verifica esse tipo de fundamento para instaurar um processo de recurso de revisão. No que respeita ao fundamento da al. f) do art.º 771º do CPC, para que esse fundamento pudesse ser considerado era necessário que a Autora alegasse que a acção declarativa onde foi proferida a sentença a rever foi tramitada totalmente
à sua revelia, isto é, que a Autora não só nenhuma intervenção teve no processo mas que nem sequer foi citada para a dita acção ou que essa citação é nula, ao abrigo dos art.ºs 195º e 198º do CPC. Ora, da petição inicial resulta não só que a Autora teve intervenção na dita acção, que até contestou, mas também reconhece ter sido citada para a acção e de forma regular, tanto mais que a Autora até constituiu mandatário na dita acção, razão pela qual não tem qualquer razão de ser a invocação da al. f) do art.º 771
° do CPC, como fundamento do presente recurso extraordinário. E também a Autora não invoca qualquer outra sentença relativamente à qual a sentença a rever possa ser considerada como estando em contradição, para efeitos do art.º 771º, al. g), pelo que também não constitui fundamento para a revisão pretendida a mera invocação dessa alínea. Logo, é manifesto que não foi alegada nenhuma causa séria e real que possa servir de fundamento à revisão de sentença pretendida, pelo que, nos termos dos art.ºs 773° e 774°, n.° 2, do CPC, outra atitude não restava ao tribunal recorrido que proferir despacho a indeferir a petição, como sucedeu, o que importa confirmar.».
5.3 - Do exposto resulta, inequivocamente, que as normas efectivamente aplicadas pelo Tribunal a quo referem-se apenas e só ao problema da (in)admissibilidade do recurso extraordinário de revisão, pelo que, em consequência, o recurso de constitucionalidade há-se, em todo o caso, limitar-se às normas que, nesse
âmbito, constituem a ratio decidendi do juízo jurisdicional proferido. Não houve, pois, uma nova apreciação da relação material controvertida já dirimida, em definitivo, por decisão transitada em julgado, tendo o Tribunal apenas aferido da (não) verificação dos requisitos que servem de fundamento ao recurso extraordinário de revisão. Daí que partilhando, nesta contextualização específica, o ensinamento de Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1944, p. 226, citado por Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, reimpressão, Coimbra, 1981, p. 373) pode afirmar-se que “os recursos extraordinários abrem um processo novo; têm a natureza de acções autónomas”, não implicando, pois, na falta de fundamento legal para a sua procedência, com os efeitos da decisão transitada em julgado, e perfilando-se, em sede de recurso de constitucionalidade, como um problema autónomo, delimitado ou circunscrito à sindicância das normas aplicadas pelo Tribunal no juízo decorrente da aferição da procedência dos fundamentos invocados para a revisão, que se cristaliza na decisão de indeferir a pretensão da recorrente.
5.4 - Não cabe assim sindicar a pretensão da recorrente no que concerne à
“inconstitucionalidade do art. 3.º A, art. 39.º e 771.º, todos do Código de Processo Civil, na medida em que não houve igualdade nos meios de defesa e que o art. 39.º permite, aos Réus, intervirem no processo sem mandatário/patrocínio
(itálico aditado)”. Tal envolveria uma reapreciação das anteriores decisões proferidas sobre a relação material controvertida, não tendo o Tribunal a quo equacionado sequer esse problema – voltando a apreciar as vicissitudes anteriores à interposição do recurso de revisão que a Recorrente agora pretende ressuscitar –, porquanto se limitou a afirmar que “não se mostram provados os casos alegados e previstos no art.º 771.º, alíneas b), c), f) e g) (...) assim sendo, constata-se que não há motivo para a revisão”. Por tal razão, explicitou o Supremo Tribunal de Justiça que, “não é neste processo, que se mostram violados os art.ºs 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa e o art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nem os art.ºs 3º- A, 39º, 571º e 771º do C. P. Civil, como pretende a recorrente”.
5.5 - Especificamente no que tange com o artigo 771.º do Código de Processo Civil, não subsistem quaisquer duvidas de que a decisão recorrida aplicou efectivamente esta norma como ratio decidendi do seu juízo. Contudo, a dimensão normativa considerada – e aplicada – pelo Tribunal não corresponde à identificada pela Recorrente no seu requerimento de interposição de recurso.
Assim, se nada impede que, ao invés de se suscitar a inconstitucionalidade de um preceito legal, se questione apenas um seu segmento ou uma determinada dimensão normativa (cfr., entre a abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 367/94 – publicado no DR, II série, de 7 de Setembro de 1994 –: “ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se faça (…) esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo, violar a constituição”), já deve entender-se ser necessário que a norma que se coloca à apreciação do Tribunal Constitucional tenha sido, efectivamente, aplicada in casu com a interpretação que se entende inconstitucional (e que tenha constituído a ratio decidendi do juízo proferido) – cf., nesse sentido, entre outros, o Acórdão n.º 139/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º volume, 1995, o Acórdão n.º 197/97, publicado no Diário da República, IIª Série, n.º 299, de 29 de Dezembro de 1998 e, mais recentemente, o Acórdão n.º 214/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Além de que, em todo o caso, a Recorrente também não suscitou adequadamente, durante o processo, a inconstitucionalidade desta norma. Na verdade, dizer-se que “foram violados os art.ºs 3º-A, 39º, 571º, 771º do CPC, artºs 13° e 20° da CRP e o artº 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, não traduz a suscitação de qualquer inconstitucionalidade normativa, mas, outrossim, a imputação, à própria decisão judicial, do vício da “inconstitucionalidade”, não integrando o domínio de competência cognitiva deste Tribunal, na ausência de um recurso constitucional de amparo, a sindicância do mérito jurídico-constitucional das decisões judiciais.
6 - Destarte, atento tudo o exposto, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Custas pela Recorrente, com de taxa de justiça que se fixa em 6 UC.».
B – A fundamentação
3 – No art.º 78º-A, n.º 3, da LTC prevê-se que pode reclamar-se para a conferência da decisão sumária proferida pelo relator. Pode questionar-se se o exercício de qualquer direito em juízo, mesmo que de natureza processual, não deve ser sempre, ou por natureza, motivado. Uma resposta afirmativa demandaria que a reclamante devesse expor, no articulado da sua reclamação, as razões pelas quais se não conforma com a decisão sumária e se pede o reexame do decidido pela conferência dos juízes, o que não aconteceu. De qualquer modo, dado que o referido preceito, embora prevendo a possibilidade de reclamação, nada diz sobre a exigência de motivação e que a reclamação tem a natureza de um reexame dos fundamentos da decisão reclamada por uma formação judicial alargada, entende-se ser de conhecer do pedido.
Não existem, todavia, quaisquer razões para alterar o juízo feito sobre a procedência dos fundamentos em que a decisão reclamada se abona, pelo que é de mantê-la. De resto, como se disse, a reclamante nem sequer controverte, no que quer que seja, a sua bondade.
C – A decisão
4 – Destarte, atento tudo o exposto, decide o Tribunal Constitucional indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça de 15 UC.
Lisboa, 11 de Maio de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos