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Proc. n.º 150/04 TC - 1ª Secção Rel.: Conselheiro Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - Nos autos de recurso supra identificados em que são recorrentes A. e mulher, foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1 - A. e mulher, com os sinais dos autos, recorrem para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. 301 e segs., dizendo, no respectivo requerimento de interposição, na parte que interessa:
'Norma e princípios violados:
- A interpretação dada pelo Acórdão viola o art. 20º n.º 1 da CRP A interpretação que o Acórdão faz do art. 64º da RAU viola os princípios constitucionais da proporcionalidade, da igualdade e da equidade que resultam, entre outros, dos arts. 13º, 18º e 20º da CRP.
Peça processual onde foi invocada: excepcionalmente, na arguição de nulidades, por ter sido o único articulado possível, dado ter tido vencimento em
1ª instância.
..............................................................................................................'
Cumpre decidir.
2 - O requerimento de interposição de recurso não obedece aos requisitos legalmente estabelecidos no artigo 75º-A n.º 1 da LTC.
Em primeiro lugar, contendo o artigo 64º do RAU [por lapso, escreveu-se 'LTC'] diversos números e alíneas, a que correspondem outras tantas normas, não identifica as normas que concretamente estão em causa.
Em segundo lugar, questionando uma interpretação normativa, os recorrentes também não a identificam, sendo jurisprudência assente neste Tribunal não ser suficiente a mera remissão para a decisão impugnada.
Seria, assim, caso para lançar mão do convite de aperfeiçoamento previsto no artigo 75º-A n.ºs 5 e 6 da LTC.
Tratar-se-ia, porém, de um acto inútil, uma vez que se revela, desde já, a falta de um dos pressupostos do recurso: a suscitação prévia da questão de constitucionalidade, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, como se passa a demonstrar.
3 - O recurso previsto no artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC tem como um dos seus pressupostos, a suscitação prévia da questão de constitucionalidade, perante o tribunal que proferiu a decisão impugnada (artigo 72º n.º 2 da LTC).
É entendimento pacífico deste Tribunal que a arguição de nulidades não é já momento adequado para o cumprimento daquele ónus, uma vez que o tribunal não dispõe já dos poderes de cognição bastantes para se pronunciar sobre a constitucionalidade de normas; exceptuam-se as situações em que as normas em causa respeitam aos próprios poderes exercidos pelo tribunal no âmbito do conhecimento das nulidades.
No caso, a suscitação das inconstitucionalidades ocorreu, apenas, na arguição de nulidades do acórdão recorrido, sendo, assim, irrelevante quanto ao cumprimento do referido ónus.
Aliás, a ser correcto o entendimento dos recorrentes - no sentido de que, anteriormente, não dispuseram de oportunidade para suscitar as inconstitucionalidades - não seria, então, sequer necessário que o fizessem em sede de arguição de nulidades; tratar-se-ia de caso em que o Tribunal Constitucional dispensa o recorrente do cumprimento do ónus.
A verdade, porém, é que a razão invocada pelos recorrentes para sustentar a referida falta de oportunidade - ter tido ganho de causa em 1ª instância, figurando como recorridos no recurso para a Relação - não procede.
Com efeito, face ao que vinha alegado pelos então recorrentes, a decisão proferida pela Relação de Lisboa nada tem de surpreendente ou de inesperado.
O que não pode deixar de significar que, em confronto com as teses defendidas pelos recorrentes nas suas alegações de recurso - sendo plausível que elas pudessem vir a ser acolhidas pela Relação - impunha-se aos então recorridos que, em contra-alegações, suscitassem as questões de inconstitucionalidade.
A verdade é que os recorrentes sustentavam, face à prova produzida, que:
- a doença que era causa do afastamento da ré do locado se não configurava como regressiva, não se preenchendo, assim, a situação prevista no artigo 64º n.º 2 alínea a) do RAU;
- o Réu deixara também de ter residência permanente no locado, pelo que igualmente se não verificava a hipótese prevista no artigo 64º n.º 2 alínea c) do RAU.
E quanto a esta argumentação limitaram-se os recorridos, em contra-alegações, a apelar à matéria de facto provada tendente a demonstrar o acerto da decisão de 1ª instância, sem nunca questionarem a constitucionalidade das interpretações normativas defendidas pelos recorrente.
Ora, como se disse, o acórdão recorrido, no que concerne ao primeiro fundamento, acolhe a interpretação defendida pelos recorrentes e extrai da matéria de facto provada a conclusão que aqueles sustentavam; e, quanto ao segundo, extrai, igualmente, da matéria de facto a conclusão de que o R. marido não tinha a sua residência permanente no locado, tal como os recorrentes também defendiam.
Nada, pois, com que os então recorridos e ora recorrentes não pudessem legitimamente contar, pelo que deveriam ter suscitado as questões de constitucionalidade normativa que entendiam pertinentes.
Em suma, pois, soçobra um dos pressupostos do recurso interposto, pelo que se não pode conhecer do objecto do recurso.
4 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelos recorrentes fixando-se a taxa de justiça em 7 Ucs.'
Desta decisão vêm agora os recorrentes reclamar para a conferência, limitando-se a insistir no facto de a arguição de nulidades ter sido a única oportunidade que tiveram para suscitar a questão de constitucionalidade e alegando, ainda, não ser razoável exigir que o recorrente considere antecipadamente que o tribunal venha a fazer interpretações contrárias à Constituição, pois tal implicaria a ponderação de todas as possíveis interpretações que poderiam ter sido feitas de todas as normas em análise, incluindo as que contrariam a Constituição.
Os recorridos responderam sustentando o indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
2 - Na decisão sumária reclamada evidenciou-se a razão por que os recorrentes deveriam ter suscitado a questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (sendo irrelevante a suscitação feita em sede de arguição de nulidades).
A conferência sufraga inteiramente o entendimento adoptado.
Esclarece-se, agora, em resposta ao alegado pelos reclamantes, que o Tribunal não impôs, no caso, a ponderação de todas as interpretações possíveis das normas em causa, incluindo as que pudessem colidir com a Constituição.
O que se disse - e se reitera - é que, na posição de recorridos, os ora reclamantes se confrontaram com uma determinada tese dos recorrentes assente em determinadas interpretações normativas, sendo então plausível que elas pudessem ser acolhidas na decisão do recurso.
E se os reclamantes entendiam que essas interpretações ofendiam a Constituição, tinham, então, oportunidade - nas contra-alegações - de alertar o Tribunal para as questões de constitucionalidade que aquelas suscitavam.
Nada há, pois, a censurar à decisão reclamada enquanto julgou não verificado o pressuposto de suscitação prévia da questão de constitucionalidade.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 5 de Maio de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida