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Processo n.º 919/03
3ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. IEP –INSTITUTO DE ESTRADAS DE PORTUGAL foi condenado, por sentença do 2ª Juízo Cível da Comarca de Vila Nova de Gaia de 17 de Fevereiro de
2003, de fls. 582, a pagar a A., a quantia de €1.447.938.60, em virtude da expropriação de uma parcela de terreno com a área aproximada de 7.665m2, a destacar de um prédio denominado “-------------”, “-----------”, “-----------” ou “-----------”, devidamente identificado nos autos.
Inconformados, expropriante e expropriada interpuseram recursos para o Tribunal da Relação do Porto, o qual por acórdão de 30 de Outubro de 2003, de fls. 668, julgou improcedente a apelação do expropriante, parcialmente procedente o recurso de apelação da expropriada e, em consequência, fixou a indemnização pela parcela expropriada em €1.462.906,32.
Relativamente ao que agora interessa, o Tribunal da Relação do Porto considerou que “Também a avaliação segundo o critério do valor tributável/valor de aquisição do prédio proposta pelo perito do expropriante, deixa de ser adequada nesta situação, onde a lei impõe como critério o disposto nos arts 25º e 28º do CE/91 (...)”.
2. Novamente inconformado, o IEP interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo que “o tribunal aprecie a inconstitucionalidade da interpretação conjugada dos artigos 22º, 23º e 25º do Código das Expropriações de 1991, na medida em que, por força de tal interpretação, se exclua o preço de aquisição do bem expropriado dos critérios relevantes para a fixação da justa indemnização”, por violação do “princípio constitucional da justa indemnização e o artigo 62º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”.
3. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as respectivas alegações, que o recorrente concluiu da seguinte forma:
“1. Dispõe o n.º 2, do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa que ‘a requisição e expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização’;
2. A justeza da indemnização manifesta-se em dois sentidos: por um lado, impondo que o expropriado obtenha uma compensação integral e plena em consequência da lesão patrimonial sofrida, e, por outro lado, impondo que a indemnização não seja manifestamente desproporcionada à perda do bem expropriado e adequada do ponto de vista do interesse público a prosseguir;
3. A salvaguarda e a garantia dos objectivos acima enunciados está dependente da aplicação de critérios de cálculo da indemnização que não a afastem dos objectivos propostos, quer no sentido de a tornar irrisória e inadequada ao ressarcimento do prejuízo sofrido pelo expropriado, quer no sentido de a tornar injusta para o interesse público e desligada da dimensão da lesão sofrida pelo expropriado;
4. Os critérios definidos por lei para o processo de cálculo da indemnização têm que respeitar os princípios materiais da Constituição;
5. Os critérios definidos na lei não assumem um valor taxativo e excludente, tendo natureza meramente referencial ou instrumental, não eliminando do processo de cálculo da indemnização outros elementos ou factores que concretamente se afigurem válidos para o prosseguimento do escopo constitucional em apreço;
6. A natureza meramente instrumental ou referencial dos critérios legais de cálculo da indemnização é uma exigência constitucional, na medida em que o propósito de alcançar a justa indemnização nos casos concretos só pode ser prosseguido se o Juiz dispuser de critérios abertos que permitam que em cada caso sejam sopesados todos os critérios relevantes e necessários para o aludido fim;
7. No presente processo de expropriação, cuja declaração de utilidade pública data de 1998, a expropriante requereu que o preço de aquisição do bem expropriado fosse sopesado e considerado no processo de cálculo da indemnização;
8.Tal decorreu do facto de a totalidade do prédio objecto de expropriação parcial ter sido adquirido pela expropriada, através de escritura pública lavrada no 1º Cartório Notarial de Santa Maria da Feira em 19.05.95, pelo valor de Esc. 60.000.000$00;
9. A disparidade existente entre o preço de aquisição do prédio expropriado e a indemnização fixada pelas instâncias, mostra à saciedade que a indemnização é desproporcionada face ao sacrifício sofrido pela entidade expropriada e excede de forma manifesta a ideia de justa indemnização;
10. Se um dos objectivos da indemnização é a compensação do prejuízo sofrido pelo expropriado, o preço de aquisição é um indicador objectivo, certo e seguro do prejuízo por aquele sofrido e um indicador objectivo, certo e seguro da dimensão do sacrifício patrimonial sofrido;
11. No caso dos autos o preço de aquisição é o preço declarado pela própria expropriada;
12. No caso dos autos o preço de aquisição é um critério operativo e actual;
13. O objectivo de fixação de uma justa indemnização deveria alcançar-se com recurso, entre outros, ao critério do preço de aquisição do bem expropriado;
14. As instâncias não permitiram que o referido critério do preço de aquisição fosse sopesado pelos peritos;
15. Para fundamentar a recusa de apreciação do aludido critério, a Relação do Porto, em resposta às alegações da expropriante que havia alegado a inconstitucionalidade dos artigos 22º, 23º e 25º do Código das Expropriações de
1991, afirmou que a lei impõe os critérios constantes dos artigos 25º e 28º do mesmo Código;
16. A Relação do Porto interpretou e aplicou as normas acima citadas com o sentido de que as mesmas não admitiriam a intervenção no processo de cálculo da indemnização de outros critérios para além daqueles que vêm expressamente consagrados na sua letra;
17. Trata-se de uma interpretação que transforma os critérios legais em critérios rígidos e inultrapassáveis, em critérios que excluem todos e quaisquer outros e, destarte, com a virtualidade ou potencialidade de conduzir a resultados injustos;
18. O afastamento liminar e absoluto do critério do preço de aquisição do bem expropriado é flagrantemente violador da Constituição, na medida em que a Lei Fundamental não consente que as normas legais que regem o processo de cálculo da indemnização – designadamente, os artigos 22º, 23º, 25º e 28º do Código das Expropriações de 1991 – possam ser interpretadas no sentido de excluir desse processo de cálculo outros elementos relevantes para além daqueles que expressamente constam da sua letra, na medida em que deu guarida a uma indemnização excessiva e desproporcionada face ao prejuízo sofrido pela expropriada e na medida em que se traduziu na preterição de um critério que no caso vertente era operativo, actual, justo e relevante para o cálculo da justa indemnização;
19. Uma interpretação conjugada dos artigos 22º, 23º, 25º e 28º do Código das Expropriações de 1991 no sentido de excluir do processo de cálculo da indemnização elementos relevantes para esse fim para além daqueles que expressamente constam da sua letra é inconstitucional por violação do princípio constitucional da justa indemnização e do disposto no artigo 62º da CRP;
20. Donde, uma interpretação conjugada dos artigos 22º, 23º, 25º e 28º do Código das Expropriações de 1991 que, no caso concreto, exclua o preço de aquisição do bem expropriado dos critérios relevantes para a fixação da indemnização é inconstitucional por violação do princípio constitucional da justa indemnização e do disposto no artigo 62º da CRP.”
A recorrida, por seu turno, formulou as seguintes conclusões:
“I O presente recurso, posto que não reunindo fundamento idóneo para o reconhecimento de uma inconstitucionalidade normativa, no modesto ver da recorrida, nem sequer deveria ser admitido face ao disposto no artigo 72º, n.º
2, da Lei n.º 28/82, sendo certo, também, que é representativo de uma temerária tentativa da recorrente altamente lesiva da expropriada, dado que produz uma objectiva agressão ao valor da contemporaneidade da indemnização que é um dos axiomas que deveria estar coligada à mesma a fim de que fosse efectivamente justa. II De tal tentativa flui mais uma vez uma evidente má fé do recorrente IEP quando ele próprio na fase amigável da expropriação, dirigiu uma proposta indemnizatória à expropriada de 108.834.000$00, ou seja, mais do dobro do valor da decisão arbitral que ulteriormente quis defender e cerca do dobro do valor inscrito no acto aquisitivo notarial, numa manifestação clara de ‘venire contra factum proprium’. III Para isso, de modo circular, repetitivo e arrevesado, clama a recorrente por princípio de justa indemnização cuja elasticidade fosse tal que compreendesse os critérios que lhe interessam e cegamente postula (preço aquisitivo), e que acaba por querer balizar e secundar também numa decisão arbitral dos Srs. Peritos emitida de forma perfeitamente desastrosa e surrealista, com invocação de preceitos inexistentes, revogados ou truncado, sempre em desfavor da recorrente, e também no seu perito e funcionário, a uns e outros parecendo ter acenado com o famigerado título aquisitivo como mãe de uma verdade que lhe interesse (neste caso) ou como cartilha de leitura útil e exclusiva. IV Com isso, a recorrente – que flutua sempre por cima do óbvio desatino da perícia arbitral e as dificuldades de isenção do seu perito/funcionário – olvida que a fase arbitral se caracteriza por uma decisão autotutelada pela expropriante, e que, como tal, não alardeia as garantias que só o processo judicial propriamente dito pode dar de uma verdadeira igualdade de armas entre as partes que, até ao recurso da decisão arbitral, é bem visível que não existe por força de vários preceitos do CE/91, como por exemplo, os artigos 42º, n.º 1, 47º, n.º 1, 47º, n.º 3, e 50º, n.º 1.
... VI Sucede, porém, que nem a doutrina nem a jurisprudência desse Venerando tribunal emblematicamente referenciadas pela recorrente têm o condão de conduzir ou servir de premissas à conclusão da recorrente de que o preço do título aquisitivo deverá ser tido como critério obrigatório ou sequer meramente indiciário na determinação da justa indemnização prevista no artigo 62º da CRP, mormente no caso dos solos aptos para construção como ‘in casu’ ocorre. VII Estando hoje perene e fecundamente assente que o princípio da justa indemnização se materializa através dos critérios fixados por via legislativa em termos de conduzir a um valor corrente ou de mercado, é praticamente público e notório também que, para além de outras objecções, raramente o preço aquisitivo se identifica ou reconduz àquele mesmo valor (pelas razões atrás mais profusamente e que são pública e notórias), e mesmo as avaliações/correcções por via administrativa/ fiscal produzem (ou produziam) aquela aproximação, pelo menos até à recente reforma sobre o património.
... XII A justa indemnização lapidarmente plasmada no artigo 62º, n.º 2, da CRP é um fim, não um meio. A lei fundamental deixou a cargo do legislador ordinário os critérios para atingir tal escopo, mercê de uma técnica que o Professor Alves Correia designa de ‘discricionariedade legislativa’. Sempre na senda do mestre referido e que se aplaude, à lei compete fixar os ‘critérios aptos’ à fixação de uma indemnização justa. E dos critérios fixados pela lei para a avaliação dos solos aptos para construção não consta inequivocamente o preço enxertado no título aquisitivo. XIII A jurisprudência do Ac. 131/01 desse Venerando TC que a recorrente igualmente evoca, é uma das mais eloquentes demonstrações da inexistência de qualquer inconstitucionalidade na Douta decisão recorrida. O sobredito Acórdão, proferido num momento de transição de regime jurídico relativamente às expropriações (do CE/76 pelo CE/91), referindo-se ao artigo 33º do CE/76 que considerou restritivo do princípio da justa indemnização, teve a particularidade de se pronunciar desde logo sobre os nóveis critérios de avaliação (artigo25º do CE/91) que de imediato ressalvou em relação aos limites dos critérios indemnizatórios fixados no artigo 33º do CE/76, ... XIV Na senda desta decisão, o que se conclui é que os critérios legais fixados pelo CE/91, no artigo 25º, são suficientes adequados e têm suficiente amplitude para acolher todas as vicissitudes e aspectos dignos e susceptíveis de contribuir para a fixação de uma justa indemnização do lesado. Isso, e só isso, se deve entender por ‘plasticidade bastante’ da fórmula constitucional escolhida.
... XVII A imposição que a recorrente pretende na decisão recorrida da obrigatoriedade de valorização ou de interpretação do artigo 25º e 28º com a contemporização desse critério inapto do preço do título aquisitivo levanta uma questão de ordem prática que ao Venerando Tribunal ‘ad quem’ não importa dirimir, mas que de qualquer modo evidencia a perversão e a arbitrariedade judicativa que daí poderiam advir. XVIII Com sempre ressalvado respeito por melhor opinião e modéstia acrescida crê-se que a introdução de um tal critério traduzir-se-ia, sempre e em qualquer caso, não só numa violação (ela sim) do artigo 62º, n.º 2, da CRP, como evidenciaria um novo e perverso meio de fixação de indemnizações em sede expropriativa, quer a montante, pelas razões fiscais (estas até salientadas pelo novo CIMI) e típicas das vicissitudes negociais, quer a jusante mediante a atribuição à tarefa judicativa de uma arbitrariedade e de um carácter aleatório que claramente funcionaria em desabono do objectivo maior da fixação de uma indemnização justa, mas também de um outro importante valor que é o da certeza do direito.”
4. Cumpre começar por determinar se o Tribunal Constitucional pode conhecer do recurso, tendo em conta, em especial, o obstáculo apontado pela recorrida.
Com efeito, A. sustentou, nas alegações, que o “recurso interposto, dado que não incide sobre a inconstitucionalidade de normas mas sobre a interpretação das mesmas, não teria predicados para sequer ser admitido, por restrição decorrente do n.º 2, do artigo 72º, da Lei n.º 28/82, na redacção do artigo 1º, da Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro”; e que a “arguição de inconstitucionalidade neste tipo de processo específico utilizado pelo recorrente IEP teria de passar pela demonstração ainda que mínima, da inconstitucionalidade da norma, ‘qua tale’, ou de uma sua dimensão interpretativa. O que não sucede, salvo o devido respeito por melhor opinião, no acórdão recorrido”.
Não tem fundamento esta observação, no que respeita às condições de admissibilidade do recurso. Com efeito, o recorrente define em termos suficientes uma questão de inconstitucionalidade normativa – a inconstitucionalidade das normas contidas nos preceitos que enuncia enquanto interpretadas no sentido de excluírem o preço de aquisição de entre os critérios relevantes para a fixação da justa indemnização –, da qual o Tribunal Constitucional vai conhecer.
O recorrente, por seu turno, indica no requerimento de interposição do recurso que pretende que este Tribunal “aprecie a inconstitucionalidade da interpretação conjugada dos artigos 22º, 23º e 25º do Código da Expropriações de
1991”. Todavia, nas alegações acrescenta a estes preceitos o artigo 28º do mesmo Código, o que não é possível. Com efeito, como se sabe, e independentemente de saber se não existiriam outros obstáculos à inclusão, no objecto do recurso, do citado artigo 28º, o requerimento de interposição limita o respectivo objecto às normas nele indicadas (cfr., a título de exemplo, os Acórdãos n.ºs 366/96 e 589/99, Diário da República, II, respectivamente, de 10 de Maio de 1996 e de 20 de Março de
2000). Finalmente, há que observar que não cabe no âmbito do presente recurso a apreciação do resultado da aplicação das normas que integram o seu objecto ao caso concreto, resultado que o recorrente, a terminar as alegações, considera
“flagrantemente inconstitucional”. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade destina-se, apenas, a apreciar normas.
5. Pelas razões indicadas, considera-se que o objecto do presente recurso se reconduz à “interpretação conjugada” dos artigos 22º, 23º e 25º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, “na medida em que, por força de tal interpretação, se exclua o preço de aquisição do bem expropriado dos critérios relevantes para a fixação da justa indemnização”, que o recorrente acusa de violar o princípio constitucional da justa indemnização, previsto no n.º 2 do artigo 62º da Constituição. O texto daqueles preceitos é o seguinte:
Artigo 22º
(Direito à indemnização)
1 – A expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos confere ao expropriado o direito de receber o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização.
2 – A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, medida pelo valor do bem expropriado, fixada por acordo ou determinada objectivamente pelos árbitros ou por decisão judicial, tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública.
Artigo 23º
(Cálculo do montante da indemnização)
1 – O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.
2 – O índice referido no número anterior será o publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens ou da sua maior extensão.
Artigo 25º
(Cálculo do valor do solo apto para construção)
1 – O valor do solo apto para a construção calcula-se em função do valor da construção nele existente ou, quando for caso disso, do valor provável daquela que nele seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos em vigor, num aproveitamento economicamente normal, à data da declaração de utilidade pública, devendo ter-se em conta a localização e a qualidade ambiental.
2 – Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a 10% do valor da construção, no caso de dispor apenas de acesso rodoviário, sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente.
3 – A percentagem a que se refere o número anterior será acrescida nos termos seguintes: a) Pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela –
1%; b) Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela
– 1%; c) Rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela – 1,5%; d) Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, com serviço junto da parcela – 1%; e) Rede de drenagem de águas pluviais, com colector em serviço junto da parcela – 0,5%; f) Estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento junto da parcela – 2%; g) Rede distribuidora de gás – 2%; h) Localização e qualidade ambiental – 15%.
4 – Se o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou diminuição daí resultante será reduzido ou adicionado ao valor da edificação a considerar para efeito de determinação do valor do terreno.
5 – À parte do solo apto para a construção que exceder a profundidade de 50m, relativamente a todos os arruamentos que o ladeiam, e que não possa ser aplicada na construção corresponderá no caso de ser economicamente justificável, um valor unitário de 20% do valor unitário da parte restante, determinado nos termos dos números anteriores.
6 – Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para construção, em áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, legalmente fixadas, terá ainda em consideração que: a) A percentagem será aplicada ao valor da construção efectivamente nele inserida e considerada até ao limite do lote padrão; b) Tratando-se de terreno livre, o volume e o tipo de construção a considerar para cálculo do seu eventual valor, não deverão exceder os da média das construções existentes do lado do traçado do arruamento em que se situem, compreendido entre dois arruamentos consecutivos.
6. O Tribunal Constitucional já se pronunciou inúmeras vezes sobre o sentido da exigência constitucional de que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada “mediante o pagamento de justa indemnização”, constante do n.º 2 do artigo 62º da Constituição.
Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 210/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º volume, pág. 557), observou-se que, muito embora a expressão
«justa indemnização» contida no artigo 62º, n.º 2, da Constituição, não possa ser considerada como uma fórmula vazia, o certo é que aquela norma constitucional “determina que a indemnização por expropriação deve ser justa, mas não define qualquer critério indemnizatório de aplicação directa e objectiva, nem contém qualquer indicação sobre o método ou mecanismo de avaliação do prejuízo derivado da expropriação. É este um problema de técnica legislativa, cuja escolha foi deixada pela Constituição ao legislador ordinário”. Neste mesmo sentido se afirmou, no Acórdão n.º 140/03 (Diário da República, II série, de 26 de Maio de 2003) que “o artigo 62º, n.º 2, da Constituição, ao determinar que a expropriação por utilidade pública implica o pagamento de justa indemnização, visa certamente banir a arbitrariedade e a desproporção no cálculo do valor da indemnização, mas não fixa qualquer critério rígido de cálculo do respectivo montante, cuja aplicação possa ser sindicada pelo Tribunal Constitucional em qualquer processo de expropriação”; e que não é ao Tribunal Constitucional que cabe “pronunciar-se sobre o melhor método de cálculo do valor da indemnização por expropriação por utilidade pública (...)”.
No exercício da liberdade de conformação que lhe assiste, nos quadros da Constituição, o legislador estabeleceu nos sucessivos Códigos das Expropriações, aprovados depois da entrada em vigor da Constituição de 1976, regimes jurídicos relativos ao conteúdo da indemnização muito diversos entre si e que mereceram apreciações diversas por parte deste Tribunal no que diz respeito à respectiva conformidade com o disposto no artigo 62º da Constituição.
Todavia, em todos esses regimes jurídicos se manteve, como traço persistente da manifestação daquela técnica legislativa a que alude o citado Acórdão n.º
210/93, a distinção, no que toca aos critérios de cálculo da indemnização, entre o valor do solo apto para construção e o valor de edifícios e construções
(assim, cfr. artigos 33º e 34º do Códigos das Expropriações de 1976, artigos 25º e 27º do Código das Expropriações de 1991 e artigos 26º e 28º do Código das Expropriações de 1999). E, muito embora as regras relativas ao cálculo do valor do solo apto para construção sejam diversas entre si nos diversos Códigos das Expropriações mencionados, e o sejam também as sucessivas regras relativas ao cálculo do valor dos edifícios e construções, o certo é que entre estas últimas se conta sempre, como um dos critérios a ter em conta, o preço de aquisições anteriores (cfr. artigo 34º, n.º 1, alínea e), do Código de 1976; artigo 27º, alínea d), do Código de 1991; artigo 28º, n.º 1, alínea e), do Código de 1999), enquanto as primeiras excluem tal critério.
É fácil intuir a razão desta exclusão e daquela contemplação: tratando-se do cálculo do valor do solo apto para construção, o critério orientador é o da construção que seria possível efectuar, caso não tivesse ocorrido a expropriação; tratando-se, pelo contrário, da determinação do valor dos edifícios existentes, o que importa é apurar o valor de construções já realizadas.
O recorrente não contesta esta distinção efectuada pelo Código de
1991 entre determinação da indemnização no caso do solo apto para a construção e no caso dos edifícios e construções já existentes. Ora, estando em causa, no caso dos autos, a fixação da indemnização devida pela expropriação do solo apto para construção, não se vê que seja arbitrário não considerar o critério do preço de aquisição, quando o que se pretende é alcançar
“um critério de avaliação de solos aptos para construção com a plasticidade bastante para permitir que a indemnização garanta ao expropriado uma compensação integral da perda patrimonial por aquele sofrida, e em termos de o sacrifício suportado pelo expropriado ser igualmente suportado por todos os cidadãos”, que
é o que o n.º 2 do artigo 62º da Constituição impõe, como se observou no já citado Acórdão n.º 131/2001, a propósito dos n.ºs 2 e 3 do artigo 25º agora em causa; cfr., ainda, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 417/02, 494/02 ou 140/03, os dois primeiros, publicados no Diário da República, II Série, de 17 de Fevereiro de 2002 e de 11 de Janeiro de 2003, o terceiro já atrás citado. Como se escreveu, por exemplo, no Acórdão n.º 86/2003 (Diário da República, II série, de 23 de Maio de 2003), citando doutrina e jurisprudência para a qual se remete, do princípio constitucional da justa indemnização decorre, para o legislador, a necessidade de, ao definir os respectivos critérios de cálculo, tomar em consideração, quer a “vertente do interesse público”, quer o “princípio da igualdade de encargos” entre os cidadãos. Essa necessidade “implica, como é natural, a harmonização de interesses, por princípio, contrapostos”; mas “cabe seguramente na margem de liberdade de conformação do legislador ordinário a escolha da forma concreta de tal harmonização na definição dos critérios que hão-de presidir ao cálculo da indemnização, contanto que não descure de forma inaceitável qualquer um deles (cfr. o já citado Acórdão n.º 210/93)”.
Da argumentação do recorrente resulta que considera “descurada” a referida vertente do interesse público, por conduzir a uma indemnização que, na sua perspectiva, é exagerada; verifica-se, todavia, que a argumentação que apresenta para o demonstrar é indissociável do caso concreto, caindo, assim, fora da apreciação do Tribunal Constitucional.
E a verdade é que, no plano normativo, não se encontra razão para considerar constitucionalmente imposta a consideração do valor da aquisição do prédio expropriado entre os critérios de cálculo do valor da indemnização.
Assim, decide-se negar provimento ao recurso.
Lisboa, 2 de Junho de 2004
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida