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Proc. n.º 464/04
1ª Secção Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A fls. 77 e seguintes dos presentes autos, foi proferida decisão sumária em que se decidiu negar provimento ao recurso interposto para este Tribunal por A..
Este recurso para o Tribunal Constitucional, interposto ao abrigo do artigo 70°, n° 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, tem como objecto a apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 285º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro): segundo o entendimento da recorrente, tal norma seria inconstitucional, “por violação, entre outros, dos princípios constitucionais do amplo exercício do direito da defesa, do due process of law, do direito de recurso, entre outros, nos arts. 2º, 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa”, quando interpretada “no sentido em que impõe que com o requerimento de interposição de recurso se apresentem logo as alegações e conclusões, na medida em que contém uma exigência exorbitante em contraponto com os demais recursos regulados no regime tributário geral – previsto nos arts.
281º e 282º do C.P.P.T. –, sem que para o efeito se vislumbre razão necessária, justa ou até meramente plausível”.
A decisão de não inconstitucionalidade e de não provimento do recurso, constante da decisão sumária reclamada, fundamentou-se em jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre a questão de constitucionalidade identificada pela recorrente, embora a propósito de preceitos legais diferentes.
Na decisão sumária reclamada invocaram-se e transcreveram-se, na parte considerada relevante, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
– o Acórdão n.º 588/2000 (publicado no Diário da República, II, n.º
27, de 1 de Fevereiro de 2001, p. 2212 s), em que este Tribunal decidiu que não viola o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais a norma constante do artigo 356º, n.º 1, do Código de Processo Tributário (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril), norma que, a propósito dos recursos de actos jurisdicionais, dispunha: “Os recursos das decisões de natureza jurisdicional serão interpostos por meio de requerimento com a apresentação das alegações e conclusões no prazo de oito dias a contar da notificação”;
– o Acórdão n.º 222/2000 (publicado no Diário da República, II, n.º
237, de 13 de Outubro de 2000, p. 16598 s), em que este Tribunal se pronunciou igualmente no sentido da não inconstitucionalidade, em confronto com os artigos
18º, 20º e 13º da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 113º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho), norma que, a propósito dos recursos de decisão sobre o pedido de suspensão de eficácia de acto contenciosamente impugnado, e para o que aqui releva, dispunha: “O recurso de decisão sobre pedido de suspensão de eficácia de acto contenciosamente impugnado
é interposto mediante requerimento que inclua ou junte a respectiva alegação
[...]”.
Perante a jurisprudência invocada – que diz respeito apenas a matéria de processo tributário e administrativo, não incluindo portanto outros acórdãos que trataram de questões paralelas noutros sectores do direito processual –, a decisão sumária reclamada concluiu:
“[...]
A fundamentação constante dos acórdãos mencionados é inteiramente transponível para o caso dos autos.
Pelas razões expostas nesses acórdãos, conclui-se que o regime constante do n.º 1 do artigo 285º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não diminui intoleravelmente as garantias processuais do recorrente, nem implica um cerceamento das suas possibilidades de defesa que seja de considerar desproporcionado ou intolerável: a solução processual que nessa norma se consagra não só decorre da liberdade de conformação do legislador no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, como também obedece a objectivos de celeridade e economia processual. Acresce que não se vê no prazo concretamente fixado para a apresentação de alegações (dez dias, contados da notificação da decisão recorrida) um encurtamento que se repercuta no adequado exercício do direito do recorrente de modo a retirar-lhe a possibilidade de uma tutela jurisdicional efectiva. Não pode, por isso, afirmar-se que os referidos objectivos de celeridade e economia processual sejam alcançados à custa de uma intolerável diminuição das garantias de defesa.
Em suma, a solução consagrada não é constitucionalmente censurável, quando confrontada com os artigos 2º e 20º da Constituição da República Portuguesa, invocados pela recorrente (sendo certo que, no caso dos autos, não há que ter em conta as exigências constantes do 32º, que directamente dizem respeito às garantias do processo criminal).”.
2. Notificada desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei deste Tribunal (requerimento de fls. 89 e seguintes), formulando as seguintes conclusões:
“[...]
1 - As regras do processo, em geral, não podem ser indiferentes ao texto constitucional de que decorrem implicitamente, quanto à sua conformação e organização, por força das exigências impreteríveis, que são directo corolário da ideia de Estado de Direito Democrático.
2 - O Direito de Acção, que se materializa através de processo judicial, incorpora o direito a prazos razoáveis de acção ou de Recurso.
3 - Não é justo um processo que estabeleça como que um regime regra sobre a forma de interposição do recurso (arts. 281° e 282° do C.P.P.T.) e depois, no fim de um longo diploma, estabeleça uma especialidade sobre a forma de interposição dos recursos.
4 - A forma de interposição dos recursos prevista no artigo 281° e 282° do C.P.P.T. concede uma tutela muito maior aos direitos dos contribuintes que a forma da interposição dos recursos prevista no artigo 285°, n° 1, do C.P.P.T.
5 - Dá-lhes mais tempo para fazerem as alegações, permite-lhes que não façam as alegações em vão para a hipótese de o tribunal não admitir o recurso e está mais de acordo com a forma de interposição dos recursos em processo civil.
6 - Se é verdade que existem boas e válidas razões para o julgador manter jurisprudência uniforme, em obediência ao disposto no n.º 3 do art. 8° do C. Civil, também não se ignore que a sua mais nobre função é realizar e assegurar a realização da Justiça, impedindo a manutenção de uma orientação que impeça ou dificulte desrazoavelmente a sua efectivação.
7 - Daqui resulta que o artigo 285°, n.º 1, do C.P.P.T. viola o princípio constitucional do due process of law, ínsito no art. 20° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, tal como viola o próprio princípio da proporcionalidade previsto no art. 2° da C.R.P..
8 - Tal como a norma resultante da interpretação tirada pelo Tribunal «a quo» do art. 285° n.º 1 do C.P.P.T., na medida em que impõe que com o requerimento de interposição de Recurso, se apresentem logo as alegações e conclusões, é inconstitucional, pois contém uma exigência exorbitante em contraponto com o dos demais recursos regulados no regime tributário geral – previsto nos arts. 281° e
282° do C.P.P.T. – , sem que para o efeito se vislumbre uma razão necessária, justa e até meramente plausível.
9 - Sendo certo que a aplicação analógica do disposto no n° 4 do art. 690° do C.P.Civil àquela norma permitiria contornar a sua exacerbada rigidez e dela retirar uma norma conforme à Constituição que a todos regula.
10 - Pelo que, salvo o devido e merecido respeito e mais douta opinião, a douta decisão reclamada violou e ou interpretou erradamente o conjugadamente disposto nos arts. 2° e 20° da Constituição. Termos em que e nos melhores de direito que V. Ex.as Venerandos Conselheiros, doutamente suprirão, recebido este, se requer seja dado provimento à presente reclamação e revogada a douta decisão reclamada, devendo ser declarada a inconstitucionalidade da norma tirada do disposto art. 285° n° 1 do C.P.P.T., quando é interpretada no sentido que com o requerimento de interposição de recurso, a não apresentação imediata das alegações e conclusões, conduza que tal recurso seja também no imediato declarado deserto. Com todas as devidas e legais consequências, por ser de inteira e merecida Justiça.
[...].”
3. Notificada para se pronunciar sobre a reclamação apresentada, a Fazenda Pública não respondeu (cfr. cota de fls. 98).
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. A decisão sumária reclamada, que negou provimento ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional, em consequência do julgamento de não inconstitucionalidade da norma que constitui o objecto do recurso, fundamentou-se na jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sobre a questão de identificada pela recorrente.
Tal decisão sumária foi proferida ao abrigo do disposto no artigo
78º-A, n.º 1, da LTC, uma vez que se encontravam preenchidos, no caso, os pressupostos que esta disposição exige para uma decisão individual do relator no Tribunal Constitucional. Na verdade, nos termos do citado artigo 78º-A, n.º 1,
“se entender que [...] a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal [...], o relator profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal”.
Na reclamação agora deduzida, a reclamante manifesta o seu desacordo relativamente à decisão sumária emitida nos autos e à doutrina subjacente aos acórdãos proferidos por este Tribunal, reiterando a sua opinião no sentido da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 285º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (cfr. n.ºs I e II da reclamação) e sustenta que tal inconstitucionalidade poderia ser “contornada” com a “aplicação analógica do n.º 4 do artigo 690º do Código de Processo Civil” (cfr. n.º III da reclamação).
Nos n.ºs I e II da reclamação, não aduz a reclamante qualquer argumento novo, que não tenha sido considerado nos acórdãos em que se firmou a jurisprudência seguida, e que seja susceptível de alterar o sentido da posição adoptada pelo Tribunal Constitucional.
Quanto à problemática suscitada no n.º III da reclamação – que não era sequer enunciada no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional –, não configura a mesma uma questão de inconstitucionalidade normativa e não cabe portanto na competência deste Tribunal.
Não sendo invocado na reclamação qualquer argumento novo, susceptível de pôr em causa a conclusão de não inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 285º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, nada mais resta pois do que confirmar o decidido.
III
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão reclamada, que negou provimento ao recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 22 de Junho de 2004
Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos