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Processo n.º 897/03
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.O Município de A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto da sentença proferida no Tribunal Judicial da Comarca de --------------, em 6 de Janeiro de 2003, que o condenou a pagar a B. e outros a quantia de € 8 120, a título de indemnização pelo condicionamento do aproveitamento construtivo de um terreno devido à implantação de uma conduta de saneamento e pela desvalorização resultante da total disponibilidade para ser ocupado para reparação e execução de obras na conduta. Tal recurso não foi admitido, por despacho do relator no Tribunal da Relação do Porto datado de 3 de Julho de 2003, com o seguinte teor
(a fls. 182 dos autos no tribunal reclamado):
“O presente processo, requerido (…) para fixação de indemnização devida pela desvalorização do prédio dos requerentes por força da passagem de uma conduta de saneamento, é regulado pelo Dec.-Lei n.º 34 021, de 11 de Outubro de 1944 (que declarou de utilidade pública as pesquisas, os estudos e os trabalhos de abastecimento de águas potáveis ou de saneamento de aglomerados populacionais), cujo art. 4º prescreve que as indemnizações a que houver lugar serão fixadas por acordo entre as entidades interessadas na execução das obras e os proprietários ou possuidores que a elas tiverem direito, e que, na falta de acordo, será a indemnização fixada, definitivamente, pelo juiz de direito da comarca da situação dos terrenos – § 1º –, precedendo avaliação efectuada por uma comissão de três peritos – § 2º –, dentro dos limites de cujos laudos fixará o juiz, em sentença fundamentada, a indemnização devida – § 6º. Dispondo o § 1º pela forma sobredita – a indemnização será fixada, definitivamente, pelo juiz da comarca –, entende-se, tal como o suscita a apelada, como questão prévia, nas suas contra-alegações, que não há recurso da decisão que foi impugnada, sendo certo que este Tribunal não está vinculado pela decisão da 1ª instância que o admitiu (art. 687º, n.º 4, do C.P.C.). Pelo exposto, julgo inadmissível o recurso.” O município demandado pretendeu então interpor, ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional (abreviadamente Lei do Tribunal Constitucional), recurso de constitucionalidade deste despacho, por entender que “o § 1º do art. 4º do DL
34021, de 11 de Outubro de 1944 (…) viola o princípio da garantia de acesso ao direito e aos tribunais, que inclui um direito a recurso”, não tendo este recurso de constitucionalidade sido admitido, por despacho de 14 de Outubro de
2003, com o fundamento de que “do despacho de fls. 182 não cabe, a meu ver, recurso – cfr. art. 700º, n.º 3, do CPC”.
2.É contra este despacho que vem apresentada a presente reclamação, nos termos do artigo 77º da Lei do Tribunal Constitucional, com as seguintes conclusões:
“1 – Na presente acção, com um valor de 750 001$00 foi o Município de A. condenado a pagar a título de indemnização, por implantação de umas condutas de
água, o montante de € 8 120.
2 – Não se conformando com tal decisão, interpôs o recorrente o competente recurso de apelação, que foi admitido pelo MM. Juiz a quo, tendo o Desembargador-Relator no Tribunal da Relação julgado o recurso como não admitido.
3 – Não se conformando com tal decisão, interpôs o recorrente recurso desse despacho para o Tribunal Constitucional.
4 – Esse recurso não foi admitido pelo Desembargador-Relator, não concordando o recorrente com esse despacho pelos seguintes motivos: a) O recorrente apenas no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional suscitou a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Desembargador-Relator a uma norma, porque só nessa fase processual tal foi possível, pelo que dessa decisão cabe recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 70º, n.º 1, b), da LTC. b) Do despacho recorrido já não cabia qualquer recurso ordinário nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 70º da LTC, porque não era possível reclamar para a conferência, nem era possível reclamar para o Presidente do Tribunal da Relação – cfr. arts. 668º e 200º, n.º 3, do CPC. c) A recorrente tem legitimidade para recorrer – art. 72º, n.º 1, b), e n.º 2, da LTC. d) A recorrente indicou os elementos previstos no n.º 2 do art. 75º-A da LTC.”
O Ministério Público neste Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da falta de fundamento da reclamação, por não se verificar um dos pressupostos de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta interposto pela entidade recorrente: o esgotamento dos recursos ordinários, e salientou que
“na sua argumentação, a entidade reclamante confunde duas situações processuais distintas: a não admissão de um recurso – em que efectivamente de tal decisão do juiz que proferiu a decisão recorrida não cabe reclamação para a conferência, por a lei de processo estabelecer um específico meio impugnatório, nos termos do art. 688º do CPC; e, por outro lado, a decisão proferida pelo relator, no tribunal ‘ad quem’, em consequência do ‘exame preliminar’ previsto nos arts.
700º e 701º do CPC, aplicando-se, neste caso, obviamente a possibilidade consentida pelo n.º 3 deste art. 700º – que a reclamante não utilizou.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.A presente reclamação carece evidentemente de fundamento, por falta de verificação de um dos requisitos processuais para o recurso que se pretendeu interpor: o esgotamento dos recursos ordinários, exigido pelo artigo 70º, n.ºs 2 e 3, da Lei do Tribunal Constitucional. Segundo aquele n.º 2, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 deste artigo 70º cabe apenas “de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam”, e, nos termos do n.º 3, são equiparadas a recursos ordinários, para este efeito – isto é, tornando-se necessário o seu esgotamento, se couberem no caso, antes do recurso para o Tribunal Constitucional –, “as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência.” Ora, no presente caso o recurso foi interposto imediatamente do despacho do Desembargador-Relator no Tribunal da Relação do Porto que, no “exame preliminar” previsto no artigo 701º do Código de Processo Civil, entendeu (na sequência da questão prévia suscitada pelos recorridos) que obstava à tomada conhecimento do recurso a circunstância de este ser inadmissível, sendo certo que a decisão de admissão do recurso na 1ª instância não vinculava o Tribunal da Relação, nos termos do artigo 687º, n.º 4, do mesmo Código. Ora, desse despacho do relator cabia reclamação para a conferência, nos termos do artigo 700º, n.º 3, do Código de Processo Civil, segundo o qual, “[s]alvo o disposto no artigo 688.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão (…)”. Na verdade, é claro que – diversamente do que parece entender a entidade reclamante – não se tratava do caso previsto nesse artigo 688º, que regula a reclamação contra o indeferimento ou retenção do recurso (a sua não admissão) no tribunal a quo. Antes o despacho de que a ora reclamante pretendeu interpor logo recurso procedeu ao seu exame preliminar, no tribunal ad quem, e concluiu pela impossibilidade de dele se tomar conhecimento, por o recurso não ser admissível. Não estava, pois, em causa qualquer não admissão do recurso no tribunal recorrido, mas sim um despacho do relator no tribunal ad quem, contra o qual cabia reclamação para a conferência, nos termos do artigo 700º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que a entidade reclamante não utilizou, como devia fazer, nos termos do artigo 70º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, se pretendia vir a interpor o recurso de constitucionalidade em questão. Por falta de esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam – no presente caso, por falta de reclamação para a conferência do despacho do relator no tribunal ad quem de que se pretendeu logo recorrer –, não podia, pois, admitir-se o recurso de constitucionalidade, e, por conseguinte, a presente reclamação não pode ser deferida.
III. Decisão Nos termos e pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar a reclamante em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 28 de Janeiro de 2004
Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos