Imprimir acórdão
Proc. n.º 50/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A. recorreu para a Relação do Porto da sentença proferida em 29 de Maio de 2002 no Tribunal Judicial do Marco de Canaveses que o condenara pela prática de um crime de fraude fiscal (artigo 23º ns. 1, 2 alínea a), 3 alínea a) e 4 do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras – Decreto-Lei 20-A/90 de 15 de Janeiro) na pena de 200 dias de multa à razão de 24,94 euros/dia. O recurso improcedeu por acórdão de 4 de Junho de 2003. O recorrente reclamou, imputando ao aresto omissão de pronúncia determinante de nulidade; mas, em acórdão de 8 de Outubro de 2003, a Relação do Porto desatendeu, por improcedente, a reclamação.
A. recorreu então para o Tribunal Constitucional, com invocação do disposto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC, alegando ter sido “violado o princípio da proporcionalidade das penas ínsito no artigo 71º do Código Penal” e, que “a questão de inconstitucionalidade e ilegalidade” fora suscitada pelo recorrente na alegação do recurso interposto da sentença da 1ª instância. O recurso foi admitido na Relação do Porto. Já no Tribunal Constitucional o recorrente foi convidado, nos termos do artigo 75º-A n. 5 da LTC, a completar o requerimento de interposição do recurso “mediante a indicação precisa da decisão recorrida, da norma que acusa de inconstitucional, e da norma ou do princípio constitucional que considera violado.”
O recorrente respondeu nos seguintes termos:
“1 – O Acórdão-recorrido aplica o artigo 23º n. 4 do RJIFNA num entendimento de que a multa aí prevista não pode ser inferior ao valor da vantagem patrimonial pretendida e considerando que esta vantagem patrimonial pretendida é igual à vantagem patrimonial obtida.
2 – Esta decisão pode ver-se melhor no despacho que se pronunciou sobre nulidades arguidas pelo recorrente.
3 – Considera-se que a norma em causa é, de per si, inconstitucional, como também o será o entendimento do Acórdão que equipara a vantagem patrimonial pretendida à vantagem patrimonial obtida.
4 – Tal norma e entendimento referidos ofendem o princípio da proporcionalidade das penas ínsito no artigo 18º da CRP e ainda o artigo 71º do Código Penal.”
Face a esta resposta, foi lavrado despacho a declarar deserto o recurso, nos termos do n. 7 do artigo 75-A da LTC. O despacho é do seguinte teor:
“Através do convite formulado a fls. 172 pretendeu-se conhecer qual a decisão de que pretende recorrer o recorrente. Conforme se observa do requerimento de fls.
174 o recorrente não deu resposta a esta questão, nuclear para conhecer do recurso. Assim, nos termos do artigo 75-A n. 7 da LTC, julgo deserto o recurso.”
Inconformado, o recorrente reclama para a conferência, pedindo que o despacho seja revogado e, em consequência, admitido o recurso.
A reclamação é assim formulada:
1 - Se bem se percebe, o despacho reclamado declarou o recurso deserto por falta de uma declaração expressa do recorrente indicando que a decisão recorrida era o Acórdão da Relação do Porto proferido no processo n.º 505/03, 4ª Secção.
2 - Se é assim, reconhece-se que de facto essa declaração faltou. Mas será que por tal motivo deve o recorrente ser penalizado por uma decisão tão drástica e gravosa como é a que declara o recurso deserto ?
3 - Entende-se que não! Seria coarctar um direito fundamental, com base em motivo secundário e meramente formal.
4 - Na verdade a única decisão recorrida só pode ser a que é referida no ponto 1 desta reclamação.
5 - Pois é o único acórdão que foi proferido no processo além de que no requerimento de interposição do recurso, foi expressamente dito que o recurso era interposto desse acórdão.
6 - Acresce que no requerimento apresentado neste Tribunal, em resposta a despacho do Ex.mo Conselheiro Relator, convidando ao completamento do requerimento de interposição do recurso, o recorrente mencionou sempre o único Acórdão-recorrido que até à data foi proferido no processo ou seja o Ac. da Relação do Porto mencionado no ponto n.º 1 desta reclamação.
7 - Se a questão é pois esta, não nos parece correcta, nem justa, nem legal, a decisão de declarar o recurso deserto.
8 - Face ao exposto entende-se que o recorrente cumpriu todos os requisitos legais de interposição no recurso para este Tribunal.
O representante do Ministério Público responde à reclamação nos seguintes termos:
“1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Na verdade, o reclamante – apesar de notificado para aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso, especificando qual a decisão recorrida
– não o fez em termos minimamente adequados – e sendo tal convite obviamente pertinente, face à prolação de vários arestos no Tribunal recorrido.”
Cumpre decidir.
Reconhece o reclamante que, apesar do convite adrede formulado, não identificou expressamente a decisão de que pretendia recorrer. E é bem certo que constitui
ónus do recorrente identificar inequivocamente a decisão de que recorre e que esse ónus deve ser cumprido no requerimento de interposição de recurso, momento em que se fixa o âmbito do recurso de constitucionalidade e em que são analisados os respectivos requisitos – artigos 70º n. 1 alínea b), 71º n. 1 e
72º n. 2 da LTC. Acresce que, no caso presente, foram proferidos dois acórdãos no tribunal recorrido, podendo o recorrente recorrer de qualquer um deles, sendo ainda certo que no requerimento apresentado a fls. 174 o recorrente fez referência a mais do que uma decisão contendo a interpretação normativa impugnada, o que, obviamente, lança uma dúvida irremediável sobre qual a decisão impugnada no presente recurso. Por força destas circunstâncias, a referência ao
“acórdão recorrido” – significando que o recorrente pretende impugnar uma decisão – não aponta necessariamente para uma delas, não permitindo, enfim, seleccionar a que é recorrida. Não é, pois, verdade o que o reclamante afirma na sua reclamação: o Tribunal recorrido proferiu duas decisões de que o interessado podia interpor recurso (fls. 141 e fls. 160); e também é certo que o próprio interessado se referiu a mais do que uma decisão do Tribunal recorrido, designadamente quando mencionou “o despacho que se pronunciou sobre nulidades arguidas pelo recorrente” indicação que, apesar de formalmente incorrecta, se reporta manifestamente ao segundo aresto daquele Tribunal.
De qualquer modo, também se deixa expresso que o recurso, mesmo que pudesse ser reportado ao acórdão que o recorrente agora identifica como recorrido, nunca poderia ser conhecido por falta dos necessários requisitos e, desde logo, porque a questão de inconstitucionalidade se não mostra adequadamente suscitada: em lugar de apresentar carácter normativo, surge imputada à própria decisão, o que
é inadmissível.
Termos em que se decide indeferir a reclamação, mantendo o despacho reclamado. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.
Lisboa, 5 de Maio de 2004
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos