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Proc. nº 599/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
Acordam em conferência na 1ª Secção do Tribunal Constitucional.
1. Notificados da decisão sumária de fls. 687/690 vêm os recorrentes A. e B. reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A nº 3 da LTC, nos seguintes termos:
“(...) Os arguidos deveriam nos termos do artigo 75º, nº 5 da LTC ter sido convidados a reformularem o seu recurso o que não sucedeu, verificando-se assim a violação deste preceito legal. Para além de que foram suscitadas durante o processo questões de inconstitucionalidade normativa, nomeadamente quando se refere a questão da violação do artigo 13º da CRP, ao ter sido aplicada aos arguidos uma pena de prisão suspensa sob condição do pagamento de determinada quantia em dinheiro, pois os arguidos serão forçados a cumprir uma pena de prisão por não terem dinheiro para fazer face ao pagamento da quantia em divida, ao passo que qualquer outra pessoa com melhores condições económicas efectuaria o pagamento e assim deixaria de ter de cumprir uma pena de prisão; trata-se assim de uma autêntica prisão por dividas. Para além de que os arguidos entendem, com o devido respeito, que o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra viola o artigo 13º e 32º da Constituição da República Portuguesa, ao deliberar a não admissibilidade do recurso, e não conhecendo das nulidades invocadas. Na verdade, o referido preceito legal consagra que estão asseguradas todas as garantias de defesa aos arguidos, tendo estes sempre o direito ao recurso, o que não sucedeu. Termos em que deverá o recurso dos arguidos ser admitido, notificando-se os arguidos para dar cumprimento ao previsto no artigo 75º-A da LTC, conhecendo-se do recurso.
(...)”
O Ministério Público respondeu pugnando pelo não atendimento da reclamação.
Assentou a decisão sumária na seguinte fundamentação:
“(...)
2. O requerimento de interposição do presente recurso não satisfaz, em diversos aspectos, os requisitos estabelecidos no artigo 75º-A, nº 1 da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro (LTC). Não obstante esta circunstância, não se justifica, sendo tão evidente a inadmissibilidade do recurso, formular o convite previsto no artigo 75º-A, nº 5 da LTC, já que isso em circunstância alguma teria a virtualidade de possibilitar o conhecimento do recurso. Daí que se opte, desde já, pela prolação de uma decisão sumária, nos termos do artigo 78º-A, nº 1 da LTC.
2.1. Os recorrentes, entre outras omissões, não indicaram a alínea/fundamento, de entre as constantes do nº 1 do artigo 70º da LTC, ao abrigo da qual recorrem. Porém, a única hipótese minimamente plausível é a de que pretendem fundar o recurso na alínea b) do nº 1 do referido artigo 70º. Se assim é - e não se vê que outro fundamento de recurso de constitucionalidade poderia estar em causa aqui – haveria que ter sido suscitada, “durante o processo”, uma questão de inconstitucionalidade normativa. Importa aqui recordar que o controlo de constitucionalidade que, relativamente a decisões de outros tribunais, a Constituição comete a este Tribunal é um controlo de natureza normativa, que tem por referencial normas aplicadas, não obstante arguidas de inconstitucionais (alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC), ou normas desaplicadas (no caso da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da LTC) com fundamento em desconformidade constitucional. A intervenção do Tribunal Constitucional não passa, porque o nosso ordenamento não prevê o recurso de amparo, pela apreciação das próprias decisões judiciais recorridas, na perspectiva da sua conformidade com normas ou princípios constitucionais. Ora, da simples leitura do requerimento de interposição do recurso resulta, como já resultava de todas as anteriores intervenções processuais dos recorrentes, que o que se pretende é a crítica, em alguns casos por referência a normas constitucionais, das próprias decisões, não tendo estado em causa, jamais, qualquer concreta questão de constitucionalidade normativa. O que os recorrentes pretendem – e dizem-no inequivocamente no requerimento de interposição – é, enfim, que se determine se a decisão recorrida “viola o artigo 13º e 32º da CRP, ao deliberar a não admissibilidade do recurso, e não conhecendo das nulidades invocadas” (fl. 682). Nesta conformidade, sendo patente a não verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, reporte-se ele ao Acórdão de fls. 623/644, ao de fl.
659 ou ao despacho do Relator de fl. 678 (o que, lendo o requerimento de interposição, não resulta suficientemente claro), resta proferir uma decisão de não admissão.
(...)”
2. São duas as questões referidas pelos recorrentes como fundamento da reclamação: o entendimento de que suscitaram durante o processo questões de inconstitucionalidade normativa; a afirmação de que lhes devia ter sido formulado o convite previsto no artigo 75º-A, nº 5 da LTC.
2.1. Relativamente ao primeiro aspecto, sublinha-se que os recorrentes persistem no equívoco quanto ao sentido da função de controlo normativo cometida a este Tribunal.
A questão de inconstitucionalidade suscitada seria, segundo os recorrentes , a seguinte:
“(...) violação do artigo 13º da CRP, ao ter sido aplicada aos arguidos uma pena de prisão suspensa sob condição do pagamento de determinada quantia em dinheiro, pois os arguidos serão forçados a cumprir uma pena de prisão por não terem dinheiro para fazer face ao pagamento da quantia em dívida, ao passo que qualquer outra pessoa com melhores condições económicas efectuaria o pagamento e assim deixaria de ter de cumprir uma pena de prisão, trata-se assim de uma autêntica prisão por dividas. (...)”
Ora, colocado o problema nestes termos – e é como os recorrentes o colocam – torna-se evidente a ausência de qualquer referencial normativo a confrontar com normas ou princípios constitucionais, e, enfim, que a pretensão dos recorrentes se traduz, pura e simplesmente, na apreciação da própria decisão recorrida. Isto, porém, como se indicou na decisão sumária e se repete aqui, está fora do
âmbito da função de controlo normativo.
2.2. Da mesma forma não existiam motivos – e assim se aprecia o segundo fundamento da reclamação – para a formulação do convite referido no nº 5 do artigo 75º-A da LTC. Este, com efeito, aplica-se a situações de incompletude do requerimento de interposição do recurso, por referência aos requisitos constantes dos nºs 1 a 3 do artigo 75º-A, e não, como aqui sucede, na ausência dos pressupostos do recurso (no sentido de que o convite se não justifica quando faltam os pressupostos do recurso, cfr. o Acórdão nº 543/03, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt ).
3. Assim, pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
Custas pelos recorrentes/reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 7 de Julho de 2004
Rui Manuel Moura Ramos Artur Maurício Luís Nunes de Almeida