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Proc. n.º 235-A/04
3ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., ora reclamante, foi condenado por sentença, de 16 de Outubro de 2000, pela prática de um crime de abuso de confiança, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, tendo-lhe sido declarados perdoados 3 (três) anos desta pena de prisão, com determinadas condições resolutivas. Foi ainda condenado a pagar ao assistente B. o contravalor em escudos das quantias expressas em moeda estrangeira discriminadas na decisão, acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos, e, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 10.000.000$00, acrescida de juros vincendos.
2. Desta sentença foi interposto recurso pelo réu A. e pela assistente C., tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 21 de Janeiro de 2003, decidido
“negar provimento aos recursos, confirmando, na sua plenitude a decisão recorrida”.
3. Inconformado, interpôs o réu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 15 de Outubro de 2003, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando, em consequência, o acórdão recorrido.
4. Notificado desta decisão veio o ora reclamante arguir a nulidade consistente na falta de notificação do parecer do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, proferido ao abrigo do artigo 664º do CPP de 1929, e pedir a aclaração da decisão.
5. Por acórdão de 3 de Dezembro de 2003, o Supremo Tribunal de Justiça desatendeu a arguida nulidade. Considerou, por um lado, que o parecer não tinha
“novidade agravativa da responsabilidade criminosa do Réu”, pelo que “não carecia de lhe ser notificado”; por outro, que, mesmo que se entendesse que se estava em presença de irregularidade processual, se mostrava exaurido “o prazo processual de arguição, de 5 dias, nos termos do art.º 100.º, do CPP, de 1929, a contar da notificação do acórdão proferido”; e, finalmente, que, “de todo o modo o juiz só deve atender à arguição se a irregularidade puder influir no exame e decisão da causa, nos termos do § 1.º, do predito art.º 100.º o que não ocorre.”
6. Após a prolação deste aresto veio o ora reclamante apresentar três requerimentos. No primeiro, de 15 de Dezembro de 2003, invocou o recorrente a irregularidade processual consistente na não notificação para pagamento da multa e acréscimo legal, de acordo com o artigo 145º, n.º 6, do Código de Processo Civil, pela apresentação fora de prazo do requerimento em que arguiu a nulidade da falta de notificação do parecer do Ministério Público. Nos apresentados em 19 de Dezembro, pediu, no de fls. 12.719, a aclaração do acórdão de 3 de Dezembro de 2003, na parte que se refere à decisão da nulidade da falta de notificação daquele parecer, e, no de fls. 12.721, arguiu a nulidade do acórdão de 15 de Outubro de 2003, invocando os vícios de falta de fundamentação, excesso de pronúncia e contradição entre os fundamentos de facto e a decisão.
7. Tais questões foram apreciadas pelo STJ, que, por acórdão de 21 de Janeiro de
2004, decidiu “desatender, pela falta de razão lógica, à invocada emissão de guias, considerando desnecessário o pedido de esclarecimentos, e, sem pertinência a arguição de nulidade do acórdão, o que conduz a uma conduta processual anómala, de reputar incidente, em cuja condenação vai o réu condenado em € 500, a título de imposto de justiça”. Ao assim decidir, chamou o STJ a atenção para o facto de já antes ter concluído que a omissão de notificação do parecer não prejudicava o exercício do direito de defesa, por não ser novidade para o arguido a sua matéria, que uma tal “omissão geraria, quando muito, mera irregularidade processual, nos termos do art.º 100.º, do CPP, de 1929” e que
“àquela somente seria de atender, nos termos do seu 1.º, interferindo no exame e decisão da causa, eventualidade de arredar”. Concluiu, então, que, “estando afastada a possibilidade de resposta, aquela petição de guias não mais titula do que acto pura e simplesmente inútil, efeito indesejado, comprometendo a marcha processual”.
8. Em 4 de Fevereiro de 2004, veio o ora reclamante interpor recurso para o Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Outubro de 2003, com fundamento da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das normas constantes dos artigos 7º, nº1, do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Dezembro, 1º da Lei n.º 43/86, de 26 de Novembro, 18º, 19º, 21º, n.ºs 1 e 3, e
32º do Decreto-Lei n.º 30.689, de 27 de Agosto de 1940 e 363º, 351º, 444º, 447º,
448º e 494º, do Código de Processo Penal de 1929.
9. Nessa data, apresentou ainda três requerimentos. No de fls. 12.775, requereu a aclaração do acórdão de 21.01.2004, na parte em que “apreciou e decidiu a arguida irregularidade processual, da falta de passagem de guias para pagamento da multa prevista no artigo 145º, n.ºs 5 e 6, do CPC”. No de fls. 12.776 arguiu várias nulidades do “Acórdão que aclarou a anterior decisão, sobre a arguida falta de notificação do parecer do M.P.” No de fls. 12.779 requereu a reforma do acórdão, quanto à condenação em custas.
10. Por despacho do Relator no Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Fevereiro de
2004, foi decidido admitir o recurso para o Tribunal Constitucional, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo. Foi ainda decidido, autuar, em separado, os restantes requerimentos, para ulterior decisão.
11. Quanto ao recurso de constitucionalidade interposto em 4 de Fevereiro de
2004, foi, pelo Relator do processo no Tribunal Constitucional, proferida decisão sumária, em 26 de Fevereiro, na qual se negou provimento ao recurso, não julgando organicamente inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 78/87,de 17 de Fevereiro, na parte em que dispõe que os processos pendentes à data da entrada em vigor do novo Código de Processo Penal continuam a reger-se pela lei antiga, até ao trânsito em julgado da decisão que lhes ponha termo. Quanto ao mais, foi decidido não tomar conhecimento do objecto do mesmo.
12. Quanto aos três requerimentos de fls. 12.775 e seguintes, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 3 de Março de 2004, decidiu “indeferir aos referidos aclaramentos e reforma em termos de custas”, afirmando, nomeadamente, o seguinte:
“[...] O acórdão em causa não padece de qualquer falta de clareza, de obscuridade ou ambiguidade, escrito como está em linguagem cristalina e inteligível.[...] Depois de se ter esclarecido que a omissão da notificação do parecer do M.º P.º prejudicava a emissão de guias por pura inutilidade processual, o arguido insistiu na emissão. Da razão de não emissão, já foi esclarecido pelo acórdão de
21.1.2004. Reincidiu, agora, mais uma vez. [...] Nos termos do art.º 720.º n.ºs 1 e 2, do C PC, procurando o Réu obstar, por forma evidente ao trânsito em julgado do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, bastando atentar nos sucessivos requerimentos que endereçou a este STJ, a decisão dos requerimentos de 4 de Fevereiro processa-se já por apenso.[...]”
13. É nesta sequência que foi interposto o presente recurso, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
“[...], recorrente nos autos à margem referenciados, vem, em tempo e ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República e
70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, recorrer para o Tribunal Constitucional dos Acórdãos de 03.12.03, que desatendeu a arguição da nulidade da falta da notificação do parecer do M.º P.º e julgou exaurido o respectivo prazo de arguição, de 21.01.03, que desatendeu a arguição da nulidade da falta de notificação, emissão e entrega de guias, para pagamento da multa prevista no n.º 6 do artigo 145.º do CPC e de 03.03.04, que desatendeu o pedido de reforma do anterior Acórdão quanto à sua condenação em custas e confirmou o processamento, por apenso, dos incidentes em curso. O recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade das seguintes normas, a saber:
- artigo 664º do CPP de 1929, que foi aplicado na decisão recorrida com a interpretação de que a notificação em causa não é obrigatória, quando, como foi o caso, o M.º P.º não se limitou ao visto;
- artigo 100.º do CPP de 1929, aplicado na decisão recorrida com o sentido de que o prazo de arguição da nulidade era de cinco dias, estava exaurido e a nulidade não podia influir na decisão da causa;
- artigo 145.º, n.ºs 5 e 6 do CPC, aplicado na decisão recorrida com a interpretação de que inexistia utilidade endoprocessual que permitisse a prática do acto em causa e recusou a existência dos vícios apontados;
- artigo 43.º, n.º 2, alínea c), do CCJ, 'com sucessivas alterações', com a dimensão normativa aplicada na decisão recorrida, que considerou anómalo o acto processual e julgou não haver lugar à reforma da condenação em custas;
- artigo 720.º, n.ºs 1 e 2 do CPP, com a interpretação aplicada na decisão recorrida, no sentido de qualificar abusiva a conduta processual do recorrente e de processar os incidentes por apenso. As apontadas interpretações/aplicações das normas em apreço violam os seguintes princípios constitucionais:
- do acesso à tutela jurisdicional efectiva, do direito às garantias de defesa, do contraditório, da igualdade de armas e do direito a um processo criminal equitativo, plasmados nos art.ºs 20.º, n.ºs 1 e 4 e 32.º, n.ºs 1 e 5 da CR. As inconstitucionalidades referidas em primeiro e terceiro lugar foram suscitadas, expressa e pregressamente, nos requerimentos em que se arguiram as correspondentes nulidades; e as estantes foram produzidas de forma inovatória, insusceptível de ser prevista, constituindo uma autêntica surpresa. [...]”.
14. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
“[...] 14. Admitido o recurso no Supremo Tribunal de Justiça, cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do seu objecto, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, n.º 3 da LTC). Na verdade, pretende o recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade de diversas normas. Antes, porém, de proceder à análise, importa fazer uma advertência. De facto, dada a natureza da intervenção do Tribunal Constitucional no âmbito do processo de fiscalização concreta, restrita
à apreciação da questão de constitucionalidade da(s) norma(s) aplicada(s), não está em causa neste recurso, nem poderia estar, a determinação de qual a “melhor interpretação” das normas infraconstitucionais questionadas. Nesta sede, apenas haverá que verificar, se para tal estiverem presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, se a interpretação normativa efectivamente utilizada pela decisão recorrida, como ratio decidendi, é ou não conforme à Constituição.
14.1. Tendo sempre presente esta advertência, recordemos a sequência processual que deu origem ao presente recurso. No presentes autos, o recorrente, em requerimento autónomo (fls. 12.671), veio arguir nulidade processual traduzida na não notificação para responder ao parecer do Ministério Público, emitido ao abrigo do artigo 664º do CPP de 1929. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 3 de Dezembro de 2003, desatendeu a referida arguição, decisão que fundamentou, como já atrás se aludiu, nos seguintes termos:
“[...] O direito de defesa do arguido em nada foi afectado; o parecer não carecia de lhe ser notificado. Mas se se entender, sem, contudo, conceder, que se está em presença de irregularidade processual, por não estar tal omissão compendiada no elenco das nulidades processuais previstas no CPP de 1929 , o prazo processual de arguição, de 5 dias, nos termos do art.º 100.º, do CPP, de 1929 , a contar da notificação do acórdão proferido, data da notificação de um termo no processo, no dizer legal, mostra-se exaurido. Desatende-se, pois, à arguição da nulidade. De todo o modo o juiz só deve atender à arguição se a irregularidade puder influir no exame e decisão da causa, nos termos do § 1.º, do predito art.º 100.º o que não ocorre. [...]” O Recorrente veio reagir a esta decisão, “ao abrigo do disposto no artigo 100º do CPP de 1929”, alegando que, tendo o requerimento em que arguiu aquela nulidade processual sido apresentado no terceiro dia útil subsequente ao termo do respectivo prazo, não teria sido notificado para pagar a multa e acréscimo legal referidos no n.º 6 do artigo 145º do CPC, o que traduziria “irregularidade processual insuprível”. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 21 de Janeiro de 2004, desatendeu a referida arguição, decisão que fundamentou nos seguintes termos:
“[...] O Réu terá presente que este STJ concluiu - apoiando-se , de resto, em jurisprudência do TC - que a omissão de notificação de tal parecer não prejudica o exercício do direito de defesa do arguido; com a matéria de facto e de direito vertida no aludido parecer já o Réu [...] foi confrontado em duas condenações, de outros tantos tribunais, que aquela apontaram, não sendo surpresa, novidade, para si, não havendo lugar à notificação. Este STJ, ponderou, ainda, que, a omissão geraria, quando muito, mera irregularidade processual, nos termos do art.º 100.º, do CPP, de 1929, e, complementarmente, significou que àquela somente seria de atender, nos termos do seu 1.º, interferindo no exame e decisão da causa, eventualidade de arredar. Movendo-nos dentro destes parâmetros e na evidente lógica que, inevitavelmente, deles emana, só haveria que emitir as requeridas guias, nos precisos termos daquele art.º 145.º, do CPC, reconhecendo-se utilidade endoprocessual a tal acto, ou seja, e bem clarificando, se se reconhecesse que podia produzir resposta. Estando afastada a possibilidade de resposta, aquela petição de guias não mais titula do que acto pura e simplesmente inútil, efeito indesejado, comprometendo a marcha processual, a teleologia do processo, enquanto série concatenada de actos em vista da realização da justiça material, acolhendo tal proibição um princípio geral de direito processual - cfr. art.ºs 137.º, do CPC e 1.º do CPP de 29. [...]”
14.2. No contexto do recurso interposto destes acórdãos de 3 de Dezembro de 2003 e de 21 de Janeiro de 2004, pretende o recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 145º, n.ºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, “com a interpretação de que inexistia utilidade endoprocessual que permitisse a prática do acto em causa e recusou a existência dos vícios apontados”. Em rigor, pode considerar-se que, neste ponto, o recorrente não suscita, porém, uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa. De facto, ao definir a questão com o sentido de que “inexistia utilidade endoprocessual que permitisse a prática do acto em causa” (itálicos aditados), o recorrente está a imputar a eventual inconstitucionalidade não a uma norma, mas à própria decisão recorrida. Ora, é jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, estando em causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82 e assim tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. Na verdade, ao contrário dos sistemas em que é admitido recurso de amparo, nomeadamente na modalidade de amparo dirigido contra decisões jurisdicionais que, alegadamente, violam directamente a Constituição, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal não se destina ao controlo da decisão judicial recorrida, como tal considerada, como sucede quando a discordância se dirige a esta última, mas, pelo contrário, ao controlo normativo de constitucionalidade da norma aplicada. Assim sendo, nada há, quanto a este ponto, que o Tribunal possa conhecer. Agora apenas se aditará que, ainda que se admitisse, o que apenas se faz a benefício do raciocínio, que o recorrente pudesse ter suscitado uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, ela deveria, então, formular-se nos seguintes termos: é a norma contida no n.º 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil, inconstitucional, designadamente por violação dos princípios do contraditório, do acesso ao direito, da igualdade de armas ou das garantias de defesa do arguido em processo penal, se interpretada em termos de considerar desnecessária a notificação para o pagamento da multa e acréscimo legal que ali se refere quando o acto que foi praticado fora do prazo sempre tiver, por outras razões, que não a da sua intempestividade, de improceder, e, portanto, quando tal acto não for susceptível de influir no exame e na decisão da causa? A ter sido assim colocada - como teria de sê-lo, em face da decisão recorrida - a resposta à questão de constitucionalidade seria simples, por ser manifestamente infundada. De facto, é, desde logo, evidente que nada na Constituição obriga o legislador ordinário a estabelecer a possibilidade, como faz o n.º 5 do art. 145º do Código de Processo Civil, de, independentemente de justo impedimento, poderem as partes, mediante o pagamento de uma multa, praticar actos processuais depois de esgotado o prazo normal para eles estabelecido. Da mesma forma, optando o legislador por prever essa possibilidade, também não corresponde a qualquer imposição constitucional a previsão, agora constante do n.º 6, de, não tendo as partes procedido ao pagamento voluntário e imediato da multa, serem as mesmas notificadas pela secretaria para procederem ao seu pagamento, desta vez em dobro. Nada haveria, em suma, de inconstitucional, se não existisse, sequer, a faculdade – em rigor, a benesse - prevista naquele artigo 145º. Mas, se assim é, torna-se então evidente que também não seria inconstitucional – designadamente, por violação dos princípios invocados pelo recorrente – uma interpretação restritiva dessa mesma benesse, em termos de considerar que, por evidentes razões de economia e celeridade processual, só haveria lugar à notificação para o pagamento da multa e acréscimo legal a que se refere aquele n.º 6 quando tal acto pudesse ser susceptível de influenciar o sentido da decisão da causa.
14.3. – O recorrente pretende ainda ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 100º do CPP de 1929, preceito que, na parte ora relevante, tem o seguinte teor:
“Qualquer irregularidade do processo, não compreendida no artigo 98º, só pode determinar a anulação do acto a que se refere e dos termos subsequentes que ela possa afectar, quando tenha sido arguida pelos interessados [...] no prazo de 5 dias a contar daquele em que foram notificados para qualquer termo do processo
[...].
§ 1.º O juiz só deverá atender a arguição das nulidades a que este artigo se refere quando [...] puderem influir no exame e decisão da causa [...]”. Entende o recorrente que este preceito é inconstitucional quando interpretado
“com o sentido de que o prazo de arguição da nulidade era de cinco dias, estava exaurido e a nulidade não podia influir na decisão da causa.” Em rigor, pode igualmente considerar-se que, neste ponto, o recorrente não suscitou nem suscita verdadeiras questões de constitucionalidade normativa. Com efeito, tal como vimos acontecer em relação à questão apreciada anteriormente, igualmente aqui a questão de constitucionalidade, tal como vem colocada pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso, não vem imputada a uma norma, mas à própria decisão recorrida, quer na parte em que considerou estar exaurido o prazo de 5 dias fixado naquele artigo, quer na parte em que considerou que a nulidade arguida pelo recorrente não podia influir na decisão da causa. Pelo exposto, também neste ponto se verifica que nada há que o Tribunal Constitucional possa conhecer. Mas, ainda que se admitisse, sempre em exercício feito apenas a benefício do raciocínio, que o recorrente pudesse ter suscitado verdadeiras questões de constitucionalidade normativa, elas deveriam ter sido formuladas nos seguintes termos: é o artigo 100º do CPP de 1929 inconstitucional, na parte em que estabelece um prazo de 5 dias para a arguição das nulidades nele previstas? É o artigo 100º, § 1, inconstitucional, na parte em que estabelece que “o juiz só deverá atender a arguição das nulidades a que este artigo se refere quando puderem influir no exame e decisão da causa? A ser assim, porém, a resposta a qualquer destas questões de constitucionalidade hipoteticamente formuladas não poderia, manifestamente, deixar de ser negativa. Quanto à primeira questão, porque resulta evidente que o estabelecimento de um prazo de cinco dias para arguir uma mera irregularidade processual não diminui intoleravelmente as garantias processuais do recorrente, nem implica um cerceamento das suas possibilidades de defesa que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável, em termos de dever considerar-se que estamos perante uma solução constitucionalmente censurável. Com efeito, não se vê no prazo concretamente fixado um encurtamento que se repercuta no adequado exercício do direito do recorrente de modo a retirar-lhe a possibilidade de uma tutela jurisdicional efectiva. Não pode, por isso, afirmar-se, que os objectivos, constitucionalmente fundados, de celeridade e economia processual, que subjazem à solução normativa encontrada, sejam alcançados à custa de uma intolerável diminuição das garantias de defesa. Quanto à segunda questão, porque também se afigura inequívoco que aquela solução normativa, quando se trate efectivamente de mera irregularidade que não pode
“influir no exame e decisão da causa” - questão que não caberia a este Tribunal apreciar - nada tem de inconstitucional, mais não sendo do que uma decorrência lógica de uma regra, também constitucionalmente fundada em razões de economia e celeridade processual, de obviar à prática de actos processuais inúteis.
14.4. Pretende, ainda, o recorrente que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade do artigo 664º do CPP de 1929, quando interpretado em termos de não ser necessária a notificação do arguido para se pronunciar sobre o parecer do Ministério Público, quando este “não se limitou ao visto”. Porém, em função do anteriormente decidido, o julgamento desta questão de constitucionalidade torna-se inútil. Na verdade, tendo o acórdão recorrido considerado que, ainda que tivesse havido irregularidade na omissão de notificação ao recorrente para responder ao parecer do Ministério Público, a mesma não só estaria sanada pela sua não arguição tempestiva, mas também não tinha de ser considerada por não poder influir no exame e decisão da causa, inútil seria um eventual juízo do Tribunal Constitucional sobre a questão que, agora, vem colocada. É que, ainda que, nesta parte, o Tribunal Constitucional viesse a dar razão ao recorrente, sempre a reclamação por nulidade seria de rejeitar, na perspectiva da decisão recorrida, ao menos por intempestiva, solução que este Tribunal, como se deixou dito, não pode sindicar do ponto de vista da constitucionalidade, por não estarem presentes os pressupostos de admissibilidade do respectivo recurso. Ora, conforme o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 337/94 e 3/2000 – publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 4 de Novembro de 1994 e de 8 de Março de 2000
-, e os Acórdãos n.ºs 283/97, 556/98, 490/99 - disponíveis na página Internet do Tribunal Constitucional, no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), o recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental. Isso significa, como se afirmou no Acórdão n.º 556/98, já citado, que “o recurso de constitucionalidade
é um recurso instrumental, só fazendo sentido dele conhecer quando a decisão que o resolve se pode projectar com utilidade sobre a causa”, concluindo-se assim
“que dele se não deva conhecer quando se não verifique qualquer efeito útil do mesmo sobre ela”. Não pode, assim, também neste ponto, tomar-se conhecimento do objecto do recurso.
14.5. Finalmente, a concluir o requerimento de interposição do recurso, peça que delimita o respectivo objecto, pretende o recorrente, no contexto do recurso que interpõe dos acórdãos de 21 de Janeiro de 2004 e de 3 de Março do mesmo ano, ver apreciada a constitucionalidade do “artigo 43.º, n.º 2, alínea c), do CCJ, «com sucessivas alterações», com a dimensão normativa aplicada na decisão recorrida, que considerou anómalo o acto processual e julgou não haver lugar à reforma da condenação em custas”, e do “artigo 720.º, n.ºs 1 e 2 do CPP, com a interpretação aplicada na decisão recorrida, no sentido de qualificar abusiva a conduta processual do recorrente e de processar os incidentes por apenso”. Acontece, porém, que, nesta peça e no que aos referidos preceitos respeita, é claro que não vem ali colocada qualquer questão de constitucionalidade normativa susceptível de integrar o recurso que o recorrente pretendeu interpor e de, como tal, ser objecto de decisão por parte do Tribunal Constitucional. Com efeito, como resulta evidente do referido requerimento, o que o recorrente verdadeiramente questiona, e pretende ver apreciado por este Tribunal, é a própria decisão judicial recorrida, em duas diferentes dimensões: por um lado, na parte em que nela se “considerou anómalo o acto processual”, e, consequentemente, em aplicação dos artigos 43.º, n.º 2, alínea c), do Código das Custas Judiciais, se julgou não haver lugar à reforma da condenação em custas; e, por outro, na parte em que a mesma considerou “abusiva a conduta processual do recorrente” e, consequentemente, em aplicação do artigo 720º do Código de Processo Civil, ordenou o processamento dos incidentes por apenso, condenando, ainda, o recorrente no pagamento de € 500 , a título de imposto de justiça. Em suma: o que vem impugnado não são as normas constantes dos artigos 43.º, n.º
2, alínea c), do Código das Custas Judiciais e 720º do Código de Processo Civil, em si mesmas consideradas, mas o juízo de subsunção efectuado na decisão judicial que as aplicou, questão que, por não respeitar a uma inconstitucionalidade normativa, excede manifestamente os poderes de cognição do Tribunal Constitucional. É, assim, evidente que não pode, nesta parte, conhecer-se do objecto do recurso. Assim sendo, pelas razões que supra, detalhadamente, se expuseram, há que concluir não poder tomar-se conhecimento do objecto do presente recurso.[...]”
15. Entretanto, no processo que corre os seus termos neste Tribunal sob o n.º
158/04 (cfr. supra, ponto 11.), foi proferido acórdão determinando a extracção de traslado e a imediata remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 720º do Código de Processo Civil, pelo que, em consequência do aí decidido, idêntica decisão se tomou nestes autos, através do Acórdão n.º 212/2004.
16. Inconformado com a decisão sumária, o recorrente apresentou, então, a presente reclamação para a Conferência, através de requerimento do seguinte teor:
“[...],recorrente nos autos à margem referenciados, em que são recorridos o Ministério Público e outros, não se conformando com a decisão sumária de
17.03.04, notificada em 22.03.04, vem, ao abrigo do artigo 78.º-A-3, da LTC, reclamar para a conferência, nos termos seguintes: Questão prévia O procedimento criminal prescreveu, pelo que o presente recurso é inútil. Com efeito, a tese do crime continuado foi afastada. A decisão penal condenatória em causa imputou ao R a autoria de um único crime de abuso de confiança, que é um crime de resultado e que não é permanente, continuado ou tentado. O artigo 118.º- 1, do CP82 determina que o prazo de prescrição do procedimento criminal desse crime começa a correr desde o dia em que o facto se consumou. A consumação do crime de abuso de confiança ocorre no momento em que o agente dispõe da coisa como se fosse seu dono. Assim, no caso sub specie, o momento da consumação foi o de 07.04.84, data da primeira entrega ou depósito, em que o resultado típico foi obtido pela realização inicial da conduta. Os ulteriores depósitos são irrelevantes para esse efeito. Apenas relevam para efeitos de determinação da medida da pena. Todos os elementos constitutivos do tipo - sujeito - objecto - acção dano, completaram-se naquela data. Por outro lado, o despacho de pronúncia pelo crime de abuso de confiança só foi proferido pelo Acórdão da Relação, na sequência do correlativo recurso e só com o seu trânsito em julgado se revelou a possibilidade efectiva de se vir a aplicar o regime daquele crime ao caso concreto. Esse despacho de pronúncia só foi notificado ao R. na audiência de julgamento. O Tribunal Constitucional considera inconstitucional a norma constante da alínea a) do n° 1 do artigo 120° do CP82, interpretada no sentido de que a prescrição se interrompe com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução (Ac. 122/2000, de 23.02, proc.º 257/99, DR, II série, de 06.06.2000). Por isso, não se verificou essa (ou qualquer outra) causa suspensiva da prescrição. Logo, quando ocorreu a notificação do despacho de pronúncia, já se tinha verificado a prescrição do procedimento criminal, pelo decurso contínuo do prazo fixado na alínea b) do nº 1 do artigo 117.º do mesmo diploma legal. De qualquer modo, considerando a data da consumação e perante o disposto no n° 3 do artigo 120.º do citado CP, verifica-se, sempre, a prescrição do procedimento criminal. Entendimento contrário sobre a aplicação/interpretação das citadas normas do CP82 ofende os princípios da paz jurídica, da certeza, da segurança, da necessidade de imposição de pena e da proporcionalidade, que se extraem dos artigos 2°, 18°, n° 2, 29º e 32° , n° 2 da Constituição. Nesta conformidade e dado que não se verifica qualquer impedimento legal para a apreciação da questão suscitada, que é de invocação e conhecimento oficioso, em qualquer momento do processo, dado que o instituto da prescrição do procedimento criminal tem natureza penal substantiva, requer a baixa do processo para que o tribunal competente decida a questão suscitada da prescrição do procedimento criminal. Isto posto, entremos, agora, na apreciação da decisão O art.º 664.º do CPP29 dispõe que os recursos, antes de irem aos juízes que têm de os julgar, irão com vista ao M.º P.º , se a não tiver tido antes. A este propósito suscitou-se a questão da constitucionalidade, pois a norma era passível de violação dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, se não se desse à outra parte o direito de resposta. Sobretudo quando o M.º P.º emita parecer sobre o mérito da questão criminal divergente do posicionamento adoptado no tribunal recorrido. O acórdão do TC de 06.05.87, BMJ 367 - 211 trata exaustivamente essa questão e permitimo-nos remeter para a argumentação ali expendida. O art.º 32° da Constituição assegura todas as garantias de defesa e atribui ao arguido todos os direitos e instrumentos adequados para defender-se e contrariar a acusação. Ora, no caso vertente, no 'visto' o M.ºPº. alterou e ampliou, substancialmente, em sentido desfavorável ao R. o alegado pelo seu colega nas alegações apresentadas no tribunal da Relação. Na verdade, enquanto o seu colega preconizou a procedência parcial do recurso, com a substituição da pena para 3 anos de prisão, dada a factualidade fixada, o M.ºP.º, no Supremo Tribunal de Justiça, sustentou a manutenção da pena de 5 anos de prisão. Além de ter desenvolvido considerações inovatórias sobre a factualidade adquirida, altamente agravativas. Portanto, só não se verifica a inconstitucionalidade desse preceito se for atribuído ao R. o direito de responder ao parecer do M.º P.º. Pois bem. No caso em apreço, não foi atribuído esse direito fundamental ao R. Saliente-se que o parecer do M.º P.º foi transcrito na decisão e influenciou-a. A simples leitura da mesma prova que o conteúdo desse parecer foi tido em consideração. Arguida a correlativa nulidade, foi decidido, em contrário da evidência espelhada nos autos, que o conteúdo desse parecer não atingia a esfera de defesa do R., sendo, por isso, dispensável a sua audição; que se trataria de uma mera irregularidade e, como tal, face ao disposto no art.º 100.º do CP29, teria que ser arguida no prazo de 5 dias, mostrando-se exaurido o respectivo prazo de arguição; e que, de qualquer modo, não podia influir na decisão. O Tribunal Constitucional, na esfera de competência que lhe é própria, não está vinculado àquelas qualificações. Os textos legais em questão foram aplicados com um sentido literal que viola o citado princípio constitucional.
É de acentuar que o prazo de 5 dias, primitivamente consignado para arguir nulidades foi substituído pelo de 10 dias, nos termos do disposto na alínea b) do n° 1 do art.º 6.º do DL 329-A/95, de 12.12, que adaptou os anteriores prazos
à regra da continuidade. No entanto, a decisão recorrida olvidou essa regra legal. Com resulta do carimbo de entrada, o requerimento em que foi arguida a nulidade entrou dentro do prazo legal - de 10 dias - aplicável. Portanto, a aplicação, que foi efectiva, como ratio decidendi, das normas em apreço, realizada pelo acórdão recorrido, violou, frontalmente, o disposto no citado art.º 32.º e, ainda, o estatuído no art.º 20.º da Constituição. O reclamante considera que a relevância das duas questões de inconstitucionalidade que acaba de referir ofusca a das demais. Pelo que circunscreve a reclamação àquelas inconstitucionalidades. O reclamante, salvo o devido respeito, discorda da fundamentação da decisão sumária quanto às mesmas questões. Com efeito, ao não ter acesso a desenvolver, em sede de alegações, as questões de inconstitucionalidade que, sucintamente, suscitou no requerimento de interposição do recurso, o reclamante está amputado de um direito fundamental.
É que, conforme demonstrou supra, as questões que pretende ver apreciadas, agora circunscritas, são, verdadeiramente, de inconstitucionalidade normativa, no plano instrumental do recurso. A decisão recorrida aplicou as questionadas normas com um sentido tal, que, atingiu, de uma forma irrazoável, sem dúvida, os direitos do reclamante, como arguido, no plano do exercício do contraditório, da igualdade de armas, da garantia de um processo equitativo e da salvaguarda da tutela jurisdicional efectiva. Acresce que a utilidade do recurso de constitucionalidade é patente e manifesta, dado o plano em que se situam, na esfera do exercício dos seus direitos fundamentais, enquanto arguido e cidadão. Deste modo, com a presente reclamação, pretende-se que a decisão sumária seja substituída, de modo a que se sigam os termos do recurso . Termos em que, solicita que a presente reclamação seja atendida, com o consequente prosseguimento do recurso. […]”
17. O Ministério Público, notificado da presente reclamação, respondeu da seguinte forma:
“[...] 1 - Existe uma relação de manifesta precedência lógico jurídica entre as questões de constitucionalidade que o reclamante suscitou - funcionando como verdadeira 'questão prejudicial' e fundamental a que vem reportada à norma que estabelece o prazo legal para arguir nulidades 'secundárias' no Código de Processo Penal de 1929.
2 - Na verdade, assente que tal arguição foi intempestiva, ficam naturalmente precludidas e ultrapassadas as restantes questões colocadas em torno da necessidade da notificação do parecer exarado nos autos pelo Ministério Público.
3 - Importa notar liminarmente que o reclamante carece, em absoluto, de razão quando invoca em seu benefício o estatuído na alínea b) do n° 1 do artigo 6° do Decreto-Lei n° 329-A/95, que adaptou certos prazos processuais à regra da continuidade: na verdade - e por um lado, como resultava do n° 3 deste artigo
6°, - tal regime não era naturalmente aplicável no domínio do processo penal, como decorria, aliás, em termos inquestionáveis do facto de a lei de autorização legislativa
- a Lei n° 33/96, de 18 de Agosto - não legitima[] alterações no processo penal
(tendo sido a Lei n° 59/98, que aprovou as alterações ao Código de .Processo Penal de 1987, que realizou a 'adaptação' dos prazos vigentes em processo penal
à referida regra da continuidade ).
4 - Acresce que o referido artigo 6° apenas se aplica aos prazos estabelecidos em diploma a que seja 'subsidiariamente' aplicável o Código de Processo Civil: prevendo expressamente o Código de Processo Penal de 1929 um prazo de 5 dias, é evidente que o mesmo não foi, nem podia ser, alterado por um diploma que apenas incidia sobre normas do processo civil.
5 - Ora, a questão colocada em tomo do referido artigo 100º do Código de Processo Penal de 1929, interpretada em termos de fazer incidir sobre quem arguir nulidades 'secundárias' do processo um prazo de 5 dias, contados do conhecimento ou cognoscibilidade da irregularidade processual cometida, não viola qualquer princípio constitucional.
6 - Tal prazo aparece justificado, por um lado, em função da tutela indispensável dos valores da eficácia e celeridade, obrigando os sujeitos processuais a invocar rapidamente os vícios, não tipificados na lei, que entendam inquinar o processo. E, por outro lado, tal prazo é adequado e suficiente para exercitar o direito de arguição das irregularidades, não implicando qualquer dificuldade grave e insuperável para a parte.
7 - A manifesta improcedência desta questão - tida como fundamental ou prejudicial – “apaga” naturalmente [o] interesse em apreciar as demais.”
O recorrido B. veio aos autos sustentar a manutenção da decisão de não conhecimento do recurso, aderindo aos fundamentos constantes da decisão sumária recorrida. Os restantes nada disseram.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação
18. Na decisão sumária reclamada considerou-se que não estavam preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, invocada pelo recorrente. O recorrente vem reclamar desta decisão, suscitando duas ordens de questões: uma, prévia, sobre eventual prescrição do procedimento criminal; e, outra, sobre as questões de constitucionalidade que terá suscitado.
18.1. Em relação à questão da eventual prescrição, o ora reclamante veio requerer a baixa do processo. Ora, sendo manifesto que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a questão da prescrição e tendo sido determinada, no Acórdão n.º 212/2004, a remessa dos autos ao tribunal a quo, está a mesma pretensão prejudicada.
18.2. Em relação às questões de constitucionalidade, o ora reclamante pretendeu interpor recurso para apreciação de questões relacionadas com cinco diferentes normas. A decisão reclamada considerou que, em relação a quatro dessas normas, não tinham sido suscitadas questões de constitucionalidade normativa, mas, quando muito, questões de constitucionalidade reportadas à própria decisão recorrida; em relação à restante, dado que o recurso de constitucionalidade é um recurso instrumental, só fazendo sentido dele conhecer quando a decisão que o resolve se pode projectar com utilidade sobre a causa, concluiu-se que dele se não podia conhecer pois, tendo a decisão recorrida diversos fundamentos, - insusceptíveis de serem postos em causa no presente recurso - não se verificaria qualquer efeito útil do mesmo sobre ela. Assim, foi decidido não tomar conhecimento do objecto do recurso em relação a todas as questões suscitadas.
O recorrente vem reclamar desta decisão, circunscrevendo, todavia, a sua reclamação apenas às questões relacionadas com os artigos 100º e 664º do Código de Processo Penal de 1929, conformando-se com a decisão tomada em relação às restantes questões.
Alega, no essencial, naquilo que releva para a presente reclamação, o seguinte:
“[...] O reclamante, salvo o devido respeito, discorda da fundamentação da decisão sumária quanto às mesmas questões. Com efeito, ao não ter acesso a desenvolver, em sede de alegações, as questões de inconstitucionalidade que, sucintamente, suscitou no requerimento de interposição do recurso, o reclamante está amputado de um direito fundamental.
É que, conforme demonstrou supra, as questões que pretende ver apreciadas, agora circunscritas, são, verdadeiramente, de inconstitucionalidade normativa, no plano instrumental do recurso.[...]”
Ou seja, a decisão reclamada entendeu, por um lado, que a questão reportada ao artigo 100º do CPP de 1929, tal como suscitada pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso, que delimita o objecto do mesmo, não era uma questão de constitucionalidade normativa e, por isso, dela não conheceu. Aliás, em aditamento não essencial, ainda esclareceu como seria possível suscitar uma tal questão e como ela seria, então, infundada. O ora reclamante discorda, o que é legítimo, sem, todavia, adiantar qualquer argumento que possa fazer modificar o decidido.
A decisão reclamada entendeu, por outro lado, que era inútil conhecer do recurso em relação à norma do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929. O ora reclamante discorda mais uma vez, sem que, contudo, tendo-se, aliás, conformado com o decidido em relação a outras três das questões suscitadas, adiante qualquer argumento que possa infirmar os fundamentos da decisão.
Finalmente, em relação à afirmação de que, não tendo podido alegar, está
“amputado de um direito fundamental”, importa referir que o conhecimento do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, exige que estejam presentes os respectivos pressupostos de admissibilidade. Não estando, como não estão, por não ter o recorrente suscitado questões de constitucionalidade normativa, só a este é tal facto imputável, não se traduzindo, deste modo, na amputação de qualquer direito.
Assim sendo, e pelas razões já detalhadamente constantes da decisão reclamada, que mantém inteira validade e em nada é infirmada pela presente reclamação, é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que o recorrente pretendeu interpor.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 4 de Maio de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida