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Processo n.º 542/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - Nos autos de recurso supra identificados, em que é recorrente A., foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1 - A., com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alíneas b) e i) (segundo segmento) da LTC, do acórdão que indeferiu o requerimento de fls. 718/719 dos autos (acórdão da Relação de Guimarães de fls. 726 e segs.).
No requerimento de interposição de recurso, o recorrente começa por aludir a acórdão da Relação de Guimarães que confirmou decisão de 1ª instância que rejeitara o requerimento para abertura de instrução, censurando a sua fundamentação e alegando (i) que 'o douto Acórdão apresenta um conteúdo inconstitucional', porquanto de entre todos os factos alegados apenas menciona alguns, (ii) que ele viola as normas dos artigos 97º n.º 4, 287º n.º 3, 374º n.º
2, 379º n.º 1 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, 20º n.ºs 1, 4 e 5,
62º n.º 1 e 202º n.ºs 1 e 3 da Constituição e (iii) que o 'o Acórdão viola ainda, no entender do assistente, os artigos 6º n.º 1 e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem', subsistindo, ainda a 'nulidade insanável do artº 119º do Código de Processo Penal'.
Relata, depois, que recorreu desse acórdão para o STJ, mas, apercebendo-se do erro na indicação dos preceitos do CPP ao abrigo dos quais o recurso seria permitido requereu ao Tribunal da Relação de Guimarães a conversão desse recurso em arguição de nulidades, conversão 'admissível por analogia com o disposto na segunda parte do n.º 3 do artigo 687º do CPC', entendendo ainda que o Tribunal teria o dever de declarar a nulidade insanável do artigo 119º alínea d) do CPP em qualquer fase processual.
Depois de dizer que 'tal declaração não foi proferida', acrescenta:
'20 - Acresce que a falta notória de fundamentação da decisão da Relação de Guimarães viola o doutamente decidido no exemplar Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/98, de 02/12, proc. n.º 456/95, in DR II Série, de 5 de Março de 1999.
21 -
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22 - Tendo o assistente recorrido para a conferência do despacho do relator que não admitiu a conversão das alegações de recurso em arguição de nulidades, os Senhores Desembargadores da Relação de Guimarães voltaram a indeferir o requerimento do assistente que consta a fls. 718 e 719.'
Refere, depois, que o Tribunal da Relação de Guimarães errou ao decidir que o prazo para arguição de nulidades se mostrava expirado.
E conclui:
'28 - O Tribunal da Relação de Guimarães proferiu uma decisão inconstitucional ao recusar a aplicação a este caso concreto do n.º 3 do artº
687º do CPC, o que revela que a interpretação que foi feita desta norma, além de estar em contradição com o douto Acórdão do STJ [de 14/03/2000 in 'Sumários'
39/17], também viola a Constituição.
29 - Foi também violado o exemplar Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 690/98, de 02712.
30 - Por outro lado, a contagem do prazo, feita pelo Tribunal da Relação de Guimarães viola a norma do artº 254º n.º 2 do Cód. Processo Civil e bem assim a norma do n.º 1 do artº 105º do Cód. Proc. Penal.
31 - Finalmente, é de referir que a inconstitucionalidade das diversas decisões da Relação de Guimarães influem na decisão de mérito.'
Cumpre decidir.
2 - O recurso vem, como se disse, interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alíneas b) e i) (segundo segmento) da LTC.
No que concerne ao recurso interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea i) (segundo segmento), é manifesto que se não verificam os pressupostos deste recurso.
Com efeito, o recurso previsto tem como fundamento a aplicação de norma constante de acto legislativo em contrário com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional; mas esta 'questão' relaciona-se com a aplicação de norma em confronto com 'uma convenção internacional', não podendo ler-se o segundo segmento do preceito, desligado do primeiro.
Ora, não se vê no acórdão recorrido qualquer julgamento deste teor, não sendo o caso a invocada falta de fundamentação da decisão judicial.
Sempre se dirá - e a entender-se que a falta de fundamentação se reporta ao agora recorrido (e não - como parece - ao acórdão que confirmou a rejeição do requerimento de instrução) que a questão suscitada não é de constitucionalidade de uma determinada interpretação normativa mas da própria decisão recorrida, o que não é admissível como objecto do recurso para o Tribunal Constitucional.
3 - O acórdão recorrido é - como se disse - o acórdão de fls. 726 que confirmou o despacho do relator que indeferiu um requerimento do ora recorrente no sentido de 'converter' umas alegações de recurso em arguição de nulidades ao abrigo do artigo 687º n.º 3 do CPC (supostamente aplicável por analogia).
Lê-se nesse acórdão na parte que interessa:
'O acórdão desta Relação foi proferido em 24/03/03 e foi notificado
à parte através de cata registada remetida em 25/03/03 (cfr. fls. 685). ocorrendo a presunção de notificação em 28/03/03, nos termos do artigo 113º n.º
2 do CPP.
Sendo assim já há muito se esgotou o prazo de dez dias para a arguição de nulidade do acórdão de 24/03/03 (cfr. artºs 105º n.º 1 e 425º n.º 4, ambos do CPP) carecendo de qualquer apoio legal a pretendida conversão das alegações de recurso em arguição de nulidades.'
Ora, deste trecho do aresto impugnado resulta claramente que o fundamento decisivo da indeferimento da reclamação é a extemporaneidade da arguição de nulidades em que o recorrente pretendia ver 'convertidas' as alegações de recurso.
Sobre essa matéria, não pode o Tribunal Constitucional exercer qualquer censura, restrita a sua competência à apreciação da constitucionalidade de normas.
O que, desde logo, significa que a norma do artigo 687º n.º 3 do CPC não foi aplicada no acórdão recorrido como ratio decidendi.
E, sendo assim, soçobra um dos pressupostos do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC - a aplicação da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada como ratio decidendi.
4 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 Ucs.'
O recorrente vem agora reclamar para a conferência da referida decisão sumária.
Na sua reclamação, depois de aceitar que o recurso não deveria ter sido interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea i) da LTC - concordando, assim, com a decisão de não conhecimento do objecto do recurso interposto nos termos daquela disposição legal - o recorrente insurge-se contra o facto de se não ter conhecido - agora tendo em conta o recurso interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC - da inconstitucionalidade das normas dos artigos 105º n.º 1 do CPP e 254º n.º 2 do CPC, muito embora admita que o Tribunal não possa sindicar o juízo de extemporaneidade, com que foi rejeitada a arguição de nulidade
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público sustenta que a reclamação deve ser indeferida.
Cumpre decidir.
2 - No que concerne ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, a decisão sumária não conheceu do objecto do recurso
- que entendeu ser a norma do artigo 687º n.º 3 do CPC - com fundamento em que a decisão impugnada tinha como ratio decidendi a extemporaneidade da arguição de nulidade.
Tal fundamento em nada é abalado pela reclamação em apreço; àquele entendimento da decisão sumária parece até aderir o reclamante, para quem - e esta é a razão essencial da sua discordância - o Tribunal deveria ter apreciado a constitucionalidade das normas dos artigos 105º n.º 1 do CPP e 254º n.º 2 do CPC.
Mas sem qualquer razão.
Com efeito, como se deixa transcrito, o reclamante não imputou a tais normas, no requerimento de interposição de recurso, qualquer inconstitucionalidade. O que fez foi apenas dizer que 'a contagem do prazo, feita no Tribunal da Relação de Guimarães viola a norma do artigo 254º n.º 2 do Cod. Processo Civil e bem assim a norma do artigo 105º n.º 1 do Cod. Processo Penal' (n.º 30 do requerimento).
Mas, sendo assim, situada a questão no âmbito do direito infraconstitucional, não tinha o Tribunal Constitucional, com competência limitada ao conhecimento de questões de constitucionalidade, que sindicar aquele juízo.
Deste modo, e sem necessidade de outras considerações, nada há que censurar à decisão reclamada.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 13 de Julho de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida