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Proc. n.º 687/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - A., com os sinais dos autos, reclama para este Tribunal do despacho que lhe não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, dos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em 29/1/04 e 18/03/04.
O despacho reclamado, de 22/04/04, expressa-se nos seguintes termos:
'Não recebo o recurso interposto, dado que o Acórdão em que foi abordada a questão que brigaria com o princípio ou o direito de defesa consignado no artº 32º, n.º 1 da CRP foi proferido em 29 de Janeiro passado, tendo já sido ultrapassado há muito o prazo para interposição do recurso, atenta a notificação do recorrente, conforme cota de fls. 545.'
Na cota de fls. 545 consta que o mandatário do recorrente foi notificado do acórdão de 29/01/04 através de carta registada em 02/02/04.
O acórdão de 18/03/04 foi notificado ao mesmo mandatário através de carta registada em 22/03/04.
O recurso para este Tribunal foi interposto em 02/04/04.
O reclamante fundamenta a sua reclamação em duas ordens de razões: por um lado, na não notificação do arguido (mas apenas do seu mandatário) do acórdão de 29/01/04 e, por outro, no facto de apenas se terem esgotado os recursos ordinários com a prolação do acórdão de 18/03/04.
O Exmo Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
2 - Resulta dos autos o seguinte:
Por acórdão de 7/12/01, proferido pelo 2º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial da Comarca do Seixal, o ora reclamante foi condenado como autor de um crime p.p. pelos artigos 131º e 132º n.ºs 1 e 2 al. d) do Código Penal e de um crime p.p. pelos artigos 1º n.º 1 alínea b) e 6º da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, na pena única de 17 anos e três meses de prisão e a pagar ao filho da vítima a quantia de 10.000.000$00.
Por acórdão da Relação de Lisboa foi ordenada a baixa dos autos à 1ª instância para se sanar o vício, se possível pelos mesmo juízes, em que incorrera aquele primeiro aresto, por não se ter enumerado, como provados ou não provados, determinados factos descritos na contestação.
Por discordar do modo como fora sanado aquele vício - sem renovação da prova - em contrário do que o arguido entendia ser o sentido do citado acórdão da Relação de Lisboa, o ora reclamante interpôs novo recurso para a mesma Relação.
Por acórdão de 09/04/03, o recurso foi rejeitado por manifesta improcedência.
De novo inconformado, o arguido recorreu para o STJ.
Na motivação deste recurso, o recorrente manteve o entendimento de que se deveria ter procedido à renovação da prova, pondo em causa o facto de, sem ela, os juízes se socorrerem da prova produzida na anterior audiência de julgamento, que, pelo tempo entretanto decorrido, teria perdido eficácia.
E disse, nas conclusões que interessam:
'14ª - A interpretação dada pelo acórdão recorrido viola o princípio da imediação da prova, consequentemente, o disposto no artigo 328º n.º 2 do C.P.Penal e o artigo 32º n.º 1 da CRP.
15ª - O tribunal recorrido, ao não se ter pronunciado sobre o pedido constante das conclusões 9ª e 10ª do seu recurso, violou o disposto no artigo
32º n.º 1 da CRP.' [as conclusões 9ª e 10ª reportavam-se ao pedido de atenuação da pena].
Por o relator entender que o recurso deveria ser conhecido em conferência, por ser de rejeitar, o STJ proferiu acórdão em 29/1/04.
Nele, foi, no essencial, decidido que o primitivo acórdão da Relação de Lisboa não obrigava à renovação da prova e que era impertinente invocar a perda de eficácia da prova nos termos do artigo 328º n.º 6 do CPP no ponto em que esta disposição se refere tão-só à continuidade da audiência de julgamento, dizendo-se, ainda, a propósito que '(...) o princípio constitucional da defesa do arguido não foi minimamente beliscado, uma vez que o arguido teve toda a possibilidade de se defender na audiência de julgamento, na qual foi, como se disse, produzida toda a prova. Relativamente à reformulação da decisão, não tinha que defender-se, a não ser, eventualmente, por meio de recurso, como aconteceu'; pronunciou-se, ainda, sobre a invocada nulidade por omissão de pronúncia, concluindo que ela se não verificava.
Concluiu o mesmo aresto julgando 'improcedentes as questões prévias formuladas pelo recorrente A., devendo o processo prosseguir para audiência para a decisão sobre o mérito da decisão recorrida quanto à questão da medida da pena.'
Por acórdão de 18/03/2004, a pena única em que o recorrente fora condenado foi reduzida para 14 anos e dois meses de prisão.
O reclamante interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC dos acórdãos de 29/1/04 e
18/03/04, 'para serem conhecidas as inconstitucionalidades suscitadas nos seus recursos por violação do disposto no artigo 32º, n.º 1 da CRP'.
3 - Em primeiro lugar, há que interpretar, nos seus devidos termos, o despacho reclamado.
Este despacho apenas se pronuncia, expressamente, sobre o recurso interposto do acórdão de 29/1/04.
Reconhece-se, contudo, que, implicitamente, também ele se pronuncia sobre o acórdão de 18/3/04. E, quanto a este, o que fica implícito é que a questão de constitucionalidade (violação do artigo 32º n.º 1 da CRP) suscitada pelo recorrente se não referia à matéria julgada naquele aresto.
E é, de facto, assim.
Com efeito, como se deixou relatado, aquela questão de constitucionalidade (e sem agora curar de saber se correctamente suscitada para efeitos do disposto no artigo 70º n.º 1 da LTC) foi levantada pelo recorrente, na motivação do recurso para o STJ, apenas a propósito da pretensa violação do princípio da imediação da prova e da perda da eficácia da prova.
E esta foi uma das questões que o acórdão de 29/1/04 resolveu, em definitivo, estando assim fora da parte do objecto do recurso que veio a ser conhecida no acórdão de 18/03/04 (medida da pena).
Sobre a pretensão de atenuação da pena não foi invocada qualquer questão de constitucionalidade, por violação do artigo 32º n.º 1 da LTC.
Isto significa que a não admissão do recurso do acórdão de 18/03/04 se impõe pelo facto de não ter sido suscitada pelo recorrente qualquer questão de constitucionalidade normativa relativamente à matéria versada por aquele aresto.
No que respeita ao acórdão de 29/1/04, entende-se também, tal como o decidido, que o recurso dele interposto é extemporâneo.
Antes do mais, deve esclarecer-se que tal acórdão tem inteira autonomia, relativamente às questões que resolve, face ao acórdão de 18/3/04. E
é, nesse ponto, definitivo, dele não cabendo qualquer recurso ordinário.
Por outro lado, do disposto no artigo 113º n.º 9 do CPP não resulta a obrigação de notificação de acórdão proferido pelos tribunais superiores ao arguido, como ressalva ao princípio da suficiência da notificação ao advogado.
Aliás, na perspectiva da sua constitucionalidade, já o Tribunal Constitucional decidiu que tal interpretação não colide, em regra, com a Constituição (Acórdão n.º 59/99).
Mas, sendo assim, manifesto é que à data da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional (02/04/04) há muito que expirara o prazo para o efeito, uma vez que o acórdão em causa foi notificado por carta registada de
02/02/04, sendo aquele prazo de 10 dias, nos termos do artigo 75º n.º 1 da LTC.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 13 de Julho de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida