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Proc. nº 170/2004
2ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que figura como recorrente A. e como recorridos o Ministério Público, B. e Outros, a Relatora proferiu Decisão Sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso interposto (fls.
723 e ss.).
2. A. vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando o seguinte:
FUNDAMENTOS:
Na decisão em análise, decidiu-se não tomar conhecimento do objecto do recurso, com fundamento, quanto à alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, na alegada circunstância de o recorrente não ter suscitado durante o processo a questão da inconstitucionalidade normativa e, quanto à alínea g), na circunstância de os Acórdãos invocados pelo recorrente não se pronunciarem sobre tal questão. O Recurso vem interposto do Acórdão de folhas.., proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 19.11.03. Este recurso tem por objecto o sentido do artigo 420.º do Código do Processo Penal segundo o qual, o Despacho (de folhas 386) proferido pelo Juiz de primeira instância, transitado em julgado, que deferiu ao recorrente o Advogado-arguido, a prorrogação de prazo por dez dias, para interposição e motivação do recurso da sentença condenatória ao abrigo do disposto no artigo 698.º, n.º 6 do C. P. Civil ex vi artigo 4.º do C. P. Penal, por entender ser necessário um prazo maior para transcrição valoração e ponderação dos factos que foram gravados na audiência de julgamento, consolidando no arguido a convicção de que interpunha e motivava tempestivamente o recurso, não constitui caso julgado formal implicando a imediata rejeição do recurso por interposto fora do prazo.
«Assim ficou assente nestes autos por ausência de impugnação dos assistentes e do M.º P .º, e desde a primeira instância, a tese a que aderiu o respectivo Juiz, segundo a qual o artigo 698.º n.º 6 do C. P. Civil é aplicável à interposição e motivação do recurso em processo penal. O Juiz de primeira instância ao permitir que o prazo previsto no artigo 411.º n.º 1 do C.P. Penal fosse prorrogado, fez com que o Arguido ficasse convicto de que interpunha o recurso penal dentro do prazo legal. Consequentemente, não podia e não devia o Tribunal da Relação de Coimbra revogar um Despacho transitado em julgado. O Acórdão da Relação de Coimbra atenta contra todos os princípios constitucionais que salvaguardam os direitos de defesa do arguido e contra a própria segurança jurídica. Por outro lado, o artigo 414.º n.º 3 do Código de Processo Penal invocado no Acórdão da Relação de Coimbra para justificar a referida revogação não pode ser interpretado como o fez a Relação de Coimbra. Isto porque este artigo não visa permitir ao Tribunal ad quem revogar Despachos já transitados em julgado. O Recorrente interpôs este recurso ao abrigo das alíneas a), b), g) e i) do n.º
1 e 2 do artigo 70.º da lei 28/82 de 15.11, na redacção dada pela Lei n.º 85/89 de 7 de Setembro. Pretende agora restringir a interposição deste recurso ao abrigo das citadas alíneas b) e g) conforme adiante justificará. Esta reclamação é deduzida além do mais, ao abrigo do disposto nos artigos 221.º e 223.º n.º 1, ambos da CRP . O Tribunal da Relação de Coimbra , recusou a aplicação do disposto no artigo 6.º n.º 1 e 3 b) da C.E.D.H. e dos artigos 2.º, 7.º, 8.º, 10.º e 11.º do D.U.D.H.
(que todos convergem na concessão ao arguido do tempo e dos meios necessários à preparação da sua defesa) e do disposto nos artigos 8.º, 9.º b), 16.º, 17.º,
18.º, 20.º n.º 4 in fine e 32.º n.º 1 da C.R.P., produzindo decisão que viola estas normas porque recusou ao Arguido as garantias de defesa constitucionalmente reconhecidas; O Tribunal da Relação de Coimbra aplicou o referido sentido normativo arguido de inconstitucional, pelo Advogado-arguido na sua resposta (cfr fls..., que aqui se dá por integrada) à questão prévia da intempestividade do recurso, suscitada pelo M.º P.º ainda na primeira instância, sendo que se acham exauridos os meios ordinários de recurso, o que se alega ao abrigo e para os efeitos do previsto na referida alínea b) do artigo 70.º da L TC. Ao abrigo do princípio da actualidade das decisões judiciais e da harmonia da ordem jurídica invoca-se a aplicação de norma já anteriormente julgada inconstitucional conforme resulta dos Doutos Acórdãos 39/2004 e 44/2004, ambos proferidos por este Alto Tribunal respectivamente nos Processo n.º 124/03 e
636/2003, ambos desta 2.ª Secção e ambos proferidos em 14.1.2004, (que aqui se dão por integrados) e da anterior jurisprudência que aí vem abundantemente citada, o que se alega para efeitos da alínea g) do n.º 1 da citada LTC. Conforme Doutamente vem dito na fundamentação do Acórdão 44/2004 deste Alto Tribunal:
“Independentemente de se saber se a prorrogação dos prazos determinada pela decisão judicial da primeira instância corresponde a uma interpretação correcta do direito ordinário, ou mesmo se aquela decisão quanto a uma prorrogação de prazo deveria ter sido notificada a todos os sujeitos processuais, é claro que, uma vez produzidos os efeitos dessa decisão, eles não poderiam ser posteriormente destruídos, abalando as expectativas do arguido relativamente ao prazo de que disporia para recorrer alicerçadas numa decisão judicial não impugnada. O princípio do Estado de direito impõe uma vinculação do Estado em todas as suas manifestações, e portanto também dos Tribunais, ao direito criado ou determinado anteriormente, de modo definitivo.” Por outro lado, invoca-se a Doutrina promanada dos Doutos Acórdãos seguintes: O Ac. n.º 109/99, publ. no DR., II série de 15.06.99, segundo o qual “o processo penal de um Estado de Direito tem que ser um processo equitativo e leal (a due process of law, a fair process, a fair trial), no qual o Estado quando faz valer o seu ius puniendi actue com respeito pela pessoa do arguido (maxime, do seu direito de defesa), de molde designadamente a evitarem-se condenações injustas”; O Ac. n.º 61/88, publ. no DR., II série de 20.8.88; O Ac. n.º434/87, publ. no DR., II série de 23.1.88; O Ac. n.º207/88, publ. no DR., II série de 3.1.89; O Ac. n.º 135/88, publ. no DR., II série de 8.9.88; O Douto Despacho de fls. 386, já há muito transitado em julgado, no qual foi deferida a prorrogação de prazo por 10 dias (art.º 698.º n.º 6 do C. P. Civil
“ex vi” artigo 4.º do C. P. Penal), Despacho este que teve por objecto exclusivo e que apenas se esgota nesta questão da prorrogação do prazo e que apesar de transitado em julgado, não mereceu o devido e necessário respeito erga omnes e designadamente das instâncias superiores. Consequentemente e de acordo com o artigo 205.º n.º 2 da C.R.P. “as decisões dos Tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas” Consta dos autos (cfr. acta da audiência de fls...), que a prova produzida em audiência foi gravada. Porém, certo é que não foi dado cumprimento ao Assento 2/2003 do STJ (processo 3632/01
3.ª secção, de acordo com o qual:
“Sempre que o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, em conformidade com o disposto nos n.º 3 e 4 do artigo 412.º do C. P. Penal, a transcrição ali referida incumbe ao tribunal” o que se requer, arguindo-se a nulidade insanada, consubstanciada na persistência de tal omissão e enquanto a mesma subsistir, reservando-se o recorrente o direito de completar a minuta do recurso, logo que tal transcrição - obrigatória, nos termos do disposto no artigo 412.º n.º 4 do C. P. Penal - se ache efectivada (nos 10 dias subsequentes à respectiva notificação). Quando o referido Despacho de fls. 386 já se encontrava plenamente consolidado na ordem jurídica em consequência do respectivo trânsito em julgado, veio o M.º P.º, suscitar a questão prévia da extemporaneidade do recurso interposto pelo arguido, alegando que em 22.05.02 foi proferida e depositada na secretaria judicial do Tribunal Judicial de Anadia a Sentença de que o mesmo recorreu; que a minuta das alegações de recurso só deu entrada na secretaria do Tribunal Judicial de Anadia em 17.06.2002. Sendo que o dia 17.06.2002 foi o último dia, dos 10 da referida prorrogação reconhecida e concedida no Douto Despacho de fls. 386, pelo MM.º Juiz a quo, com o qual o M.º P.º se conformou definitivamente, porque dele não interpôs recurso. Em 28.05.02 devido à falta de colaboração do defensor oficioso que o Tribunal “a quo” lhe impôs (cfr. fls. 385) e depois a fls. 383, o Advogado-arguido A., apresentou assim por duas vezes em juízo, requerimentos (ambos dentro do prazo de 15 dias subsequentes à prolação da sentença recorrida), onde requereu a prorrogação do prazo legal de 15 dias de apresentação da minuta de recurso por mais 10 dias, atenta a dificuldade da transcrição da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nos termos do art.º 698.º, n.º 6, do C PC, aplicável
“ex vi” do art. 4.º, do CPP. Demora esta, pela qual o ora recorrente não pode ser responsabilizado, por ser obrigatória a transcrição, para o Tribunal “a quo”. A folhas 386 foi proferido despacho que deferiu tal pretensão. O Ministério Público não interpôs recurso deste despacho. E a mesma conformada inércia assumiram os assistentes. Pelo que este despacho que autorizou a requerida prorrogação de prazo por mais dez dias, transitou em julgado. Impondo-se, como se disse, a todas as instâncias (cfr art.ºs 205 da CRP. e 672.º do C. P. Civil ex vi artigo 4.º do C. P. Penal. Assim, Em 17 de Junho de 2002 deu tempestivamente entrada nos autos, a minuta do recurso ordinário interposto pelo arguido A., o qual foi - e muito bem! - admitido. De resto e conforme recentemente decidido em 23.10.2002 no Tribunal da Relação do Porto (Proc.º 673/02, 4.ª Secção):
“Não subsistem dúvidas que o recorrente que pretenda impugnar em via de recurso a decisão da matéria de facto tem que utilizar as passagens da gravação para o efeito de demonstrar que certos pontos foram incorrectamente julgados [art.º
412.º, n.º 3, al. a)], especificando as provas que no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida [art.º 412.º, n.º 3, al. b)], por referência aos suportes técnicos (art.º 412.º, n.º 4, do CPP). Como é sabido, o direito ao recurso, insere-se no âmbito das garantias de defesa, constitucionalmente consagradas no art.º 32.º, n.º 1 da Constituição:
“O processo criminal assegura todas as garantias de defesa incluindo o recurso”. Conforme se afirma no Ac. do TC n.º 363/00, de 05 de Julho, proc. n.º 838/98, publicado na II Série do DR. de 13 de Novembro de 2000 “ponderando sobre o sentido e alcance deste preceito, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª Edição revista e ampliada, I. vol. Coimbra, Coimbra Editora, p. 214):
“A fórmula do n.º 1 do artigo 32.º da CRP. é sobretudo uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia, este preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal.
«Todas as garantias de defesa», engloba indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados (incluindo obviamente o tempo razoavelmente necessário) para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação”. Em sentido semelhante se tem pronunciado igualmente o Tribunal Constitucional. Nesse sentido, escreveu-se, por exemplo, no Acórdão n.º 61/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol., p. 621).
“Esta cláusula constitucional apresenta-se com um cunho «reassuntivo» e
«residual» relativamente às concretizações que já recebe nos números seguintes do mesmo artigo - e, na sua abertura, acaba por revestir-se, também ela, de um carácter acentuadamente «programático» . Mas, na medida em que se proclama aí o próprio princípio da defesa, e portanto indubitavelmente se apela para um núcleo essencial deste, não deixa a mesma cláusula constitucional de conter «um eminente conteúdo normativo imediato a que se pode recorrer directamente, em casos limite, para inconstitucionalizar certos preceitos da lei ordinária» (cfr. Figueiredo Dias, “A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os tribunais”, p. 51; e acórdão n.º 164 da Comissão Constitucional, apêndice ao Diário da República, I. série, de 31 de Dezembro de
1979). A ideia geral que pode formular-se a este respeito - a ideia geral, em suma, por onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio da defesa, para além das consignadas nos n.ºs 2 e seguintes do artigo 32.º - será a de que: o processo criminal há-de configurar-se como um “due orocess of law”, devendo considerar-se ilegítimas, por consqeuência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido! (assim, basicamente, cfr. Acórdão n.º 337/86, deste Tribunal, Diário da República, I. Série, de 30 de Dezembro de 1986)”. Nesta linha argumentativa, sobre o acesso às actas em que se encontram documentadas as declarações prestadas em audiência, o mencionado Ac. do TC julgou inconstitucional por violação do artigo 32.º n.º 1 da Constituição os artigos 107.º n.º 2 do Código de Processo Penal e 146.º n.º 1 do Código de Processo Civil (quando aplicado subsidiariamente em processo penal) quando interpretados no sentido de que a impossibilidade de consulta das actas de julgamento (quando tenha sido requerida a documentação em acta das declarações orais prestadas em audiência, nos termos do art. 364.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), por as mesmas não estarem ainda disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do recurso da decisão final condenatória em processo penal». Com efeito, afirma-se no citado Acórdão, que «o acesso às actas (hoje: transcrição) em que se encontram documentadas as declarações prestadas oralmente em audiência constitui um elemento importante, - porque necessário e imprescindível - para a preparação da defesa do arguido, concretamente para a elaboração devidamente reflectida e ponderada das alegações do recurso.
“A documentação da prova produzida em audiência visa, fundamentalmente, permitir o recurso em matéria de facto. Na realidade, não estando o juiz ad quem presente na audiência realizada em primeira instância, só poderá vir a julgar da bondade do decidido em matéria de facto se puder ter acesso à prova aí produzida, o que só é evidentemente possível através do seu registo e respectiva transcrição que tem de ser feita pelo Tribunal.” Por outro lado, a referida transcrição não é necessária apenas para o Juiz “ad quem”, mas é igualmente necessária ao arguido disponibilizando-lhe objectivamente os meios necessários e imprescindíveis à demonstração da bondade do recurso, com objectividade e rigor. Assim, constituindo a acta da audiência, hoje a transcrição (em que se encontra registada toda a prova aí produzida) o suporte fundamental da decisão que o Tribunal de recurso virá a tomar em matéria de facto, parece-nos evidente que, só por isso ela constitui igualmente um elemento essencial para que o arguido
(ou o seu defensor) possam preparar a defesa. O acesso à acta da audiência (hoje transcrição) nestas hipóteses, num momento prévio à elaboração da alegação de recurso, não só pode constituir um elemento essencial para que o arguido decida o sentido em que deve orientar a sua defesa como, fundamentalmente, permitirá sempre uma muito mais rigorosa e completa preparação da alegação de recurso. Com o acesso à acta (hoje transcrição) a alegação de recurso pode certamente ganhar em rigor e consistência e, nessa medida, em qualidade. (...) e sentido de Justiça. Em suma: “julgamos, pois, ser essencial à preparação da alegação de recurso que o arguido e o seu representante possam dispor dos mesmos elementos - entre os quais assumirá particular importância, na hipótese de haver recurso em matéria de facto, a acta da audiência, (hoje transcrição) - de que o Tribunal “ad quem” depois disporá para decidir». Negar ao arguido a necessidade do acesso à transcrição efectuada pelo Tribunal, para fundamentar a sua defesa, além de inconcebível, conforme resulta do que já vai dito, é manifestamente inconstitucional, conforme se demonstra, e claramente apelativa para o exercício de direitos, sem a necessária certeza e clareza do raciocínio, porque priva o recorrente de um meio necessário e insubstituível de ponderação e de reflexão para a adequada elaboração das alegações de recurso
(art.º 6.º, n.º 3 b) da CDEH. Aplicando os princípios e normativos supra enunciados ao caso sub-judice, verifica-se que: A Sentença condenatória foi proferida em 22 de Maio de 2002, depositada na Secretaria Judicial em 22 de Maio de 2002. O arguido e o seu mandatário requereram dentro dos 15 dias subsequentes à prolação da Sentença recorrida, a prorrogação do prazo de interposição do recurso, por mais dez dias, por força da aplicação do disposto no n.º 6, do art.
698.º, do C PC, “ex vi”, do art. 4.º, do CPP, uma vez que o prazo legalmente previsto de 15 dias não permite ao arguido realizar a transcrição da prova gravada - a qual demorou ao recorrente mais de 10 dias a transcrever! - o que aumentou substancialmente o tempo de traba1ho necessário à reflexão e à elaboração da minuta, para o exercício desta garantia de defesa do arguido. O MMº Juiz «a quo» por Despacho de fls. 386 de 13.06.02 deferiu ao requerido concedendo a requerida prorrogação. Despacho este que, por não ter sido impugnado por quem de direito, transitou em julgado. Ora, atendendo à doutrina explanada no acórdão do TC n.º 363/00 supra citado, não há dúvida que no caso sub-judice, é aplicável o disposto no art. 698.º, n.º
6, do CPC, “ex vi” do art. 4.º do CPP, uma vez que o recorrente pretende impugnar a matéria de facto e houve documentação (gravação) dos autos da audiência, nos termos do art. 363.º, do CPP, pelo que A prorrogação deferida pelo MM.º Juiz «a quo» no despacho de fls. 386 é legal bem fundada e é justa e reveladora de um saber e de uma técnica jurídica inatacáveis. Acha-se plenamente consolidada na ordem jurídica por ter transitado em julgado, deveria ter sido aceite pelo Tribunal da Relação de Coimbra e deverá ser aceite por este alto Tribunal. Deverá improceder a arguida questão prévia da extemporaneidade do recurso interposto pelo arguido A., o que se requer. Por outro lado, o Arguido considera que o Acórdão ora recorrido foi proferido ao arrepio das mais recentes e avisadas aquisições, comuns aos sistemas de processo penal e aos instrumentos internacionais sobre direitos, liberdades garantias
(Cfr. art.º 16.º n.º2 da CRP). Com efeito, Como instrumento limitador dos poderes do Estado num Estado de direito democrático (Cfr. art.º 1º, 2.º, 8.º, 9.º b), 12.º, 13.º, 16.º, 17.º, 18.º, 20.º n.ºs 1.º, 4.º, e 5.º, 21.º e 32.º n.º 1 e 2 da CPR), a “Constituição da República Portuguesa acautelou expressamente, conferindo dignidade fundamental ao direito de defesa. Sem suporte legal (porque os artigos 411.º n.º 1 e 414.º n.º 3 do C. P. Penal, não prevêem e consequentemente não resolvem a questão da necessidade de prolongamento do dito prazo nos casos de recurso em matéria de facto com apoio da transcrição, nos termos do disposto no artigo 698.º n.º 6 do C. P. Civil “ex vi” artigo 4.º do C. P. Penal), o Tribunal da Relação de Coimbra entendeu dever suprir as consequências necessárias e directas da inércia da acusação
(assistentes e M.º P.º) face ao Douto Despacho de fls. 386 que reconheceu ao recorrente o direito ao acréscimo ou prorrogação de prazo de motivação do recurso por mais 10 dias, restringindo assim de forma ilegal e irrazoável o direito do arguido à defesa elaborada em condições razoáveis e juridicamente aceitáveis. O Acórdão que vai recorrido viola o princípio da igualdade de armas, na sua dupla dimensão de reciprocidade e de denegação de privilégios. Ofendendo ainda o direito à garantia dos direitos, bem como os princípios da proibição de arbítrio, da adequação prática, da certeza, da necessidade, da proporcionalidade, da segurança, da confiança e da previsibilidade das decisões judiciais. Pelo que, de acordo com o juízo de inconstitucionalidade que vai requerido, deverá ser revogado e substituído por outro ou ser ordenada a sua reformulação por forma que repristine e assegure ao arguido a plenitude dos seus direitos de defesa, Em especial o direito à preparação juridicamente adequada e em tempo razoável do recurso, ordenando-se também a apreciação da questão prévia suscitada a folhas
e bem assim todos e cada um dos recursos anteriormente interpostos.
II. - CONCLUSÕES:
1 Resulta dos autos que a audiência foi objecto de gravação;
2 No recurso interposto da Sentença, o recorrente pretendeu e pretende que se proceda também à reapreciação da matéria de facto.
3 O Tribunal ainda não ordenou a transcrição, devendo fazê-lo, o que consubstancia nulidade insanada, que se invoca (Cfr. Assento 2/2003 do STJ), reservando-se o recorrido o direito de completar a minuta das suas alegações no prazo de 10 dias após ser notificado da efectivação da transcrição.
4 Nos casos de recurso em matéria de facto, a obrigação de apresentar a motivação do recurso no prazo de 15 dias após a prolação da sentença sem ter acesso à transcrição, ofendendo o princípio da proibição da prática de actos processuais inúteis (art.º 137.º 1.ª parte) “ex vi” artigo 4.º do C. P. Penal na medida em que sem o acesso prévio à transcrição, a minuta do recurso é uma peça processual manifestamente incompleta, porque elaborada precipitadamente, uma vez que não houve (e por ora ainda não há nestes autos) acesso aos instrumentos necessários à devida reflexão e valoração, e assim sem as necessárias referências objectivas consubstanciadas nas remissões para as pertinentes passagens da transcrição. O que ofende manifestamente o princípio das garantias de defesa constitucionalmente consagradas.
5 Sem o acesso à transcrição, elaborada obrigatoriamente pelo Tribunal “a quo”, a minuta do recurso em matéria de facto, é uma mera declaração de princípio, com nenhuma ou quase nenhuma expressão prática!
6 Conforme se observou nos Doutos Acórdãos n.ºs 299/99 (Ac. T.C. 24.º Vol., p.
699 e segs.) e 428/2003 - P.º 532/2002 (DR II Série n.º 269 de 20.11.2003, p.
17.402), “o processo penal deve estar subordinado de pleno ao princípio constitucional das garantias de defesa”.
7 “E embora se reconheça que “o legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual [...]; necessário é que essas regras não signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais ou, mais especificadamente, no que toca ao processo penal, das garantias de defesa e de recurso afirmadas no citado n.º 1 do artigo 32.º da CRP.”
8 “E, embora a propósito de outras normas extraídas destes mesmos preceitos do Código de Processo Penal, o Tribunal Constitucional também já por diversas vezes analisou certas exigências de formalismo em matéria de recursos à luz do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, já que tem aqui aplicação o regime definido pelo n.º 2 do artigo 18.º da Constituição para as restrições admissíveis aos direitos, liberdades e garantias.”
9 “A plenitude das garantias de defesa, emergente do artigo 32.º, n.º 1, do texto constitucional, significa o assegurar em toda a extensão racionalmente justificada de mecanismos possibilitadores de efectivo exercício desse direito de defesa em processo criminal, incluindo o direito ao recurso (o duplo grau de jurisdição) [...]”
10 Como igualmente se escreveu no Acórdão n.º 193/97, a “concordância prática entre o valor celeridade e a plenitude de garantias de defesa é aqui possível e, mais que isso, é exigida pelo artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, sendo certo que no caso contrário se estará a promover desproporcionadamente o valor celeridade à custa das garantias de defesa do arguido.”
11 Ora, a verdade é que, tal como já em muitos outros casos, o Tribunal Constitucional certamente também entenderá que, aqui, o valor da celeridade foi prosseguido à custa de uma lesão inaceitável, porque desproporcionada, do direito ao recurso. Não tem justificação constitucional a celeridade possibilitada pela norma em apreciação, quando confrontada com a impossibilidade de julgamento do recurso. O atraso no julgamento do recurso é, neste contexto, irrelevante.”
12 Não se mostra compatível nem com a regra geral da proporcionalidade, decorrente do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição, nem com a garantia constitucional do direito de defesa do arguido, constante do n.º 1 do artigo 32.º também da Constituição, a interpretação efectivamente adoptada pelo acórdão e na Douta Decisão Sumária agora reclamada
13 Acham-se assim violados os princípios elementares e estruturantes do Estado de direito democrático e em especial os da igualdade na sua dupla dimensão de reciprocidade e denegação de privilégios (art.º 1.º, 2.º, 8.º, 9.º b), 12.º,
13.º, 16.º, 17.º, 18.º, 20.º n.ºs 1 e 4, 21.º, e 32.º n.ºs 1 e 2 e 208.º da CRP,
6.º, 114.º n.º 1, 2 e 3 a) e b) da lei 3/99, alterada e republicada pela Lei
105/2003 de 10.12 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) e artigo 3.º n.º 1 a), c), d), e), g), h), e j) do Estatuto da Ordem dos Advogados, bem como os da proibição de arbítrio, da adequação prática, da certeza, da necessidade, da proporcionalidade, da segurança, da confiança e da previsibilidade das decisões judiciais, ofendendo assim o direito à garantia dos direitos.
14 Encontra-se, também, violado o disposto nos artigos, 1.º, 2.º, 3.º, 7.º 8.º e 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; bem como os artigos 6.º n.º 1 e 3 b), c), 7.º, 13.º e 14.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
15 De conformidade com o juízo de inconstitucionalidade que vai enunciado ou noutro mais justo e adequado que sempre em Mui Douto Suprimento vier a ser decidido por Vossas Excelências, o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que reconheça a tempestividade do recurso interposto, ou ordenada a respectiva reformulação, represtinando e assegurando assim ao arguido a plenitude dos seus direitos de defesa, em especial o direito à garantia dos direitos e designadamente à elaboração devidamente reflectida e ponderada pelo tempo razoável juridicamente necessário do recurso, o que nas circunstâncias destes autos se revela absolutamente necessário e imprescindível, ordenando a apreciação da questão prévia suscitada a folhas..., e bem assim todos e cada um dos recursos anteriormente interpostos;
16 A dimensão interpretativa segundo a qual decorre dos artigos 411.º, 412.º,
414.º, n.ºs 2 e 3, 420.º e 107 .º do C. P. Penal a inaplicabilidade do disposto no art.º 698.º n.º 6 do C. P. Civil “ex vi” artigo 4.º do C. P. Penal quando se pretende recorrer em matéria de facto, viola o princípio da harmonia da ordem jurídica e é inconstitucional, por impor a prática de actos (pelo menos parcialmente) inúteis (artigo 137.º do C. P. Civil “ex vi” artigo 4.º do C. P. Penal) porque sem acesso e remissão para a transcrição a motivação está incompleta e por assim se estar a impor “uma limitação desproporcionada das garantias de defesa do arguido em processo penal, restringindo o seu direito ao recurso e nessa media o direito de acesso à justiça”, violando assim o disposto, os preceitos constitucionais referidos nas precedentes conclusões e que aqui se dão por integradas.
17 E o mesmo se diz da inconstitucionalidade da dimensão versada no Acórdão recorrido sobre o disposto no artigo 412.º n.º 5, a qual viola igualmente o disposto no artigo 137.º do C. P. Civil “ex vi” art.º 4.º do C. P. Penal, por violar as mesmas referidas normas constitucionais e das referidas DUDH e CEDH,
18 Deve assim ser julgado inconstitucional por violação do artigo 32.º n.º 1 da CRP, e do princípio da segurança e da confiança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º também da CRP, a norma do n.º 1 do artigo 420.º do C. P . Penal, segundo o qual, o Despacho (de folhas 386) proferido pelo Juiz de primeira instância, transitado em julgado, que deferiu ao recorrente o Advogado-arguido, a prorrogação de prazo por mais dez dias, para interposição e motivação do recurso da sentença condenatória ao abrigo do disposto no artigo 698.º, n.º 6 do C. P. Civil ex vi artigo 4.º do C. P. Penal, por entender ser necessário um prazo maior para transcrição valoração e ponderação dos factos que foram gravados na audiência de julgamento, consolidando no arguido a convicção de que interpunha e motivava tempestivamente o recurso, não constitui caso julgado formal implicando a imediata rejeição do recurso por interposto fora do prazo.
19 Resulta assim da Douta Decisão Sumária ora reclamada que - com o devido respeito -, a mesma enferma de nulidade ao violar por omissão o disposto nos artigos 221.º e 223.º, n.º 1, ambos da CRP .
20 Porquanto não se pronunciou nem conheceu de questões que estão no âmbito da sua competência.
21 Pelo que na verificação da referida nulidade, deverá ser concedido provimento a esta reclamação.
22 Devendo ser ordenada a notificação do Reclamante para apresentar alegações nos termos do artigo 78.º - A, n.º 5 da Lei 28/82 de 15.11.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação. Os demais recorridos pronunciaram-se igualmente no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar.
3. O reclamante restringe a presente reclamação ao não conhecimento do objecto dos recursos interpostos ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Nessa medida, a Decisão Sumária não é impugnada na parte em que se refere aos recursos interpostos ao abrigo das alíneas a) e i) do mesmo preceito. O reclamante desenvolve várias considerações sobre a tramitação dos autos, invoca vários arestos do Tribunal Constitucional e doutrina, e transcreve preceitos constitucionais e infraconstitucionais. Ora, a presente reclamação só poderia eventualmente vir a proceder se o reclamante impugnasse os fundamentos da Decisão Sumária reclamada. Contudo, o reclamante em momento algum da reclamação procura demonstrar ter suscitado na resposta ao parecer do Ministério Público emitido no tribunal a quo a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada. Por outro lado, também não se esboça qualquer demonstração de que nos Acórdãos invocados no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional tenha sido julgada inconstitucional a norma que foi aplicada pela decisão recorrida nos presentes autos como ratio decidendi. Nessa medida, as considerações desenvolvidas pelo reclamante de modo algum abalam os fundamentos a Decisão Sumária impugnada. Nessa medida, improcede a presente reclamação.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 16 de Junho de 2004 Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos