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Processo n.º 684/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A. reclamou para o Presidente da Relação de Lisboa do despacho proferido no 3º Juízo Criminal de Lisboa do seguinte teor:
“Nos termos do artigo 80º n. 3 e 86º do CCJ, atento o não pagamento da quantia devida pela interposição de recurso, considero sem efeito o recurso interposto da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário.”
Por despacho de 3 de Março de 2004, o Presidente da Relação de Lisboa indeferiu a reclamação.
O reclamante arguiu a nulidade desta decisão, invocando os artigos 666º ns. 2 e
3 e 668 n. 1 alínea d) do Código de Processo Civil (ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal) e argumentando que o indeferimento da reclamação “viola o direito de acesso à justiça previsto no n. 1 do artigo 20º da Constituição” e ainda que “as normas contidas no artigo 80º ns 1 e 3 do CCJ, quando interpretadas no sentido de que a interposição de recurso de decisão que indeferiu a concessão de apoio judiciário deve ser considerado sem efeito se não for paga a taxa de justiça, violam ostensivamente o princípio constitucional das garantias de defesa, na dimensão do direito ao recurso consagrado no n. 1 do artigo 32º da Constituição, bem como violam o direito de acesso à justiça consagrado no n. 1 do artigo 20º da Constituição.”
Esta reclamação foi indeferida por despacho de 27 de Abril de 2004. E é do despacho que assim decidiu que vem interposto – ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro (LTC) – o presente recurso de constitucionalidade, nos seguintes termos:
“As normas cuja inconstitucionalidade se suscita são as contidas no artigo 80º ns 1 e 3 do Código das Custas Judiciais quando interpretadas no sentido de que a interposição do recurso de decisão que indeferiu a concessão de apoio judiciário deve ser considerado sem efeito se não for paga a taxa de justiça. Tal interpretação, plasmada na decisão do TRL viola o princípio constitucional das garantias de defesa na dimensão do direito ao recurso consagrado no n. 1 do artigo 32º da CRP, e como tal afecta o direito de acesso à justiça previsto no n. 1 do artigo 20º da CRP.”
Porém, por decisão sumária de 23 de Junho de 2004, decidiu-se não conhecer do objecto do recurso, por falta dos respectivos pressupostos. A decisão é do seguinte teor:
“(...) Os recursos previstos na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer – artigo 72º n. 2 da LTC. Constitui, portanto, pressuposto processual deste recurso que a questão de inconstitucionalidade reportada às normas contidas no artigo 80º n.ºs 1 e 3 do Código das Custas Judiciais, numa dada interpretação, haja sido suscitada no processo de modo adequado. Acontece que a referida questão não foi suscitada na reclamação apresentada ao Presidente da Relação de Lisboa e apenas foi levantada na arguição de nulidade por omissão de pronúncia depois formulada pelo arguido reclamante, e que não obteve provimento. Ora este Tribunal tem insistentemente afirmado que as questões de constitucionalidade devem ser apresentadas ao tribunal recorrido antes deste emitir decisão, e que essa oportunidade não reside na reclamação por nulidade depois formulada contra aquela decisão. Na verdade, o recorrente deveria ter suscitado a questão que agora pretende ver julgada na reclamação do despacho que não fez seguir o recurso, antes, portanto, de ser proferido o despacho que a decidiu. A fase seguinte – ou seja, a da reclamação por nulidade – não se destina manifestamente a conhecer de questões novas como são as que foram suscitadas a propósito da desconformidade constitucional das normas impugnadas, pois apenas cabe, então, verificar se as questões anteriormente invocadas no processo foram adequadamente respondidas. E a verdade é que não havia sido até então suscitada qualquer questão atinente à invocada inconstitucionalidade. Não se verifica, portanto, a aludido pressuposto, razão pela qual o objecto do recurso não pode ser conhecido, o que se decide nos termos do artigo 78º-A n. 1 da LTC. (...)”
Contra esta decisão reclama o recorrente nos seguintes termos:
“A., recorrente nos autos em epígrafe, notificado da douta decisão sumária proferida nos autos, vem nos termos do n.º 1 do artigo 78°-A da LTC, referir e expressar o seguinte:
1. Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão ao Mmº Juiz Conselheiro Relator, ao considerar que não pode ser conhecido o objecto do recurso, porque a questão de inconstitucionalidade reportada às normas contidas no artigo 80º n.º1 e 3 do Código das Custas Judiciais, não foi suscitada no processo de modo adequado, não se verificando por isso um pressuposto processual do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70° da LTC.
2. Com efeito, o ora recorrente reclamou para o Mmº Juiz Desembargador Presidente da Relação de Lisboa do douto despacho proferido pelo Juiz a quo que considerou sem efeito o recurso interposto da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário, atenta a falta de pagamento da quantia devida pela interposição do recurso.
3. Porém, o Mmº Juiz Desembargador Presidente da Relação de Lisboa indeferiu a reclamação apresentada, tendo o ora recorrente arguido a nulidade do douto despacho invocando o artigo 666° n.º 2 e 3 e 668° n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil (ex vi artigo 4° do Código de Processo Penal), porquanto o mesmo não se pronunciava sobre a questão suscitada, ou seja, tratando-se de recurso interposto da decisão que indeferiu o apoio judiciário impetrado, a taxa de justiça pela interposição do recurso não deve ser paga, uma vez que a nossa jurisprudência tem decidido nesse sentido: 'não é obrigatório o pagamento da taxa de justiça pela interposição de recurso penal por parte do arguido do despacho que lhe indeferiu o pedido de apoio judiciário, pedido esse apresentado na vigência da Lei n.º 30-E/2000 de 20 de Dezembro.' Ac. do TRL de 04.06.2002 in
www.dgsi.pt'.
4. Sucede que, além da supra referida nulidade, o ora recorrente invocou que o indeferimento da reclamação violaria o direito de acesso à justiça previsto no n.º 1 do artigo 20º da CRP, bem como suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 80° no 1 e 3 do Código das Custas Judiciais, quando interpretadas no sentido de que a interposição de recurso de decisão que indeferiu a concessão de apoio judiciário deve ser considerado sem efeito se não for paga a taxa de justiça, o que ocorreu ainda durante o processo, após ter tido conhecimento da decisão do Presidente da Relação que indeferiu a reclamação apresentada.
5. Ou seja, 'como esse Tribunal tem, amiudemente, defendido, suscitar a inconstitucionalidade 'durante o processo' para os efeitos da alínea b) do n.º1 do artigo 70º da LTC, é 'levantá-la' enquanto este se encontra 'pendente' ou seja, antes de se encontrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo (o que em princípio, ocorre com a prolação da decisão) pois que, sendo o recurso de constitucionalidade um recurso, mister é que sobre a questão tenha esse tribunal tido oportunidade de se pronunciar, sendo, pois a decisão a tal respeito aí tomada aquela que há de ser sindicada pelo Tribunal Constitucional.' - Ac. do TC de 25.05.1993 in www.dgsi.pt.
6. Ora, in casu o Mmº Juiz Desembargador Presidente da Relação de Lisboa perante a reclamação apresentada pelo ora recorrente teve oportunidade de se pronunciar sobre a inconstitucionalidade suscitada, tendo considerado que não existiria violação de qualquer norma constitucional, pelo que é dessa decisão que ora se recorre. Em face do exposto requer-se a V.Ex.a., na procedência do supra alegado, se digne a conhecer do objecto do recurso, uma vez que estão verificados os pressupostos do recurso previsto na alínea b) do nº1 do artigo 70º da LCT .”
O representante do Ministério Público neste Tribunal manifesta a opinião de que a reclamação deverá improceder.
Cumpre decidir.
O fundamento do não conhecimento do objecto do presente recurso residiu na circunstância de se haver considerado que “a questão [de inconstitucionalidade] não foi suscitada na reclamação apresentada ao Presidente da Relação de Lisboa e apenas foi levantada na arguição de nulidade por omissão de pronúncia depois formulada pelo arguido reclamante, e que não obteve provimento. Ora este Tribunal tem insistentemente afirmado que as questões de constitucionalidade devem ser apresentadas ao tribunal recorrido antes deste emitir decisão, e que essa oportunidade não reside na reclamação por nulidade depois formulada contra aquela decisão”, conforme se diz na decisão ora em apreço, assim concretizando o comando do n. 2 do artigo 72º da LTC.
Na presente reclamação o arguido recorrente não contesta este fundamento, embora insista na consideração de que suscitou adequadamente a questão de constitucionalidade que quer ver aqui decidida, levantando-a na reclamação por nulidade contra a decisão recorrida. Todavia, repete-se, “o requerimento de arguição de nulidade da decisão recorrida não é o momento idóneo para que o recorrente coloque perante o tribunal recorrido a questão de inconstitucionalidade. Tal como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, salvo em casos excepcionais o requerimento de arguição de nulidade da decisão recorrida não é o momento processualmente adequado para se suscitar a inconstitucionalidade, porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui obviamente um erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, e não torna esta obscura ou ambígua, de forma a permitir ao tribunal a quo dela conhecer por aplicação do disposto no artigo 666.º n.º 1 do Código de Processo Civil” (Acórdão n. 418/98).
Sendo esta a posição que o Tribunal tem uniformemente tomado, e que se nos afigura ser inteiramente de manter, mais não resta senão indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante. Taxa de justiça: 20UC.
Lisboa, 14 de Julho de 2004
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos