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Proc. n.º 487/2004
2ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que figura como recorrente A. e como recorrido o Instituto das Estradas de Portugal, a Relatora proferiu Decisão Sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 434 e ss.). A recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando o seguinte:
A., recorrente melhor identificada nos autos acima referenciados, notificada da douta decisão sumária proferida em que se decidiu não tomar conhecimento do presente recurso de constitucionalidade, vem, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 78.º-A da L TC, Reclamar para a Conferência, com os fundamentos seguintes: A ora reclamante em requerimento para interposição de recurso perante o Venerando Tribunal Constitucional, pretendeu 'ver declarada materialmente inconstitucional a interpretação realizada pelo tribunal da Relação do Porto do preceituado no artigo 26° do Código das Expropriações de 1991, no sentido de que tal critério de avaliação deve ser aplicado, muito embora o valor indemnizatório a que se chegue fique aquém do valor de mercado, por violar o preceituado nos artigos 13°, 18°, 62°, n° 2 e 266° da Constituição da República Portuguesa'. Quanto a esta pretensão, foi liminarmente entendido não dever tomar-se conhecimento do seu objecto. Salvo o devido respeito, permite-se a reclamante discordar da decisão adoptada.
É que, considerando o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, verifica-se, em última análise, ter afirmado que o critério do art. 26.º do código das expropriações de 1991 não pode 'afastar o valor real e corrente dos bens expropriados, nem impedir que seja atribuída em cada caso concreto uma justa indemnização'. Logo a seguir exara: 'daqui decorre que, no caso dos critérios específicos não assegurarem uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelos expropriados, estão a violar os princípios da justa indemnização, da igualdade ou da proporcionalidade, não podendo ser aplicados in casu.' Não obstante o que, em síntese, se acaba de extrair do douto aresto, certo é que, apesar dos elementos de facto existentes dos autos, acabou por fixar indemnização cujo valor fica aquém do valor de mercado. Assim, dúvidas não restarão de que interpretou e aplicou, no caso concreto, norma inconstitucional. Com efeito, se como aí se disse o valor do mercado é o critério geral para cálculo da indemnização em processo por expropriação por utilidade pública, e os critérios específicos estabelecidos na lei são meramente instrumentais e nunca podem afastar o valor real e corrente dos bens expropriados, ou impedir a atribuição de justa indemnização, reafirma-se, interpretou e aplicou aquela norma de modo violador dos preceitos constitucionais. Importará ainda ter em conta que dos autos consta, expressamente, como matéria de facto assente que 'Em audiência de julgamento, declararam unanimemente os senhores peritos do Tribunal e da expropriada que entendem que o valor real do terreno é aquele a que chegaram no primeiro laudo junto aos autos e que foi anulado pelo douto Acórdão da Relação de Coimbra' (deveria dizer-se Porto e não Coimbra como por lapso figura). Desta passagem é bem claro que aqueles senhores peritos quiseram afirmar que o valor real da parcela em questão era de 70.812,34 euros. E, sendo também certo que esta afirmação foi proferida em esclarecimentos pedidos porquanto no laudo acolhido haviam chegado à conclusão de que a avaliação da parcela nos termos do art.º 26.º do Cexp91 ficava aquém do valor de mercado, nunca se podia concluir, como fez a Relação, que os senhores peritos disseram que, se o terreno fosse classificado como terreno apto para construção, o valor seria 14.196.315$00
(70.810,92 euros). Em suma, o que disseram, é que, fosse para construção ou não, o seu valor real ou de mercado seria de 148,14 euros/m2. Aliás, a própria expropriante aceitou que o valor de mercado da parcela expropriada possa não corresponder inteiramente ao valor resultante do seu rendimento efectivo (v. acta de audiência de julgamento, fls. 242 a 244) Deste modo torna-se patente que o Tribunal da Relação do Porto interpretou o preceituado no art.º 26.º do Cexp91 no sentido de que o critério de avaliação aí estabelecido deve ser aplicado, muito embora o valor indemnizatório a que se chegue fique aquém do valor de mercado. Por isso e dessa forma acabou por violar o preceituado nos art.ºs 13°, 18°, 62.º, n.º 2 e 266.º da Constituição de República Portuguesa. Ora, dúvidas não se suscitarão que o douto despacho ora reclamado mais não fez do que acolher o discurso desenvolvido pelo Tribunal da Relação do Porto. Mas, salvo o devido respeito, e muito é, tal como aquele douto Tribunal, por inconsideração do incontroverso factualismo vertido nos autos, acolhe, como correcta, uma decisão que padece dos apontados vícios, tanto mais que essa mesma Relação expressa ou implicitamente não disse que a indemnização fixada correspondia ao valor do mercado do bem expropriado. Por último, ao contrário do que no despacho reclamado se diz, o Tribunal da Relação do Porto, interpretou e aplicou a norma em causa, no caso concreto, no sentido de que assim devia proceder, não obstante se atingisse valor inferior ao real. Nestes termos deverá a presente reclamação ser julgada procedente e, em consequência determinar-se o normal prosseguimento dos presentes autos de recurso, como é de Justiça.
O Ministério Público, em representação da entidade recorrida, pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar.
2. Como se sublinhou na Decisão Sumária reclamada, o tribunal a quo não aplicou qualquer critério normativo que permita a fixação de uma indemnização por expropriação alheia ao valor de mercado do bem expropriado. A reclamante pretende uma apreciação da matéria de facto apreciada nos autos, como resulta claro da presente reclamação. Porém, tal questão não pode ser apreciada pelo Tribunal Constitucional no âmbito de um recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade normativa, como também se referiu na Decisão Sumária reclamada. Assim, e porque a reclamante apenas reitera o que anteriormente havia sustentado e foi devidamente ponderado na Decisão Sumária impugnada, remete-se para a fundamentação desta, concluindo-se pela improcedência da presente reclamação.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando, consequentemente, a Decisão Sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 2 de Junho de 2004
Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos