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Processo n.º 589/04
2ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC) da decisão sumária proferida pelo relator, de não conhecimento do objecto do recurso interposto de despacho do Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação por ele deduzida contra despacho do relator no Tribunal da Relação de Coimbra de não admissão de recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão do mesmo Tribunal.
2 – A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:
«1. A., melhor identificado nos autos, “não se conformando com o teor da decisão de indeferimento da sua reclamação n° 1602/04, 3ª Secção, apresentada junto do Ex.mo Senhor Dr. Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de despacho que decidiu pela não admissão do recurso por si interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, “vem da referida decisão interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, nos termos dos artigos 70° n.º 1 al. b), 72° e 75º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs
85/89 de 7 de Setembro e 13-A/98, de 26 de Fevereiro, por considerar, salvo melhor entendimento, que foram violadas normas constitucionais, tais como os artigos 13° e 32° da Constituição da República Portuguesa, quando se decidiu pela não admissão do recurso que interpôs para o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, normas estas que não foram respeitadas ao longo do presente processo”.
2. O Recorrente viu revogada, por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de Dezembro de 2003, a decisão proferida no processo comum singular n.º
119/99 no 1.º Juízo Criminal do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, que havia condenado a B. a pagar-lhe a quantia de 13.800.000$00, acrescida de juros legais, a título de indemnização pelos danos morais e patrimoniais sofridos em virtude de acidente de viação.
Inconformado, interpôs, nos termos do disposto no artigo 432.º b) do Código de Processo Penal, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido pelo despacho exarado a fls. 336.
De tal despacho foi deduzida reclamação, dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com base na seguinte argumentação discursiva:
“Não pode o ora reclamante A. conformar-se com o despacho proferido pelo Venerando Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, de não admissão do seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com o fundamento único no disposto no artigo 400º do Código de Processo Penal.
Senão vejamos, aquele Tribunal acordou na rejeição liminar do recurso apresentado pelo demandante civil, por considerar que ele é inadmissível nos termos dos artigos supra referidos.
Ora, salvo melhor entendimento, esta interpretação e aplicação da lei foi feita
à revelia dos factos alegados, pelo ora reclamante, logo na questão prévia que suscitou no seu recurso, factos estes documentados nos Autos, mas dos quais ora se juntam cópias (de todas as peças processuais), para instrução da presente reclamação.
Assim,
Pode ler-se na peça processual supra mencionada, que foi declarada extinta por amnistia pela Lei n° 29/99 de 12 de Maio, do procedimento Criminal contra o arguido C., por possível prática de crime de ofensa à integridade física por negligência (artigo 148° n.º 1 do CP.). Veio o lesado, ora reclamante, A., deduzir pedido de indemnização civil contra a companhia de seguros B., agora companhia de seguros D., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de
40.785.206$00, a título de compensação dos danos patrimoniais sofridos, em virtude do acidente de viação tratado nos Autos.
Após julgamento efectuado com deslocação ao local do acidente, foi proferida sentença, que decidiu parcialmente procedente o pedido de indemnização, condenando assim, a seguradora a pagar ao ora reclamante, a quantia de 13.
800.000$00, acrescidos de juros de mora.
Inconformada, a seguradora supra identificada, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, enviando as 'Alegações' de Recurso para o Tribunal de Tondela (doc.2), sem previamente ter requerido a interposição de recurso, facto que o ora reclamante estranhou. Posteriormente este Tribunal convidou a seguradora a aperfeiçoar a interposição de recurso. O recurso subiu para o Tribunal da Relação, que acordou em rejeitar o recurso por não ter sido dado cumprimento ao artigo 412° do C.P.P..
Deste acórdão que decide da rejeição a companhia de seguros D., recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 432°, b) que remete para o artigo 400°, ambos do C.P.P., que acordou em dar provimento ao recurso, convidando a Companhia de Seguros a aperfeiçoar a sua motivação de recurso.
A demandada civil envia nova motivação para o Tribunal da Relação de Coimbra, que é admitida.
Ora, quer parecer ao reclamante que o seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça deverá também ser admitido, sob pena de se estar a violar as seguintes normas:
- os artigos 13º e 32º da Constituição da República Portuguesa
- os artigos l°, 2º, 7º e 8° da Declaração Universal dos Direitos do Homem
- os artigos 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
porquanto se estará a ofender as garantias de defesa em Processo Penal em toda a sua extensão, tendo em conta os mecanismos que permitem o efectivo exercício desse direito, onde está incluído o direito ao recurso, o direito à igualdade perante a lei, direito ao contraditório e o direito de igualdade de tratamento das partes, em consonância com os artigos 3° e 3°A do C.P.C. e 4° do C.P.P..
Sem prescindir, e salvo melhor entendimento, cabia ao Tribunal da Relação de Coimbra atender a todos os factos atrás referidos e admitir o recurso, até porque a rejeição imediata do recurso deve ser considerada desproporcionada num domínio como o do direito penal e direito processual penal, em que o direito de defesa compreende o direito ao recurso.
Assim, andou mal o Tribunal da Relação ao sancionar com a imediata rejeição do recurso, privando o ora reclamante desse direito ao recurso, (quando inicialmente a Demandada Civil também recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e esse recurso foi admitido), desrespeitando o princípio da igualdade, artigos 13° e 32° nº 1, direitos estes constitucionalmente consagrados e artigo
8° da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Termos em que,
Deve a presente reclamação ser atendida e julgada procedente e em conformidade decidir-se pela admissibilidade do recurso, como é de JUSTIÇA».
Tal reclamação foi indeferida por decisão de 2 de Abril de 2004, vindo agora o reclamante, nos termos supra mencionados, recorrer para o Tribunal Constitucional, tendo, além do já exposto, concretizado no seu requerimento de interposição, que:
“(...) por considerar, salvo melhor entendimento, que foram violadas normas constitucionais, tais como os artigos 13° e 32° da Constituição da República Portuguesa, quando se decidiu pela não admissão do recurso que interpôs para o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, normas estas que não foram respeitadas ao longo do presente processo.
No entanto. foi pelo ora recorrente várias vezes suscitada a inconstitucionalidade e a ilegalidade na aplicação destas referidas normas constitucionais nomeadamente quando interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (doc. 1 que se junta e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais) e quando apresentou a sua reclamação para o Exmo Senhor Dr. Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (doc. 2 que se junta e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais), ferindo-se assim as garantias do princípio da igualdade e a plenitude das garantias de defesa.
Não pode o ora recorrente A. conformar-se com a decisão do Ex.mo Senhor Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por, salvo melhor entendimento, ter feito a interpretação e aplicação da lei à revelia dos factos alegados, não fundamentando sequer sua decisão, (limitando-se, quando se pronuncia sobre o artigo 13° da CRP a dizer 'que não se encontra caracterizada qualquer situação desrespeitadora do princípio da igualdade, uma vez que em situações como a dos autos a ninguém é conferida a possibilidade de recorrer').
O ora recorrente, logo na questão prévia que suscitou no seu Recurso para o STJ, e também na sua RECLAMAÇÃO, enunciou todos os factos do 'modus operandi' processual, da demandada civil. O facto, importantíssimo, de ter sido aceite a esta D., a interposição do seu Recurso para o STJ, da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, confere o direito ao ora recorrente de também ele poder recorrer para o STJ, e a não ser assim. haverá desigualdade de tratamento das partes processuais.
Ora, quer parecer ao ora recorrente que o seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça deverá também que ser admitido, sob pena de se estar a desrespeitar as seguintes normas:
- os artigos 13° e 32° da Constituição da República Portuguesa
- os artigos 1º, 2°, 7º e 8° da Declaração Universal dos Direitos do Homem
- os artigos 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
porquanto se estará a ofender as garantias de defesa em Processo Penal em toda a sua extensão, tendo em conta os mecanismos que permitem o efectivo exercício desse direito, onde está incluído o direito ao recurso, o direito à igualdade perante a lei, direito ao contraditório e o direito de igualdade de tratamento das partes. em consonância com os artigos 3° e 3°A do C.P.C. e 4° do C.P.P..
Sem prescindir, cabia ao Tribunal da Relação de Coimbra atender a todos os factos atrás referidos e admitir o recurso do ora recorrente A. para o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, até porque a rejeição imediata do recurso deve ser considerada desproporcionada num domínio como o do direito penal e direito processual penal, em que o direito de defesa compreende o direito ao recurso.
Assim, andou mal o Tribunal da Relação e agora o Supremo Tribunal de Justiça ao sancionar com a imediata rejeição do recurso, privando o ora recorrente desse direito ao recurso, (quando inicialmente a Demandada Civil também recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e esse recurso foi admitido) desrespeitando o princípio da igualdade, artigos 13° e 32° nº 1, direitos estes constitucionalmente consagrados e artigo 8° da Declaração Universal dos Direitos do Homem (...).
3. O recurso foi admitido por despacho exarado nos autos, o qual, porém, não vincula este Tribunal, nos termos do artigo 76.º, n.º 3, da LTC.
Assim, porque se entende que não estão preenchidos os pressupostos do recurso de constitucionalidade, passa-se a proferir decisão nos termos do artigo
78.º-A, n.º 1, da LTC.
4. Com efeito, o presente recurso vem intentado ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, sendo necessário, como requisitos específicos para se poder conhecer de tal recurso, a mais do esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que a inconstitucionalidade dessa norma, ou dimensão normativa, tenha sido suscitada durante o processo.
Em todo o caso, é sempre forçoso que se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem sub species constitutionis a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao acto de “aplicação” judicial a violação dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo – a intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo ao recorrente, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Tal entendimento tem sido sucessivamente reiterado por este Tribunal em jurisprudência constante e uniforme: Como se pode ler, por exemplo, no Acórdão n.º 199/88 (publicado no DR, II Série, de 28 de Março de 1989): «(...) este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de
“normas” e não de “decisões” – o que exige que, ao suscitar-se uma questão de inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade constitucional se questiona, ou, no caso de se questionar certa interpretação de uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem por violador da lei fundamental». Na esteira do exposto, o Acórdão n.º 618/98 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), remetendo para jurisprudência anterior [ver, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 178/95 - publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos e o Acórdão n.º 269/94 (publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994)], veio igualmente sustentar que: «“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão
é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao acto de aplicação do Direito - concretizado num acto de administração ou numa decisão dos tribunais - mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cfr. Acórdãos nºs 37/97, 680/96,
663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República, II Série, de 15-05-1996).
[§]É certo que não existem fórmulas sacramentais para formulação dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão de constitucionalidade. [§]Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro que se põe em causa a conformidade à Constituição de uma norma ou de uma sua interpretação, e não de uma decisão judicial (...)». Também no Acórdão n.º 248/01 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm) se afirmou que «o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, tem por objecto, como resulta da lei e o Tribunal Constitucional tem inúmeras vezes relembrado, a apreciação da constitucionalidade de normas – ou de uma sua dimensão interpretativa – que tenham sido aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido invocada a sua inconstitucionalidade durante o processo (cfr., em especial, a al. b) do n.º 1 do artigo 70º e o n.º 1 do artigo 71º da Lei n.º
28/82). [§]Incumbe ao recorrente, como é sabido, determinar o objecto do recurso, explicitando devidamente qual a norma – ou qual a dimensão interpretativa – que acusa de ser inconstitucional, não podendo o Tribunal Constitucional substituir-se-lhe nessa determinação. Assim resulta claramente do disposto no citado artigo 71º da Lei n.º 28/82. O Tribunal Constitucional, aliás, tem-no afirmado repetidas vezes (cfr., por exemplo, o acórdão n.º 178/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., pág. 1118 e segs.: 'Tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível
(cfr., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental'.
(...) Finalmente, cabe recordar que o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade se destina a apreciar a eventual inconstitucionalidade de normas que tenham sido aplicadas na decisão de que se recorre para o Tribunal Constitucional, como atrás se disse, e não a inconstitucionalidade da própria decisão (cfr., nomeadamente, os Acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, de
31 de Janeiro de 1995 e de 16 de Maio de 1996). Na mesma linha, no Acórdão 74/02 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), afirmou-se que “o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade não cuida do acerto lógico-jurídico da subsunção do caso em apreço à norma: ao Tribunal Constitucional não compete julgar o acto decisório recorrido, em si mesmo considerado, envolvendo a ponderação decisiva da singularidade do caso concreto, ou tão pouco o mesmo, visto como resultado da conjugação da matéria de facto ao critério normativo utilizado, mas sim a constitucionalidade mesma desse critério normativo.[§]Como não foi acolhida pelo legislador nacional uma via de recurso equiparável ao da acção constitucional de defesa dos direitos fundamentais ou ao recurso de amparo, (cfr., entre tantos outros, os Acórdãos nºs 192/94, 178/95, 205/99,
255/99 e 191/01, publicados no Diário da República, II Série, de 14 de Maio de
1994, 21 de Junho de 1995, 21 de Outubro e 5 de Novembro de 1999, respectivamente, sendo o último inédito), e como tal se recorta o caso presente, há que concluir pela impossibilidade de se tomar conhecimento do objecto do recurso, por falta dos respectivos pressupostos de admissibilidade. Também no recente Acórdão n.º 361/04 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm) entendeu-se que «Como é sabido, no sistema português de fiscalização da constitucionalidade (que não contempla figuras como o “recurso de amparo” espanhol ou a “queixa constitucional” alemã), ao Tribunal Constitucional não compete apreciar a ocorrência de violações da Constituição directamente imputadas a decisões judiciais, em si mesmas consideradas, mas apenas a conformidade constitucional de normas jurídicas (quer na sua directa estatuição, quer na interpretação delas feita – interpretação normativa). A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes
às particularidades do caso concreto. Por outro lado, constitui jurisprudência firme do Tribunal Constitucional que, quando os recorrentes questionam a conformidade constitucional de uma determinada interpretação normativa, devem explicitar o sentido atribuído às normas em causa que consideram inconstitucional e que pretendem ver apreciado no âmbito do recurso de constitucionalidade. Como se afirmou, por exemplo, no Acórdão n.º 367/94 (Diário da República, II Série, n.º 207, de 7 de Setembro de 1994, pág. 9341 e seguintes), “ao questionar-se a compatibilidade de uma dada interpretação de certo preceito legal com a Constituição, há-de indicar se um sentido que seja possível referir ao teor verbal do preceito em causa. Mais ainda: esse sentido
(essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de tanto os destinatários desta como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, afrontar a Constituição”».
No caso sub judicio, a Recorrente insurge-se, precisa e exactamente – e apenas – contra as concretas decisões judiciais sem nunca ter equacionado a constitucionalidade das normas legais que constituíram a ratio decidendi dos juízos proferidos.
Nesse sentido, basta atentar nas considerações tecidas pelo próprio Recorrente que afirma haver “suscitad[o] a inconstitucionalidade e a ilegalidade na aplicação destas referidas normas constitucionais nomeadamente quando interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (...) e quando apresentou a sua reclamação para o Exmo Senhor Dr. Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (doc. 2 que se junta e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais), ferindo-se assim as garantias do princípio da igualdade e a plenitude das garantias de defesa (itálico aditado)”. Ora, não se vislumbra em tal arrazoado qualquer discurso de antítese entre as invocadas disposições da nossa norma normarum e qualquer preceito legislativo que padeça de vício susceptível de apreciação jurisdicional por banda deste Tribunal. Em rigor, são as sucessivas decisões judiciais – primeiro a que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e, depois, a que indeferiu a mencionada reclamação – que constituem o objecto do recurso interposto – em termos de o Tribunal Constitucional se pronunciar sobre a compatibilidade daquelas com as disposições constitucionais tidas por violadas. Tal é discernível não apenas do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, mas mesmo quando o ora Recorrente coloca a questão da não admissão do recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça – tendo nesse momento oportunidade para suscitar a inconstitucionalidade normativa do(s) preceito(s) sustentadores do despacho reclamado, acaba apenas por assacar à decisão do Tribunal da Relação o vício de violação da nossa lei fundamental
[“(...) andou mal o Tribunal da Relação ao sancionar com a imediata rejeição do recurso, privando o ora reclamante desse direito ao recurso, (quando inicialmente a Demandada Civil também recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e esse recurso foi admitido), desrespeitando o princípio da igualdade, artigos 13° e 32° nº 1, direitos estes constitucionalmente consagrados e artigo
8° da Declaração Universal dos Direitos do Homem” – afirma o Recorrente], nunca se pondo em crise o(s) preceito(s) do Código de Processo Penal concretamente aplicados.
Não se duvida de que o Recorrente suscitou “a inconstitucionalidade e a ilegalidade na aplicação destas (...)s normas constitucionais nomeadamente quando interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, não suscitou, contudo, a inconstitucionalidade de qualquer norma (legal) fundamentadora da decisão recorrida – o que, como se disse, constitui requisito indispensável para que este Tribunal possa tomar conhecimento do recurso interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Assim, se é certo que se recorre “das decisões judiciais”, não é menos verdade que o objecto do recurso de constitucionalidade é constituído apenas por actos normativos, daí se excluindo as decisões dos demais tribunais, sendo que a violação directa das normas e princípios constitucionais por aquelas apenas pode ser conhecida no plano dos recursos previstos na respectiva ordem de tribunais.
5. Destarte, atento tudo o exposto, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas pelo Recorrente com 8 (oito) UC de taxa de justiça.».
3 – Fundamentando a sua reclamação, o reclamante alega o seguinte:
«Em síntese,
Na página 11 da decisão sumária, ora reclamada, o Sr. Juiz Conselheiro Relator, referiu que o ora reclamante 'não suscitou contudo, a inconstitucionalidade de qualquer (norma legal) fundamentadora da decisão recorrida - o que, como se disse, constitui requisito indispensável para que este Tribunal possa tomar conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70° da LTC.
Ora, salvo melhor opinião, essa omissão não pode conduzir de imediato - à decisão de não se conhecer do objecto do recurso - por força do disposto no artigo 75°-A, números 5 e 6, da Lei supra referida.
Por lapso, o reclamante, no seu requerimento de interposição de recurso, não indicou as normas do Código de Processo Penal, artigos 400°, nº 1 e), e 432° b), cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade pretende que o Tribunal Constitucional também aprecie.
Simplesmente,
na óptica do ora reclamante, o seu recurso deverá ser admissível nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 70°, conjugado com o disposto no n° 2 do artigo
75°-A, uma vez que, em conformidade com o aludido nº 2, quando o recurso é interposto ao abrigo da alínea b), 'o Recorrente deve mencionar a norma ou princípio constitucional ou legal que considera violado, bem como a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Em verdade,
O recorrente, ora reclamante, não indicou, é certo, a norma do Código de Processo Penal cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade pretendia que o TC também apreciasse, mas indicou contudo os princípios constitucionais (artigos
13° e 32°, nº 1 da CRP), que considerou violados, na sequência da aplicação dessas mesmas normas processuais penais, a um dos sujeitos processuais e não ao outro, havendo manifesta desigualdade de tratamento dos sujeitos processuais.
Assim,
afigura-se ao ora reclamante que o recurso que interpôs a este Tribunal Constitucional, deve ser admitido e ser conhecido o seu objecto.
4 – O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional respondeu dizendo que a reclamação dever ser indeferida por o “seu teor não só não abala(r), com reforça(r) a [...] decisão sumária proferida nos autos”.
5 – Também a recorrida companhia de seguros D. respondeu sustentando o indeferimento da reclamação por em momento algum o recorrente ter questionado a constitucionalidade das normas jurídicas que estiveram na base das decisões judiciais por si postas em causa.
B – Fundamentação
5 – Como se colhe dos fundamentos da reclamação, o reclamante não abala a fundamentação em que se apoia a decisão sumária reclamada. Ao contrário do que pressupõe no seu requerimento de reclamação, a decisão sumária ao falar na “falta de suscitação da inconstitucionalidade de qualquer norma legal fundamentadora da decisão recorrida” (no caso, o despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação apresentada contra despacho de não admissão de recurso) não está a referir-se à falta de indicação, no requerimento de interposição do recurso, das normas de direito infraconstitucional cuja inconstitucionalidade o recorrente pretendesse ver apreciada [segundo agora precisa, “as normas do Código de Processo Penal, artigos 400, n.º 1, al. e), e 432º, b)], cuja omissão se reconhece poder, de facto, ser suprida através do meio processual a que se referem os n.ºs 5 e 6 do art.º 75º-A, da LTC. A decisão sumária está antes a referir-se à circunstância de o reclamante nunca haver suscitado no processo a questão de inconstitucionalidade das normas em que a decisão recorrida se abonou para decidir pelo indeferimento da reclamação de não admissão do recurso ou seja, dito de outro modo, ao facto de o reclamante não ter problematizado perante o
órgão de cuja decisão recorreu para o Tribunal Constitucional, de modo a poder ser por ele considerado, a questão de invalidade das normas que foram a ratio decidendi dessa decisão por violação de normas ou princípios constitucionais. Ora sobre o fundamento assim entendido o reclamante nada opõe, sendo de manter o julgamento aí efectuado. Mas a reclamação deve ser indeferida ainda por outra razão. É que constituiu também fundamento da decisão sumária reclamada a circunstância de o reclamante ter questionado durante o processo, e no próprio requerimento de interposição do recurso, a constitucionalidade não de normas jurídicas mas de decisões judiciais e estas não poderem ser objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto. O reclamante nada diz também sobre a correcção deste juízo feito pelo relator, deixando-o incólume, e que aqui se mantém.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal decide indeferir a reclamação. Custas pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 20 UC, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário caso o reclamante goze dele.
Lisboa, 15 de Julho de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos