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Proc. n.º 559/04
1ª Secção Relator: Conselheiro Artur Maurício
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - A., com os sinais dos autos, reclama para este Tribunal do despacho do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional do despacho de fls. 278 e segs., ao abrigo do disposto no artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC, para apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 688º e 690º-A do Código de Processo Civil.
O aludido despacho de fls. 278 e segs. pronunciou-se sobre reclamação deduzida, ao abrigo do disposto no artigo 688º do CPC, de despacho que rejeitara o recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Almada em acção intentada pelo ora reclamante contra B. e C., com fundamento na falta de cumprimento do disposto no artigo 690º-A do CPC, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 183/2000.
Na reclamação do despacho de rejeição de recurso, o reclamante suscitou a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 690º-A do CPC, na aludida redacção.
A reclamação foi decidida por despacho do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, onde se escreveu, na parte que interessa:
'No requerimento desta reclamação são levantadas questões que têm toda a pertinência e interesse processuais.
Mas, e salvo o devido respeito, a sua apreciação não cabe no processo de reclamação.
Na verdade, nos termos do artigo 688º n.º 1 do Código de processo Civil, só há reclamação do despacho que não admita o recurso ou que o retenha.
No caso concreto não estamos perante qualquer destas duas decisões.
No caso concreto o recurso de apelação foi devidamente admitido e foi-lhe fixado o devido efeito.
Sucede que depois desta situação ocorreram circunstâncias - a alegada omissão de junção de transcrição dos depoimentos gravados que serviriam de fundamento para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto - que tiveram como consequência a rejeição do recurso já admitido.
Nestas circunstâncias estamos perante um novo despacho judicial que só pode ser atacado pela via do recurso e não pela via da reclamação prevista no artigo 688º n.º 1 do Código de Processo Civil. Esta situação é em tudo idêntica
àquela que se verificaria se o apelante não tivesse apresentado alegações de recurso e o juiz tivesse julgado deserto esse mesmo recurso, nos termos do disposto no artigo 690º n.º 3 do mesmo Código. Deste despacho não caberia também reclamação mas só poderia ser atacado por recurso.
As questões que são levantadas no requerimento desta reclamação seriam o objecto do recurso que porventura tivesse sido interposto da decisão do Juiz em rejeitar o recurso interposto e admitido por a parte não ter satisfeito uma das obrigações cuja omissão leva à rejeição desse recurso.
No caso concreto não foi interposto recurso - pelo menos nada resulta nesse sentido destes autos - da decisão de rejeição que era a única maneira de se opor a tal decisão e por isso não estamos perante qualquer reclamação de que devamos conhecer, nos termos do disposto no artigo 688º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Assim, pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, vai indeferida a presente reclamação.'
Foi deste despacho que o ora reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional, nos termos supra relatados.
Sobre o recurso foi proferido o despacho ora sob reclamação, onde se disse:
'.............................................................................................................
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não tem razão o recorrente para a admissão do recurso.
Na verdade, considerando a sua posição, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo em termos de que se esteja obrigado a dela conhecer.
No caso concreto não é ao Presidente do Tribunal da Relação que cabe apreciar a constitucionalidade do artigo 690º-A do Código de Processo Civil. Tal situação seria objecto do recurso se o mesmo tivesse sido interposto.
No que respeita à interpretação do artigo 688º do Código de Processo Civil, dada na decisão sobre a reclamação, tal questão não foi anteriormente levantada no próprio processo pelo que não agora ser objecto de qualquer recurso.
Por todo o exposto, e tendo em conta as normas constitucionais citadas, não se admite o interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
............................................................................................................'
Na presente reclamação, o reclamante começa por alegar ter cumprido, no requerimento de interposição de recurso, todos os requisitos exigíveis, dizendo, no que respeita à norma do artigo 688º do CPC, que 'apenas suscitou a inconstitucionalidade no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e não antes, porquanto a mesma decorreu da decisão que ali se pretendia impugnar e, portanto, não dispõe de oportunidade processual anterior para o fazer!', citando, ainda, em abono da sua tese, jurisprudência deste Tribunal.
Na sua resposta, o Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
2 - É pressuposto do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º n.º
1 alínea b) da LTC a aplicação, na decisão recorrida, da norma (ou uma sua interpretação) cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
E é igualmente pressuposto do mesmo recurso, a suscitação da questão de constitucionalidade, durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão impugnada.
No que a este pressuposto concerne, vem sendo também jurisprudência firme do Tribunal Constitucional a dispensa do cumprimento do aludido ónus que recai sobre o recorrente quando a aplicação da norma (ou uma sua interpretação) na decisão recorrida seja imprevisível, em termos de ser legitimamente inexigível a sua 'antecipação', por parte do recorrente (decisão-supresa).
Ora, dado o teor do despacho recorrido, é desde logo manifesto que ele não aplicou a norma ínsita no artigo 690.º-A do CPC.
Com efeito, tal despacho configura-se, substancialmente, como uma decisão de não conhecimento da reclamação, com o fundamento de que, apenas sendo reclamáveis nos termos do artigo 688.º n.º 1 do CPC os despachos de não admissão ou de retenção de recurso, o despacho em causa assim se não configurava, mas, diferentemente, como despacho de rejeição do recurso, impugnável por via de recurso.
Não se verifica, deste modo, um dos pressupostos do recurso interposto para o Tribunal Constitucional quanto à norma do citado artigo
690.º-A do CPC.
Já quanto ao artigo 688.º do CPP (de que, inequivocamente, foi aplicado o seu n.º1) é outro o pressuposto do recurso que falece - a não suscitação da questão de constitucionalidade da norma perante o presidente do tribunal superior a que a reclamação foi dirigida.
Reconhece o reclamante que não suscitou a questão de constitucionalidade durante o processo, mas entende que não teve oportunidade de o fazer, uma vez que ela decorreu apenas do despacho que pretendia impugnar para o Tribunal Constitucional.
Mas sem qualquer razão.
Na verdade, de forma alguma se pode considerar como imprevista ou surpreendente a decisão de não conhecimento da reclamação com o fundamento já referido.
Não se configurando o despacho que foi objecto de reclamação para o Presidente da Relação de Lisboa como de não admissão ou retenção do recurso, mas como de rejeição do recurso, resultava, linear e literalmente, do disposto no artigo 688.º n.º 1 do CPC que a reclamação não seria admissível.
Aliás, não se conhece, nem o reclamante dá conta de qualquer corrente jurisprudencial no sentido de ser admissível reclamação de despachos de rejeição de recursos.
Era assim exigível que o reclamante previsse a hipótese (ou a certeza) de a questão ser equacionada pelo Presidente da Relação de Lisboa no quadro do disposto no artigo 688.º n.º 1 do CPC, com a interpretação que pacificamente lhe é dada; impunha-se, então, suscitar, na reclamação, a questão de constitucionalidade da norma contida naquele preceito legal, deste modo prevenindo o órgão decisor de que deveria resolver essa mesma questão.
Em suma, pois, o despacho de que o reclamante pretendia interpor recurso para o Tribunal Constitucional não constitui uma decisão-surpresa, pelo que sobre o reclamante impendia o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 688.º n.º 1 do CPC, na reclamação deduzida, o que não fez.
Bem decidiu, pois, o despacho reclamado ao não admitir o recurso interposto para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º n.º 1 alínea b) da LTC.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 20 de Maio de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida