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Processo n.º 446/03
2.ª Secção Relator: Conselheiro Mário Torres
(Conselheira Maria Fernanda Palma)
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
A., arguido em processo de instrução criminal pendente na Polícia Judiciária Militar, preso preventivamente, requereu ao Juiz de Instrução Criminal Militar a sua libertação, tendo invocado como um dos fundamentos o excesso do prazo de prisão preventiva, atribuindo relevância, para tanto, ao período em que esteve detido, na Polónia, entre 24 de Março de 2002 e
13 de Fevereiro de 2003, para efeitos de extradição pedida pelas autoridades portuguesas no âmbito do presente processo.
Tal pretensão foi indeferida por despacho de 14 de Abril de 2003 do Juiz de Instrução Criminal Militar, do seguinte teor:
“Não se questiona que, atenta a fase processual dos autos, os crimes em causa e a sua excepcional complexidade, já reiterada com relação a outros arguidos e que aqui se renova, o prazo de duração máxima da prisão preventiva é
– ex vi artigo 368.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do Código de Justiça Militar – de cento e oitenta dias.
Pensamos que no caso do arguido sub judice é também este o prazo aplicável, já que nada na lei inculca posição diversa.
Como é consabido, o Código de Processo Penal distingue entre detenção e prisão preventiva, além do mais, no sentido de que deverá levar-se em conta aquela, nos termos do artigo 80.º do Código Penal, à semelhança da obrigação de permanência na habitação e da prisão preventiva, e bem assim nos termos do artigo 82.º do Código Penal.
O arguido vem (...) referir que a detenção equivale, para todos os efeitos legais, à prisão preventiva – ex vi artigo 371.º do Código de Justiça Militar.
Sucede que o arguido foi detido no estrangeiro em 24 de Março de
2002.
Só foi entregue às autoridades portuguesas em 14 de Fevereiro de
2003 (fls. 8892).
A instrução é alheia ao tempo que mediou entre a detenção, em Varsóvia, e a dita entrega.
Se o prazo for contado a partir daquela detenção, ou mesmo da sua validação pelo magistrado judicial polaco, então o prazo expirou quando o arguido ainda estava em terras da República da Polónia.
Nesta matéria, há ainda que ter presente o disposto no artigo 13.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, o qual estatui, no seu n.º 1, que a detenção decretada no estrangeiro ou a prisão preventiva aí decretada, em consequência da extradição (cf. artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da citada Lei), são levadas em conta no âmbito do processo português ou imputadas na pena, nos termos do Código Penal, como se a privação da liberdade tivesse ocorrido em Portugal.
Pensamos que o sentido útil de tal norma (a do artigo 371.º do CJM) não pode ser o que dela pretende extrair o arguido A..
Embora com uma diferente inserção sistemática do que é habitual, o Código de Justiça Militar apenas quis fazer equivaler a detenção à prisão preventiva, no sentido de ser aquela também atendida nos cômputos da pena, se a ela houver lugar.
Recorde-se que a captura a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo
368.º do CJM (diploma de 1977, recorde-se!) ocorria por detenção.
Entendemos, pois, que o tempo de detenção, sofrido na República da Polónia, não conta para os efeitos do disposto no artigo 368.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do CJM.
E que o referido prazo de 180 dias se iniciou em 14 de Fevereiro de
2003.
Assim sendo, não se considera excedido o prazo máximo de prisão preventiva nestes autos decretada ao arguido A., indeferindo-se o requerido.”
O arguido interpôs recurso deste despacho para o Supremo Tribunal Militar, terminando a respectiva motivação com a formulação das seguintes conclusões:
“1. A alegada, mas não existente, distinção levada a efeito pelo Código de Processo Penal entre a detenção e a prisão preventiva em nada releva para os presentes autos, em virtude de o Código de Justiça Militar constituir lei especial em relação ao Código de Processo Penal, pelo que aquele prevalece sobre este – artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil.
2. O artigo 371.º do Código de Justiça Militar é absolutamente inequívoco ao estabelecer uma equiparação para todos os efeitos legais entre a detenção e a prisão preventiva.
3. Tal conclusão resulta, desde logo, da interpretação do referido preceito legal conforme ao artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa.
4. O tempo decorrido com a detenção deve ser somado ao tempo da prisão preventiva, para efeitos da contagem dos limites máximos previstos no artigo 368.º do Código de Justiça Militar.
5. A detenção do arguido, aqui recorrente, ocorreu precisamente no seguimento de um pedido de extradição formulado pela autoridade judiciária portuguesa e tendo em atenção os presentes autos.
6. Sem tal pedido a detenção sofrida pelo arguido, aqui recorrente, em Varsóvia e para efeitos de extradição para Portugal não teria ocorrido.
7. Não pode o arguido sofrer as consequências do «atraso» da sua entrega às autoridades portuguesas, tanto mais que nunca se opôs à extradição, sob pena de violação dos artigos 1.º e 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
8. A desconsideração do tempo de detenção no estrangeiro implica uma violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, uma vez que um arguido que fosse detido em território português veria tal tempo ser considerado para efeitos do limite máximo da prisão preventiva (ex vi artigo
371.º do Código de Justiça Militar).
9. O princípio da igualdade sanciona, desde logo, distinções arbitrárias, não materialmente fundadas, irrazoáveis ou desproporcionais, como aqui ocorreria.
10. Independentemente do «atraso» verificado no processo de extradição, facto é que tal não implicou a obstrução ou paragem das diligências de investigação e/ou instrução no âmbito dos presentes autos.
11. Nos termos do artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, para além do desconto na pena caso a mesma venha a ser posteriormente aplicável, a detenção sofrida no estrangeiro por virtude de processo de extradição deve ser relevante para efeitos das demais disposições do processo português, no caso sub judice, para efeitos de duração máxima da prisão preventiva.
12. O artigo 371.º do Código de Justiça Militar não restringe a equivalência da detenção à prisão preventiva exclusivamente para efeitos de desconto da pena posteriormente aplicável, uma vez que o desconto do tempo de detenção no cumprimento de pena encontra-se expressamente previsto no artigo
47.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
13. É inadmissível a interpretação restritiva do artigo 371.º do Código de Justiça Militar, por violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
14. Sendo inadmissível a interpretação extensiva de normas processuais penais de conteúdo desfavorável aos arguidos, será também inadmissível, por maioria de razão, a interpretação restritiva de normas processuais penais de conteúdo favorável aos arguidos, como é o caso do artigo
371.º do Código de Justiça Militar.
15. Ocorreu manifesto lapso do Meritíssimo Juiz a quo na determinação da norma aplicável e qualificação jurídica dos factos, em virtude de para efeitos de contagem do prazo de duração máxima de prisão preventiva, o qual, nos termos do artigo 368.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do Código de Justiça Militar é de cento e oitenta (180) dias, ser de aplicar o disposto no artigo 371.º do Código de Justiça Militar e em consequência ser atendido o período de tempo de detenção ocorrido na República da Polónia.
16. O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 363.º, n.º 1,
368.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), e 371.º do Código de Justiça Militar, artigos 73.º, n.º 3, e 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, artigo 1.º, n.º 3, do Código Penal e artigos 1.º, 13.º, 27.º, n.ºs 1, 2 e 3, 28.º, n.º 4, 29.º, n.ºs 1 e 3, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos,
Deverá ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência reformado, ou, caso assim não se entenda, ser revogado o despacho recorrido e, em consequência, ser julgada extinta a prisão preventiva, devendo, em consequência e nos termos do artigo 217.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 363.º, n° 1, do Código de Justiça Militar, o arguido/recorrente ser posto em liberdade.”
A esse recurso foi negado provimento pelo acórdão de 15 de Maio de 2003 do Supremo Tribunal Militar, que, para tanto, desenvolveu a seguinte fundamentação:
“O objecto do presente recurso resume-se, fundamentalmente, à questão de direito de saber se a «detenção» que o réu recorrente terá sofrido no estrangeiro, no âmbito do processo da sua extradição da Polónia para Portugal, deve ou não ser tida em consideração no cômputo do tempo da prisão preventiva, com as correspondentes consequências.
Em defesa da afirmativa, o recorrente estriba-se na disposição do artigo 371.° do Código de Justiça Militar, nos termos da qual a «detenção equivale, para todos os efeitos legais, à prisão preventiva». O Senhor Juiz de Instrução Criminal Militar faz uma interpretação deste preceito contrária à do recorrente. A razão está do lado do recorrente na medida em que defende que, por força deste citado preceito, a detenção, sendo equiparada, para todos os efeitos, à prisão preventiva, deve entrar na contagem dos prazos máximos da prisão preventiva. Na verdade, quer pela sua letra quer pela sua colocação sistemática e pelo seu espírito, não pode deixar de se considerar que, por força daquele preceito, a detenção, equivalendo para todos os efeitos legais à prisão preventiva, não pode deixar de ser levada em consideração para o «efeito legal» do cômputo daqueles prazos. Tal resulta indubitavelmente confirmado pelo artigo
368.°, n.° 1, alínea a), do mesmo diploma, ao prever, como termo inicial do prazo a que se refere, a «captura». E, como salienta o recorrente, o preceito em análise seria desnecessário para efeitos de desconto na pena pois que, já para este preciso efeito, o artigo 7.°, n.° 1, do Código de Justiça Militar faz menção expressa à detenção. Não pode, pois, suscitar-se dúvida legítima de que, em direito processual penal militar, o tempo de detenção entra no cômputo da prisão preventiva.
Mas, formulada esta conclusão, teremos que nos perguntar se esse assim relevante e equiparado tempo de detenção é qualquer um. Parece-nos óbvio que a lei não atribui essa relevância a uma qualquer detenção alguma vez sofrida pelo réu no seu passado, mesmo remoto, e no âmbito de qualquer processo português ou estrangeiro, em que, até eventualmente, essa detenção já tivesse sido levada em conta no cumprimento de uma pena. As sucessivas detenções iriam beneficiando o réu sem fundamento plausível para tanto. Seria absurda a existência de semelhante «crédito». Vejamos, então.
É irrecusável que a lei usa o termo «detenção» em várias acepções, em que figura como género próximo e, portanto, como elemento comum, uma privação de liberdade – v., por exemplo, os artigos 27.°, n.° 3, alíneas a), b), c), f) e g), e 28.°, n.° 1, ambos da Constituição, 254.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, 13.°, n.° 1, 38.°, 39.°, 52.°, 62.°, 63.° e
66.º, todos da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, etc. Urge, assim, averiguar com que sentido, de entre os possíveis, o Código de Justiça Militar (apenas este diploma interessa) usa o termo «detenção» no seu já referido artigo 371.º.
Os artigos 338.° e 365.° do Código de Justiça Militar dão um relevante contributo ao estabelecerem o período máximo legal de duração da detenção em quarenta e oito horas.
Também no artigo 47.°, n.º 1, o legislador do mesmo diploma, ao determinar que a detenção seja levada em conta na duração das penas, adoptou, para o efeito, o critério da unidade de processos; de tal maneira que, ao afastar-se dele, sentiu-se na necessidade de consagrar expressamente a excepção, como fez ao determinar que fosse levada em conta «a privação de liberdade sofrida nas condições previstas no artigo 3.°», ou seja, a privação de liberdade sofrida num outro processo (num processo disciplinar), embora pelo mesmo facto. Tudo leva a crer que à elaboração do artigo 371.° do Código de Justiça Militar tenha presidido o mesmo critério. É que não faria sentido que uma determinada privação de liberdade entrasse no cômputo dos prazos da prisão preventiva e não fosse levada em conta no cumprimento da pena.
A estes contributos decisivos juntam-se os decorrentes dos artigos
254.° e seguintes do Código de Processo Penal, diploma para o qual o artigo
363.°, n.° 1, do Código de Justiça Militar expressamente remete a regulamentação da detenção. E, assim, verifica-se que a detenção é efectuada para «no prazo máximo de 48 horas, o detido [...] ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção» – artigo 254.°, n.° 1, alínea a), do CPP; fora de flagrante delito, em regra, «a detenção só pode ser efectuada por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério Público» – artigo 257.°, n.°
1, do CPP. Concordantemente, dispõe o artigo 28.°, n.° 1, da Constituição que a
«detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada...». Nestes termos, é a própria Constituição que fixa o prazo máximo da privação de liberdade a que chama «detenção», enquanto que remete para a lei infraconstitucional o estabelecimento dos prazos de prisão preventiva – v. n.°
4 deste artigo 28.°.
É esta «detenção», assim legalmente caracterizada, que o artigo
371.° do Código de Justiça Militar equipara à prisão preventiva sem que tenha curado de prever privações de liberdade sofridas no estrangeiro, no âmbito de processos de extradição, ou delas retirar efeitos.
As normas jurídicas aplicáveis à extradição conformam-se com esta posição e confirmam-na.
Dispõe o artigo 229.° do Código de Processo Penal, aplicável por força do artigo 331.° do Código de Justiça Militar:
«As rogatórias, a extradição, a delegação do procedimento penal, os efeitos das sentenças penais estrangeiras e as restantes relações com as autoridades estrangeiras relativas à administração da justiça penal são reguladas pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial e ainda pelas disposições deste livro.»
A Convenção Europeia de Extradição, assinada em Estrasburgo, em 27 de Abril de 1977, e os seus dois Protocolos Adicionais, por força do disposto no artigo 8.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, vigoram na ordem interna, nos termos do princípio da recepção plena condicionada. No caso, verifica-se o condicionalismo preceituado. As normas que contêm vinculam internacionalmente o Estado Português e a República da Polónia. Aquela Convenção e seus Protocolos foram aprovados para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.° 23/89, de 8 de Novembro de 1988, Diário da República, I Série, de 21 de Agosto de 1989, que os publica na íntegra; e foram ratificados pelos Decretos do Presidente da República n.° 57/89, de 21 de Agosto, a Convenção, e n.° 23/90, de 20 de Junho, os dois Protocolos. A Polónia ratificou a mesma Convenção, e os referidos Protocolo Adicional e 2.° Protocolo Adicional, segundo os Avisos, respectivamente, n.° 100/94, Diário da República, I Série-A, de 10 de Março de 1994, n.° 127/94, Diário da República, I Série-A, de 23 de Março de 1994, e n.° 58/94, Diário da República, I Série-A, de 11 de Fevereiro de 1994.
Dispõe o artigo 22.° da citada Convenção: «Salvo disposição em contrário da presente Convenção, a lei da Parte requerida é a única aplicável ao processo de extradição, bem como à detenção provisória». Dele decorre que a toda a privação de liberdade sofrida no âmbito de um processo de extradição, incluindo a detenção provisória que, nos termos do n.° 2 do artigo 16.° da Convenção, ocorra antes de ser formulado qualquer pedido de extradição e, portanto, antes da instauração formal do respectivo processo, é aplicável exclusivamente, no caso que nos ocupa, a lei polaca, como lei da parte requerida. Ora, esta disposição, vigorando, como concluímos acima, no direito interno português, mostra-se inconciliável com a pretensão do recorrente. Dentro do mesmo sistema jurídico, resultaria, além do mais, ininteligível que fosse juridicamente impossível, atento o princípio da territorialidade, evitar deixar exceder um prazo de prisão preventiva sofrida no estrangeiro e esse excesso apenas relevasse para efeitos de não poder decretar-se posteriormente essa prisão preventiva em Portugal. Ao estabelecer qualquer prazo, a lei pressupõe, necessariamente, a possibilidade da sua observância. De notar que os prazos da acima referida detenção provisória são fixados em 18 e 40 dias, sem prejuízo de nova detenção – n.ºs 4 e 5 do artigo 16.° da Convenção.
Nenhuma norma existe na Convenção que determine a produção de efeitos, na ordem interna do país requerente, da «detenção» sofrida no país requerido; e não há qualquer outra Convenção ou tratado aplicáveis ao caso.
Sendo assim, em obediência ao disposto no artigo 229.° do Código de Processo Penal, haveremos de convocar, seguidamente, a Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto. E verificamos que esta Lei também não tem qualquer disposição expressa que se refira à matéria que nos ocupa. Mas dela decorre igualmente a auto-exclusão da aplicabilidade da lei e jurisdição portuguesas, como se depreende das diferenças entre a regulamentação que faz da extradição passiva e da extradição activa e do teor das respectivas normas. E ainda do facto de estabelecer para a «detenção provisória» e «detenção» no âmbito da extradição prazos autónomos e sem qualquer conexão com os da prisão preventiva, sendo que o total daqueles, de 65 dias, 25 dias, 80 dias e 3 meses – v. artigo 52.° e sua epígrafe – é superior a prazos desta; exigindo a coerência interna do sistema a não interferência, qualquer que ela seja, da privação de liberdade sofrida no
âmbito do processo de extradição no tempo da prisão preventiva respeitante ao processo penal da parte requerente. Tal denota que a privação de liberdade no
âmbito do processo de extradição apenas está sujeita a esses prazos específicos e não aos da prisão preventiva; e que, se assim não fosse, a cada passo resultaria inviável a execução da decisão de extradição, designadamente, se subordinássemos a duração da «detenção provisória» e da «detenção» ao prazo de
48 horas previsto no n.° 1 do artigo 28.° da Constituição. Também no artigo
38.° se fixam em 18 e 40 dias os prazos da «detenção provisória», sem prejuízo de nova «detenção» – n.ºs 5 e 7 –, que excedem em muito o prazo de 48 horas para apresentação do detido a apreciação judicial.
Cumpre salientar que, quer a dita Convenção quer a citada Lei n.°
144/99, se referem ao processo de extradição chamando-lhe isto mesmo, processo de extradição – v. g., entre outros, o artigo 22.° da Convenção e a Secção II do Título II da Lei n.° 144/99 – comportando uma «decisão final» com trânsito em julgado – artigo 41.° desta Lei. Tal processo é, assim, tratado pelo legislador como um verdadeiro processo autónomo.
Não temos dúvidas de que estamos, pois, perante uma outra acepção de
«detenção», com fundamentos, finalidades, circunstâncias e prazos próprios e diferentes.
Conclui-se, pois, que qualquer privação de liberdade sofrida no
âmbito de um processo de extradição em que Portugal figure como requerente não é abrangida pelo sentido de «detenção» usado no Código de Justiça Militar e inicialmente apontado. Na verdade, a sua duração máxima não está, nos termos da lei, obrigatoriamente limitada a um prazo de 48 horas; não pode ser ordenada ou revogada por juiz ou agente do Ministério Público portugueses, estando, assim, subtraída ao domínio destes face aos limites da soberania estaduais e ao princípio da territorialidade, que, dando primazia à regra da lex fori, auto-exclui a intervenção da jurisdição portuguesa, bem como a aplicação da lei portuguesa – cf. o artigo 6.° do Código de Processo Penal; o seu termo final e finalidade não é qualquer «apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada»; e não respeita ao processo português em que tem lugar esta apreciação judicial, mas a processo não apenso ou findo.
Esta interpretação é a única que é conforme à Constituição da República Portuguesa por não gerar inconstitucionalidades, designadamente por evitar a violação do artigo 28.°, n.° 1, desta.
Apesar de todas as deficiências da instrução do presente recurso, com esta interpretação não ultrapassamos os limites da mera interpretação declarativa (restrita), o que nos dispensa de apreciar as considerações feitas pelo recorrente a propósito da interpretação restritiva e extensiva.
Foi invocado, no processo, o artigo 13.° da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto. Mas este preceito apenas prevê que a privação de liberdade sofrida no estrangeiro em consequência de uma das formas de cooperação nessa lei previstas, entre as quais se conta a extradição, seja «levada em conta no
âmbito do processo português ou imputada na pena, nos termos do Código Penal, como se a privação de liberdade tivesse ocorrido em Portugal» (sublinhado nosso). Atenta a utilização da alternativa «ou», não restam dúvidas de que a remissão para o Código Penal (e não para o Código de Processo Penal, como, certamente por lapso, se escreveu nas alegações do recorrente) se reporta a ambos os termos da alternativa. Ora, no Código Penal não se prevê que a privação de liberdade sofrida no estrangeiro seja levada em linha de conta no cômputo dos prazos de prisão preventiva; apenas se prevê que se tome em consideração para outros efeitos – v. os seus artigos 80.º a 82.°. Nem se compreenderia que a privação de liberdade fosse, alternativamente, que não cumulativamente, ou levada em conta no cômputo dos prazos de prisão preventiva ou imputada na pena. Assim, aquele preceito, ficcionando a privação de liberdade como ocorrida em Portugal, limita-se a abrir uma excepção ao princípio da territorialidade, mas não em matéria de cômputo de prazos de prisão preventiva. O mesmo entendimento era tido na vigência do Decreto-Lei n.º 437/75, de 16 de Agosto, cujo artigo 29.°, n.° 1, dispunha expressamente que a detenção do extraditando não estava sujeita aos limites do prazo da prisão preventiva previstos na lei de processo penal comum. Embora esta disposição não tivesse transitado para o Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro, persistiu, durante a vigência deste, o mesmo entendimento – v., por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Dezembro de 1997, in Colectânea de Jurisprudência
– Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1997, tomo III, pág. 249.
Ainda nos termos do artigo 229.° do Código de Processo Penal, lançando mão do Livro V deste Código, verificamos que este também nada contém sobre a matéria em causa.
Na falta de disposição legal que imponha que uma privação de liberdade sofrida no estrangeiro produza efeitos em Portugal no cômputo dos prazos de prisão preventiva relativa ao processo português, podemos concluir, sem mais, que tal não é permitido por lei. Se tivesse pretendido que o fosse, o legislador tê-lo-ia dito. À semelhança da necessidade que sentiu de estabelecer a regra constante do artigo 82.° do Código Penal (medida processual ou pena sofridas no estrangeiro), apesar do legislado nos artigos 80.º e 81.° do mesmo Código (medidas processuais ou pena sofridas em Portugal). O mesmo se diga relativamente ao artigo 13.° da citada Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto. Mas não pretendeu. Só com este entendimento resulta salvaguardada a coerência do ordenamento jurídico português no que toca à concepção do processo de extradição.
Em suma: de acordo com a interpretação a que vimos procedendo, nenhuma privação de liberdade sofrida no estrangeiro no âmbito de um processo de extradição é levada em conta no cômputo dos prazos de prisão preventiva do processo penal português. No processo penal militar tal só acontece a partir do momento em que o «detido» é entregue e passa a estar à ordem de autoridades portuguesas, ou seja, em regra, a partir do momento em que, passando a fronteira, entra em Portugal.
O «detido» recorrente estará indiciado da prática de um crime «... previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 193.°, n.° 1, alínea a), do CJM com referência ao artigo 28.°, n.° 1, do Código Penal, aplicável ex vi artigo 4.° do CJM...» – despacho de 16 de Outubro de 2001, a fls. 32. Terá entrado em Portugal e sido entregue às autoridades portuguesas em 14 de Fevereiro de 2003. Não se mostra nestes autos de recurso que já tenha tido lugar a «abertura de vistas» no processo principal nem que esteja excedido o prazo de cento e vinte dias de prisão preventiva previsto no artigo 368.°, n.°
1, alínea a), do Código de Justiça Militar, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.° do Decreto-Lei n.º 226/79, de 21 de Julho, prazo este que, como atrás referimos, deve contar-se desde a entrega do «detido» às autoridades portuguesas.
Na conformidade do exposto, o recorrente não tem razão:
– ao invocar a violação do artigo 368.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do Código de Justiça Militar; o prazo previsto naquele n.° 1, alínea a), não se mostra excedido nem, de resto, se mostra que tenham sido proferidos despachos nos termos do citado n.° 2, alínea a); aliás, ainda resta tempo para prolação do despacho relativo à primeira prorrogação do prazo e muito mais para a prolação de despacho para prorrogação do mesmo prazo por novo período de trinta dias;
– ao invocar a violação dos artigos 7.°, n.° 3, e 9.°, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, e 1.°, n.° 3, do Código Penal, já que apenas está em causa uma interpretação declarativa legítima, sem o mínimo recurso à analogia e sem que tenha sido considerada qualquer revogação de lei especial por uma lei geral;
– ao invocar a violação do artigo 13.°, n.° 1, da Lei n.° 144/99, de
31 de Agosto, pois tal preceito não estatui sobre a entrada, no cômputo da prisão preventiva, da privação de liberdade sofrida no estrangeiro.
Também o recorrente não tem razão ao invocar as várias violações da Constituição. Não se vislumbra como possa ter sido violado o artigo 1.º da Constituição pois
é ela própria que prevê e distingue, como casos autónomos, no seu artigo 28.º, n.º 3, alíneas b) e c), a «Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos»; e, em alínea diferente, a «Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa ... contra a qual esteja em curso processo de extradição...». Não se verifica qualquer violação do artigo 13.º da Constituição, pois o princípio da igualdade só obriga a tratamento igual daquilo que é igual, vedando a arbitrariedade. Entre os processos penal e de extradição e as privações de liberdade no âmbito de um e outro há diferenças substanciais, que não meramente formais. Desde logo, estão sujeitos a regimes legais diferentes
(v., designadamente, o citado artigo 22.º da Convenção Europeia de Extradição e a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto) e têm finalidades diferentes – a responsabilização criminal, o primeiro, e a prolação de decisão sobre a extradição, o segundo; finalidades processuais e de protecção do arguido, a prisão preventiva, e a efectiva execução da decisão de extraditar, a «detenção» no processo de extradição. Para além disso, o processo de extradição e a privação de liberdade sofrida no seu âmbito escapa totalmente ao controlo do Estado requerente. Os critérios que presidem ao estabelecimento dos prazos máximos de «detenção» e de prisão preventiva diferem de acordo com as respectivas finalidades; e não basta alegar, como faz o recorrente, que, durante a prisão no estrangeiro, o processo penal progrediu: pode não ter progredido tanto quanto legalmente desejável já que há sempre a possibilidade de ser necessária a presença física do «detido» para realização de actos de instrução, o que só a prisão preventiva, que não a detenção no estrangeiro, pode assegurar
– v. g., acareação, reconhecimento, perícia, etc.. E sendo o tempo de privação de liberdade sofrido no estrangeiro superior ao prazo máximo de prisão preventiva, como é no caso presente, nem esta poderia sequer ser decretada, com frustração das suas finalidades. Não há, pois, qualquer violação do artigo 13.º da Constituição. No mesmo sentido decidiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 298/99, de 12 de Maio de 1999, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 487, pág. 111 e seguintes, e Diário da República, II Série, de 16 de Julho de 1999, para o qual se remete. Também não há violação do artigo 27.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Constituição. O n.º 1 não se mostra violado já que o Estado Português não tem possibilidade de controlo sobre a privação de liberdade sofrida no estrangeiro, de maneira a poder pôr-lhe termo ou a poder acelerar o respectivo processo. E não se mostra que se tenha verificado, efectivamente, qualquer «atraso» no processo de extradição, como alegado; aliás, a ter-se verificado, ao extraditando teria competido reagir oportunamente usando os meios necessários facultados pela lei polaca. O n.º 2 não é violado já que o n.º 3, como vimos, excepciona à regra formulada naquele n.º 2, precisamente o caso de privação de liberdade no caso de estar em curso um processo de extradição. E a regra do n.º 1 conjugada com a do corpo do n.º 3, mesmo que deste extraíssemos qualquer princípio, igualmente não se mostraria violada, pois estaríamos longe de considerar irrazoável ou desproporcionado o tempo de privação de liberdade sofrido pelo recorrente face
às finalidades penais visadas. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional acima citado, para o qual também se remete. Não foi violado o artigo 28.º, n.º 4, da Constituição, já que este pressupõe que a prisão preventiva seja decretada num processo submetido à jurisdição e à direcção das autoridades portuguesas, o que não acontece com a privação de liberdade atinente a uma extradição requerida por Portugal. Estes dois tipos detentivos distinguem-se «quer nas suas finalidades, quer, decisivamente, na sua sujeição a regimes e jurisdições diversos»; «assim, a própria ratio da imposição, constitucional e legal, da prisão preventiva não obriga à “soma” do tempo da privação de liberdade aplicada num Estado estrangeiro, para assegurar a extradição» – citado Acórdão do Tribunal Constitucional para onde, mais uma vez, se remete. Não ocorre a invocada violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição, já que, contra a tese do recorrente, nenhuma interpretação restritiva foi feita; tão-pouco se procedeu a qualquer criminalização ou aplicação de pena, por forma retroactiva. Não há violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição pois que se não mostra que tenham deixado de ser asseguradas todas as garantias de defesa pelo processo criminal. A ter existido o alegado «atraso» no processo de extradição, ao extraditando, repete-se, abria-se a possibilidade de usar os meios de reacção facultados pela lei polaca; não se mostra que não existissem e se o não fez, sibi imputet.
Nestes termos, não há que «reformar», sem mais considerações, ou revogar a decisão impugnada nem que restituir à liberdade o recorrente, como vem pedido, devendo ser negado provimento ao recurso.
3. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, com os fundamentos supra referidos.”
É contra este acórdão que vem interposto, pelo arguido, o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 368.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), e 371.º do Código de Justiça Militar, “interpretados no sentido de que o tempo de detenção cumprido no estrangeiro, por virtude de um processo que corre termos em Portugal, não deve ser atendido para efeitos de contagem do prazo de duração máxima de prisão preventiva”, por violação dos artigos 1.º, 13.º, 27.º, n.ºs 1,
2 e 3, alínea b), 28.º, n.º 4, 29.º, n.ºs 1 e 3, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Neste Tribunal, o recorrente apresentou alegações, no termos das quais formulou as seguintes conclusões:
“1. O recorrente foi detido pelas autoridades judiciárias polacas a 24 de Março de 2002.
2. Tendo sido apresentado à competente autoridade judicial polaca, a
26 de Março de 2002, o recorrente prestou o seu consentimento à extradição, não tendo apresentado qualquer oposição.
3. O Juiz junto do Tribunal de Instrução Militar ordenou a emissão de mandado de captura internacional sem ter levado a cabo qualquer diligência prévia no sentido de solicitar a presença voluntária do recorrente em território português.
4. Apesar de o recorrente sempre ter demonstrado a sua vontade de colaborar com a Justiça Portuguesa, a República Portuguesa não adoptou todas as medidas ao seu alcance para que o recorrente fosse transportado para território nacional em «prazo razoável e não desproporcionado».
5. De acordo com o artigo 10.º, n.º 2, da Convenção Europeia Relativa ao Processo Simplificado de Extradição, a decisão de extradição deverá ser comunicada ao Estado Requerente no prazo máximo de vinte dias após a data da prestação de consentimento pelo extraditando.
6. De acordo com o artigo 11.º, n.º 1, da mesma Convenção, a entrega do extraditando deverá ser efectuada o mais tardar vinte dias após a data da comunicação da decisão de extradição.
7. Ao vincular-se à Convenção Europeia Relativa ao Processo Simplificado de Extradição, a República Portuguesa compromete-se a entregar os extraditandos que tenham consentido a extradição requerida por outro Estado Membro que seja parte da Convenção no prazo de quarenta dias, pelo que é este o prazo considerado razoável, sempre que haja consentimento do extraditando.
8. Apesar de a República da Polónia não ser parte na Convenção Europeia Relativa ao Processo Simplificado de Extradição e de a sua adesão às Comunidades Europeias só se concretizar a 1 de Maio de 2004, o prazo de quarenta dias a contar do consentimento permanece relevante para efeitos da determinação daquilo que é considerado «prazo razoável e não desproporcionado», para efeitos do ordenamento jurídico português.
9. O facto de o recorrente ter prestado o seu consentimento a 26 de Março de 2002 e de só ter sido entregue às autoridades portuguesas a 13 de Fevereiro de 2003 implica uma restrição desproporcionada, excessiva e inadmissível aos direitos que lhe são conferidos pelos artigos 15.º, n.º 1,
27.º, n.ºs 1 e 3, alínea a), e 28.º, n.º 4, da CRP.
10. Os 347 dias de privação de liberdade entre a prestação do consentimento e a entrega em território português excedem – de forma manifesta e revoltante – aquilo que deve ser entendido como «prazo razoável e não desproporcionado».
11. Apesar de o processo de extradição ser da exclusiva responsabilidade do Estado Requerido, a privação da liberdade do recorrente só ocorreu por força de pedido formulado por autoridade judicial portuguesa, tendo aquele sido detido para efeitos dos autos em que foi proferido o acórdão ora recorrido.
12. A não contagem do tempo de detenção cumprido na República da Polónia é absolutamente contrário ao princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP), uma vez que o recorrente não pode ser alvo de qualquer juízo de censurabilidade.
13. A demora na entrega do recorrente às autoridades judiciárias portuguesas não lhe pode ser imputada, de forma alguma, já que aquele prestou o seu consentimento à extradição, não constando dos autos (por não ser verdade) que o recorrente tenha adoptado qualquer expediente com vista a protelar a extradição.
14. A aplicação dos artigos 371.º e 368.º, n.ºs 1, alínea a), e n.º
2, alínea a), do CJM (quando interpretados no sentido de ser excluído o tempo de detenção no estrangeiro, para efeitos de duração máxima da prisão preventiva) é manifestamente desproporcionada e excessiva, visto que as diligências instrutórias não foram prejudicadas pela ausência do recorrente do território português.
15. O facto de o despacho que ordena a emissão de mandado de captura internacional constar de fls. 1314 (verso) e 1315 e de a entrega do recorrente constar de fls. 8892 comprova que entre um e outro momento foi recolhida uma vasta quantidade de elementos de prova que se traduzem em cerca de 7500 (!!!) páginas constantes dos autos em que foi proferido o acórdão ora recorrido.
16. Por outro lado, o legislador pretendeu equivaler a detenção à prisão preventiva «para todos os efeitos legais» (cf. artigo 371.º do CJM), nomeadamente para efeitos de duração máxima da prisão preventiva (cf. artigo
368.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a)), pelo que se deve presumir que se tenha exprimido em termos adequados, tal como imposto pelo artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.
17. Da análise dos artigos 371.º e 368.º, n.ºs 1, alínea a), e n.º
2, alínea a), do Código de Justiça Militar não decorre qualquer elemento que permita indiciar que o legislador tenha pretendido que o tempo da detenção cumprida no estrangeiro não fosse contado para efeitos de duração máxima da prisão preventiva.
18. Ao contrário do defendido no acórdão ora recorrido, não é verdade que a falta de referência do Código Penal à contagem da privação de liberdade no estrangeiro, para efeitos de duração máxima da prisão preventiva, implique a desconsideração automática desse mesmo tempo.
19. Salvo melhor opinião, o artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, deve ser interpretado no sentido de: ou a detenção no estrangeiro visa a entrega de recorrente não condenado e, então, o tempo de detenção sofrida é tido em conta para efeitos do processo português; ou a detenção no estrangeiro visa a entrega de pessoa já condenada e, então, o tempo de detenção sofrida é tida em conta para efeitos de desconto da pena.
20. A expressão «nos termos do Código Penal» (contida no artigo
13.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99) apenas se reporta à alternativa que imediatamente a precede (ou seja, à expressão «imputadas na pena») e não já à primeira alternativa («levadas em conta no âmbito do processo português»).
21. É que, sem prejuízo de o Código Penal também conter normas processuais penais, o «processo português» (e, designadamente, a execução e cumprimento de prisão preventiva) é regulado pelo Código de Processo Penal.
22. Caso se admitisse (o que não se concede) que tal norma fosse interpretada no sentido de a privação de liberdade no estrangeiro ser tida em conta «no âmbito do processo português», mas «nos termos do Código Penal», a referida estatuição legal careceria de sentido normativo e caducaria por inutilidade, visto o Código Penal não estabelecer qualquer consequência legal que não o desconto na pena final.
23. Em suma, o artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99 estipula que o tempo de detenção no estrangeiro cumprido por recorrente não condenado seja levado em consideração para efeitos do processo penal militar, designadamente, para efeitos de duração máxima da prisão preventiva (artigo 368.º, n.ºs 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do Código de Justiça Militar).
24. Caso assim não fosse, careceria de sentido que o tempo de detenção cumprido no estrangeiro fosse descontado na pena (artigo 82.º do Código Penal) e que o mesmo tempo não fosse considerado para efeitos de duração máxima da prisão preventiva, quando esta é descontada na pena, nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal.
25. A desconsideração do tempo de detenção cumprido no estrangeiro constitui uma distinção arbitrária, não materialmente fundada, desrazoável e desproporcional entre o recorrente (detido no estrangeiro) e os recorrentes detidos em território português, uma vez que estes gozam da inclusão do tempo de detenção para efeitos de limite máximo da prisão preventiva.
26. Tal interpretação dos artigos 371.º e 368.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código de Justiça Militar constitui uma violação manifesta do princípio da igualdade, consagrado pelo artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
27. O acórdão recorrido leva a cabo uma interpretação restritiva dos artigos 371.º e 368.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código de Justiça Militar, ou (para quem admita tal figura) numa redução teleológica dos mesmos.
28. O artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa postula a proibição do recurso à analogia para a qualificação de um facto como crime, para definir um estado de perigosidade ou para determinar a pena ou medida de segurança aplicável (artigo 1.º, n.º 3, do Código Penal).
29. A interpretação extensiva de normas penais é igualmente inadmissível, por contrária ao artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que também opera com base em raciocínios de cariz analógico.
30. A proibição constitucional de recurso a raciocínios de cariz analógico para a obtenção de normas penais incriminadoras é extensível ao recurso aos mesmos mecanismos para imposição de normas processuais penais que sejam lesivas dos direitos ou interesses legítimos dos recorrentes.
31. Sendo constitucionalmente inadmissível a interpretação extensiva de normas processuais penais de conteúdo desfavorável aos recorrentes, será igualmente contrária ao artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa – por maioria de razão – que seja levada a cabo uma interpretação restritiva de normas processuais penais de conteúdo favorável aos recorrentes
(como sucedeu com a interpretação dada pelo acórdão recorrido ao artigo 371.º do Código de Justiça Militar).
32. Tal como supra exposto, conclui-se, portanto, pela inconstitucionalidade dos artigos 371.º e 368.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código de Justiça Militar (tal como interpretados e aplicados pelo acórdão recorrido), por serem contrários aos artigos 1.º, 13.º, 18.º, n.ºs 1 e
2, 27.º, n.ºs 1 e 3, alínea b), 28.º, n.º 4, 29.º, n.ºs 1 e 3, todos da Constituição da República Portuguesa.”
Entretanto, no decurso do prazo para alegações, cessou a situação de prisão preventiva do recorrente, por despacho do Juiz de Instrução Criminal junto da Polícia Judiciária Militar, de 30 de Julho de 2003.
O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional contra-alegou, admitindo a manutenção da utilidade do recurso apesar de o arguido não se encontrar já na situação de prisão preventiva, mas propugnando o não provimento do mesmo, pelas razões sintetizadas nas seguintes conclusões:
“1 – São processos autónomos, visando finalidades distintas, o de extradição instaurado no Estado requerido e o processo penal perante a jurisdição portuguesa.
2 – Está subtraída ao controlo do Estado português a tramitação do processo de extradição, a que se aplica a lei da Parte requerida, de acordo com o direito internacional convencional vigente.
3 – A evidente heterogeneidade e diversidade funcional entre as figuras de detenção para extradição e a detenção e a prisão preventiva como medidas cautelares e coactivas aplicadas no processo penal impedem que os respectivos períodos se possam adicionar, de modo a completar os prazos de duração máxima estabelecidas no artigo 368.º do Código de Justiça Militar.
4 – Termos em que, por esta solução não violar nenhum preceito ou princípio constitucional, deverá improceder o presente recurso.”
Não tendo obtido integral vencimento o projecto de acórdão apresentado pela primitiva Conselheira Relatora, procedeu-se a redistribuição do processo.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. Tendo o recorrente sido restituído à liberdade durante o prazo em que decorriam alegações no Tribunal Constitucional, coloca-se o problema da eventual inutilidade superveniente do recurso. Todavia, tal como o Tribunal Constitucional tem decidido em vários arestos sobre situações semelhantes, efeitos juridicamente relevantes, como um eventual direito a indemnização, impedem o não conhecimento com fundamento em inutilidade (cf., neste sentido, constituindo jurisprudência unânime do Tribunal Constitucional, entre outros, os Acórdãos n.ºs 90/84 e 137/92, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 4.º vol., pág. 267, e 21.º vol., pág. 549).
Nestes termos, haverá, pois, que conhecer do objecto do recurso.
2.2. As questões de constitucionalidade que são suscitadas pelo recorrente referem-se às seguintes normas do Código de Justiça Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 141/77, de 9 de Abril (CJM):
Artigo 371.º
A detenção equivale, para todos os efeitos legais, à prisão preventiva.
Artigo 368.º (na redacção dos Decretos-Leis n.ºs 226/79, de 21 de Julho, e 415/79, de 13 de Outubro)
1. A prisão preventiva não poderá exceder os seguintes prazos:
a) da captura até à abertura de vistas, quarenta dias, se à infracção couber pena não superior à de presídio militar de seis meses a dois anos e de cento e vinte dias nos restantes casos;
(...)
2. Nos processos de difícil instrução, mediante decisão fundamentada do juiz, poderão os prazos referidos no número anterior ser prorrogados:
a) na hipótese da alínea a) do n.º 1, por dois períodos únicos e sucessivos de trinta dias;
(...)
É também invocada a norma do artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (diploma que regula as formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal), que dispõe:
“1. A prisão preventiva sofrida no estrangeiro ou a detenção decretada no estrangeiro em consequência de uma das formas de cooperação previstas no presente diploma são levadas em conta no âmbito do processo português ou imputadas na pena, nos termos do Código Penal, como se a privação da liberdade tivesse ocorrido em Portugal.”
Por seu turno, dispõem os artigos 80.º a 82.º do Código Penal (que integram a Secção IV – Desconto, do Capítulo IV – Escolha e medida da pena, do Título III – Das consequências jurídicas do facto, do seu Livro I – Parte geral):
Artigo 80.º
(Medidas processuais)
1. A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido no processo em que vier a ser condenado são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão que lhe for aplicada.
2. Se for aplicada pena de multa, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são descontadas à razão de 1 dia de privação da liberdade por, pelo menos, 1 dia de multa.
Artigo 81.º
(Pena anterior)
1. Se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra é descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida.
2. Se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza é feita na nova pena o desconto que parecer equitativo.
Artigo 82.º
(Medida processual ou pena sofrida no estrangeiro)
É descontada, nos termos dos artigos anteriores, qualquer medida processual ou pena que o agente tenha sofrido, pelo mesmo ou pelos mesmos factos, no estrangeiro.
A decisão do Juiz de Instrução Criminal assentou no entendimento de que a equiparação entre detenção e prisão preventiva, feita no artigo 371.º do CJM, apenas implicava que também o tempo de duração daquela fosse descontado no cômputo da pena a que o arguido viesse a ser condenado. O acórdão recorrido afastou-se expressamente deste entendimento restritivo, sustentando que o tempo de detenção releva também na contagem do prazo máximo de prisão preventiva; porém, a “detenção” referida no artigo 371.º do CJM é apenas a detenção sofrida no mesmo processo, sob o domínio das autoridades judiciárias portuguesas, em que veio a ser imposta a prisão preventiva, não abarcando, assim, a detenção sofrida no estrangeiro, designadamente no âmbito de um procedimento de extradição.
O recorrente sustenta a inconstitucionalidade deste entendimento, designadamente por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), por constituir “uma distinção arbitrária, não materialmente fundada, desrazoável e desproporcional entre o recorrente (detido no estrangeiro) e os recorrentes detidos em território português, uma vez que estes gozam da inclusão do tempo de detenção para efeitos de limite máximo da prisão preventiva”, e por violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da CRP, por tal entendimento representar uma interpretação restritiva de normas processuais penais de conteúdo favorável aos recorrentes, o que é constitucionalmente proibido pela mesma razão que sustenta a postergação de raciocínios de cariz analógico para a obtenção de normas penais incriminadoras ou para a imposição de normas processuais penais que sejam lesivas dos direitos legítimos dos arguidos.
2.3. No Acórdão n.º 298/99 (Diário da República, II Série, n.º 164, de 16 de Julho de 1999, pág. 10 344; Boletim do Ministério da Justiça, n.º 487, pág. 111; e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 43.º vol., pág. 579), o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucionais as normas dos artigos 3.º, 215.º e 229.º do Código de Processo Penal (CPP), “na interpretação segundo a qual na contagem dos prazos máximos de duração da prisão preventiva não é de considerar o tempo de detenção provisória para extradição sofrida no estrangeiro do arguido que foi extraditado para Portugal”, desenvolvendo, para alicerçar essa decisão, a seguinte fundamentação:
“4 – A argumentação no sentido da inconstitucionalidade apresentada pelo recorrente desconsidera a diferença existente entre o processo de extradição, que decorre sob jurisdição do Estado requerido – e, portanto, subtraído ao controlo e à soberania do Estado português – e o processo penal, que se lhe seguirá, para concluir que os prazos de duração máxima da prisão preventivas têm em conta a situação do arguido sem atender à possibilidade de efectiva instrução do processo no Estado requerente.
Ora, não só tais processos são regidos por leis diversas e têm finalidades diferentes – não tendo, aliás, que se seguir ao processo de extradição apenas um processo penal –, como esses prazos são estabelecidos também em consideração do dever (e da possibilidade) de promoção do andamento do processo.
É o que se passa a demonstrar.
5. Nos termos do artigo 22.º da Convenção Europeia sobre Extradição, de 28 de Abril de 1977 (aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 23/89), «a lei da Parte requerida é a única aplicável ao processo de extradição, bem como à detenção provisória». O processo de extradição e a medida de detenção provisória prevista no artigo 16.º da Convenção fogem, pois, à jurisdição e à soberania do Estado requerente, sendo, antes, regidos pela lei da parte requerida.
O processo de extradição é, na verdade, destinado a actuar princípios de cooperação judiciária internacional, relativamente à entrega de pessoas perseguidas em resultado de uma infracção ou procuradas pelas autoridades judiciárias da Parte requerente para o cumprimento de uma pena ou medida de segurança (assim, o artigo 1.º da Convenção referida). Na ordem jurídica portuguesa, esses princípios de cooperação judiciária internacional são concretizados, designadamente, pelo Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro
(v. Manuel António Lopes Rocha/Teresa Alves Martins, Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal. Comentários, Lisboa, 1992; v., mais recentemente, a Convenção, estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, Relativa à Extradição entre os Estados Membros da União Europeia, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 40/98, de 5 de Setembro de 1998).
O processo penal, diversamente, segue-se à extradição, mas é regido pela lei da Parte requerente, e tem como finalidade o apuramento, na ordem jurídica dessa Parte, da responsabilidade criminal do arguido (note-se, aliás, que a um processo de extradição podem seguir-se vários processos penais, e não apenas um, não sendo legítima a identificação do primeiro com qualquer dos processos penais).
Tais processos são também regulados por diplomas diversos – o primeiro, entre nós, pelo referido Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro; o segundo, pelo Código de Processo Penal.
Ora, como bem nota o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal, da mesma forma que são diferentes os processos a cujas finalidades estão colimadas as medidas detentivas cujos limites estão em questão, existe também uma diferença de finalidades e de regime (desde logo, por estarem sujeitas a jurisdições diversas) entre tais medidas – isto é, a detenção provisória aplicada a um extraditando, nos termos do artigo 53.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 43/91 (e do artigo 16.º da Convenção Europeia de Extradição) e a prisão preventiva, prevista no artigo 202.º do Código de Processo Penal.
É certo que em ambos os casos estamos perante medidas que prevêem uma privação de liberdade, com vista a assegurar finalidades relacionadas com os processos em curso. Todavia, estes processos são, como se disse, distintos nas suas finalidades, pelo que, enquanto a prisão preventiva constitui uma medida de coacção, decretada no âmbito de um processo penal, nas condições gerais previstas no artigo 204.º do Código de Processo Penal (e nos termos das disposições dos artigos 191.º a 195.º e 202.º do mesmo Código), a detenção provisória para extradição visa assegurar a possibilidade de efectiva execução da decisão de extradição, tendo lugar no âmbito do respectivo processo, a correr no Estado requerido, que não promove o processo penal, com pressupostos e com um regime diverso da prisão preventiva.
Assim, por exemplo, as razões justificativas da medida de coacção processual penal que é a prisão preventiva não incluem apenas o risco de fuga do arguido (ou, para a extradição, da pessoa reclamada), mas igualmente a salvaguarda contra o perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo (e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova) ou o «perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa».
6. Além de tal diversidade funcional, não só entre o processo de extradição e o processo penal, como também, em consequência de tal diversidade, entre as medidas detentivas previstas no âmbito desses processos, pode igualmente concluir-se pela diversidade de regime jurídico dessas medidas de privação da liberdade, desde logo, por estarem sujeitas a jurisdições diversas.
Assim, resulta já do que se disse que também a ponderação subjacente ao estabelecimento de limites para a prisão preventiva não pode transpor-se sem mais para a previsão de limites à duração da detenção provisória para efeitos de extradição. É que aquela prisão ocorre no âmbito de um processo penal e os limites à sua duração têm, portanto, o sentido de defender o arguido (em particular, o seu direito à liberdade), tendo em consideração que lhe está a ser aplicada uma medida detentiva num processo penal, e a consequente (não só possível, como necessária) celeridade no andamento desse processo penal– com uma acusação, uma decisão instrutória ou uma eventual condenação –, dirigido pelas autoridades portuguesas e visando o apuramento da responsabilidade criminal do arguido.
Diversamente, os limites – bem como já os pressupostos – da medida de detenção provisória aplicada ao extraditando visam tutelar igualmente o seu direito à liberdade, mas relativamente à decisão do processo de extradição, a correr em país diverso daquele onde será promovido o processo penal e antecedendo este.
A heterogeneidade entre a detenção provisória para extradição e a prisão preventiva já foi, aliás, posta em relevo por este Tribunal. Conforme se escreveu no Acórdão deste Tribunal n.º 228/97 (publicado no Diário da República, n.º 147, de 28 de Junho de 1997; no mesmo sentido, o Acórdão n.º
505/97, inédito), a propósito da inexistência de discriminação arbitrária entre os pressupostos e os limites da detenção provisória para extradição e a prisão preventiva,
«não existe qualquer discriminação não só porque as situações não são verdadeiramente comparáveis como também porque a detenção provisória ou não solicitada para efeitos de extradição não é susceptível de ser comparada no que aos respectivos prazos respeita com a prisão preventiva para efeitos penais.
É um facto inegável existir em ambos os casos uma privação da liberdade: porém, as finalidades que tal privação visa realizar em cada um dos casos são substancialmente diversas. Assim, na extradição – englobando aqui, quer os casos em que há um pedido prévio de detenção provisória quer os casos de detenção antecipada não solicitada – esta detenção destina-se unicamente a permitir tomar uma decisão sobre a extradição por forma a que esta seja garantidamente efectivada. Pelo seu lado, a prisão preventiva em processo penal visa diferentes fins: garantir a presença do arguido durante o procedimento penal, quando haja fundado receio de fuga, evitar o perigo de perturbação da instrução do processo caso o arguido se mantivesse em liberdade, receio fundado de perturbação da ordem ou da tranquilidade pública ou da continuação da actividade criminosa, em razão da natureza do crime ou da personalidade do delinquente.
Acresce que na detenção provisória ou não solicitada com vista à extradição os prazos são muito mais exíguos do que no processo comum de extradição. Neste, formulado o pedido de extradição e após a audiência do extraditando, a oposição ao pedido só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição. A detenção deve cessar se a decisão da Relação não for proferida dentro de 65 dias após a data em que foi efectivada, podendo este prazo ser prorrogado por mais 25 dias se não for admissível medida de coacção não detentiva e prevendo-se, em caso de recurso da decisão da Relação, que a prisão subsista por mais 80 dias a contar da data de interposição, cessando se até lá não houver decisão do recurso, nos termos do artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 43/91.
Diferentemente, nos casos em que é possível verificar-se a prisão preventiva, os prazos são de 6, 10, 18 meses até dois anos, podendo ser elevados para maiores períodos relativamente a certos crimes e agravados até 12, 16 meses, 3 e 4 anos em casos de procedimentos de excepcional complexidade.
Tratando-se, pois, de situações de recorte processual diverso e visando diferentes finalidades, bem se compreende que o legislador tenha fixado relativamente a cada um dos casos diferentes limites, sem que isso constitua qualquer discriminação e muito menos uma discriminação arbitrária.»
E mais à frente:
«(...) o legislador regulamentou os pressupostos, as condições, a duração e as respectivas garantias da detenção por forma a realizar a finalidade que a mesma pretende alcançar com o mínimo de constrangimentos e procurando realizar o máximo de garantias do visado pela detenção. Designadamente, estabeleceu prazos de detenção sensivelmente mais reduzidos do que aqueles que se aplicam à prisão preventiva.»
Sendo, pois, diversas as finalidades e o regime das medidas detentivas em causa e dos respectivos limites (aliás, mais exíguos para a detenção provisória para extradição), compreende-se que não se some o tempo de detenção provisória para extradição ao tempo de prisão preventiva – nem existe um limite comum de duração a ambas as medidas detentivas, nem a detenção provisória para extradição se confunde com a prisão preventiva.
Aliás, como é entendimento comum e resulta do artigo 217.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (segundo o qual «o arguido sujeito a prisão preventiva é posto em liberdade logo que a medida se extinguir, salvo se a prisão dever manter-se por outro processo» – itálico aditado), os prazos máximos de duração da prisão preventiva impõem-se apenas para a prisão preventiva à ordem do processo no qual ela foi aplicada. Bem pode, assim, mesmo depois de esgotados tais prazos máximos, ao arguido continuar a ser aplicada uma medida de coacção de prisão preventiva ordenada noutro processo, ultrapassando o tempo total de detenção o prazo máximo imposto à prisão preventiva em cada processo.
E, do mesmo modo, por igualdade (ou até maioria) de razão, haverá de entender-se que não é obrigatório somar a prisão preventiva decretada no âmbito de outro processo, de natureza penal, que se segue à extradição (podendo, aliás, como também se observou, seguir-se vários processos penais ao processo de extradição), à detenção provisória para efeitos de extradição.
7. Mesmo, todavia, quem não acompanhe uma argumentação baseada na diversidade de regime e de finalidades do processo penal e do processo de extradição, ainda assim não será conduzido a contar o tempo de detenção provisória para extradição para efeito dos limites à duração da prisão preventiva, equiparando as medidas detentivas aplicadas nesses processos.
É que, mesmo nos casos em que a extradição é pedida para promoção de um único processo penal, o processo de extradição – e, designadamente, a sua regularidade e celeridade – escapa ao controlo do Estado requerente, sendo antes controlado por uma jurisdição estrangeira (a do Estado requerido). A responsabilidade pela eventual ultrapassagem dos prazos de detenção provisória para extradição (detenção que no presente caso durou mais de um ano) não pode, pois, caber ao Estado requerente, mas sim ao Estado estrangeiro cuja jurisdição aplicou tal medida detentiva, e à qual competia conduzir o processo de extradição.
A situação do extraditando detido provisoriamente para assegurar a efectiva execução da decisão do processo de extradição promovido no estrangeiro
é, portanto, diversa da do arguido ao qual foi aplicada uma medida de prisão preventiva em Portugal. Pelo que não se pode considerar que exista qualquer violação do princípio da igualdade no facto de não se «somar» o tempo de detenção para execução da extradição, sofrido no estrangeiro, ao tempo de prisão preventiva sofrido em Portugal, para efeito de ultrapassagem dos limites máximos
à duração desta – sendo certo, aliás, que é por as pessoas em questão não se terem apresentado à justiça que existe necessidade de promover o processo de extradição, sendo, pois, tais pessoas a dar ainda causa a tal processo.
Nem sequer cabe argumentar com uma desigualdade resultante da imputação da detenção provisória na pena privativa de liberdade sofrida pelo extraditado (nos termos do artigo 13.º do citado Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro). Na verdade, do mesmo modo que o sentido e a determinação da duração da pena privativa de liberdade se distingue do sentido e da determinação dos limites à duração da prisão preventiva, também o problema posto por tal imputação se distingue do dos autos. Trata-se, naquele caso, de descontar no tempo de pena privativa de liberdade a cumprir a duração da privação de liberdade sofrida no estrangeiro. Para isso, deve tomar-se em conta todo o tempo de privação da liberdade sofrido, quer em detenção provisória para extradição, quer em prisão preventiva. Diversamente, para a contagem dos prazos máximos de duração da prisão preventiva, o tempo de privação da liberdade do arguido há-de relevar tomando em consideração a finalidade da aplicação dessa medida, e, designadamente, a possibilidade de andamento do processo, na jurisdição que o promove – variando o prazo máximo de duração nas suas várias fases, designadamente, consoante a complexidade do processo (vejam-se os n.ºs 2,
3 e 4 do artigo 215.º), e suspendendo-se nos casos do artigo 216.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Justamente por estas diferenças, o citado artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro, não menciona qualquer imputação ou desconto do tempo de detenção provisória para efeitos de duração máxima da prisão preventiva.
Acresce que, como consequência da submissão da medida de detenção provisória a uma jurisdição estrangeira e da ausência do arguido no Estado requerente, durante tal processo de extradição a própria instrução do processo penal pode tornar-se difícil, ou mesmo impossível. Ora, uma solução que obrigasse a imputar na duração de prisão preventiva o tempo de detenção para extradição no estrangeiro poderia significar, no limite, que, caso esta detenção se tivesse já prolongado (por responsabilidade do Estado requerido, repete-se) para além do prazo máximo de prisão preventiva admitido em Portugal, esta medida de coacção não poderia sequer ser aplicada. Assim, no presente caso, em que o recorrente foi detido em Espanha em 13 de Maio de 1997 e entregue às autoridades portuguesas no dia 22 de Setembro de 1998 – tendo a detenção provisória durado, portanto, mais de 16 meses –, segundo tal posição o arguido já não poderia sequer ser preso preventivamente em Portugal, perdendo o processo de extradição efeito útil, com evidente prejuízo das finalidades processuais penais que a aplicação daquela medida de coacção, subordinada a um princípio de necessidade, visa assegurar.
8. Também não se pode dizer que as normas em causa violem a disposição constitucional que prevê que «a prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei» (artigo 28.º, n.º 4, da Constituição). É que, como se salientou, quer nas suas finalidades, quer, decisivamente, na sua sujeição a regimes e jurisdições diversos, a detenção provisória para extradição distingue-se da prisão preventiva.
Assim, a própria ratio da imposição, constitucional e legal, de prazos máximos de duração da prisão preventiva não obriga à «soma» do tempo da privação de liberdade aplicada num Estado estrangeiro, para assegurar a extradição.
Na determinação de tais prazos máximos de prisão preventiva não é, na verdade, exclusivamente relevante a perspectiva do extraditando/arguido, que sofre, primeiro no país requerido e depois em Portugal, uma privação da liberdade, mas antes igualmente a possibilidade de promoção do andamento do processo. Tal prazo máximo de duração da prisão preventiva pressupõe, pois, que tenha sido decretada tal medida num processo submetido à jurisdição e à direcção das autoridades portuguesas, no qual, assim, fosse a estas possível a instrução. Tais prazos variam, aliás, com a gravidade do crime e a complexidade do processo: designadamente, são elevados para os crimes previstos no n.º 2 do artigo 215.º, ou quando o procedimento nesses casos se revelar de excepcional complexidade (devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime), ou quando exista recurso para o Tribunal Constitucional.
Tal forma de determinação desses prazos máximos de duração da prisão preventiva – bem como a sua suspensão, nos termos do artigo 216.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, designadamente, em caso de doença do arguido que imponha internamento hospitalar, «se a presença daquele for indispensável à continuação das investigações» (alínea b) desse artigo) – patenteia, pois, que a sua imposição, sendo dirigida à tutela do direito do arguido à liberdade, não deixa de ter em conta as próprias finalidades da aplicação da medida de coacção, designadamente, garantir a presença no julgamento, evitar a continuação da actividade criminosa e possibilitar a instrução do processo. Tais finalidades poderiam ser comprometidas se no tempo máximo de duração da prisão preventiva houvesse que descontar-se o tempo de detenção provisória no estrangeiro, num processo fora do controlo da jurisdição do Estado requerente e durante o qual a própria instrução do processo penal pode ter sido inviável.
Nada há, pois, na própria razão que levou o legislador constitucional a prever a existência de prazos máximos de duração da prisão preventiva, que obrigue a somar ao tempo de prisão preventiva sofrido a duração de medidas de detenção de que o arguido foi objecto num país estrangeiro, anteriormente ao processo penal.
Nem se vê, aliás, como possa tal interpretação violar o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, segundo o qual o processo criminal assegurará ao arguido todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Desde logo, as garantias de defesa no processo criminal promovido em Portugal não resultam enfraquecidas pelo facto de não se considerar a duração da medida detentiva aplicada fora da jurisdição das autoridades portuguesas para o prazo de duração máxima da prisão preventiva. Aliás, tal medida – aplicada por um Estado estrangeiro antes de a prisão preventiva ter sido decretada (e podendo não o vir a ser) – não tem sequer o seu lugar no mesmo processo em que esta prisão preventiva ocorre, e para cujas finalidades é aplicada.
Pode, pois, concluir-se que a interpretação das normas em causa, que não concede relevância, na contagem dos prazos máximos de duração da prisão preventiva, ao tempo de detenção provisória para extradição sofrida no estrangeiro, não viola, nem o artigo 13.º, nem o artigo 28.º, n.º 4, nem o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
À conclusão de inexistência de inconstitucionalidade nas normas em apreço seria, aliás, também conduzido no presente caso quem, perfilhando o essencial das considerações antes expendidas, entenda, todavia, retirar das disposições constitucionais (por exemplo, do proémio do artigo 27.º, n.º 3, da Constituição, que remete para a lei a determinação dos termos e condições da privação da liberdade) um princípio geral segundo o qual o tempo de detenção para assegurar finalidades penais não pode ultrapassar limites razoáveis, ou ser desproporcionado em face da consecução dessas finalidades. Na verdade, desde logo, nesta perspectiva não estaria já simplesmente em causa a ultrapassagem dos prazos previstos na lei portuguesa para a prisão preventiva, devido à antecedente aplicação num processo de extradição, por uma jurisdição estrangeira, de uma medida detentiva, mas sim uma exigência de proporcionalidade do tempo de privação de liberdade em relação à efectivação da responsabilidade penal. E na ponderação desta proporcionalidade não pode deixar de ser tomado em conta, nem o facto de o Estado português não poder assegurar um tempo de detenção provisória menor ou a celeridade do processo de extradição a correr perante jurisdições estrangeiras, nem a eventual necessidade de – designadamente, para assegurar as finalidades do processo penal – aplicar em Portugal ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva. Pelo que só verdadeiramente em casos extremos – de que o presente não é exemplo – poderia eventualmente, ainda nessa perspectiva, considerar-se violado tal princípio.
9. Por último, saliente-se que a interpretação das normas em questão, que recusa a «soma» da duração da detenção provisória para efeitos de extradição com a da prisão preventiva, também não viola o artigo 14.º da Constituição, que se limita a garantir aos cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro a protecção do Estado para o exercício dos direitos, sem que, porém, nada imponha constitucionalmente que nessa protecção se inclua uma «soma» da duração de medidas detentivas diversas, sofridas pelo arguido visando funções diferentes e ordenadas em processos distintos.”
A argumentação desenvolvida no Acórdão n.º 298/99, que se transcreveu, assenta numa pluralidade de fundamentos, que, mesmo para quem os não perfilhe integralmente, sempre surgem como suficientes para alicerçar um juízo de não violação, pelas normas em causa no presente processo, do princípio da igualdade, tal como a questão é colocada pelo recorrente, isto é, tomando como termo de comparação a detenção sofrida em Portugal. Com efeito, independentemente de o processo de extradição ser qualificado como parte integrante do processo penal – questão que envolve, naturalmente, a própria natureza jurisdicional ou puramente administrativa do mesmo –, as finalidades da detenção para extradição não são assimiláveis às da prisão preventiva (artigos
196.º e 204.º do CPP) nem às das diversas situações de detenção previstas no processo penal português.
Na verdade, a detenção para extradição, ela própria sujeita a um prazo máximo, pelas leis nacionais e por acordos ou convenções internacionais, visa fins de cooperação judiciária internacional, de verificação dos requisitos de viabilidade do cumprimento de um pedido de extradição por Estado estrangeiro (obedecendo, por isso, como sempre aconteceu no direito português, a prazos específicos); ora, os fundamentos e finalidades da prisão preventiva, tais como evitar o perigo de fuga, o perigo de perturbação do inquérito, garantir a preservação das provas ou evitar a continuação da actividade criminosa, são alheios a tais fins.
Por outro lado, sempre é certo que o facto de o Estado requerente não poder controlar o tempo de detenção do extraditando no Estado a que é feito o pedido de extradição, nomeadamente devido aos procedimentos nele seguidos, leva a que a uma possível imputação do prazo de detenção para extradição na duração máxima da prisão preventiva no nosso país possa vir a determinar o fracasso dos objectivos do processo penal em que o extraditando é arguido, nos casos em que seja necessária a prisão preventiva para assegurar a realização da justiça penal. Aliás, também é manifesto que qualquer excesso no tempo de detenção para extradição pode ser impugnado no país que extradita, tanto no plano do direito interno, pelos meios processuais aí vigentes, como no plano da jurisdição internacional. Nestes termos, fazer repercutir qualquer excesso cometido no país que extradita no processo penal interno, condicionando-o fortemente ou até inviabilizando-o, é uma consequência que, embora possa ser admitida e querida pelo legislador, não é, no contexto da ponderação dos fins e interesses em causa, necessária no plano constitucional.
Finalmente, o argumento de que o tempo de detenção para extradição releva para efeitos da duração da pena aplicável e que, de igual modo, deveria relevar para a duração máxima da prisão preventiva não pode proceder. Com efeito, o desconto na pena do tempo de qualquer detenção sofrida
é justificado pelos fins das penas, isto é, pressupõe uma ponderação sobre o efeito do sofrimento da privação de liberdade já suportada pelo arguido durante o processo na medida da pena adequada em termos de ilicitude e culpa. Considera-se que o facto de o agente já ter estado privado de liberdade implica, na perspectiva da compensação da sua culpa ou até mesmo de finalidades preventivas, um efeito inevitável produzido que deverá ser levado em conta na medida concreta da pena a que será condenado. Mas já não seria essa a lógica que poderia estar subjacente ao desconto do tempo de detenção para extradição na contagem do tempo da prisão preventiva. Na verdade, a prisão preventiva não visa realizar, directa e explicitamente, quaisquer finalidades da pena, mas sim atingir as finalidades processuais de garantir a realização da justiça ou finalidades intermédias de intervenção imediata na prevenção da actividade criminosa ainda relacionadas com a fase processual e com a racionalização do conflito gerado na sociedade pela prática do crime.
Assim, não há uma igualdade substancial entre as duas situações que imponha, no plano constitucional, como a única solução possível, a contagem do período de detenção para extradição no cômputo do prazo de duração da prisão preventiva.
É claro que não se exclui que, nos casos concretos, possam existir factores que tornem desproporcionada a aplicação da prisão preventiva sobretudo quando, na prática, tenham existido durante o tempo de detenção para extradição condições de apuramento das provas e inexistência de obstáculos por parte do arguido à realização da justiça. Mas tais considerações relevarão, em princípio, no plano da decisão judicial de decretação da prisão preventiva e não no plano normativo em que o Tribunal Constitucional decide. Neste plano normativo, a questão que unicamente se coloca é a de saber se viola a Constituição, maxime o princípio da igualdade, a norma segundo a qual o tempo de detenção para extradição sofrida no estrangeiro não seja descontado no prazo máximo da prisão preventiva tal como o é a detenção sofrida em Portugal para efeitos do processo penal interno. Não se nega, mesmo, que outras considerações de proporcionalidade poderão relevar no plano normativo, nomeadamente no que se refere à relação dos prazos de prisão preventiva com a natureza dos crimes ou até mesmo com os fundamentos de prisão preventiva, mas tais considerações ultrapassam o problema do desconto do tempo de detenção para extradição no prazo máximo da prisão preventiva, para se situarem na problemática geral de adequação dos prazos da prisão preventiva às finalidades do processo penal.
2.4. Cumpre, no entanto, ponderar ainda uma última questão.
Quando foi proferido o Acórdão n.º 298/99, a cooperação jurídica internacional em matéria penal era regulada pelo Decreto-Lei n.º
43/91, de 22 de Janeiro, cujo artigo 13.º, citado nesse acórdão, dispunha:
“A prisão preventiva sofrida no estrangeiro ou a detenção decretada no estrangeiro em consequência de uma das formas de cooperação previstas no presente diploma são imputadas na pena, nos termos do Código Penal, como se a privação da liberdade tivesse ocorrido em Portugal.”
Esse diploma, como já se referiu, foi substituído pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, que no n.º 1 do seu artigo 13.º agora estipula:
“A prisão preventiva sofrida no estrangeiro ou a detenção decretada no estrangeiro em consequência de uma das formas de cooperação previstas no presente diploma são levadas em conta no âmbito do processo português ou imputadas na pena, nos termos do Código Penal, como se a privação da liberdade tivesse ocorrido em Portugal.” (itálico acrescentado).
Pergunta-se: o aditamento da passagem evidenciada, se interpretada no sentido de que contém a determinação de a “detenção decretada no estrangeiro em consequência de uma das formas de cooperação previstas no presente diploma” (entre as quais a extradição – cf. artigo 1.º, n.º 1, alínea a)) ser “levada em conta no âmbito do processo português” e de que uma dessas repercussões é necessariamente a de a duração da detenção para extradição sofrida no estrangeiro relevar no cômputo da duração máxima da prisão preventiva consentida no processo português, não implicará uma alteração do entendimento formado no Acórdão n.º 298/99, por ser susceptível de configurar uma violação do princípio da igualdade, tomando como termos de comparação, de um lado, o regime geral emergente dessa interpretação do artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, e, do outro lado, o regime interpretativamente extraído pelo acórdão recorrido das normas dos artigos 371.º e 368.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do CJM de 1977?
A resposta é negativa, sendo de salientar, desde já, que o acórdão recorrido não cingiu a sua apreciação às citadas normas do CJM, tendo também analisado a norma do artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, cuja aplicabilidade ao processo criminal militar em causa não questionou, mas concluindo que a interpretação considerada correcta dessa norma conduzia ao mesmo resultado que a interpretação feita das normas do CJM: a não relevância do tempo de detenção para extradição sofrido no estrangeiro para o cálculo da duração máxima da prisão preventiva.
Mesmo que se entendesse que era possível configurar nesses termos uma questão de eventual violação do princípio constitucional da igualdade – e já não com base em tratamento desigual de certas categorias de pessoas (por exemplo: os arguidos em processos criminais militares, comparados com os arguidos em processos penais comuns) ou de situações de facto (por exemplo: a detenção sofrida no estrangeiro, comparada com a detenção sofrida em Portugal) –, sempre seria imprescindível, para o efeito, que a interpretação do regime geral tida por correcta pelo Tribunal Constitucional se apresentasse como indiscutível ou isenta de quaisquer dúvidas, o que não ocorre no presente caso.
Na verdade, a norma do artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º
143/99 é susceptível de outra interpretação, segundo a qual a alteração relativamente à formulação do diploma anterior se terá justificado pelo entendimento de que quando a privação da liberdade sofrida no estrangeiro resultou de uma verdadeira e própria “prisão preventiva” decretada em processo criminal que posteriormente veio a ser transferido para Portugal (a transmissão de processos penais está regulada nos artigos 79.º a 94.º da Lei n.º 143/99), ela deverá relevar na determinação da duração máxima consentida para a prisão preventiva. De facto, não ocorrem aqui as razões que alicerçaram o entendimento da irrelevância do período de detenção para extradição sofrida no estrangeiro, pois, no caso de transmissão de processo penal em que o arguido já haja sofrido prisão preventiva, trata-se do mesmo processo (obviamente com a mesma natureza), pertencem ao mesmo Estado as entidades que – na fase que precedeu a transmissão do processo – determinaram e controlaram a privação de liberdade e que dirigiram o processo penal e estas tiveram sempre possibilidade de contacto pessoal directo com o arguido.
Esta eventual razão de ser da alteração verificada compagina–se com a fórmula literal alternativa utilizada: a norma dispõe que “a prisão preventiva (...) ou a detenção (...) são levadas em conta no âmbito do processo português ou imputadas na pena (...)”, o que não implica necessariamente que a detenção decretada no estrangeiro para efeitos de extradição haja de ser levada em conta no âmbito do processo português
(designadamente para efeitos de determinação da duração máxima da prisão preventiva) e imputada na pena.
O entendimento de que o período de detenção para extradição sofrida no estrangeiro não releva para a duração máxima da prisão preventiva consentida no processo penal português mostra-se, aliás, o mais coerente com a solução adoptada na Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, que aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu. A privação de liberdade sofrida, no estrangeiro, em cumprimento desse mandado, emitido designadamente para efeitos de entrega da pessoa procurada ao Estado emissor, releva apenas através de desconto na pena que vier a ser-lhe aplicada, como resulta do n.º 1 do artigo 10.º dessa Lei, que dispõe:
“1 – O período de tempo de detenção resultante da execução de um mandado de detenção europeu é descontado no período total de privação da liberdade a cumprir no Estado membro de emissão em virtude de uma condenação a uma pena ou medida de segurança.”
Porém, como inicialmente se expôs, não carece o Tribunal Constitucional de, neste contexto, tomar posição sobre qual a interpretação da norma do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 144/99 que considera mais correcta. Basta a constatação de que a interpretação que vê nessa norma a imposição da relevância do período de detenção para extradição sofrida no estrangeiro no cômputo da duração máxima da prisão preventiva não é uma interpretação indiscutível para se concluir pela impossibilidade de, com base nela, julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, a interpretação acolhida no acórdão recorrido, reportada às questionadas normas do CJM.
E, neste contexto, esta última interpretação nada tem de restritiva ou redutora, o que inexoravelmente determina a insubsistência da questão da violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da CRP, sustentada, em segunda linha de argumentação, pelo recorrente.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos
371.º e 368.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código de Justiça Militar
(aprovado pelo Decreto-Lei n.º 141/77, de 9 de Abril), este último na redacção dos Decretos-Leis n.ºs 226/79, de 21 de Julho, e 415/79, de 13 de Outubro, interpretadas no sentido de que o período de detenção para extradição, sofrido pelo arguido no estrangeiro, não releva no cômputo da duração máxima da prisão preventiva permitida no processo criminal militar de que emergiu o pedido de extradição; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta. Lisboa, 23 de Junho de 2004
Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Silva Rodrigues (Com a declaração de voto anexa) Maria Fernanda Palma (Vencida quanto à questão da violação do princípio da igualdade, nos termos da declaração de voto junta) Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto ao conhecimento da questão de inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 371.º e 368.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código de Justiça Militar, imputada pelo recorrente à violação dos princípios da legalidade e da tipicidade penais e do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República, no essencial, pelas razões constantes dos acórdãos deste Tribunal n.º 196/03 e n.º 197/03 e do voto de vencido que apus ao acórdão n.º 395/03. Benjamim Silva Rodrigues
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida por entender que se verifica, efectivamente, uma violação do princípio da igualdade nos termos em que o propugnei no projecto de acórdão que não logrou vencimento e considero que tal questão se impõe, por me parecer inevitável a comparação do regime geral imposto quanto à imputação da detenção para extradição, no artigo 13º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional aprovada pelo Decreto-Lei nº 144/99, de 30 de Abril, com o regime que resulte interpretativamente da norma em crise. Tal questão é nova para o Tribunal Constitucional, na medida em que o Acórdão nº
298/99, de 12 de Maio, anterior à entrada em vigor dessa lei, não teve de a enfrentar. E se é certo que ao Tribunal Constitucional não foi colocada, neste recurso, a questão da constitucionalidade de qualquer interpretação dessa norma levada a cabo pelo tribunal recorrido, estando, portanto, tal norma ou qualquer interpretação dela fora do objecto do presente recurso, todavia, o Tribunal Constitucional, ao ser questionado sobre a constitucionalidade da norma do Código de Justiça Militar, que se refere ao problema da imputação do tempo de detenção no tempo da prisão preventiva, não pode deixar de considerar todos os lugares paralelos, na Ordem Jurídica portuguesa, em que tal questão é suscitada, na perspectiva do próprio princípio da igualdade. Ora, um desses lugares paralelos é precisamente o referido artigo 13º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em matéria penal. Essa norma determina, numa das suas alternativas, que seja levada em conta a detenção decretada no estrangeiro em consequência de uma das formas de cooperação previstas no referido diploma no âmbito do processo português ou à sua imputação na pena, nos termos do Código Penal. A determinação de tal detenção ser levada em conta no âmbito do processo português em alternativa a ser imputada na pena só pode ter um sentido à luz de todos os elementos da interpretação – a sua relevância para as medidas de coacção decretadas no processo penal português. A relevância em matéria de condenação está abrangida pela outra parte do preceito que se refere expressamente à imputação na pena. Com efeito, apesar daquela norma não referir, expressamente, uma imputação no prazo da prisão preventiva ou de qualquer outra medida de coacção, resulta do seu sentido que impõe ao tribunal uma repercussão do tempo de privação de liberdade já sofrido no estrangeiro na determinação da medida de coacção tanto na perspectiva da necessidade como da proporcionalidade.
É isso que corresponde ao sentido lógico da conjunção “ou” constante do seu elemento literal. Por outro lado, também resulta do elemento histórico da interpretação a mesma conclusão, na medida em que foram alteradas claramente as soluções normativas precedentes em que expressamente se sujeitava a subordinação dos prazos de detenção do extraditando aos limites da prisão preventiva (artigo 29º, nº 1, da Lei nº 437/75). E, finalmente, resulta do elemento sistemático da interpretação o mesmo sentido, já que a referência à repercussão no âmbito do processo português (o “ser levado em conta”), numa matéria de imputação da detenção, conforme consta da epígrafe do artigo 13º, só pode pretender abranger as situações de privação da liberdade pré-condenatórias, isto é, as medidas de coacção nos termos do Código de Processo Penal.
É certo que o tribunal recorrido rejeita a interpretação agora enunciada, atribuindo à conjunção “ou” contida no preceito legal analisando o significado de excluir a imputação na prisão preventiva do tempo de detenção para extradição quando tal tempo possa, em alternativa, ser repercutido na pena. E também é verdade, como se disse, que não cabe ao Tribunal Constitucional controlar a constitucionalidade dessa interpretação por ela não ter sido suscitada. No entanto, não poderia o Tribunal Constitucional, na delimitação das eventuais violações do princípio da igualdade, deixar de realizar as interpretações de normas que estabeleçam regimes jurídicos que possam consagrar soluções diversas para situações semelhantes ou paralelas àquelas que são objecto das normas cujo controlo realiza. E, nestes termos, não curando o Tribunal Constitucional de analisar se a interpretação do artigo 13º do Decreto-Lei nº 144/99 é a única compatível com a Constituição ou se outras interpretações seriam possíveis, deveria reconhecer que uma interpretação que se baseie solidamente em vários elementos da interpretação (literal, histórico e sistemático) vive no sistema, estando necessariamente implícita em múltiplas decisões, conduzindo à conclusão de que o legislador impõe a consideração na aplicação de medidas de coacção da detenção para extradição. Assim, teria de se concluir que a rejeição da possibilidade de uma solução normativa idêntica pela norma constante do artigo 371º do Código de Justiça Militar permitiria que situações idênticas – as do processo penal comum e as do processo penal militar – tenham tratamento distinto, sem qualquer justificação razoável, verificando-se, portanto, a violação do princípio da igualdade. Maria Fernanda Palma