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Processo n.º 873/2004
3.ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Do acórdão lavrado em 11 de Junho de 2002 no Tribunal da Relação do Porto que, por um lado, negara a apelação do despacho saneador proferido no Tribunal de comarca de Lamego que julgou improcedentes os embargos
à execução instaurada pela A. contra os executados B. e C. e, por outro, negou provimento ao agravo do despacho que indeferiu a arguição de nulidade daquele despacho saneador, bem como o da elaboração da matéria de facto assente e da base instrutória, por impedimento do juiz que os elaborou, pediram os embargantes/executados revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Em 21 de Janeiro de 2003, o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça lavrou o seguinte despacho:
“A revista foi bem recebida.
Não é porém admissível recurso de revista da Relação sobre a matéria do agravo relativa aos impedimentos do juiz - arts. 123º, nº 1, 722º, nº 1, e
754º, nº 2, primeira parte (aqui na redacção anterior ao DL nº 375-A/99) do CPC, sendo inequívoco que não se trata de decisão que decisão que pôs termo ao processo.
Notifique - art. 704º, nº 1, do mesmo Código”.
Notificados do transcrito despacho, fizeram os embargantes/executados juntar aos autos, em 17 de Fevereiro de 2003 requerimento, dirigido ao “JUIZ CONSELHEIRO-RELATOR” do Supremo Tribunal de Justiça, requerimento esse com o seguinte teor:
“B. e C., em face do teor do douto despacho de fls. 257 na parte em que declarou não ser admissível recurso sobre a decisão da Relação emitida quanto à matéria do agravo relativo ao impedimento do Senhor Juiz, despacho com o qual nesta parte, se conformam, Vêm, nos termos do artº 75-2. da Lei nº 28/82, de 15/11 (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional), interp[o]r recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto na parte em que o mesmo desatendeu o agravo que versa aquela matéria (questão do impedimento do Senhor Juiz que lavrou o despacho saneador, factos assentes e base instrutória). Para cumprimento do disposto no artº 75-A-1. daquela Lei Orgânica, esclarece-se que:
. O recurso tem por fundamento o artº 70º-1-b) daquela lei orgânica, e
. na alegação de recurso perante o Tribunal da Relação expressamente se alegou que na decisão da 1ª Instância prevalecera a interpretação de que o artº 510 do CPP consagra uma tramitação exclusivamente civil para a execução da sentença penal indemnizatória, o que o douto Acórdão da Relação reafirmou, tudo em violação, pensamos nós, do artº 32-1. da Constituição. Assim,
. Pretende-se com este recurso a declaração de inconstitucionalidade daquele artº 510º do CPP quando interpretado como supra se referiu, por violação daquele artº 32-1, da Constituição. E assim, Recebido que seja o recurso, Requer que se sigam os demais termos”.
O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 18 de Fevereiro de 2003, recusou a junção do requerimento, em face de um entendimento segundo o qual estava já terminado o prazo legal para a interposição do recurso.
É desse despacho que, pelos embargantes/executados, vem deduzida reclamação para o Tribunal Constitucional o que fizeram “nos termos do artº 76-4. da Lei” nº 28/82, de 15 de Novembro.
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de ser ela manifestamente intempestiva.
Cumpre decidir.
2. Situamo-nos em face de uma reclamação, prevista no artº 77º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (e não, como pretendem os ora reclamantes, com fundamento no nº 3 do artº 76º - preceito este que, aliás, não cura de qualquer forma de impugnação de despacho não admissor de recurso), incidente sobre um despacho lavrado pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça que comporta uma decisão que, em rectas contas, se pode considerar como de não admissão de um recurso intentado interpor para o Tribunal Constitucional de um acórdão lavrado no Tribunal da Relação do Porto, na parte em que no mesmo se negou provimento a um agravo de um despacho prolatado na 1ª instância.
Como tem sido entendido por este Tribunal (cfr., verbi gratia, o Acórdão nº 641/99, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordãos) destinam-se “as reclamações sobre não admissão dos recursos intentados para o Tribunal Constitucional a verificar a eventual preterição da decida reapreciação, pelo Tribunal Constitucional, de uma questão de constitucionalidade, em sede de recurso de constitucionalidade. Mais que apreciar a fundamentação do despacho de indeferimento do recurso, há, pois, que verificar o preenchimento dos requisitos do recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor”.
E isto, como se depara evidente, pela razão segundo a qual, constituindo a decisão tomada na reclamação caso julgado quanto à admissão do recurso (cfr. nº 4 do citado artº 77º), mesmo que, num caso concreto, se assistisse à falta de qualquer requisito ou pressuposto do recurso de constitucionalidade, falta essa que, todavia, não foi detectada no juízo decisório tomado quanto à reclamação, ver-se-ia o Tribunal Constitucional na contingência de, mesmo assim, ter de tomar conhecimento do objecto do recurso.
Neste contexto, ainda que porventura o despacho de não admissão de recurso para este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade se ancore numa fundamentação que não seja a que se deva considerar exacta, mister é que o Tribunal Constitucional averigúe se, no caso submetido à sua consideração, estão reunidos todos os pressupostos e requisitos do recurso de constitucionalidade.
Ora, na situação sub specie, uma particularidade se depara desde logo e por via da qual a vertente reclamação se deve considerar como infundada. Reside ela, justamente, em que, tendo sido pretendido interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão tirado em 11 de Junho de 2002 pelo Tribunal da Relação do Porto, é por demais óbvio que não poderia o requerimento em que se consubstanciou a vontade de impugnação ser dirigido ao Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça - órgão jurisdicional que não proferiu a decisão pretendida recorrer.
De outra banda, ainda que, como no caso sucedeu, tivesse havido pronúncia expressa desse Conselheiro Relator sobre o requerimento de interposição de recurso, fosse ela a de admitir ou não admitir a impugnação, sempre se haveria de concluir que tal pronúncia fora produzida a non domino
(cfr., por entre outros, Acórdãos números 363/89, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º volume, Tomo II, 963 e seguintes, 216/93, idem, 24º volume,
589 e seguintes, 377/93, 473/93, publicado na 2ª Série do Diário da República de
19 de Janeiro de 1994, 80/94 e 378/94, inéditos).
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 21 de Outubro de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Rui Manuel Moura Ramos