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Processo nº 496/2004 Plenário Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional intentou contra o Partido da Democracia Cristã - PDC, com sede na Av.
---------------, nº ---, ---º ----, em ---------, a presente acção de extinção de partido político, com processo declaratório comum, sob a forma ordinária, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 18°, n° 1, alínea e), da Lei n°
2/2003, de 22 de Agosto, 103°, n° 3, alínea b), e l03°-F, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, na redacção dada pela Lei n° 13-A/98, de 26 de Fevereiro, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1° - Quer a lei dos Partidos Políticos actualmente em vigor - Lei Orgânica n°
2/2003, de 22 de Agosto - quer a própria Lei do Tribunal Constitucional estabelecem que incumbe ao Tribunal Constitucional decretar, a requerimento do Ministério Público, a extinção dos partidos políticos que não apresentem contas em três anos consecutivos.
2° - A norma constante do artigo 18°, n° 1, alínea e) da referida Lei n° 2/2003 não se configura como inovatória, limitando-se, quanto a esta matéria, a reproduzir o regime que - desde 1998 - já constava da própria Lei do Tribunal Constitucional (artigo 103°-F, alínea a)).
3° - Sendo, deste modo inquestionável que este regime jurídico de sujeição à extinção judicial dos partidos que não apresentassem contas em três anos consecutivos já era plenamente aplicável às contas referentes ao ano em que foi editada a Lei n° 13-A/98 e aos anos seguintes - aplicando-se, pois, inquestionavelmente às contas referentes aos anos de 1998, 1999 e 2000, a apresentar ao Tribunal Constitucional no ano subsequente.
4° - Nos acórdãos nºs 444/01, 253/02 e 361/03 o Tribunal Constitucional condenou o Partido requerido - PDC - pela prática da infracção prevista no artigo 14°, n° 1, da Lei n° 56/98, de 18 de Agosto, decorrente da omissão do cumprimento, quanto aos anos de 1998, 1999 e 2000, da obrigação consignada no artigo 13°, n° 1, da mesma Lei - fixando-lhe, como sanção pela infracção consistente na falta de apresentação de contas, as coimas de, respectivamente,
€ 9172,89, € 12.729,32 e € 16.709,73.
5° - Tais acórdãos transitaram em julgado, tendo sido publicados no Diário da República, II Série, de 16 de Novembro de 2001, 5 de Julho de 2002 e 10 de Outubro de 2003.
6° - Havendo, deste modo, caso julgado quanto ao incumprimento culposo da obrigação de apresentação de contas pelo partido requerido, naqueles três anos sucessivos.
7° - Estando, deste modo, inteiramente preenchida a 'fattispecie' normativa, atrás invocada, o que determina a extinção judicial do partido requerido, na sequência da procedência da presente acção.
Com a petição inicial foram juntas cópias dos Acórdãos que julgaram definitivamente verificada a falta de apresentação de contas nos anos de 1998,
1999 e 2000.
Em 28 de Abril de 2004, a Relatora proferiu o seguinte despacho (fls.32):
Proceda à citação do Partido Político requerido por meio de carta registada com aviso de recepção endereçada para a sua sede, nos termos do artigo 236º do Código de Processo Civil, com a indicação de que o citando pode oferecer a defesa no prazo de 30 dias a contar da citação (artigo 486º, nº 1, do Código de Processo Civil) e de que é obrigatório o patrocínio judiciário [artigo 32º, nº
1, alínea c), do mesmo Código]. Caso se frustre a citação na sede do requerido, proceda à citação dos seus presumidos representantes, remetendo as cartas para as respectivas residências indicadas nos autos, nos termos do artigo 237º do Código de Processo Civil.
O Partido Político requerido contestou nos seguintes termos:
Excepcionando na acção declarativa comum, sob a forma ordinária, diz PARTIDO DA DEMOCRACIA CRISTÃ - PDC
A)
1. O PDC foi apresentando justificação, ou justo impedimento, para a falta de apresentação de contas nos anos em causa (cf. DR. 16.11.01 nº 266 fls. 18.952 –
1ª e 2ª colunas - DR 05.07.02 nº 153- fls. 12.037 e 12.038). De qualquer modo,
B)
2. O artigo 103°-F al. a), da Lei do Tribunal Constitucional, não é aplicável ao ano de 1998. Com efeito,
3. Ao tempo, não fora publicada tal Lei. Daí,
4. Não se perfizeram, em qualquer dos casos, três anos consecutivos sobre a falta de apresentação de contas. E sempre,
C)
5. São inconstitucionais os normativos que pretendem extinguir partidos políticos por razões de ordem administrativa.
6. A criação de um partido político, como foi o caso do PDC, advém da vontade dos cidadãos e consagrada com a ultimação do processo de legalização. Aliás,
7. O nº 6 do art. 51° da Constituição da República não permite que, por decisão administrativa, a lei ordinária decrete a extinção de um partido político.
8. Um Partido Político só pode ser extinto por razões que se prendessem com um comprovado desvio dos seus objectivos ou quando viabilizasse atentados à democracia ou às instituições do Estado.
9. Nada disto está em causa. Por outro lado,
D)
10. Um Partido Político não está obrigado a desenvolver, continuadamente, actividade política.
11. Nenhum preceito constitucional o impõe.
12. E, não desenvolvendo actividade política, um Partido não terá, por isso, e obviamente, quaisquer receitas ou despesas. E,
E)
13. Se um Partido Político não recolhe receitas e nem realiza despesas, não pode ser obrigado a inventariar factos inexistentes.
14. Consequentemente, não lhe é exigível que apresente as «suas contas».
15. Outro caso seria se o Partido auferisse comprovadamente receitas e realizasse despesas e estivesse a encobrir tais factos não apresentando «as suas contas».
16. Accionar ou promover a extinção de um Partido por falta de apresentação de contas, mesmo a admitir-se esse fundamento, tinha, em qualquer dos casos, de se partir de um prévio inquérito ou da averiguação de que existem movimentos de receitas e de despesas e que foram encobertos por três anos consecutivos.
17. De nada disto é indiciado sequer o contestante.
18. O que se está é a subverter a letra e o espírito da Lei que pretende sancionar, isso sim, uma eventual recusa ou omissão da apresentação de contas que tenham tido existência objectiva, o que não é o caso sub judice.
19. O que a Lei pretende claramente é sancionar, após alguma fiscalização sendo que, nenhuma foi realizada.
20. O MP não apurou e nem sequer veio alegar que existam movimentos encobertos de receitas ou despesas relativas ao contestante.
F)
21. O PDC não possui património de imóveis ou de móveis, sujeitos a registo, não podendo apresentar «as suas contas» relativas a actividade partidária nos anos em causa, por que não a desenvolveu, não tendo obtido receitas, pelo que não pode elaborar qualquer lista de angariação de fundos (Lei 56/98). Por consequência,
22. Não ocorre incumprimento culposo da obrigação de apresentação de contas pelo contestante. Com efeito,
23. Não pode incorrer em omissão quem não tem objecto para a acção pretendida.
24. A omissão só é punível se o acto puder e dever ser praticado. E sempre,
G)
25. A instauração da presente acção, a ser intentada no próprio Tribunal Constitucional como o é, não vem a dar a oportunidade de, em recurso, ser a mesma julgada por diferente instância ou órgão jurisdicional que não seja o mesmo Tribunal Constitucional.
26. A acção, a ser intentada, devia sê-lo de modo a permitir a apresentação de provas pelo MP, nomeadamente, que ocorra sonegação ou ocultasse «das suas contas» pelo partido político. Pelo que,
27. É claramente inconstitucional o processo ora desencadeado num dos topos da hierarquia jurisdicional.
De tudo, Deve ser considerada improcedente a presente acção, por falta de fundamento, e sempre por justo impedimento, tudo com base nas invocadas excepções.
Por seu turno, o Ministério Público apresentou réplica que também se transcreve:
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da contestação apresentada pelo PARTIDO DA DEMOCRACIA CRISTÃ no processo em epígrafe - e tendo em conta que o réu qualifica expressamente a defesa que nela deduz como matéria de 'excepção' - vem replicar nos termos seguintes:
1° Para além de impugnar a pretensão deduzida pelo Ministério Público - não cumprindo obviamente replicar à matéria de tal impugnação - o partido-réu vem excepcionar com base na invocação de 'justo impedimento' à apresentação de contas nos anos referenciados na petição inicial.
2° Na óptica do réu, ocorreria um facto impeditivo do dever de apresentação de contas, consubstanciado na ausência de actividade política e na existência efectiva - a demonstrar pelo A - de movimentos patrimoniais e contabilísticos.
3° É, porém, evidente a improcedência desta linha argumentativa, aliás já apreciada e definitivamente decidida nos acórdãos que julgaram não prestadas as contas nos anos de 1998, 1999 e 2000.
4° Tendo sido decidido que tal forma 'atípica' e 'intempestiva' de apresentação de contas não traduzia cumprimento adequado do dever legal que incidia sobre o partido em causa.
5° Sendo, pois, manifestamente improcedente a invocada 'excepção' de “justo impedimento' na apresentação de contas pelo partido réu, consumando-se tal dever num momento em que obviamente já estava em vigor - e era perfeitamente conhecida ou cognoscível pelo réu - o teor da Lei n° 13-A/98, de 26 de Fevereiro, plenamente compatível com a Lei Fundamental.
2. Os autos contêm elementos que permitem a apreciação e a decisão do mérito da presente acção, o que se faz ao abrigo do artigo 510º, nº 1, do Código de Processo Civil. São os seguintes os factos provados:
– o Partido requerido não apresentou contas relativas aos anos de 1998, 1999 e
2000, conforme verificado nos Acórdãos nºs 536/99 ( quanto ao ano de 1998),
370/01 (quanto ao ano de 1999) e 319/02 (quanto ao ano de 2000);
– o Tribunal Constitucional condenou o Partido requerido pela prática da infracção prevista no artigo 14º, nº 1, da Lei nº 56/98, de 18 de Agosto, decorrente da omissão do cumprimento da obrigação consignada no artigo 13º, nº
1, da Lei nº 72/93, de 30 de Novembro, quanto ao ano de 1998, e no artigo 13º, nº 1, da Lei nº 56/98, de 18 de Agosto, quanto aos anos de 1999 e de 2000, pelos Acórdãos nºs 444/01, 253/02 e 361/03, respectivamente. Todos os Acórdãos mencionados transitaram em julgado. Os Acórdãos nºs 444/01,
253/02 e 361/03 encontram-se publicados no D.R., II Série, de 16 de Novembro de
2001, de 5 de Julho de 2002 e de 10 de Outubro de 2003, respectivamente; os Acórdãos nºs 536/99, 370/01 e 319/02 são inéditos.
3. O artigo 103º-F, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional - assim como a alínea e) do nº 1 do artigo 18º da actual Lei dos Partidos Políticos (Lei Orgânica nº 2/2003, de 22 de Agosto), cuja redacção é idêntica à daquele preceito - prevê como causa de extinção de um partido político a não apresentação das suas contas em três anos consecutivos. A não apresentação das contas pelo Partido Político requerido está devidamente demonstrada pelos citados Acórdãos do Tribunal Constitucional, já transitados em julgado, que verificaram a não apresentação de contas e que sancionaram o Partido em questão.
4. O Partido Político requerido vem, porém, invocar “justo impedimento” para a não apresentação das contas. Contudo, o Tribunal Constitucional já apreciou, nos arestos indicados, a questão relacionada com a não apresentação de contas nos anos de 1998, 1999 e 2000, tendo, como se referiu, tais decisões transitado em julgado. Assim, afigura-se manifestamente improcedente a linha argumentativa seguida agora pelo Partido requerido, já que a mesma foi devidamente ponderada e apreciada em momento anterior pelo Tribunal Constitucional e nem sequer agora foi infirmada a decisão constante desses Acórdãos quanto a tal matéria.
5. O Partido requerido defende ainda que a Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, não é aplicável relativamente ao ano de 1998. No momento em que as contas relativas a 1998 deviam ter sido apresentadas (até ao fim de Março de 1999, de acordo com o disposto no artigo 13º, nº 1, da Lei nº
72/93, de 30 de Novembro), já a referida lei, que aditou o artigo 103º-F à Lei do Tribunal Constitucional, se encontrava em vigor há tempo suficiente para que os respectivos destinatários tivessem conhecimento do seu conteúdo (o diploma data de Fevereiro de 1998). Mas o que é decisivo é que o facto relevante – não apresentação de contas que realiza o ilícito – ocorreu já na vigência da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro. Tal diploma era pois aplicável no momento em que o Partido requerido não apresentou as contas relativas ao ano de 1998, não consubstanciando qualquer aplicação retroactiva.
6. O Partido requerido sustenta também que o nº 6 do artigo 51º da Constituição
“não permite que, por decisão administrativa, a lei ordinária decrete a extinção de um partido político”. Ora, desde logo cabe sublinhar que a extinção ocorre por decisão judicial (e não por decisão administrativa). O artigo 51º, nº 6, da Constituição, apenas remete para a lei ordinária as regras de financiamento dos partidos políticos bem como as exigências de publicidade do seu património e das suas contas, não vedando quaisquer consequências ou sanções. Finalmente, a apresentação de contas pelos partidos políticos é um instrumento fundamental de controlo da transparência e da organização e da gestão democráticas dos partidos políticos, objectivo assumido pela Constituição (artigo 51º, nº 5), o que impede de se considerar vedada, precisamente por tal preceito, a extinção do partido político em consequência da reiterada não prestação de contas.
7. Por último, o Partido Político requerido sustenta que a instauração da presente acção no Tribunal Constitucional impede a possibilidade de recurso. Tal argumento não é pertinente. Com efeito, não está agora em causa a interposição de um qualquer recurso, como também a pretensão do Partido requerido, a ser satisfeita, implicaria a apreciação e decisão da presente acção por outra instância de cuja decisão caberia recurso para o Tribunal Constitucional , onde os autos se encontram nesta fase. Aliás, como este Tribunal tem sucessivamente afirmado, não é constitucionalmente imposto em todos os casos um duplo grau de jurisdição e não o é seguramente quando a competência cabe em primeira linha ao Plenário do Tribunal Constitucional. Improcede, portanto, tal argumentação.
8. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide julgar procedente a presente acção e, consequentemente, decretar a extinção do Partido da Democracia Cristã – PDC, ordenando o cancelamento do respectivo registo.
Lisboa, 14 de Julho de 2004 Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Carlos Pamplona de Oliveira Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Benjamim Rodrigues Vítor Gomes Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Gil Galvão Paulo Mota Pinto (vencido, por entender que, tendo a norma em que o Tribunal se fundou entrado em vigor já no decurso do ano de 1998, não deveria ter considerado relevante, para decretar a extinção de partidos políticos nela prevista de forma inovadora, a não apresentação de contas relativas a esse mesmo ano de 1998) Luís Nunes de Almeida