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Proc. n.º 777/03
1.ª Secção Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), em que é recorrente A., veio esta reclamar para a conferência da Secção, nos termos do artigo 78º-A, nº 3 da LTC, relativamente à decisão sumária de fls. 400/407, que não admitiu o recurso, alegando a reclamante, em síntese, o seguinte:
“(...) Nunca pretendeu (...) alegar qualquer situação de inconstitucionalidade relativa
às tomadas de posição processuais do Exmº. Senhor Juiz Relator do TCA, e muito menos do Exmº. Presidente do STA, uma vez que estas apenas tomam posição sobre a admissibilidade, ou não, de um recurso, com o que tornam estes actos susceptíveis de equiparação legal a recursos ordinários – v.d. artigo 70º, nº 3 da LTC;
De toda a sua tomada de posição ressaltou sempre que o que pretendia era que o Tribunal Constitucional se pronunciasse sobre a, tempestivamente alegada, inconstitucionalidade praticada, primeiro pelo Exmº Senhor Juiz Relator do TCA, secundado pelo Acórdão da Conferência, e depois sufragado pela interposição de recurso e subsequente despacho de não admissão do mesmo; Estes últimos actos praticados em sede do TCA e pelo Exmº Senhor Presidente do STA não passaram de actos necessários para o preenchimento do disposto no artigo
70º, nº 2 da LTC, de forma a verificar a inconstitucionalidade da decisão tomada nos presentes autos; Decisão essa que, por ter tido aplicação inconstitucional de normas jurídicas já irradicadas de todo o sistema jurídico, prejudicou, como prejudica ainda hoje, a busca da justiça por parte da reclamante que viu ficar postergada a realização daquela apenas e só pela má e ilegal aplicação da Lei no caso concreto.
(...)”
1.1. A decisão sumária ora reclamada considerou, ao não admitir o recurso, que a questão de inconstitucionalidade, suscitada no decurso do processo, se reportava a uma decisão (a uma questão) distinta daquela relativamente à qual o recorrente interpusera recurso para este Tribunal. Transcrevem-se de seguida os trechos mais significativos da referida decisão sumária:
“(...)
2. Decorre do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC que, em sede de exame preliminar do processo, o relator proferirá decisão sumária quando “(...) entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso (...)”. Ora, este recurso, nos termos em que a recorrente o interpôs, é inadmissível, estando, como está, construído por referência a uma decisão da qual não foi admitido recurso. Isto quando, aliás, o destino destes autos foi ditado, não por essa decisão da qual se pretende aqui recorrer [a que aplica os artigos 292.º (a referência correcta é ao artigo 291.º) e 765.º do CPC], mas sim por uma outra decisão posterior – a do Senhor Presidente do STA – que discutiu um problema completamente distinto e que, obviamente, consumiu qualquer questão anterior, concretamente aquela à qual a recorrente se refere no requerimento de fls.
377/379. Tudo isto ficará claro se analisarmos a evolução do processo até à chegada ao Tribunal Constitucional.
3.2. O começo da instância ocorreu com a formulação de um pedido de suspensão de eficácia de acto administrativo, nos termos dos artigos 76.º e segs., do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, adiante designada LPTA), suspensão que foi negada pelo TAC, por considerar não verificados os respectivos requisitos. Esta decisão foi confirmada pelo TCA, o Tribunal de segunda instância da jurisdição administrativa, iniciando-se daí em diante uma sequência processual em que a recorrente pretende, invocando uma situação de oposição de julgados, recorrer para o Pleno das Secções do STA. Este recurso – que, como se disse anteriormente, foi inicialmente admitido - viria a ser julgado deserto por falta de alegações, sendo a decisão do Relator confirmada pela Conferência.
3.2.1. Importa aqui abrir um parêntese sublinhando que o recurso ficou deserto por se ter considerado que o prazo para alegar nestas situações (ou seja, nos recursos por oposição de julgados para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo) é de dez dias. Este entendimento, que constitui jurisprudência constante e uniforme do STA (v., por exemplo, o Acórdão do Pleno de 19/2/2003, proferido no processo n.º 047985, e que pode ser encontrado em http://www.dgsi.pt/jsta.nsp/a10cb5082dc), assenta na ideia segundo a qual – e citamos este aresto do STA -, “não obstante a revogação dos artigos 763.º a
770.º do CPC, operada pelos artigos 3.º e 17.º, n.º 1 do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, no âmbito do processo civil, a tramitação dos recursos por oposição de julgados continua a fazer-se de acordo com aquelas normas, especialmente as dos artigos 765.º a 767.º, pois tais normas integram-se no regime processual da LPTA, para as quais esta faz remissão estática, mantendo, por isso, a sua vigência no âmbito específico do contencioso administrativo”. Note-se ainda que a consideração de que o prazo para alegar é de dez dias, e não de cinco como estabelecia o n.º 3 do artigo 765.º do CPC, decorre do teor do artigo 6.º, n.º
1, alínea b) do DL n.º 329-A/95 (“Passam a ser de 10 dias os prazos cuja duração seja igual ou superior a 5 e inferior a 9 dias”).
3.3. Foi esta questão (a de saber qual o prazo para produzir as alegações no recurso para o Pleno) que a recorrente pretendeu configurar como problema de inconstitucionalidade normativa e levar à apreciação do STA. Sem êxito, porém, pois, como se viu, o TCA considerou que o seu Acórdão foi proferido em segundo grau de jurisdição, sendo, por isso mesmo, irrecorrível. Note-se, enfim, que este entendimento do TCA (que se reporta a uma questão distinta da que tinha que ver com o prazo de alegações no recurso por oposição de julgados), acabou por ser sufragada pela decisão judicial (a do Senhor Presidente do STA) que definiu, em termos finais, o destino dos autos e, por isso, ultrapassou processualmente as questões que, como é o caso daquela que a recorrente construiu como de inconstitucionalidade, anteriormente se haviam colocado. A admissão do recurso que se pretendeu interpor levaria, aliás, ao absurdo de propiciar a apreciação de uma questão relativamente à qual o recurso respectivo não fora admitido, quando o problema dessa admissibilidade jamais se configurara como questão de inconstitucionalidade.
4. Assim sendo, por manifesta inadmissibilidade, nos termos do artigo 78º-A, nº1 da LTC, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso.
(...)”
2. Apreciando a presente reclamação importa reter os dois aspectos que caracterizaram a tramitação processual que fez os autos chegar a este Tribunal:
A) A recorrente suscitou uma questão de inconstitucionalidade normativa (violação dos artigos 20º e 268º da CRP, pelos artigos 291º, nº 2 e
765º, nº 3 do Código de Processo Civil) relativamente ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) de fls. 309/311;
B) A recorrente interpôs o recurso para este Tribunal não dessa decisão do TCA, mas da decisão subsequente do Senhor Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que decidiu uma reclamação respeitante
à possibilidade de recurso daquela decisão do TCA para o Pleno das Secções do STA.
Quanto a este último aspecto, sublinha-se que o recurso para este Tribunal foi admitido pelo Senhor Conselheiro Presidente do STA (cfr. fl. 392), que despachou relativamente a um requerimento da recorrente que lhe foi dirigido
(esse requerimento, o de fls. 385/387, foi dirigido à Reclamação nº 30/03 do STA; cfr. carimbo de entrada a fl. 385 e respectivo sobrescrito de fl. 388) a interpor esse recurso de constitucionalidade, e que tal requerimento afirma, expressamente, que se pretende recorrer da decisão proferida pelo STA [aí se diz: “O recorrente foi agora notificado do despacho proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo que julgou improcedente a reclamação apresentada relativamente ao despacho do Senhor Desembargador Relator do TCA que não admitiu o recurso interposto de acórdão aí proferido para o STA. (...) Não se conformando com o mesmo...”].
Esta tramitação – que é da inteira responsabilidade da recorrente – conduziu a que a decisão de que se recorreu (a do Senhor Presidente do STA) não tenha sido aquela que decidiu a questão de inconstitucionalidade normativa colocada pelo requerente e relativamente à qual essa questão apresenta relevância. Significa isto que a eventual admissão do presente recurso conduziria a um pronunciamento deste Tribunal que, caso julgasse procedente tal questão de constitucionalidade, teria o efeito de revogar uma decisão onde tal questão não foi tratada e que não fez aplicação da norma cuja constitucionalidade é sindicada, pelo que uma pronúncia deste Tribunal seria inútil visto que não poderia conduzir à modificação da decisão recorrida. Além de que também não pode determinar a modificação de uma decisão a um juiz que a não proferiu.
A impossibilidade de apreciação de um recurso nestas condições decorre do carácter instrumental da fiscalização concreta, relativamente à decisão jurisdicional onde a questão de inconstitucionalidade surge. Com efeito, implica tal natureza instrumental que a determinação, por parte deste Tribunal, de que a questão seja julgada de acordo com certo juízo sobre a constitucionalidade de uma norma, seja dirigida àquele órgão jurisdicional que, por ter proferido a decisão recorrida, a deve reformar. Tal determinação não pode, obviamente, ser dirigida a quem não proferiu essa decisão, mas sim uma outra, totalmente distinta, e que nada releva para a questão de fundo (ou que só releva, limitadamente, no caso do artigo 70º, nº 3 da LTC, para o efeito de preenchimento do pressuposto processual de exaustão dos recursos ordinários).
Afirmando este princípio – e retirando a consequência da inadmissibilidade do recurso – existe uma jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional, designadamente em sede de reclamações por não admissão, afirmando que os recursos devem ser interpostos da própria decisão recorrida “a fim de que o juiz recorrido os admita ou rejeite”, sendo certo que é a este mesmo juiz (o da decisão recorrida e não outro) que o pronunciamento deste Tribunal se destina [v. Acórdão nº 268/94 ( Acórdãos do Tribunal Constitucional,
27º vol. Pág. 1157); no mesmo sentido v. , entre outros, os Acórdãos nºs.
390/02 e 613/03, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt]. Ora, no presente caso, o requerente não apresentou recurso do Acórdão da conferência do TCA que decidiu a questão de constitucionalidade suscitada, tendo antes, como ficou dito, impugnado a decisão do Presidente do STA onde esta última questão, que agora pretende ver tratada, não aflora.
3. Assim, por se não poder tomar conhecimento do recurso, indefere-se a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 1 de Junho de 2004
Rui Manuel Moura Ramos Artur Maurício Luís Nunes de Almeida