Imprimir acórdão
Processo n.º 63/02
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art.º 70º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 12 de Dezembro de 2001, acórdão este que negou provimento aos recursos por ele interpostos do despacho interlocutório e da sentença final proferidos no processo comum n.º 349/00 que correram termos pela 1ª Secção do 3º Juízo Criminal de Lisboa e que o condenou como autor de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos artigos 180º e 184º, com referência ao artigo 132º, n.º
2, alínea h), actual alínea j), todos do Código Penal, na pena de cento e cinquenta dias de multa à taxa diária de Esc. 500$00.
2 – Pelo seu Acórdão n.º 317/2004, de 5 de Maio de 2004, este Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do recurso.
3 – Notificado deste acórdão por carta registada de 6 de Maio de
2004, veio o mesmo recorrente por requerimento apresentado em 21 de Maio de 2004 pedir que os autos baixassem ao tribunal recorrido a fim deste apreciar o pedido de declaração de nulidades insanáveis que arguiu no mesmo requerimento ou, quando assim se não entendesse, que seja o Tribunal Constitucional a proceder à declaração de nulidade, alegando, em síntese, que a Procuradora-Geral Adjunta em exercício de funções junto do Tribunal da Relação de Lisboa que proferiu o despacho de instauração do processo de inquérito criminal contra o requerente, que procedeu ao seu interrogatório como arguido e que requereu o seu julgamento era incompetente para a prática de tais actos processuais, pelo que tais actos estão feridos de nulidade insanável, nulidade essa que se projecta nos demais actos praticados no processo como a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal da Relação de Lisboa, tribunal este que procedeu ao seu julgamento.
4 – Esse requerimento mereceu do relator no Tribunal Constitucional o seguinte despacho que, na parte útil, se transcreve:
«Como resulta claramente do requerimento do recorrente, cujo pedido e fundamentos se acabaram de sintetizar, este não argui qualquer nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional nestes autos ou de quaisquer actos processuais praticados perante ele no recurso de constitucionalidade que o mesmo interpôs. Ao invés, o objecto da sua alegação de nulidade respeita a actos processuais praticados pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo mesmo Tribunal da Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça
(STJ).
Cingindo-se a competência do Tribunal Constitucional a decidir do recurso interposto pelo recorrente sob a invocação do art.º 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro – e naturalmente da validade dos actos processuais praticados na tramitação perante ele do respectivo recurso – não lhe cabe conhecer das nulidades invocadas relativas a actos exteriores ao objecto do recurso de constitucionalidade interposto e à sua tramitação perante o Tribunal Constitucional, praticados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pelo Ministério Público junto dele ou pelo STJ.
Assim sendo, não se conhece do requerido perante o Tribunal Constitucional.
E porque o requerido não interfere com a formação do trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, decide-se que a remessa dos autos para conhecer do requerido seja feita apenas depois de transitado em julgado tal acórdão e efectuada a respectiva conta de custas.».
5 – Reclamou, então, o recorrente desta decisão para a conferência pedindo que “seja revogado o «despacho» de fls., na parte em que pretende dispor que o «acórdão» transita em julgado e baixem os autos sem contagem de quaisquer custas. A presente reclamação é exercida sem prejuízo da invocação subsidiária da inexistência jurídica, a ser feita perante o tribunal judicial, a todo o tempo”.
6 – Pelo Acórdão n.º 535/2004, de 15 de Julho de 2004, transitado em julgado, essa reclamação foi indeferida com base na seguinte fundamentação:
«O reclamante fundamenta a sua reclamação no entendimento de que os efeitos jurídicos decorrentes da arguição da alegada nulidade dos actos praticados na fase de inquérito ou na fase judicial do processo não têm autonomia processual relativamente ao objecto do recurso de constitucionalidade e ao processado do mesmo de modo a que se possa constituir o caso julgado sobre o acórdão proferido no Tribunal Constitucional, de não conhecimento do recurso. Mas tal posição não é de acolher, sendo de aceitar a fundamentação do despacho ora impugnado. A tese em que o despacho reclamado se abona é, de resto, a solução que é postulada pela natureza incidental do processo de fiscalização concreta de constitucionalidade. Na verdade, trata-se de uma “espécie de incidente” corporizado em um recurso que tem por objecto imediato a apreciação de (in)constitucionalidade de norma de direito infraconstitucional que tenha constituído fundamento normativo da decisão proferida no acto judicial recorrido e não de recurso tendente a sindicar esse acto judicial em si próprio ou com base em diversos outros fundamentos possíveis em direito.».
7 – Entretanto, posteriormente à dedução da aludida reclamação, veio o recorrente apresentar o requerimento a fs. 501 e segs. cujo teor, como dele se colhe, é totalmente alheio às questões conhecidas no recurso.
B – Fundamentação
8 – Do relatado constata-se que o Acórdão n.º 535/2004, proferido pelo Tribunal Constitucional, transitou em julgado e, por virtude do aí decidido, que também o seu Acórdão n.º 317/2004 igualmente transitou em julgado.
É manifesto que o recorrente pretende através do requerimento a que se refere o n.º 7 supra obstar ao cumprimento da decisão proferida no recurso de constitucionalidade interposto. Ora, os tribunais não podem pactuar com utilizações abusivas dos meios processuais, bem flagrantes no caso aqui em apreço face ao relatado. Impõe-se, por isso, o uso dos poderes conferidos pelos art.ºs 720º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 84º, n.º 8, da Lei do Tribunal Constitucional.
C – Decisão
9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide que:
a) se extraia traslado de todo o processo e desta decisão; b) sejam os autos remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa; c) só depois de pagas as custas em dívida seja aberta conclusão no traslado para apreciação do requerimento referido no n.º 7 supra e de outros requerimentos que o recorrente venha a apresentar.
Lisboa, 19 de Outubro de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos