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Proc. 422/04
3ª Secção Rel. Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., advogado em causa própria, reclamou, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho de 2 de Março de 2004, do Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Ovar (fls. 74/76), na acção com processo sumaríssimo que lhe é movida por B., que não admitiu o recurso que interpusera da decisão de 10 de Fevereiro de 2004, na parte em que foi julgada improcedente uma excepção dilatória e desatendida a arguição de nulidade da citação.
No requerimento de interposição do recurso (fls. 72), o reclamante disse que o recurso é “circunscrito à inconstitucionalidade do artigo 152º, n.º 6 do CPC e à interpretação normativa conferida a esse artigo na decisão proferida, a qual está em desconformidade com os princípios da igualdade (perante a lei e através da lei), confiança jurídicas e da justiça do nosso sistema jurídico, estabelecidos pelos artigos 13º e 17º da CRP (artigos 71º e 70º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional)”.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, por carência ostensiva de fundamento.
2. O despacho sob reclamação, que refere com exactidão as ocorrências processuais relevantes para o que agora cumpre decidir, é do seguinte teor:
“1. 04/02/2004, o Réu A., sob o pretexto de que o duplicado da petição inicial – que lhe foi entregue aquando da sua citação para a presente acção sumaríssima –
«não indica o domicílio profissional do mandatário» do Autor, nem «está assinado», invocou uma pretensa «excepção dilatória» e arguiu a nulidade da citação (fls. 57/58).
2. Por despacho de 10/02/2004 ( fls. 65/66, al. A) ), foi julgada improcedente a invocada excepção dilatória e indeferida a arguida nulidade da citação.
3. Inconformado com essa decisão, veio o Réu, a fls. 72, dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional, «circunscrito à inconstitucionalidade do artigo
152°, n° 6 do CPC e à interpretação normativa conferida a esse artigo na decisão proferida». Como fundamento desse recurso, fez apelo aos arts. 70°, n° 1, al. b), e 71° da Lei n° 28/82, de 15/11 (são deste Diploma os demais preceitos a citar sem menção expressa de proveniência) e alegou, designadamente, que «não teve oportunidade processual de suscitar a questão da inconstitucionalidade invocada antes da decisão» recorrida.
4. De acordo com o preceituado no art. 70°, n° 1, al. b ), cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que «apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo » ( sublinhámos ). E o art. 72°, n° 2 determina que, nesse caso, o recurso só pode ser interposto « pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade (...) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. em termos de este estar obrigado a dela conhecer » ( o sublinhado é nosso ). Da conjugação dos citados normativos resulta, por conseguinte, que um dos requisitos da admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional é o de a decisão recorrida ter aplicado uma norma cuja inconstitucionalidade é suscitada pela parte. Na situação vertente, o apontado requisito mostra-se preenchido, uma vez que na decisão mencionada em 2. foi aplicada a norma do art. 152°, n° 6 do C.P.C., ou seja, foi aplicada a norma cuja inconstitucionalidade o Réu invoca no seu requerimento de fls. 72. O segundo pressuposto da admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional, como resulta dos referidos arts. 70°, n° 1, al. b) e 72°, n° 2,
é o de a parte ter suscitado a questão da inconstitucionalidade da norma antes de ter sido proferida a decisão recorrida. Por outras palavras: exige-se que a parte tenha suscitado a questão da inconstitucionalidade da norma antes de ser proferida a decisão para que foi convocada tal norma.
5. No caso ajuizado, a decisão recorrida é o despacho mencionado em 2., que julgou improcedente a excepção dilatória invocada pelo Réu e indeferiu a arguida nulidade da citação. Nesse despacho foi aplicada a norma do art. 152°, n° 6 do C.P .C.. Logo, o Réu deveria ter invocado, se assim o entendesse, a questão da inconstitucionalidade dessa norma antes de ter sido proferida tal decisão. Ou seja: deveria ter invocado a questão da inconstitucionalidade do art. 152°, n° 6 no requerimento que apresentou em 04/02/2004 ( fls. 57/58 ). Simplesmente, não o fez.
É certo que o Réu alega que « não teve oportunidade processual de suscitar a questão da inconstitucionalidade invocada antes da decisão » recorrida. Porém, a sua argumentação não merece acolhimento. Com efeito, tendo o Réu invocado, a fls. 57/58, uma pretensa excepção dilatória e a nulidade da citação – com fundamento em que o duplicado da petição inicial
(que lhe foi entregue aquando da sua citação para a presente acção sumaríssima)
«não indica o domicílio profissional do mandatário» do Autor, nem «tá assinado»
–, é incontroverso que a aplicação, no despacho que decidiu tal requerimento, da norma do art. 152°, n° 6 do C.P.C. era absolutamente previsível. Assim, a aplicação dessa norma não constituiu para o Réu qualquer surpresa. Nem essa norma foi aplicada no despacho recorrido com qualquer interpretação insólita ou extravagante com que o Réu não pudesse contar . Bem pelo contrário: a norma do art. 152°, n° 6 do C.P.C. foi aplicada em consonância com o seu próprio sentido literal. Por conseguinte, dúvidas não podem subsistir de que era exigível ao Réu que tivesse suscitado a questão da inconstitucionalidade da aludida norma antes de proferida a decisão recorrida. Não o tendo feito, é inadmissível o recurso para o Tribunal Constitucional interposto pelo Réu a fls. 72.
6. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, não admito o recurso interposto pelo Réu A. para o Tribunal Constitucional, indeferindo-se, assim, o requerimento de fls. 72 ( art. 76°, nºs 1 e 2).”
3. Como se considerou no despacho reclamado, é pressuposto específico do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC que a questão de constitucionalidade tenha sido suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (cfr. artigo 72º, n.º 2, da LTC). O reclamante não contesta o entendimento que o juiz a quo fez desta regra. Diverge, apenas, na parte em que este entendeu, rechaçando alegação do requerimento de interposição do recurso, que o reclamante teve oportunidade processual de suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão de que recorre.
Efectivamente, a jurisprudência deste Tribunal, num entendimento funcional daquela regra, tem ressalvado “situações excepcionais, anómalas, nas quais o interessado não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final”. Nessas situações a referida regra tem de ser afastada por não se verificar o pressuposto que a justifica. É o que sucede quando, pela natureza insólita ou surpreendente da interpretação ou da aplicação da norma em causa efectuada pela decisão recorrida, não era exigível ao recorrente que contasse com ela (cfr., a título de exemplo, Acórdão n.º 120/02, Diário da República, II Série, de
15/5/2002).
O réu, ora reclamante, apresentou um requerimento, retirando do facto de o duplicado da petição que lhe fora entregue com a citação não indicar
“o domicílio profissional do mandatário judicial da autora e não estar assinado, ignorando se no original também faltam esses requisitos ou não”, argumento para sustentar que se verificava uma excepção dilatória [indevido recebimento da petição pela secretaria: artigos 467º, n.º 1, alínea b) e 474º, alíneas c) e g) do CPC] e a nulidade da falta de citação [artigo 198º, n.º 1, do CPC].
Questionando o réu a regularidade formal de um acto da parte contrária por alegado incumprimento, no duplicado que lhe foi entregue, de um requisito externo legalmente imposto, deveria razoavelmente contar com a aplicação das normas que disciplinam a prática de actos dessa espécie, designadamente, os relativos à remessa das peças processuais a juízo e à exigência de duplicados
(artigos 150º e 152º do CPC). Assim, a aplicação destas normas não teria, normalmente, caracter inesperado.
Sucede, porém, que o despacho em causa aplicou a norma do n.º 6 do artigo 152º, mas na redacção que o preceito tinha anteriormente à alteração resultante do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro.
Com efeito, no despacho de fls. 65 – despacho de que se pretende recorrer – considerou-se «que a parte que apresente o articulado em suporte digital,
“acompanhado de cópia de segurança”, “fica dispensada de oferecer os duplicados, devendo a secretaria extrair tantos exemplares quantos os duplicados previstos nos números anteriores”». Ora, essa não era a redacção vigente do referido preceito, quer à data da propositura da acção (8 de Janeiro de 2004), quer à data daquele despacho (10 de Fevereiro de 2004). O artigo 150º e o artigo 152º do CPC, relativos à apresentação das peças processuais e à exigência de duplicados, tinham sofrido alteração substancial, que estava em vigor desde 1 de Janeiro de 2004 (cfr. artigos 5º e 16º do Decreto-Lei n.º 143/2003). Houve modificação do conteúdo dispositivo e renumeração desses preceitos. O n.º 6 do artigo 152º passou a conter matéria nova – ao menos em termos de previsão expressa, adaptando o sistema ao facto de deixar de ser obrigatória a apresentação das peças processuais em suporte digital (obrigação que, aliás, nunca foi efectiva – cfr. artigo 7º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, artigo 1º do Decreto-Lei 320-B/2002, de 30 de Dezembro e n.º 5, do artigo 15º do Decreto-Lei n.º 243/2003) – estabelecendo o dever de as partes representadas por advogado facultarem ao tribunal, quando solicitadas, um ficheiro informático contendo as peças processuais escritas apresentadas em suporte de papel. A matéria anteriormente regulada no n.º 6 passou a ser regulada no n.º 7 do mesmo artigo 152º, mas este deixou de fazer referência expressa à apresentação das peças processuais em “suporte digital” – entendido como um meio de registo ou armazenamento de dados, por via magnética ou óptica
–, prevendo a dispensa de oferecimento de duplicados para a parte “que proceda à apresentação da peça processual através de correio electrónico ou outro meio de transmissão electrónica de dados”.
Assim, pelo menos, é duvidoso que, no que para o caso interessa (a apresentação da petição inicial em diskette), a norma do anterior n.º 6 coincida com a do actual n.º 7 do artigo 152º do CPC.
Ora, apesar de não caber na competência do Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre qual o direito infra-constitucional aplicável ou a sua melhor interpretação, compete-lhe apreciar e decidir, em última instância, sobre a verificação dos pressupostos dos recursos para si interpostos. O que implica, sendo o caso, ajuizar do caracter “inesperado” da aplicação de determinada norma ou do sentido “insólito” com que é interpretada, para os restritos efeitos de decidir se houve incumprimento do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade a essa norma referida.
Assim, nas circunstâncias descritas, não sendo previsível a aplicação da norma do n.º 6 do artigo 152º do Código de Processo Civil na redacção que este preceito tinha anteriormente às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º
324/2003, não se justifica a não admissão do recurso por falta do requisito da suscitação prévia da respectiva questão de constitucionalidade.
4. Todavia, o Tribunal Constitucional, devendo decidir definitivamente quanto à admissibilidade do recurso (cfr. n.º 4 do artigo 77º da LTC), não está impedido de concluir pela sua não admissão com qualquer outro fundamento que, nos termos do n.º 2 do artigo 76º da LTC, pudesse ter sido considerado pelo autor do despacho reclamado.
Ora, no caso, o recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, afigura-se “manifestamente infundado”, o que é também causa de indeferimento do requerimento de interposição e, portanto, de improcedência da reclamação, como passa a demonstrar-se.
5. O recorrente imputa à norma em causa – o n.º 6 do artigo 152º do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 143/2003, no segmento em que dispensa a parte que apresente a petição inicial em suporte digital acompanhado de cópia de segurança, de oferecer os duplicados legais –
“desconformidade com os princípios da igualdade (perante a lei e através da lei), confiança jurídicas e da justiça do nosso sistema jurídico, estabelecidos pelos artigos 13º e 17º da CRP”.
5.1. Quanto ao princípio da igualdade é de toda a evidência que a norma assim interpretada não viola tal princípio.
Como se escreveu, por exemplo, no Acórdão 200/2001 (Diário da República, II série, de 27 de Junho de 2001):
“10. É sabido que o princípio da igualdade, tal como tem sido entendido na jurisprudência deste Tribunal, não proíbe ao legislador que faça distinções. Proíbe apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objectivos e relevantes. É esta, aliás, uma formulação repetida frequentemente por este Tribunal (cf., por exemplo, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 39/88, 325/92, 210/93, 302/97, 12/99 e
683/99, publicados, nos ATC, respectivamente, vol. 11º, pp. 233 e ss.,vol. 23º, pp. 369 e ss., vol. 24º, pp. 549 e ss., vol. 36º, pp. 793 e ss., e no DR, II Série, de 25 de Março de 1999, e de 3 de Fevereiro de 2000). Como princípio de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, tolera, pois, o princípio da igualdade a previsão de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante. Ao impor ao legislador que trate de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual, esse princípio supõe, assim, uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista. E, justamente, a perspectiva pela qual se fundamenta essa desigualdade, e, consequentemente, a justificação para o tratamento desigual, não podem ser arbitrárias. Antes tem de se poder considerar tal justificação para a distinção como razoável, constitucionalmente relevante. O princípio da igualdade apresenta-se, assim, como um limite à liberdade de conformação do legislador. Como se salientou no Acórdão n.º 425/87 (ATC, vol.
10º, pp. 451 e ss.).
'O âmbito de protecção do princípio da igualdade abrange diversas dimensões: proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação pelos poderes públicos de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 2ª ed., Coimbra, 1984, pp. 149 e segs.). A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo do controlo. Todavia, a vinculação jurídico-material do legislador a este princípio não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só existe violação do princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio quando os limites externos da discricionariedade legislativa são afrontados por carência de adequado suporte material para a medida legislativa adoptada. Por outro lado, as medidas de diferenciação devem ser materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade, não se baseando em qualquer razão constitucionalmente imprópria.”
A dispensa de apresentação de duplicados à parte que apresente os articulados em suporte informático acompanhado de cópia de segurança, pondo a cargo da secretaria a tarefa de extrair os duplicados necessários, estabelece uma diferenciação de tratamento, relativamente a quem use suporte de papel, que não é arbitrária. Tem fundamento racional, além do interesse geral de fomento do uso das novas tecnologias e da modernização dos meios e métodos de trabalho, nas vantagens que para o funcionamento do serviço público de administração da justiça (em sentido lato) apresenta a disponibilidade imediata de um ficheiro informático, designadamente para ulteriores actos que impliquem tratamento de texto.
5.2. Também não tem resquícios de razoável sustentabilidade a afirmação de que o regime do n.º 6 do artigo 152º é susceptível de violar os princípios da confiança jurídica e da justiça que o reclamante, embora erradamente os refira ao artigo 13º da Constituição – também invoca no requerimento de interposição do recurso.
Com efeito, o que o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, postula é um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia normal e razoavelmente contar (cfr. inter alia, os Acórdãos nºs. 303/90 e 625/98, publicados no Diário da República, II Série, de
26 de Dezembro de 1990 e 18 de Março de 1999, respectivamente). Por outro lado, o Tribunal tem considerado que «uma norma jurídica apenas violará o princípio da protecção da confiança do cidadão, ínsito no princípio do Estado de direito, se ela postergar de forma intolerável, arbitrária, opressiva ou demasiado acentuada aquelas exigências de confiança, certeza e segurança que são dimensões essenciais do princípio do Estado de direito» e que o «princípio do Estado de direito democrático (...) é um princípio cujos contornos são fluidos (...), pelo que tem um conteúdo relativamente indeterminado» (Cfr. Acórdão n.º 237/98, Diário da República, II Série, de 17 de Junho de 1998). Tais características
«sempre inspirarão prudência ao intérprete e convidá-lo a não multiplicar, com apoio nesse princípio, as ilações de inconstitucionalidade».
Ora, não se vê que direito ou expectativa legitimamente fundada de uma das partes em processo civil possa ser lesada pelo facto de a outra parte ser dispensada de apresentar os duplicados dos articulados.
Admite-se que o reclamante tenha em mente a incerteza – melhor, a não aquisição imediata de certeza, face aos termos do acto, por si só – em que pode ficar o citado quanto ao cumprimento desse requisito e, eventualmente, da exigência de patrocínio judiciário, perante uma cópia da petição que lhe é entregue no acto da citação não assinada e sem indicação do mandatário do autor.
Mas também por aí a arguição de inconstitucionalidade está condenada ao insucesso, ainda que porventura se contrastasse a norma com parâmetros constitucionais mais densificados, designadamente com o direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição. Na verdade, além de essa consequência não ser um efeito resultante da norma do n.º 6 do artigo 152º (na redacção considerada que é a anterior ao Decreto-Lei n.º
243/2003, lembramos), mas da sua conjugação com os termos em que a citação seja efectuada ou em que a secretaria cumpra o dever de extrair o duplicado, sempre se trataria de uma situação de incerteza passageira e facilmente removível pela consulta do processo, insusceptível de comprometer a defesa dos direitos e interesses legítimos do demandado.
Em conclusão: o recurso de constitucionalidade interposto pelo requerimento de fls. 72 não deve ser admitido, por ser manifestamente infundado
(artigo 76º, n.º 2, da LTC).
6. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação, mantendo a decisão que não admitiu o recurso, embora com fundamentação não coincidente com a adoptada no despacho reclamado.
Custas pelo reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) Ucs.
Lisboa, 5 de Maio de 2004
Vítor Gomes Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida