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Proc. 420/04
1.ª Secção Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A. pretende recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça em 11 de Março de 2004 pelo qual, em suma, foi condenado na pena única conjunta de 13 anos e 3 meses de prisão. Invoca o seguinte:
1. Este recurso visa a fiscalização concreta da constitucionalidade dos arts.
41° e 71°, ambos do Código Penal e art. 30º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
2. O arguido/recorrente tem legitimidade para recorrer nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 e do n.º2 do art. 72° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
3. O recurso é tempestivo e interposto para o Tribunal Constitucional ao abrigo do n.º1 do art. 75° e da alínea b) do n.º 1 do art. 70° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional e da alínea b) do art. 280° da Constituição da República Portuguesa.
4. O arguido/recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade dos normativos ínsitos nos artigos 41° e 71° ambos do Código Penal e 30º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa na interpretação que lhes é dada pelo Tribunal a quo, pois este ao determinar concretamente as penas parcelares dos crimes dados como preenchidos, não avaliou correctamente as finalidades das penas, definidas nos arts. 40°, nº 1, e 71°, nº 1, ambos do Código Penal e 30°, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, além de não ter ponderado elementos relevantes para a respectiva fixação concreta.
5. Definem os normativos citados que são finalidades das penas a punição do agente, e a reinserção deste na sociedade.
6. O Tribunal a quo não teve em consideração, para prosseguimento cumulativo da dúplice finalidade das penas, os seguintes elementos: a idade do recorrente de
65 anos; a ausência de antecedentes criminais; a integração social e familiar do recorrente e o quadro específico em que os actos criminalmente relevantes foram praticados.
7. Quanto ao crime de homicídio pelo qual o arguido foi condenado, a pena de 12 anos de prisão se afigura excessiva pois, ao não contemplar os elementos referidos, corresponde a uma pena perpétua, sem a possibilidade de o recorrente voltar a ser inserido na sociedade de forma eficaz, postergando as finalidades de prevenção especial da pena, pelo que não deveria ter sido aplicada pena superior a 9 anos de prisão.
8. Quanto ao crime de homicídio, na forma tentada, pelo qual o arguido foi condenado a pena de 4 anos é desproporcionada às consequências reais dos actos praticados pelo recorrente, dado que não sofreu o arguido/vítima B. mais do que
60 dias de doença e não ficou com quaisquer sequelas, pelo que não deveria, em concreto, ter sido aplicada uma pena superior a 3 anos de prisão.
9. Se o tribunal a quo não tivesse tido uma interpretação inconstitucional dos normativos referidos no ponto 4 do presente requerimento, a pena única a determinar não seria superior a 10 anos de prisão, por forma a permitir a realização das finalidades de reinserção social do recorrente, não só através do cumprimento integral da pena, como da possibilidade de concessão de liberdade condicional.
10.A pena única deve permitir a devolução do recorrente à liberdade e não, como no presente caso, constituir como que uma pena de prisão perpétua.
11. Deste modo, para a prossecução das finalidades de prevenção geral, no sentido positivo de reintegração do recorrente na Sociedade, o Tribunal a quo deveria ter interpretado os normativos ínsitos nos artigos 41° e 71° ambos do Código Penal e 30º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa de forma diversa, com a consequente aplicação de uma pena única nunca superior a 10 anos de prisão.
12.A interpretação de tais normativos que lhes foi dada no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça viola o preceito constitucional plasmado no art. 30°, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
13. Questão que foi devida e fundamentadamente suscitada neste processo perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida.
14. O presente recurso sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto no art. 78° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
Em 02 de Abril de 2004 decidiu-se, no Tribunal Constitucional, com base nos artigos 76º n. 3 e 78º-A n. 1 da LTC, não conhecer do objecto do recurso por decisão sumária do seguinte teor:
Conforme o Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente, o controlo de constitucionalidade que, nos recursos das decisões dos outros tribunais, lhe é atribuído só pode ter por objecto normas jurídicas aplicadas em tais decisões, ou normas jurídicas cuja aplicação tenha sido recusada com fundamento em inconstitucionalidade, pois as decisões judiciais, consideradas em si mesmas, não são objecto de tal fiscalização. Isto é; os recursos de decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são restritos à questão de inconstitucionalidade ou da ilegalidade suscitada (n. 1 do artigo 71º da LTC). Ora quando o recorrente, no transcrito requerimento, afirma pretender ver apreciada “a constitucionalidade dos normativos ínsitos nos artigos 41° e 71° ambos do Código Penal e 30º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa na interpretação que lhes é dada pelo Tribunal a quo,” está efectivamente a questionar a própria decisão jurisdicional condenatória, pois o vício que lhe corresponde reporta-se ao processo de aplicação da norma e não a uma determinada interpretação normativa. É o que patentemente resulta da caracterização ensaiada no recorte da questão: “pois este [o Supremo Tribunal de Justiça] ao determinar concretamente as penas parcelares dos crimes dados como preenchidos, não avaliou correctamente as finalidades das penas, definidas nos arts. 40°, nº1, e 71°, nº1, ambos do Código Penal e 30°, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, além de não ter ponderado elementos relevantes para a respectiva fixação concreta.”
É, pois, patente que o recorrente visa impugnar a decisão em si mesma considerada, actividade que não cabe no recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC, como é o presente.
Contra o assim decidido reclama agora o recorrente nos seguintes termos:
“... 5. A decisão sumária (...) diz-nos o seguinte:
“Ora, quando o recorrente, no transcrito requerimento, afirma pretender ver apreciada “a constitucionalidade dos normativos ínsitos nos artigos 41° e 71° ambos do Código Penal e 30º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa na interpretação que lhes é dada pelo Tribunal a quo está efectivamente a questionar a própria decisão jurisdicional condenatória, pois o vicio que lhe corresponde reporta-se ao processo de aplicação da norma e não a uma determinada interpretação normativa.”
6. Ora, o período supra transcrito da decisão sumária de que ora se reclama, demonstra uma incompreensão face ao requerimento de interposição do recurso deduzido pelo recorrente, porquanto a questão cuja inconstitucionalidade se pretende que este Tribunal aprecie é a interpretação dada pelo Tribunal a quo dos normativos ínsitos nos artigos 41° e 71°, ambos do Código Penal.
7. Pois, a interpretação de tais normativos acolhida pelo Tribunal a quo consubstancia uma clara violação do plasmado no n. 1, do art. 30º, da Constituição da República Portuguesa.
8. Na verdade, o Tribunal a quo não teve em consideração, para prosseguimento cumulativo da dúplice finalidade das penas (a punição do agente, e a reinserção deste na sociedade), os seguintes elementos:
- a idade do recorrente de 65 anos;
- a ausência de antecedentes criminais;
- a integração social e familiar do recorrente;
- e o quadro específico em que os actos criminalmente relevantes foram praticados.
9. Com efeito, o Tribunal a quo ao violar o preceito constitucional acima mencionado da forma como o fez, aplicou ao recorrente, na prática, uma pena perpétua, sem a possibilidade de o mesmo voltar a ser inserido na sociedade de forma eficaz, postergando deste modo as finalidades de prevenção especial da pena, pelo que não deveria ter sido aplicada pena superior a 10 anos de prisão.
10. Esta questão foi devida e fundamentadamente suscitada quer no Tribunal da Relação de Coimbra, quer no Tribunal a quo, inserindo-se aquela no âmbito do recurso a que alude a alínea b), do n.º 1 do art. 70° da L.T.C. e nos poderes de cognição deste Tribunal vertidos no art. 79°-C do mesmo diploma.”
Sobre esta reclamação diz o representante do Ministério Público:
“1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente, confirmando, por inteiro, a conclusão tirada na decisão reclamada.
2 – Na verdade, o reclamante não pretende ver questionado qualquer critério normativo, de cariz generalizante, aplicável pela decisão recorrida, mas tão-somente ver apreciado, no seu casuísmo, indissociável das particularidades específicas do caso concreto, a determinação da medida concreta da pena aplicada ao arguido.
3 – Matéria que – como é evidente – extravasa o plano do controlo normativo da constitucionalidade cometido ao Tribunal Constitucional.”
Decidindo, cumpre começar por reconhecer que, na verdade, a reclamação nada adianta aos argumentos já expostos pelo recorrente, no seu requerimento de interposição do recurso, a propósito da questão que pretende submeter a julgamento deste Tribunal.
O problema reside na circunstância de o objecto do recurso surgir delineado, no requerimento de interposição, como uma questão de desconformidade constitucional do resultado decisório adoptado no acórdão recorrido; com efeito, na opinião do recorrente, o Tribunal recorrido deveria ter aplicado a doutrina dos artigos 41° e 71° do Código Penal tendo em atenção o disposto no n. 1 do artigo 30º da Constituição, o que levaria a que a pena aplicada ao recorrente não podia exceder 10 anos de prisão. Está assim em causa a determinação da medida concreta da pena aplicada ao recorrente, como bem detectou o Ministério Público, na sua resposta.
Ora, a verdade é que ao Tribunal Constitucional não é permitido sindicar a conformidade constitucional das decisões judiciais, mas apenas lhe é lícito proceder, no domínio da fiscalização concreta, ao controlo da constitucionalidade das normas aplicadas nas decisões recorridas como sua ratio decidendi.
Subsistem, portanto, os motivos que fundamentaram o despacho reclamado. Por esta razão decide-se negar provimento à reclamação, confirmando a decisão de não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UC.
Lisboa, 11 de Maio de 2004
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos