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Processo n.º 787/02
2.ª Secção Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
Em acção de divórcio litigioso proposta por A. contra B., este veio requerer a concessão de apoio judiciário, sem referir, no respectivo requerimento, os seus bens e rendimentos. Por despacho do juiz do Tribunal de Família e de Menores de Coimbra, de 29 de Novembro de 1999 (fls. 33 do processo principal, fls. 18 destes autos), foi determinada a notificação do réu para, em 5 dias, referir expressamente os seus rendimentos e encargos, sob pena de indeferimento liminar desse pedido.
Por requerimento apresentado em 16 de Dezembro de 1999
(fls. 34 do processo principal, fls. 20 destes autos), o réu veio solicitar a prorrogação desse prazo por 10 dias, o que foi indeferido por despacho de 4 de Janeiro de 2000 (fls. 37 e verso do processo principal, fls. 23 e 24 destes autos), que igualmente indeferiu a concessão de apoio judiciário.
Deste despacho interpôs o réu, em 21 de Janeiro de 2000
(fls. 39 do processo principal, fls. 26 destes autos), recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra, mas, por despacho do subsequente dia 25 (fls. 41 do processo principal, fls. 28 destes autos), foi determinada a notificação do réu para constituir mandatário.
Contra este despacho interpôs o réu, em 10 de Fevereiro de 2000 (fls. 42 do processo principal, fls. 29 destes autos), recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo, por despacho de 28 de Fevereiro de 2000
(fls. 43 do processo principal, fls. 30 destes autos), sido determinado que o recurso não tivesse seguimento, por não ter sido constituído mandatário, quando tal era obrigatório, após o que se proferiu despacho saneador.
Por despacho de 27 de Março de 2000 (fls. 49 do processo principal, fls. 35 destes autos), foi admitido o rol de testemunhas oferecido pela autora e ordenado o desentranhamento, por extemporaneidade, do requerimento de fls. 45 a 47 do processo principal (fls. 40 a 42 destes autos), apresentado pelo réu em 22 de Março de 2000, em que arguia nulidades, requeria reforma e interpunha recurso do despacho de 28 de Fevereiro de 2000, e oferecia prova.
Contra este despacho o réu interpôs, em 14 de Abril de
2000 (fls. 54 e 55 do processo principal, fls. 36 e 37 destes autos), agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra, mas, por despacho de 27 de Abril de 2000
(fls. 56 do processo principal, fls. 38 destes autos), o respectivo requerimento foi considerado sem efeito por o réu não haver constituído mandatário.
Por requerimento apresentado em 3 de Maio de 2000 (fls.
57 do processo principal, fls. 39 destes autos), o réu veio arguir a nulidade do desentranhamento dos documentos de fls. 45 a 48 efectuado pela secretaria sem que houvesse transitado o despacho que o determinara, e requerer a gravação dos depoimentos prestados na audiência de julgamento. Por despacho de 5 de Maio de
2000 (fls. 62 do processo principal, fls. 44 destes autos), foi a arguição de nulidade considerada sem efeito por o réu, apesar de sucessivas advertências para o fazer, não haver constituído mandatário, e foi a gravação dos depoimentos indeferida por estar há muito ultrapassado o prazo estipulado no artigo 512.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
Realizada audiência de julgamento, foi, por sentença ditada para a acta, em 10 de Maio de 2000 (fls. 70 a 73 do processo principal, fls. 51 a 57 destes autos), a acção julgada totalmente procedente e decretado o divórcio, declarando-se o réu único culpado.
Por requerimento apresentado em 15 de Maio de 2000 (fls.
74 do processo principal, fls. 58 destes autos), o réu veio interpor recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra contra o despacho de 27 de Abril de 2000, tendo, por despacho de 16 de Maio de 2000 (fls. 76 do processo principal, fls. 60 destes autos), sido considerado que esse recurso ficaria sem efeito se o réu - que, apesar de sucessivas advertências, continuava a praticar actos que impõem a intervenção de advogado - não juntasse procuração em 5 dias.
Em 25 de Maio de 2000, o réu apresentou novo requerimento (fls. 83 do processo principal, fls. 62 destes autos), por si subscrito, a interpor recurso do despacho de 5 de Maio de 2000. Por despacho de
29 de Maio de 2000 (fls. 84 do processo principal, fls. 63 destes autos) foi determinado - atendendo a que “o réu já foi por inúmeras vezes advertido de que
é obrigado a constituir mandatário” e que “num total alheamento do que é ordenado no processo, continua a insistir na junção de requerimentos onde levanta questões de direito” - que, “antes de mais, nada se aprecia enquanto não for junta a procuração, como ordenado”.
Tendo, nesse mesmo dia 29 de Maio de 2000, o réu apresentado requerimento a constituir mandatário (fls. 85 do processo principal, fls. 64 destes autos), por despacho de 31 de Maio de 2000 (fls. 87 e
88 do processo principal, fls. 66 a 68 destes autos): (i) foram admitidos os recursos de agravo interpostos, pelo requerimento de fls. 74, na parte referente aos despachos de fls. 56 (despacho de 27 de Abril de 2000), de fls. 62 (despacho de 5 de Maio de 2000, mas apenas na parte relativa ao indeferimento de gravação de audiência) e de fls. 84 (despacho de 29 de Maio de 2000, parte final), aos quais foi fixado o regime de subida diferida, com o primeiro que depois deles houvesse de subir imediatamente (artigo 735.º do CPC); (ii) foi admitido o recurso de apelação interposto da sentença, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo; e (iii) indeferida a “ratificação”, solicitada no dito requerimento de fls. 85, dos anteriores requerimentos considerados sem efeito, por estas decisões já haverem transitado em julgado.
Em 2 de Outubro de 2000, o réu apresentou alegações
(fls. 2 a 4 destes autos), em que conclui pedindo que as decisões de fls. 41,
43, 49, 56, 62, 76, 87 verso e 88 do processo principal, “na parte em que fez depender a pretensão do réu da constituição de advogado, podem e devem ser revogadas e substituídas por outra que nomeie o patrono ao interessado ou, em alternativa, admita os recursos interpostos a fls. 41 e 43 dos autos, nos termos do disposto nos artigos 24.º, 32.º e 39.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º
387-B/87”. Para tanto aduziu que: (i) o juiz a quo considerou sem efeito os requerimentos do réu de fls. 39, 42, 45-48, 54-55 e 57 do processo principal, por julgar obrigatória a constituição de advogado, apesar de se encontrar ainda pendente o pedido de nomeação de patrono formulado em 24 de Novembro de 1999, tendo do indeferimento dessa pretensão sido interposto recurso, o que impediu o trânsito em julgado desse indeferimento; (ii) é certo que esse recurso não foi admitido pelo juiz a quo, mas o réu interpôs também recurso dessa decisão; (iii) como entretanto fora realizada audiência de julgamento, o réu, à cautela, constituiu mandatário, embora sob protesto, pelo que cessaram os obstáculos à admissão dos recursos interpostos a fls. 39 e 42.
No Tribunal da Relação de Coimbra, o Desembargador Relator, por despacho de 23 de Janeiro de 2001 (fls. 70), determinou a notificação do recorrente para apresentar conclusões da sua alegação, com a esperança de que das mesmas pudesse resultar a dilucidação das dúvidas sobre quais os despachos (ou partes dos despachos) recorridos.
O recorrente apresentou, em 15 de Fevereiro de 2001, as conclusões da sua alegação (fls. 72 e 73), mas, por despacho do Desembargador Relator, de 13 de Março de 2001 (fls. 76), foi determinado o seu desentranhamento por extemporaneidade. Nesse mesmo despacho decidiu-se não conhecer do objecto dos recursos, com a seguinte fundamentação:
“Como resulta das alegações do agravante, não constam as respectivas conclusões.
Mesmo as alegações estão tão deficientes que delas não decorre com segurança quais os despachos impugnados pelo agravante, não estando devidamente fundamentada tal impugnação.
E era necessário ainda formular as conclusões em que se indicassem os fundamentos do recurso de forma mais abreviada do que na alegação.
Como há uma total ausência de conclusões nas alegações do agravante e não as apresentou atempadamente, apesar de notificado nos termos do artigo
690.º, n.º 4, do CPC, decido não conhecer do objecto dos seus recursos a que respeitam estes autos, julgando-os findos (artigos 700.º, n.º 1, alínea e), e
701.º, n.º 1, do mesmo Código).”
Deste despacho reclamou o recorrente para a conferência
(fls. 79 a 82), considerando que o recurso devia ter subido nos próprios autos, por nele se impugnar despacho que denegara apoio judiciário, o que permitiria afastar quaisquer dúvidas quanto ao seu objecto, que era irrelevante o facto de as conclusões terem sido apresentadas para além do prazo de 10 dias, e que, visando o recurso a impugnação de despachos que não haviam admitido anteriores recursos, nos termos do artigo 688.º, n.º 5, do CPC, “se, em vez de reclamar, a parte impugnar por meio de recurso qualquer dos despachos a que se refere o n.º
1, mandar-se-ão seguir os termos próprios da reclamação”, pelo que também nesta perspectiva é inaplicável o disposto no artigo 690.º, n.º 4, do CPC. Termina requerendo a revogação do despacho reclamado e a requisição dos autos principais ao tribunal a quo.
Por acórdão de 2 de Outubro de 2001 (fls. 98 a 100), o Tribunal da Relação de Coimbra indeferiu a reclamação e confirmou o despacho reclamado. Nesse acórdão começa por referir-se que, no processo de divórcio em causa, o réu interpôs recursos de vários despachos que versaram sobre matérias diversas como “indeferimento de prorrogação de prazo e do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono; exigência de procuração passada pelo réu; admissão de rol de testemunhas, extemporaneidade de requerimento e designação de dia para audiência; despacho a ordenar não seguimento de recurso; impedimento de o réu intervir em audiência; indeferimento de gravação de prova”
(n.º 1 do acórdão). E após se relatarem as vicissitudes processuais ocorridas já no Tribunal da Relação (convite à formulação de conclusões das alegações, sua apresentação extemporânea, despacho a determinar o seu desentranhamento e a decidir não conhecer do recurso, fundamentos da reclamação deste despacho), ponderou-se:
“6 – Para o conhecimento, ou não, de qualquer dos recursos mencionados nestes autos, há apenas que ver as alegações inicialmente apresentadas (em 2 de Outubro de 2000, fls. 2 a 4).
Para o seguimento de um recurso é necessário haver alegações do recorrente, em que indicará os motivos da discordância em relação ao decidido, indicação que deverá ser clara, inequívoca e esclarecedora das suas pretensões.
Na falta de alegações, o recurso será julgado deserto, nos termos do artigo 690.º, n.º 3, do CPC.
Face ao n.º 1 deste artigo, «o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão».
Como escreve Rodrigues Bastos, em anotação a tal artigo, «as conclusões destinam-se a resumir, perante o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas, em determinado sentido...».
Diz-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Fevereiro de 1993 (Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1993, tomo I, pág. 141): «as conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações»; «sem a indicação concisa e clara dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações não há conclusões, o que é motivo para não receber o recurso».
7 – Ora, as alegações de 2 de Outubro de 2000 (fls. 2 a 4) nada dizem sobre a maior parte dos recursos referidos supra no n.º 1, não indicando de forma clara e inequívoca as razões da discordância ou os motivos porque devam ser revogados os respectivos despachos. Quanto a estes, nem se pode dizer que tenha havido alegações (muito menos conclusões), não podendo conhecer-se do objecto dos respectivos recursos.
Aquelas alegações andam à volta do despacho que indeferiu a concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono (despacho de
4 de Janeiro de 2000 – fls. 37 do processo principal). No entanto, o recurso deste despacho não teve seguimento, nos termos do disposto no artigo 33.º do CPC
(fls. 43 do processo principal).
O despacho que deu sem efeito tal recurso não foi devidamente impugnado (através de reclamação, nos termos do artigo 688.º do CPC; pelo menos, tal não consta dos autos), não fazendo agora sentido as alegações pretenderem impugnar o despacho de indeferimento de apoio judiciário, cujo recurso foi dado sem efeito.
8 – De qualquer maneira, como se disse no despacho de 13 de Março de
2001, há uma total ausência de conclusões nas alegações do agravante, que, notificado nos termos do artigo 690.º, n.º 4, do CPC, não apresentou atempadamente as respectivas conclusões.
Face a tudo o exposto, acorda-se, em conferência, em confirmar aquele despacho do relator (ora reclamado), que decidiu não conhecer do objecto dos recursos a que respeitam estes autos.”
Notificado deste acórdão, o recorrente dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (requerimento de fls. 104, onde referia que ao recurso devia ser atribuído efeito suspensivo), recurso que foi admitido pelo despacho de fls. 107, que lhe fixou efeito meramente devolutivo.
As alegações desse recurso (fls. 110 a 115) terminam com a formulação das seguintes conclusões:
“a) Ao presente recurso deve ser fixado efeito suspensivo, subida imediata e nos próprios autos principais ex vi artigos 668.°, n.ºs 1, alínea b), 3 e 4,
669.°, n.ºs 2 e 3, 723.°, 741.º, 756.°, 758.°, n.° 2, e 759.° do CPC. b) O douto despacho que admitiu o presente recurso padece de nulidade por não especificar os fundamentos de facto e de direito em que se estriba para fixar o efeito devolutivo ao presente recurso. c) O douto acórdão sob recurso padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre a aplicação in casu do regime prescrito no artigo 688.°, n.° 5, do CPC, ex vi artigo 668.°, n.ºs 1, alínea b), 3 e 4, do CPC. d) O douto acórdão sob recurso padece de lapso manifesto na determinação da norma aplicável e/ou na qualificação jurídica dos factos nos termos previstos no artigo 669.°, n.ºs 2 e 3, do CPC. e) Resulta iniludível que consta dos autos toda a sucessão de actos impugnatórios que impediram o trânsito em julgado do douto despacho de fls. 23 destes autos (fls. 37 dos autos principais), ao contrário do considerado no douto acórdão sob recurso. f) O douto despacho de fls. 30 dos autos (fls. 43 do processo principal), que deu sem efeito tal recurso de fls. ..., foi devidamente impugnado através de recurso nos termos do artigo 688.°, n.° 5, do CPC, tal como consta dos autos. g) É inaplicável às alegações de fls. 2 a 4 dos autos o disposto no artigo
690.°, n.° 4, do CPC, ex vi artigo 688.°, n.° 5, do CPC. h) O douto acórdão sob recurso deverá ser revogado e substituído por outro que mande seguir o recurso em causa no Tribunal a quo os termos próprios da reclamação ex vi artigo 688.°, n.° 5, do CPC, o que requer. i) O decidido no douto acórdão sob recurso está em oposição com o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Outubro de 1993, in Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1993, tomo III, pág. 81, e no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 8 de Abril de 1980, in Boletim do Ministério da Justiça, n.° 296, pág. 334. j) O acórdão sob recurso violou as normas legais contidas nos artigos 201.°,
668.°, n.ºs 1, alíneas b) e d), 3 e 4, 669.°, n.ºs 2 e 3, 688.°, n.° 5, 723.°,
734.°, n.ºs 1, alíneas a) e d), e 2, 736.°, 740.°, n.ºs 1, 2, alínea e), e 3,
741.º, 742.°, n.° 4, 751.°, n.° 1, 756.°, 758.°, n.° 2, e 759.° do CPC e 39.° do Decreto-Lei n.º 387-B/87.”
No Supremo Tribunal de Justiça, o Conselheiro Relator proferiu, em 5 de Fevereiro de 2001, o seguinte despacho (fls. 126):
“Os agravos em 2.ª instância só têm efeito suspensivo, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 758.º do CPC.
No caso em apreço, não é aplicável o n.º 2 do artigo 740.º do CPC, pois nenhum dos requisitos aí expressamente indicados se verifica.
Efectivamente, o Sr. Juiz Desembargador relator não deferiu o pedido do agravante em declarar o efeito suspensivo ao recurso.
Se o relator não indicou o motivo de indeferimento, que só podia ser o de a execução imediata do despacho não ser susceptível de causar ao agravante prejuízo irreparável ou de difícil reparação, o certo é que o agravante não motivou o seu pedido ao nível do efeito pretendido do recurso.
No caso, a execução do despacho imediatamente não causa ao agravante prejuízo irreparável ou de difícil reparação, pois basta ter sucesso o agravo agora em apreciação para se desencadear, se o agravante tiver interesse, todo o mecanismo processual suspenso com o não recebimento dos recursos.
Por outro lado, não é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 758.º, pois o agravo em apreço não foi interposto de decisão de mérito proferida pela Relação, como se constata do acórdão recorrido.
Nada há, pois, a apontar, ao nível da censura, ao despacho de admissão do recurso e fixação do seu efeito.
Improcedem, pois, as conclusões do agravo a este respeito.”
O recorrente reclamou deste despacho para a conferência
(fls. 128 a 131), sustentando a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, quer por ter sido deduzido numa acção de divórcio litigioso, em que está em causa o estado civil das partes (artigos 723.º, 740.º, n.º 2, alínea e), e 758.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), quer por a execução imediata do despacho recorrido causar ao agravante prejuízo irreparável ou de difícil reparação (artigos 723.º, 734.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, 740.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), 756.º e 758.º, n.º 2, do CPC), não constando dos autos qualquer oposição da agravada nos termos facultados pelo disposto no artigo 740.º, n.º 3, do mesmo Código, quer por o presente recurso de agravo ter origem em sucessivos despachos que indeferiram o recurso interposto em 21 de Janeiro de 2000 (contra o despacho de 4 de Janeiro de 2000, que indeferiu a concessão de apoio judiciário), nos termos e com os efeitos previstos no artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, e referindo que “qualquer outra interpretação das normas legais em causa revela-se materialmente inconstitucional por violar o direito fundamental do interessado de acesso ao direito e aos tribunais, bem assim o princípio da legalidade”.
Por despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 31 de Maio de 2002 (fls. 138 a 140), face às dúvidas que a instrução do agravo, subido em separado, suscitava, uma vez que da respectiva certidão não constava nenhum despacho a subir imediatamente e em separado, foi solicitado ao tribunal de 1.ª instância o envio de certidão da decisão sob recurso, do requerimento para a respectiva interposição e do despacho de admissão do agravo em 1.ª instância.
Em cumprimento do assim determinado, foi junta aos autos a certidão de fls. 144 a 155, da qual resulta que o recurso foi interposto do despacho de 31 de Maio de 2000 (fls. 87 e 88 do processo principal), “na parte em que indefere o pedido de ratificação dos requerimentos considerados sem efeito por considerar que as decisões em causa já transitaram em julgado”, recurso que foi admitido como “de agravo, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo (artigos 737.º e 740.º, este a contrario sensu, do Código de Processo Civil)”.
Por acórdão de 9 de Julho de 2002 (fls. 157 a 160), o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação deduzida contra o despacho do Conselheiro Relator, com a seguinte fundamentação:
“5 – Vejamos quanto ao efeito do presente recurso.
O efeito do agravo em 2.ª instância vem expressamente previsto no artigo 758.° do CPC, que estabelece o seguinte:
«1. Têm efeito suspensivo os agravos que tiverem subido da 1.ª instância nos próprios autos e aqueles a que se refere o n.º 2 do artigo 740.°.
2. Ao agravo interposto da decisão de mérito proferido pela Relação que se impugne com fundamento exclusivamente processual é aplicável o disposto no artigo 723.°.”
Das alegações de fls. 2/3 resulta que a decisão recorrida não é a de mérito, ficando, assim arredada a aplicação do artigo 723.° do CPC, que se refere aos efeitos da revista quanto a decisões sobre o estado das pessoas. Não sendo a decisão recorrida de mérito, a regra, quanto aos agravos que não tiverem subido da 1.ª instância nos próprios autos, é a de que têm efeito devolutivo, apenas tendo efeito suspensivo nos casos do n.° 2 do artigo 740.° do CPC. Prevêem-se na alínea d) do n.° 2 do referido artigo 740.°, «os agravos a que o juiz fixar esse efeito». E, nos termos do n.° 3 do mesmo artigo 740.°, «o juiz só pode atribuir efeito suspensivo ao agravo (...), quando o agravante o haja pedido no requerimento de interposição do recurso e, depois de ouvir o agravado, reconhecer que a execução imediata do despacho é susceptível de causar ao agravante prejuízo irreparável ou de difícil reparação».
É inegável que o reclamante não motivou o seu pedido de fixação ao recurso de efeito suspensivo – cfr. fls. 148. Sobre tal matéria não foi ouvido o agravado. E também não resulta dos autos que a execução possa causar ao agravante prejuízo irreparável ou de difícil reparação. Acresce que, como já se disse, tendo presente o teor das alegações em 1.ª instância e o conteúdo do acórdão recorrido não resulta que esteja em causa o apoio judiciário, de onde não terem aplicação as regras próprias quanto ao regime de subida destes agravos. Bem decidiu, pois, o Ex.mo Conselheiro Relator, em primeira distribuição, quanto ao regime do agravo que foi admitido – fls. 126 e 127. Assim decidindo, é por demais manifesto que a interpretação das normas legais aplicáveis não se revela inconstitucional, não ocorrendo qualquer violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.° da CRP). Não estando sequer em causa o «direito de recurso» – mas sim a aplicação das normas legais respeitantes ao seu regime –, é bem claro que a concretização irrestrita de pretensões como as que vêm formuladas é que seria susceptível de contribuir para um maior entorpecimento da acção da Justiça e dos Tribunais.”
Notificado deste acórdão, dele interpôs o recorrente recurso para o Tribunal Constitucional (requerimento de fls. 163), tendo, na sequência de convite formulado nos termos do n.º 5 do artigo 75.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro – LTC), especificado que o recurso era interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º dessa Lei, que visava a apreciação da inconstitucionalidade – por violação do “princípio da legalidade, garantido pelo disposto nos artigos 206.º e 207.º da CRP e os direitos fundamentais de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, designadamente em sede de apoio judiciário, nos termos garantidos pelo disposto nos artigos 20.º e 21.º da CRP” – das normas contidas nos artigos:
“– Artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, na parte em que consideraram inaplicável ao processado «as regras próprias quanto ao regime de subida destes agravos» em virtude de o agravo na 2.ª instância ter por fundamento apenas «a violação ou a errada aplicação da lei de processo» em sede de interposição pelo interessado de recurso de agravo contra o não conhecimento do objecto do recurso de agravo interposto em tempo contra, designadamente, o despacho que na 1.ª instância impediu e ainda impede o conhecimento do mérito do pedido de apoio judiciário nas modalidades então peticionadas pelo interessado;
– Artigo 734.º, n.º 1, alínea d), do CPC, na parte em que julgaram, ainda que implicitamente, inaplicável ao presente recurso de agravo, apesar de resultar iniludível dos autos que as decisões sob recurso, na parte em causa, foram todas proferidas após a decisão final da 1.ª instância;
– Artigo 758.º, n.º 1, do CPC, na parte em que não considera aplicável em termos conjugados in casu o disposto nos artigos 740.º, n.º 2, alínea d), e 734.º, n.º
1, alínea d), do CPC e que determina o efeito suspensivo do presente recurso de agravo; e
– Artigo 758.º, n.º 2, do CPC, na parte em que, na interpretação restritiva dada, não considera de mérito a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra a fls. ... dos autos e, em consequência, considera inaplicável in casu o disposto no artigo 723.º do CPC, ou seja, impede que o presente recurso de agravo tenha efeito suspensivo,”
inconstitucionalidades que teriam sido suscitadas na reclamação para a conferência de 21 de Fevereiro de 2002, “embora esta controvérsia tenha sido suscitada desde a 1.ª instância em sede de efeito do recurso”.
No Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações (fls. 179 a 184), no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
“a) O preceituado nos artigos 32.° e 33.° do CPC não se aplica aos recursos interpostos nos termos e para os efeitos previstos no artigo 39.º, n.° 2, do Decreto-Lei n.º 387-B/87. b) Qualquer outra interpretação das normas legais em causa revela-se materialmente inconstitucional por violar o direito fundamental do interessado de acesso ao direito e aos Tribunais, o direito ao apoio judiciário e ao patrocínio judiciário, bem assim o princípio da legalidade e o dever de obediência à lei consagrados nos artigos 3.°, 20.°, 206.° e 207.° da CRP e 8.° do Código Civil. c) A interpretação das normas contidas nos artigos 734.°, n.° 1, alínea d), e
758.° do CPC, na parte em que não considera aplicável em termos conjugados in casu o disposto nos artigos 740.°, n.° 2, alínea d), e 734.°, n.° 1, alínea d), do CPC, nem o disposto no artigo 723.° do CPC, ou seja, impede que o presente recurso de agravo tenha efeito suspensivo, padece de inconstitucionalidade material por violar os direitos fundamentais de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, designadamente em sede de apoio judiciário, bem assim o princípio da legalidade consagrados, nos termos garantidos pelo disposto nos artigos 3.° e 20.° da CRP.”
Pela recorrida não foram apresentadas alegações.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. Os preceitos legais invocados pelo recorrente, quer no requerimento de interposição do presente recurso quer nas respectivas alegações, dispõem o seguinte:
Código de Processo Civil (Redacção do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de
12 de Dezembro):
Capítulo VI – Dos recursos
(...)
Secção III – Recurso de revista
(...)
Artigo 723.º (Efeito do recurso)
O recurso de revista só tem efeito suspensivo em questões sobre o estado de pessoas.
(...)
Secção IV – Agravo
Subsecção I – Agravo interposto na 1.ª instância
(...)
Artigo 734.º (Agravos que sobem imediatamente)
1. Sobem imediatamente os agravos interpostos:
(...)
d) Dos despachos proferidos depois da decisão final.
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Artigo 740.º (Agravos com efeito suspensivo)
(...)
2. Suspendem os efeitos da decisão recorrida, além dos referidos no número anterior:
(...)
d) Os agravos a que o juiz fixar esse efeito;
(...)
3. O juiz só pode atribuir efeito suspensivo ao agravo, nos termos da alínea d) do número anterior, quando o agravante o haja pedido no requerimento de interposição do recurso e, depois de ouvir o agravado, reconhecer que a execução imediata do despacho é susceptível de causar ao agravante prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
Subsecção II – Agravo interposto na 2.ª instância
(...)
Artigo 758.º (Agravos com efeito suspensivo)
1. Têm efeito suspensivo os agravos que tiverem subido da 1.ª instância nos próprios autos e aqueles a que se refere o n.º 2 do artigo 740.º
2. Ao agravo interposto da decisão de mérito proferida pela Relação que se impugna com fundamento exclusivamente processual é aplicável o disposto no artigo 723.º
Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro:
Artigo 39.º (Recurso)
1. As decisões proferidas em qualquer tipo de processo ou jurisdição que concedam ou deneguem o apoio judiciário admitem recurso de agravo, em um só grau, independentemente do valor do incidente.
2. O recurso referido no número anterior, quando interposto pelo requerente, tem efeito suspensivo da eficácia da decisão, subindo imediatamente e em separado, sendo o seu efeito meramente devolutivo nos demais casos.
(Redacção da Lei n.º 46/96, de 3 de Setembro)
O recorrente, na reclamação para a conferência do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça que mantivera o efeito meramente devolutivo atribuído ao agravo interposto na 2.ª instância, sustentou que qualquer outra interpretação das normas constantes dos preceitos transcritos que não conduzisse à atribuição de efeito suspensivo ao recurso revelar-se-ia materialmente inconstitucional por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais e do princípio da legalidade.
O acórdão recorrido – uma vez esclarecido que o despacho objecto de agravo na 1.ª instância fora o de 31 de Maio de 2000, na parte em que indeferira o pedido de ratificação, pelo mandatário finalmente constituído pelo recorrente, dos requerimentos anteriormente considerados sem efeito (por não serem subscritos por advogado), por considerar que essas decisões (de considerar sem efeito esses requerimentos) já haviam transitado em julgado, agravo esse que subiu em separado e com efeito meramente devolutivo, e sendo certo que objecto do agravo interposto na 2.ª instância era o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de Outubro de 2001, que confirmara o reclamado despacho do Desembargador Relator que decidira não conhecer do recurso por falta de conclusões das alegações, apesar de convite formulado para a sua apresentação – entendeu que ao recurso não cabia efeito suspensivo, por:
– o efeito do agravo interposto em 2.ª instância estar expressamente previsto no artigo 758.º do CPC (e não no invocado artigo 734.º, n.º 1, alínea d), do mesmo Código, que apenas determina o regime de subida imediata dos agravos interpostos na 1.ª instância contra despachos proferidos depois da decisão final, agravos esses que só têm efeito suspensivo se, além de subirem imediatamente, subirem nos próprios autos – artigo 740.º, n.º 1 –, o que, no caso, não ocorreu);
– ser inaplicável o disposto no n.º 2 desse artigo 758.º e, consequentemente, o artigo 723.º desse Código, por a decisão recorrida não ser de mérito, sobre o estado das pessoas;
– ser inaplicável o disposto na primeira parte do n.º 1 do mesmo artigo 758.º, por o agravo interposto na 1.ª instância não ter subido nos próprios autos;
– ser inaplicável o disposto na segunda parte desse n.º
1 do artigo 758.º, conjugado com o artigo 740.º, n.ºs 2, alínea d), e 3, do CPC, por, para além de o recorrente não ter motivado o seu pedido de atribuição de efeito suspensivo, não resultar dos autos que a execução pudesse causar ao agravante prejuízo irreparável ou de difícil reparação;
– ser inaplicável o n.º 2 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, por, tendo presente o teor das alegações em 1.ª instância e o conteúdo do acórdão recorrido, não estar em causa, no recurso, decisão de denegação de apoio judiciário.
Violará esta interpretação dos preceitos em causa “os direitos fundamentais de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, designadamente em sede de apoio judiciário, bem assim o princípio da legalidade”, consagrados nos artigos 3.º, 20.º, 206.º e
207.º da CRP?
2.2. Embora proferido num caso em que se questionava o regime de subida (diferida) do recurso, e não o seu efeito, interessará recordar o que se expendeu no Acórdão n.º 83/99 a propósito do direito constitucional de acesso aos tribunais em matéria de recursos, especialmente em processo civil. Aí se referiu:
“3. (...) a questão a resolver no presente recurso consiste em
«sindicar uma interpretação do n.º 2 do artigo 734.º, que é uniforme na nossa jurisprudência, segundo a qual a inutilidade do agravo, resultante da retenção, tem de ter carácter absoluto, como diz a lei, isto é, apenas quando sucede que a eventual retenção teria um resultado irreversível quanto ao recurso, não bastando uma mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual (por exemplo, a repetição de certos actos processuais) (Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2.ª ed., Lisboa, 1994, p. 236 e nota 2; v. também João António Lopes Cardoso, ob. e loc. cit., nota 3542)».
O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, entendeu que a subida diferida do agravo não o tornava absolutamente inútil, interpretando e aplicando nesse sentido a norma constante do artigo 734.º, n.º 2, do CPC.
E diga-se, desde já, que não cabe a este Tribunal, limitado nos seus poderes de cognição à resolução da questão de constitucionalidade, apreciar da justeza da aplicação do direito ordinário ao caso concreto; não lhe compete, por isso, decidir se, no caso, a retenção do agravo o torna absolutamente inútil em contrário do que julgou o STJ.
(...)
A recorrente questiona a constitucionalidade do regime/momento da subida do agravo e da dependência da condição da absoluta inutilidade da retenção para a subida imediata, por entender que, no caso em apreço, a verificação de tal condição viola os princípios do Estado de Direito e o Acesso
à Justiça.
Sobre o direito de acesso à justiça tem o Tribunal Constitucional firmado uma extensa jurisprudência, interpretando-o no sentindo de que ele é
«um direito à solução dos conflitos por banda de um órgão independente e imparcial face ao que concerne à apresentação das respectivas perspectivas, não decorrendo desse direito (nomeadamente, no que ora releva, se em causa estiver a litigância civil obrigacional) o asseguramento às partes da garantia de recurso das decisões que lhes sejam desfavoráveis (cf., por todos, o Acórdão n.º
210/92, publicado na II Série do Diário da República, de 12 de Setembro de
1992)» (Acórdão n.º 208/93, in Diário da República, II Série, de 28 de Maio de
1993).
A este propósito, lê-se também no Acórdão n.º 501/96, in Diário da República, II Série, de 3 de Julho de 1996:
«O Tribunal Constitucional tem entendido que a garantia judiciária
(...) engloba o próprio direito de defesa contra actos jurisdicionais (Acórdão n.º 287/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.º vol., 1990, pp. 159 e segs.; identicamente, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 162). E este direito só pode ser exercido mediante o recurso para (outros) tribunais. Por outro lado, a expressa previsão da existência de tribunais de 1.ª instância e de recurso também fornece um argumento a favor da dignidade constitucional do direito de recurso (assim, Acórdão n.º 287/90, citado, e Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil – Recursos, 2.ª ed., 1992, p. 100).
Todavia, não se pode concluir que haja, na ordem jurídica portuguesa, um ilimitado direito de recurso, o que implicaria, por exemplo, a inconstitucionalidade do instituto das alçadas judiciais. O Tribunal Constitucional tem entendido – tal como já sustentara a Comissão Constitucional
– que o direito de recurso não é absoluto ou irrestringível (Acórdãos n.ºs
31/87 e 65/88, in Diário da República, II série, de 1 de Abril de 1987 e 20 de Agosto de 1988, respectivamente, e parecer n.º 9/82, in Pareceres da Comissão Constitucional, 19.º vol., pp. 29 e segs.).
(...)
Consequentemente, apenas está consagrado – em matérias não penais – um genérico direito de recurso, ou, noutra linguagem, a um duplo grau de jurisdição. O seu conteúdo pode ser delimitado pelo legislador, que pode racionalizar este instituto processual, reservando o exercício do direito aos casos com maior dignidade.”
Idêntico entendimento pode ser colhido, entre outros, no Acórdão n.º
305/94, in Diário da República, II Série, de 27 de Agosto de 1994, reconhecendo-se ampla margem de manobra ao legislador ordinário para conformar em concreto o direito ao recurso.
Ora, no caso em apreço, não existe qualquer restrição ao direito de recurso. À recorrente está amplamente reconhecido o direito de recurso, que ela pôde efectivamente exercer.
O que a norma do artigo 734.º, n.º 2, do CPC prevê é apenas um regime de subida – a subida diferida, por não se verificar a absoluta inutilidade, excepção que permite a subida imediata do recurso – ou seja, o que está em causa é o diferimento da subida de alguns recursos, diferimento que é ditado por importantes razões de celeridade e economia processuais.
A subida diferida do recurso impõe-se nos casos em que, apesar desse mesmo regime de subida, o recorrente pode ainda – em sede de recurso – obter a adequada tutela da sua pretensão processual. O mesmo é dizer que, embora a subida do recurso seja diferida, a recorrente pode ainda vir a obter os efeitos pretendidos mediante a revogação do despacho agravado, mesmo que essa revogação implique a anulação/reformulação dos actos praticados em obediência ao despacho revogado pela decisão do tribunal de recurso. Disse-se especificamente sobre o artigo 734.º, n.º 2, do CPC no já citado Acórdão n.º 208/93, a que aqui se adere:
«(...) como só se permite a subida imediata nos casos em que, de todo, não seja possível ao agravado alcançar aquela eficácia, então se, mesmo sem essa subida, ainda pode o agravado atingir os efeitos desejados, não está ele, pela subida diferida, despojado dos meios processuais capazes de fazer valer a sua pretensão (...).»
Ora, por não existir qualquer restrição ao direito de recurso da recorrente e por esta poder ainda obter, com o regime de subida diferida, a satisfação do seu interesse processual – confirmando-se, assim, a utilidade do recurso – não se viola a garantia de acesso à justiça e aos tribunais, nem o princípio do Estado de Direito.
Pelo exposto, a absoluta inutilidade dos agravos que aparece como condição para a sua subida imediata, constante do artigo 734.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em nada contende com a garantia de acesso à justiça e aos tribunais, nem com o princípio do Estado de Direito.”
Também no presente caso, a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, por se entender no acórdão recorrido – entendimento cuja correcção não compete ao Tribunal Constitucional sindicar – que não estava (directamente) em causa, no agravo interposto na 2.ª instância, nem decisão de mérito em questão sobre o estado das pessoas, nem decisão de denegação de pedido de concessão de apoio judiciário, nem decisão cuja execução imediata fosse susceptível de causar ao agravante prejuízo irreparável ou de difícil reparação, se mostra não violadora dos princípios e normas constitucionais invocados. Desde logo, não se vislumbra – nem o recorrente desenvolveu qualquer argumentação em sentido contrário – qual a diferença prática que adviria da atribuição de efeito suspensivo ao agravo interposto na
2.ª instância contra a decisão de não conhecimento do(s) agravo(s) interposto(s) na 1.ª instância, pois da fixação desse efeito não derivaria, de imediato, a obrigação de a Relação conhecer do mérito deste recurso, o que implica a subsistência dos despachos agravados. Por outro lado, a eventual concessão de provimento ao recurso de agravo interposto na 2.ª instância mostra-se idónea – independentemente do efeito, suspensivo ou meramente devolutivo, que seja atribuído a esse recurso – a assegurar a tutela dos direitos e interesses legítimos do recorrente: esse hipotético provimento implicaria que o Tribunal da Relação iria conhecer do mérito do agravo interposto na 1.ª instância e, se de novo fosse dada razão ao agravante, tal implicaria a ratificação de todos os requerimentos de interposição de recurso anteriormente apresentados e considerados sem efeito por não subscritos por mandatário forense.
Assim, por razões similares às expendidas no citado Acórdão n.º 83/99, considera-se improcedente a arguição de violação do direito de acesso aos tribunais.
A violação do princípio da legalidade, reportado ao actual artigo 203.º da CRP, surge, por seu turno, como claramente descabida, se com ela o recorrente pretende significar que cada vez que um tribunal adopta uma interpretação do direito ordinário que o interessado reputa de ilegal, está a violar esse princípio constitucional – isso significaria uma inadmissível conversão de todas as pretensas ilegalidades em inconstitucionalidades.
3. Decisão
Em, face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 19 de Maio de 2004.
Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Silva Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos