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Processo n.º 578/99 Plenário Relator – Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.O Provedor de Justiça veio, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 281º da Constituição da República e do n.º 3 do artigo 20º do seu Estatuto, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, requerer a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos
1º, n.ºs 6 e 7, 2ª parte, e 8º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio, e dos n.ºs 1º e 2º da Portaria n.º 153/96, da mesma data. As normas objecto do pedido dispõem o seguinte:
Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio Artigo 1º
(…)
6. O horário de funcionamento das grandes superfícies comerciais contínuas, tal como definidas no Decreto-Lei n.º 258/92, de 20 de Novembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 83/95, de 26 de Abril, será regulamentado através de portaria do Ministro da Economia.
7. No caso de estabelecimentos situados em centros comerciais, aplicar-se-á o horário previsto e estatuído no n.º 1, salvo se os mesmos atingirem áreas de venda contínua, tal como definidas no mencionado Decreto-Lei n.º 258/92, de 20 de Novembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 83/95, de 26 de Abril, caso em que terão que observar o horário a estabelecer na portaria de regulamentação mencionada no número anterior.
Artigo 8º O presente diploma entra em vigor com a publicação da portaria a que se refere o n.º 6 do artigo 1º.
Portaria n.º 153/96, de 15 de Maio
1º As grandes superfícies comerciais contínuas, tal como definidas no Decreto-Lei n.º 258/92, de 20 de Novembro, com as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 83/95, de 26 de Abril, poderão estar abertas entre as 6 e as 24 horas, todos os dias da semana, excepto entre os meses de Janeiro a Outubro, aos domingos e feriados, em que só poderão abrir entre as 8 e as 13 horas.
2º Este regime aplica-se igualmente aos estabelecimentos situados dentro dos centros comerciais, desde que atinjam áreas de venda contínua, tal como definidas no mencionado Decreto-Lei n.º 258/92, de 20 de Novembro, com as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 83/95, de 26 de Abril. Em síntese, o Provedor de Justiça alegou o seguinte como fundamentação do pedido, quanto ao artigo 8º do Decreto-Lei n.º 48/96:
– Ao estabelecer que o decreto-lei entra em vigor com a publicação da portaria, esta norma coloca a entrada em vigor do acto legislativo «na dependência da publicação de certo acto regulamentar»;
– Não se trata, pois, da mera «verificação de certos condicionalismos que integrem a previsão da norma», o que funcionaria como «um simples facto jurídico»;
– Nem tão-pouco da «necessidade de regulamentação que torne exequível» a norma legislativa, já que «exequibilidade e vigência são conceitos muito distintos»;
– Daí decorre que o acto legislativo «vê, com força obrigatória geral, paralisados os seus efeitos enquanto não ocorrer a publicação de acto de outra natureza, no caso regulamentar»;
– A atribuição desse efeito, pelo Decreto-Lei, à publicação da portaria, é inconstitucional face ao disposto no artigo 112º, n.º 6, da Constituição;
– No caso, a declaração de inconstitucionalidade não terá relevante efeito prático (na medida em que ambos os diplomas foram publicados no mesmo dia), mas
«poderá ter efeitos pedagógicos em casos futuros». Quanto, por sua vez, aos n.ºs 6 e 7, 2ª parte, do artigo 1º do Decreto-Lei n.º
48/96, confrontando-os com o artigo 112º da Constituição, o requerente alega, em síntese:
– O n.º 1 do artigo 1º do decreto-lei estatui o horário de abertura aplicável à generalidade dos estabelecimentos comerciais;
– Porém, o n.º 6 do mesmo artigo permite que esse horário de abertura, previsto no n.º 1, seja modificado pela portaria que determine o horário de funcionamento das grandes superfícies comerciais contínuas;
– Nessa medida, a norma em causa permite «uma modificação, com eficácia externa, de uma norma legislativa por uma norma de outra natureza, regulamentar, neste caso»;
– O mesmo conteúdo tem o n.º 7, ao estender a certos estabelecimentos funcionando em centros comerciais, determinados em função da sua área de venda contínua, o horário a estabelecer na mesma portaria;
– Em ambos os casos, a concessão de tal força jurídica a um diploma regulamentar viola o n.º 6 do artigo 112º da Constituição. E no que diz respeito ao confronto dos n.ºs 6 e 7, 2ª parte, do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 48/96 e dos n.ºs 1º e 2º da Portaria n.º 153/96 com o artigo
61º, n.º 1, da Constituição, afirma-se, em síntese, no pedido:
– O n.º 1 do artigo 6º do decreto-lei, ao remeter para portaria «sem a fixação de quaisquer critérios, a regulamentação do horário de funcionamento das grandes superfícies comerciais contínuas», opera uma deslegalização desta matéria;
– A deslegalização «não é, em si mesma, uma prática desconforme à Constituição», mas não pode ter por objecto matérias sujeitas, pela Constituição, a reserva de lei;
– Ora, «a fixação de limites ao horário de funcionamento das grandes superfícies comerciais contínuas constitui uma restrição à liberdade de iniciativa económica, uma vez que interfere na gestão daqueles estabelecimentos comerciais»;
– É que a dita liberdade de iniciativa económica privada «inclui quer a liberdade de iniciar uma actividade económica, quer a liberdade de gestão e actividade da empresa»;
– Sendo esta liberdade um direito fundamental garantido pelo n.º 1 do artigo 61º da Constituição, ela integra, na sua componente de «direito de defesa ou autonomia dos particulares perante o Estado», o catálogo dos direitos de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias;
– Pelo que goza, nesse âmbito, do respectivo regime de protecção, nomeadamente o princípio de reserva de lei estatuído no n.º 2 do artigo 18º da Constituição;
– Acontece que a devolução da regulação da matéria de horário das grandes superfícies comerciais contínuas para portaria conferiu a esta a natureza de regulamento independente, que com carácter inovatório regulou matéria sujeita a reserva de lei;
– Assim, a portaria configura-se como «regulação primária restritiva de direitos, liberdades e garantias», sendo portanto inconstitucionais os seus n.ºs
1º e 2º, por violação dos artigos 18º, n.º 2, e 61º, n.º 1, da Constituição da República.
2.Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54º e 55º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Primeiro-Ministro veio pronunciar-se no sentido da não inconstitucionalidade das normas contidas no Decreto-Lei n.º
48/96 (matéria à qual entendeu dever limitar a resposta, por não ser a portaria em causa acto da competência do Conselho de Ministros), invocando, designadamente, quanto ao artigo 8º do Decreto-Lei n.º 48/96:
– A Constituição não impede que existam condições específicas para o início de vigência dos actos legislativos, nomeadamente que este esteja dependente da prática futura de certos actos ou da ocorrência de certos factos;
– Condicionar o início de vigência da lei à publicação de uma portaria não equivale a qualquer «autorização legal a um acto regulamentar para interpretar, integrar, suspender ou revogar» algum dos preceitos da lei;
– Não se trata, na verdade, de conferir ao acto regulamentar o poder de suspender a eficácia de um acto legislativo em vigor, mas apenas de diferir para o momento da publicação da portaria o início da vigência, com «um inteligível desiderato de boa e integral execução e factualização do Direito legislado, o qual seria manifestamente lacunoso se semelhante previsão não tivesse sido contemplada»;
– Não existe ainda, quanto ao ponto em apreço, «utilidade processual objectiva» que justifique a fiscalização abstracta da constitucionalidade, na medida em que a portaria foi publicada na mesma data que o decreto-lei, não se tendo portanto verificado qualquer dilação na entrada em vigor do diploma legislativo. Quanto à inconstitucionalidade dos nº.s 6 e 7 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º
48/96, lê-se na resposta do Primeiro-Ministro:
– A Constituição não proíbe «a deslegalização expressa de uma matéria que não constitua reserva necessária de lei»;
– Em matéria de horários de actividade dos estabelecimentos comerciais, a definição dos respectivos limites e regras gerais «deve constar de acto legislativo», por constituir «domínio fronteiriço com o da iniciativa privada»;
– Mas «outros domínios da mesma matéria, atinentes à concretização das referidas regras e limites, situam-se fora da reserva material de lei, entrando na área da regulação económica»;
– O Decreto-Lei n.º 48/96 estatui no seu artigo 1º uma regra geral «relativa aos limites horários de funcionamento de estabelecimentos comerciais, a qual vincula as grandes superfícies contínuas no tocante às suas balizas máximas e mínimas»;
– As normas sub iudice, por sua vez, operam uma deslegalização do regime específico das grandes superfícies comerciais contínuas, que continuam todavia sujeitas aos limites gerais impostos pelo acto legislativo;
– Por isso, nos n.ºs 6 e 7 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 48/96 não existe violação do artigo 112º da Constituição, nem remissão para regulamento de matéria que devesse, nos termos da Constituição, ser regulada por acto legislativo;
– Quanto ao primeiro aspecto, não se trata de o n.º 6 do artigo 1º permitir uma derrogação ou modificação de norma contida em acto legislativo por acto regulamentar;
– Antes existe uma «intenção expressa de o legislador em subtrair do domínio legislativo a regulação concretizadora dos horários das grandes superfícies»;
– Quanto ao segundo aspecto, a deslegalização deve ter-se por legítima, dado que
«a concretização dos horários dos estabelecimentos constitui uma matéria relativa à regulação económica do mercado, consolidação das pequenas e médias empresas, protecção de postos de trabalho, preservação dos hábitos de consumo adquiridos, satisfação das necessidades de abastecimento dos consumidores e de disciplina do direito da concorrência», que não integra a reserva de lei;
– É, aliás, um domínio material sobre o qual incidem habitualmente, para além das competências legislativas, competências administrativas, tanto estaduais como autárquicas;
– Designadamente, o artigo 3º do decreto-lei em apreço permite que as câmaras municipais, por via regulamentar, procedam «à determinação do horário dos estabelecimentos que não sejam grandes superfícies», sendo estranho que o requerente não questione a legitimidade constitucional de tal norma;
– Assim sendo, e até porque a regulamentação a aprovar em portaria deve obedecer
às balizas fixadas na regra geral contida no artigo 1º, n.º 1, não ocorre violação do artigo 112º, n.º 6, da Constituição. Discutida e fixada a orientação deste Tribunal com base em memorando elaborado pelo Presidente, nos termos do artigo 63º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, cumpre elaborar o correspondente acórdão. II. Fundamentos
3.As normas em apreciação resultam de uma intervenção legislativa e regulamentar, efectuada pelo Governo em 1996, quanto aos horários dos estabelecimentos comerciais, tendo sido revogados os anteriores diplomas legislativos sobre a mesma questão, nomeadamente, o Decreto-Lei n.º 417/83, de
25 de Novembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 72/94, de
3 de Março, e n.º 86/95, de 28 de Abril. No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio, salienta-se:
«(…) Considerando o princípio constitucional da livre iniciativa privada, consagrado no artigo 61º da Constituição da República Portuguesa, mas tendo também em conta o interesse geral, justifica-se uma intervenção que proporcione: A correcção de distorções da concorrência, especialmente através da introdução de uma uniformização nacional do regime de funcionamento das grandes superfícies que não desvirtue as potencialidades do mercado nem perpetue as clivagens que se vinham fazendo sentir e que levaram, inclusivamente, à coexistência, no mesmo concelho, de estabelecimentos com períodos de abertura muito diferentes; A promoção de uma política que prossiga a consolidação e o fortalecimento das pequenas e médias empresas, como segmento indispensável à reconquista do mercado nacional, numa estratégia geradora de emprego, integradora da distribuição com as pequenas e médias empresas agrícolas e industriais, e que permita, num justo equilíbrio de oportunidades, a coexistência de todas as fórmulas empresariais; A preservação dos hábitos de consumo adquiridos e a satisfação das necessidades de abastecimento dos consumidores. Com o presente diploma estabelece-se um novo regime dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, com excepção dos respeitantes às grandes superfícies contínuas. Constituindo este diploma um quadro geral de referência, estes últimos serão fixados através de portaria do Ministro da Economia, a qual estabelecerá um horário único relativamente aos domingos e feriados.
(…)»
O regime geral dos horários de funcionamento dos estabelecimentos é fixado no artigo 1º, n.º 1, do mesmo diploma legal, do seguinte modo:
«Sem prejuízo do regime especial em vigor para actividades não especificadas no presente diploma, os estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços, incluindo os localizados em centros comerciais, podem estar abertos entre as 6 e as 24 horas de todos os dias da semana.» O horário de funcionamento das grandes superfícies comerciais contínuas não foi, contudo, objecto de regulação directa no referido Decreto-Lei n.º 48/96. Antes o n.º 6 do seu artigo 1º remeteu tal matéria para portaria do Ministro da Economia, o mesmo fazendo o n.º 7 desse artigo para estabelecimentos em centros comerciais que sejam qualificados como grandes superfícies comerciais. O início de vigência do diploma legal ficou condicionado, nos termos do seu artigo 8º, à publicação da portaria em causa, tendo, porém, ambos os diplomas – o Decreto-Lei n.º 48/96 e a Portaria n.º 153/96 – acabado por ser publicados na mesma data, 15 de Maio de 1996.
É precisamente a apreciação da constitucionalidade de normas relativas ao horário de funcionamento das grandes superfícies comerciais que constitui objecto do presente pedido. As questões de inconstitucionalidade levantadas neste podem ser divididas em dois grupos:
– Um primeiro grupo de questões relaciona-se com a questão de saber se as normas citadas do Decreto-Lei n.º 48/96 concederam à portaria de regulamentação uma força jurídica incompatível com o disposto no nº 6 do artigo 112º da Constituição, o que aconteceria, segundo o requerente, com o artigo 8º (na medida em que o início de vigência do acto legislativo fica condicionada à publicação do diploma regulamentar) e com os n.ºs 6 e 7 do artigo 1º (na medida em que prevêem que o disposto na portaria possa contrariar a regra estabelecida no n.º 1 do mesmo artigo);
– Um segundo grupo de questões diz respeito à possibilidade de a matéria em causa – a fixação do horário de funcionamento de determinado tipo de estabelecimentos comerciais – ser objecto de regulação por acto não legislativo, nomeadamente por portaria, já que, segundo o requerente, tal matéria se enquadra no âmbito de protecção de um direito fundamental – o direito de iniciativa económica privada – que goza de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. O primeiro grupo de questões abrange naturalmente apenas normas constantes do acto legislativo, e não já do regulamento, uma vez que é o legislador que é destinatário da proibição constante do n.º 6 do artigo 112º da Constituição, como tem sido afirmado em jurisprudência uniforme deste Tribunal: cfr., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 303/85, 270/88, 389/89 e 458/89 (publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol., pág. 521, 12º vol., pág. 753, 13º vol., pág. 1023, e 14º vol., pág. 131, respectivamente). Assim, o que importa determinar é se a norma legislativa confere a um acto regulamentar uma força jurídica equivalente à da lei e, por isso, padece do vício de inconstitucionalidade, já que a disposição regulamentar que contrarie a lei sofrerá, por tal facto, de um vício (que é de ilegalidade e, apenas indirectamente, de inconstitucionalidade) que, como o Tribunal Constitucional tem afirmado, não cabe nos poderes de cognição deste Tribunal (cfr., por todos, os Acórdãos n.ºs 266/92 e 247/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 22º vol., pág. 783, e 24º vol., pág. 611, respectivamente). O segundo grupo de questões – atinente ao problema de determinar a possibilidade de tratamento por via regulamentar da matéria respeitante ao horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais – abrange já, por um lado, as normas constantes do acto legislativo que procedem à deslegalização, e, por outro lado, as normas constantes do acto regulamentar, que serão inconstitucionais se for de julgar tal matéria como pertencendo a reserva de lei.
4.Comecemos por analisar a alegada violação do artigo 112º, n.º 6, da Constituição pelo artigo 8º do Decreto-Lei n.º 48/96, cuja apreciação, apesar de reconhecer o seu diminuto efeito prático, o requerente não deixou de incluir no pedido. A questão que o requerente levanta é a de saber se, ao diferir para o momento da publicação da portaria o início de vigência do Decreto-Lei nº 48/96, o artigo 8º deste diploma conferiu ao acto regulamentar nele previsto uma força jurídica incompatível com o disposto no n.º 6 do artigo 112º da Constituição. Este preceito constitucional impede que um acto legislativo confira a actos de outra natureza «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos». Na opinião do requerente, a norma do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 48/96, ao fazer depender a vigência do diploma da publicação de uma portaria, conferiria a esta última, justamente, a faculdade de paralisar os efeitos do acto legislativo, violando, desse modo, aquele preceito constitucional. A verdade, todavia, é que não existe, manifestamente, nessa norma, violação do preceito constitucional invocado. Com efeito, segundo o requerente, estaria em causa a suspensão dos efeitos do acto legislativo por força da portaria. No entanto, mesmo usando-se aqui um sentido amplo de suspensão (e não o seu sentido mais estrito, que, como se indica na resposta do Primeiro-Ministro, se refere à paralisação da eficácia de um acto normativo vigente por acto posterior), a «suspensão» da vigência do Decreto-Lei não decorre do acto regulamentar, e sim logo do próprio acto legislativo, que faz depender o seu início de vigência de um facto jurídico posterior. É, pois, nessa qualidade – de mero facto jurídico – que o regulamento produz o efeito jurídico de dar início à vigência do acto legislativo. Mas fá-lo por preencher a previsão que a norma legal contém, e não por qualquer especial força jurídica do acto regulamentar, contraposta à desta norma. O mesmo aconteceria, aliás, com qualquer facto a que tivesse sido condicionado o início de vigência de um diploma, tal, até, como o decurso do tempo, em geral, para a vacatio legis. Nenhum preceito constitucional impede, pois, este condicionamento do início da vigência, desde que decorra logo do próprio acto legislativo ou de outro acto com a mesma natureza. Não sendo, assim, conferido ao acto regulamentar qualquer força jurídica para-legislativa, nos termos proibidos pelo artigo 112º, n.º 6, da Constituição, a norma em causa não é inconstitucional.
5.O requerente sustenta também a inconstitucionalidade dos n.ºs 6 e 7 do artigo
1º do Decreto-Lei n.º 48/96, por violação do mesmo n.º 6 do artigo 112º da Constituição. Esse n.º 6 do artigo 1º do Decreto-Lei em análise estabelece que «o horário de funcionamento das grandes superfícies comerciais contínuas (...) será regulamentado através de portaria do Ministro da Economia». E o número 7 do mesmo artigo prevê que certos estabelecimentos funcionando em centros comerciais, determinados em função da sua área de venda contínua, sejam igualmente abrangidos pelo horário a estabelecer no mesmo diploma regulamentar. Argumenta o requerente que o conteúdo destas normas permite que a portaria modifique o conteúdo do acto legislativo, na medida em que o n.º 1 do mesmo artigo prevê um horário de abertura ao público que abrangeria os estabelecimentos mencionados nos n.ºs 6 e 7. Assim, a portaria teria permissão, concedida pelo acto legislativo, para modificar o conteúdo da norma do n.º 1, violando o n.º 6 do artigo 112º da Constituição. Não decorre, todavia, do texto das normas sub iudice que o seu efeito seja o de conferir à portaria a possibilidade de revogar ou de modificar, ainda que parcialmente, a norma contida no diploma legal. Na verdade, o que acontece é que, como resulta da conjugação dos n.ºs 1, 6 e 7 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 48/96, é logo o âmbito de aplicação dos horários previstos neste diploma que
é negativamente delimitado, excluindo-se a sua aplicação integral às grandes superfícies (e sem prejuízo de a sua fixação para as grandes superfícies se ter de mover dentro de certa “margem de manobra”, como adiante se dirá). Ora, a questão de saber se a matéria em causa pode ser regulada por portaria
(questão também invocada pelo requerente e que será analisada infra) é distinta da questão de saber se o diploma legislativo disciplinou a matéria e criou uma possibilidade de modificação dessa disciplina por portaria. Na primeira questão, estamos perante o problema da admissibilidade da deslegalização operada pelos n.ºs 6 e 7 do artigo 1º. A segunda, que é a que agora se analisa, consubstanciaria uma violação do artigo
112º da Constituição, mas não se verifica aqui, sem margem para dúvida: o que se prevê nos n.ºs 6 e 7 não é que a regulamentação constante da portaria modifique qualquer disciplina contida no n.º 1 do artigo 1º do decreto-lei em apreço, mas que o âmbito daquele n.º 1 não abrange a matéria que deve vir a ser regulada por portaria. Não existe, portanto, qualquer possibilidade de revogação ou modificação do regime legal, mas apenas uma delimitação negativa deste regime, que deveria vir a ser fixado por portaria.
6.Resta analisar se a matéria dos horários de funcionamento das grandes superfícies comerciais pode ser, à luz da Constituição, legitimamente tratada em diploma de natureza regulamentar – isto é, analisar a eventual inconstitucionalidade das normas dos n.ºs 1º e 2º da Portaria n.º 153/96, bem como do artigo 1º, n.ºs 6 e 7, do Decreto-Lei n.º 48/96, por violação dos artigos 61º, n.º 1, e 18º, n.º 2, da Constituição da República. O Decreto-Lei n.º 48/96 prevê que o horário de funcionamento das grandes superfícies seja regulamentado através de portaria. Como esse horário constava anteriormente dos diplomas legislativos revogados por este decreto-lei, operou-se uma deslegalização da disciplina desta matéria: ela deixou de ser estabelecida por diploma legal.
É pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência deste Tribunal, que a deslegalização não importa, só por si, uma violação da Constituição. Porém, constitui limite à sua admissibilidade que a matéria remetida para regulamento possa ser tratada por um acto não legislativo, estando a possibilidade de deslegalização «sempre excluída nas matérias sujeitas ao princípio da reserva de lei, sendo inconstitucionais quaisquer fenómenos de deslegalização incidentes sobre matérias que constitucionalmente não podem ser reguladas se não por via de lei» (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 641/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32º vol., pág. 231, bem como J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 512, nota XXI ao artigo 115º, onde se colheu a formulação citada). Nestas condições está, desde logo, a matéria dos direitos, liberdades e garantias, que é matéria de reserva de lei parlamentar. Esta constitui «um dos limites do poder regulamentar, porquanto a Administração não poderá editar regulamentos (independentes ou autónomos) no domínio dessa reserva, com ressalva dos regulamentos executivos, isto é, aqueles que se limitam a esclarecer e precisar o sentido das leis ou de determinados pormenores necessários à sua boa execução» (Acórdão n.º 307/88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12º vol., pág. 499; cfr. ainda, no mesmo sentido, o Acórdão n.º 185/96, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., pág. 7). A jurisprudência deste Tribunal tem ainda afirmado que, dado o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição, a exclusão de intervenção do poder regulamentar não se refere apenas à restrição de direitos, liberdades e garantias: «a própria regulamentação (e não apenas a restrição) dos direitos, liberdades e garantias tem de ser feita por lei, ou então com base na lei, mas sempre em termos de aos regulamentos da Administração não poder caber mais do que o estabelecimento de meros pormenores de execução» (Acórdão n.º 174/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., pág. 57). Há portanto que averiguar se, pelo Decreto-Lei n.º 48/96, foi devolvida para a portaria em causa (e por esta tratada) matéria integrada no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, e, em caso afirmativo, se tal tratamento se enquadra, ou excede, a mera fixação de pormenores necessários ao bom exercício destes direitos. Ora, parece ser claro que não se pode considerar a intervenção do regulamento em causa como de mero pormenor, dado que o concreto horário de abertura das grandes superfícies apenas se pode colher na portaria. Esta intervenção regulamentar não será, portanto, constitucionalmente admissível se atingir o âmbito de protecção garantido à liberdade de iniciativa económica privada que deva incluir-se no regime de protecção de direitos, liberdades e garantias, como “direito de natureza análoga” a estes.
7.Sobre o âmbito da liberdade de iniciativa económica privada tem-se pronunciado este Tribunal por várias ocasiões. Assim, recordou-se no Acórdão n.º 187/2001
(in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 50º, pág. 42), retomando anterior jurisprudência:
«Segundo o artigo 61º, n.º 1 (iniciativa privada, cooperativa e autogestionária), “a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.” Ora, como se escreveu no citado Acórdão n.º 76/85, seguindo a doutrina: “A liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma actividade económica (direito à empresa, liberdade de criação de empresa) e, por outro lado, na liberdade de gestão e actividade da empresa (liberdade de empresa, liberdade de empresário). Ambas estas vertentes do direito de iniciativa económica privada podem ser objecto de limites mais ou menos extensos. Com efeito, esse direito só pode exercer-se ‘nos quadros definidos pela Constituição e pela lei’ (n.º 1, in fine), não sendo portanto um direito absoluto, nem tendo sequer os seus limites constitucionalmente garantidos, salvo no que respeita a um mínimo de conteúdo útil constitucionalmente relevante, que a lei não pode aniquilar, de acordo, aliás, com a garantia de existência de um sector económico privado.”
(…) Sobre os quadros definidos pela lei, disse-se no citado Acórdão n.º 328/94, que
“(...) o direito de liberdade de iniciativa económica privada, como facilmente deflui do aludido preceito constitucional, não é um direito absoluto (ele exerce-se, nas palavras do Diploma Básico, nos quadros da Constituição e da lei, devendo ter em conta o interesse geral). Não o sendo – e nem sequer tendo limites expressamente garantidos pela Constituição (muito embora lhe tenha, necessariamente, de ser reconhecido um conteúdo mínimo, sob pena de ficar esvaziada a sua consagração constitucional) – fácil é concluir que a liberdade de conformação do legislador, neste campo, não deixa de ter uma ampla margem de manobra.” A norma constitucional remete, pois, para a lei a definição dos quadros nos quais se exerce a liberdade de iniciativa económica privada. Trata-se, aqui, da previsão constitucional de uma delimitação pelo legislador do próprio âmbito do direito fundamental – da previsão de uma “reserva legal de conformação” (a Constituição recebe um quadro legal de caracterização do conteúdo do direito fundamental, que reconhece). A lei definidora daqueles quadros deve ser considerada, não como lei restritiva verdadeira e própria, mas sim como lei conformadora do conteúdo do direito.
(…)» Mais limitado será, todavia, o domínio no qual este direito fundamental beneficia de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e, portanto, da sua específica protecção. Este domínio mais restrito diz respeito apenas aos
«quadros gerais e aos aspectos garantísticos» da liberdade de iniciativa económica (cfr. Acórdão n.º 329/99, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 44º vol., pág. 129), que digam respeito à liberdade de iniciar empresa e de a gerir sem interferência externa.
É, pois, apenas quanto a este núcleo da liberdade de iniciativa económica privada que, por aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias, e por revestir a natureza de direito de natureza análoga, existe uma reserva de lei parlamentar. Como se sustentou no Acórdão n.º 373/91 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 20º vol., pág. 111):
«cabem necessariamente na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, por força das disposições combinadas dos artigos 17º e 168º, n.º 1, alínea b) [correspondente ao actual artigo 165º], da Constituição da República, as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos «direitos análogos», por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a actuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias.»
8.Retornando ao caso vertente, verifica-se que a fixação do horário de abertura dos estabelecimentos não se insere neste âmbito restrito de protecção. Aqueles
«quadros gerais e aspectos garantísticos» não abrangem seguramente a questão de saber se um estabelecimento deve encerrar às 24 horas ou às 13 horas aos domingos e feriados. Todavia, como se referiu, o texto do n.º 1 do artigo 61º da Constituição preceitua ainda que os quadros nos quais se exerce a iniciativa privada são definidos «pela Constituição e pela lei», tendo em conta o interesse geral. A Constituição indica, portanto, que, pelo menos, um determinado grau da própria conformação do conteúdo desta liberdade está sujeito a reserva de lei – que será reserva de lei material, neste caso (ainda que no âmbito de uma competência legislativa concorrencial do Parlamento e do Governo). A admissibilidade constitucional da intervenção regulamentar em análise dependerá, portanto, de saber se o regulamento procede a uma conformação do conteúdo do direito fundamental e, em caso afirmativo, se tal ocorre num grau em que tal conformação só possa ser efectuada por via legislativa. Esta questão deve ser, desde logo, analisada através de uma interpretação do preceito constitucional, de modo a apurar os limites intrínsecos do seu âmbito de protecção. Ou seja, importa determinar, como escreve Vieira de Andrade (Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª edição, Coimbra,
2001, pág. 283), os «limites de conteúdo, na medida em que a protecção constitucional não abranja todas as situações, formas ou modos de exercício pensáveis para cada um dos direitos, designadamente no caso das liberdades». Ora, a esta luz, logo se afiguraria mais que problemático que o âmbito de protecção da liberdade de iniciativa económica privada inclua a ausência de limites aos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais. E, portanto, do mesmo passo, que a fixação de tais limites – pelo menos, desde que se não restrinjam tais horários de modo a pôr em causa o normal funcionamento de tais estabelecimentos, de acordo com os usos e costumes – atinja a liberdade de iniciativa económica privada, enquanto direito fundamental constitucionalmente protegido. Com efeito, entendimento diverso – como o perfilhado pelo requerente – atribuiria à liberdade de iniciativa económica privada um conteúdo vastíssimo, abrangendo aparentemente todas as formas e modalidades específicas de exercício possível da actividade económica, de modo a que praticamente toda a intervenção normativa no domínio da economia se transformaria numa conformação do direito fundamental em causa, na medida em que toda essa intervenção seja passível de ter reflexos na vida das empresas. Esta interpretação negaria, na prática, qualquer possibilidade de intervenção regulamentar na actividade económica, fosse por normas sobre segurança, por normas técnicas de produção, ou, como é o caso, por normas sobre horários de funcionamento. Admitindo, porém, que assim fosse, e, que, portanto, à liberdade de iniciativa privada devesse ser reconhecido um tal âmbito, se é certo, como se viu, que é tão-só a definição dos quadros gerais e dos aspectos garantísticos da liberdade de iniciativa económica privada que exige uma intervenção por via legislativa – aliás, parlamentar –, também se deveria ainda questionar se a constitucionalmente exigida intervenção legal se não reconduz precisamente a apenas esses casos – assim devendo coincidir o âmbito da reserva de lei material com o da reserva de lei parlamentar (e isto, mesmo sem considerar que, de todo o modo, mesmo para uma perspectiva mais exigente, uma reserva de lei material, para além dos já mencionados quadros gerais e aspectos garantísticos, se justificaria, quando muito, apenas para regras em que se pudesse divisar uma verdadeira restrição à liberdade em causa e não para a mera ordenação da actividade económica, como é o caso). Se assim não fosse, destruindo-se a possibilidade de regulamentação da actividade económica a não ser por lei, criar-se-ia uma permanente necessidade de recurso a bagatelas legislativas, ao arrepio do que é, aliás, a prática corrente do direito português. Não foi manifestamente este o resultado que a Constituição pretendeu com o preceituado no n.º 1 do artigo 61º. Aplicando estas considerações ao caso, conclui-se, por conseguinte, que a fixação, no acto legislativo, do «quadro geral de referência» para horários de funcionamento, e a definição do sentido da intervenção regulamentar aí feita, são largamente suficientes para cumprir a exigência constitucional de conformação legal do conteúdo da liberdade de iniciativa económica privada, não violando a portaria aquela reserva legal de conformação. E, consequentemente, que o regulamento em causa não contraria os artigos 18º, n.º 2, e 61º, n.º 1, da Constituição.
9.Nem se diga, ainda, que a lei operou uma devolução da matéria para o regulamento «sem quaisquer critérios», sendo portanto de qualificar o regulamento emitido ao abrigo do n.º 6 do artigo 1º do Decreto-Lei como regulamento independente, o que afastaria a forma de portaria, face ao n.º 7 do artigo 112º da Constituição
É certo que a Constituição prevê, no n.º 7 do seu artigo 112º, que «os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar (…) no caso de regulamentos independentes». Assim, a ser de aceitar tal qualificação para o regulamento em causa, seriam formalmente inconstitucionais as suas normas, e materialmente inconstitucionais as disposições legislativas que estabelecessem a competência para a emissão do regulamento com essa forma. E, embora a questão da violação deste preceito constitucional não seja suscitada no pedido, ela pode ser aqui analisada, face ao preceituado no artigo 51º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional. Por regulamento independente tem-se entendido, como se escreveu, por exemplo, no Acórdão n.º 1184/96, aceitando a posição de Gomes Canotilho e Vital Moreira,
«aquele em que a lei se limita a definir a competência objectiva (isto é, a matéria sobre que pode incidir o regulamento) e a competência subjectiva (ou seja, a entidade competente para emitir o regulamento)» (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35º vol., pág. 471). Ora, interpretando os preceitos contidos nos n.ºs 6 e 7 do artigo 1º do decreto-lei em análise no contexto global do diploma, resulta que a margem de manobra deixada à portaria para o horário das grandes superfícies é muito reduzida, já que apenas permite um afastamento em relação a essa regra geral no que respeita ao horário dos domingos e feriados, depreendendo-se ainda que, devendo obedecer tal horário ao «quadro geral de referência», e dado o sentido da intervenção legislativa, o regulamento só poderia fixar um intervalo de abertura para as grandes superfícies menor do que o fixado em geral e com um critério uniforme para todo o território. Interpretando, pois, desta forma o n.º 6 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 48/96, em conformidade com o preâmbulo deste diploma, conclui-se que o acto legislativo se não limitou a determinar a competência objectiva e subjectiva para a emissão do regulamento. Antes fixou ainda, como resulta desta interpretação, o sentido e os limites da intervenção regulamentar, o que afasta, portanto, a qualificação deste regulamento como regulamento independente, e, por conseguinte, a referida inconstitucionalidade. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1º, n.ºs 6 e 7 , 2ª parte, e 8º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio, e nos n.ºs 1º e 2º da Portaria n.º
153/96, da mesma data.
Lisboa, 27 de Abril de 2004 Paulo Mota Pinto Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Benjamim Rodrigues Vítor Gomes Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Gil Galvão Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Carlos Pamplona de Oliveira Bravo Serra
Luís Nunes de Almeida