Imprimir acórdão
Processo n.º 336/03
3ª Secção Relator Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
1. A. requereu, no Tribunal Central Administrativo, a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º1 da Portaria n.º
145/86, de 15 de Abril, que aprovou as tabelas de equivalência a que se refere o anexo ”Mapa V”, na parte onde se faz corresponder, para funcionários públicos aposentados com a categoria de Chefe de Divisão do Ministério do Trabalho e Segurança Social de Angola a categoria de Chefe de Secção, do actual (ao tempo) ordenamento de carreiras.
Do acórdão que julgou o pedido improcedente, interpôs o requerente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 11/3/03
(fls.121 e segs.), lhe negou provimento. E deste interpôs o presente recurso de constitucionalidade, em que produziu alegações sustentando o seguinte:
“a) Está ferida de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 2°,
26°, 72°e 53º, da Constituição, entre si conjugados, na perspectiva da violação dos princípios da confiança e da segurança e por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13° da Constituição, a norma do n.º 1 da Portaria n.º 145/86, de 15 de Abril, na parte em que aprovou as tabelas de equivalência a que se refere o anexo Mapa V, fazendo corresponder a categoria de Chefe de Divisão do Ministério do Trabalho e Segurança Social de Angola, à da aposentação, Letra E, à categoria que lhe correspondia no então actual ordenamento de carreiras dos funcionários no activo, a categoria de Chefe de Secção, letra H, por si ou conjugada com a norma do artigo 7° B, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei 110-A/81, de 14 de Maio, aditado pelo artigo 1° do Decreto-Lei n.º
245/81, de 24 de Agosto, na parte em que se refere às tabelas de equivalência a aprovar por portaria. b) É que, por um lado, tal como aquela norma foi interpretada e aplicada no acórdão recorrido, num sentido redutor, relacionando-se 'aqueles funcionários aposentados' com 'montante de pensões', são atingidos direitos constitucionais protegidos da esfera jurídico - pessoal do funcionário aposentado, como é o do recorrente, que não têm o seu mundo vivencial confinado à pensão de aposentação que lhe é paga, direitos adquiridos no activo e projectados na aposentação, afectando-se de forma inadmissível, com a baixa da categoria que tinha à data da aposentação, um mínimo de certeza nos direitos do recorrente e nas expectativas que lhe foram criados; c) Por outro lado, o critério normativo que se pode extrair da mesma norma, e que foi acolhido no acórdão recorrido, encerra uma desigualdade de tratamento entre funcionário da antiga administração ultramarina, como era o caso do recorrente, e da administração central e local, com a mesma categoria de Chefe de Divisão, que nem sequer era uma categoria específica daquela administração ultramarina, envolvendo uma distinção discriminatória, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional.”
Os recorridos – o Secretário de Estado do Orçamento e o Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente – contra-alegaram.
O Secretário de Estado do Orçamento para sustentar que:
“A Portaria 145/86 não viola a lei que veio regulamentar – o Dec-Lei n.º
110-A/81 –, nem qualquer preceito constitucional e tão pouco permite discriminações injustificadas ou constitucionalmente censuráveis.”
E o Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente concluindo que:
“a) Tendo o Recorrente delimitado o objecto do presente recurso de constitucionalidade a uma determinada interpretação dada, na decisão recorrida,
às normas impugnadas, não pode esse Tribunal tomar dele conhecimento; b) A assim não se entender, o que só por cautela se admite, embora sem se conceder, não pode apreciar a alegada inconstitucionalidade do n° 1 da Portaria n° 145/86, por si ou conjugada com a norma do artº 7°-B, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n° 110-A/81 por violação dos artºs 2°, 26° e 72° da CRP, preceitos estes só agora invocados; c) O Decreto-Lei n.° 110-A/81 corrigiu as pensões degradadas de aposentação, reforma e invalidez, aumentando-as em 15%; d) O Decreto-Lei n.º 245/81 estabeleceu, no artº 7°-A, n.ºs 1 e 2, o processo de cálculo e determinou que a correspondência de categorias constaria da tabela de equivalências aprovadas por portarias conjuntas dos Ministros competentes; e) Mais determinou que essas tabelas teriam em consideração os requisitos de provimento, o posicionamento na tabela de vencimentos no momento da aposentação e a transição para o actual ordenamento de carreiras; f) A Portaria n° 145/96 estabeleceu que a letra de vencimento a ter em conta no cálculo das pensões não podia ser inferior àquela que serviu de base ao cálculo inicial; g) Não resulta dos autos que aquela Portaria, nas tabelas de equivalências, tenha violado os requisitos de provimento, posicionamento da tabela de vencimentos no momento da aposentação e regras para o ordenamento das carreiras, actualizadas em 1981; h) O Recorrente não demonstrou, na equiparação que impugna, que os requisitos de provimento do lugar de Chefe de Divisão que ocupou em Angola eram os mesmos que se exigiam para o provimento no cargo de Chefe de Divisão no regime geral da função pública, não tendo tal ficado apurado nos autos; i) A Portaria em causa não foi contra ou além do estabelecido no Decreto-Lei n°
110-A/81, nem procedeu a despromoção dos funcionários em causa, mas, antes, a aumentos de pensões; j) As normas dos artºs 7°, 7°-A e 7°-B do Decreto-Lei n° 110-A/81 e o n° 1 da Portaria n° 145/86 não padecem de inconstitucionalidade, porquanto não violam
(como bem diz o douto Acórdão recorrido, cuja fundamentação sufragamos):
- o princípio da segurança e estabilidade no emprego, já que não se reportam a situações de trabalhadores no activo;
- o princípio da garantia dos direitos adquiridos, pois os pensionistas tinham direito a uma pensão, que se mantém, não tendo tal direito sido afectado nem o será, no futuro, uma vez que se aplicarão as regras normais dos aumentos das pensões;
- o princípio de igualdade, pois não se descortina ‘qualquer discriminação injustificada e constitucionalmente censurável’.”
2. Notificado para se pronunciar sobre as questões obstativas ao conhecimento do objecto do recurso suscitadas nas alegações do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, o recorrente veio responder o seguinte:
“- Quanto à afirmação de que ‘o recorrente, só agora invoca a inconstitucionalidade do n.º1 da Portaria 145/86 (por si ou conjugada com a norma do artigo 7-B n.ºs 1 e 2 do Dec-Lei 110-A/81, por violação dos artigos 2,
26 e 72 da C.R.P.)’, basta conferir, com atenção, o que consta da alínea b) do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, para se concluir pela improcedência dessa afirmação e da correspondente dita questão prévia. Nessa alínea b) pode ler-se com segurança: ‘pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da Portaria 145/86, de 15 de Abril, mais propriamente do seu n.º 1, na parte em que aprovou as tabelas de equivalência a que se refere o seu anexo mapa V (...)’.
- Mostra-se, portanto, delineada uma questão de constitucionalidade normativa sempre que do processo interpretativo seguido pelo Tribunal recorrido decorra, não a adopção de uma pura operação subsumptiva do caso à norma, mas a adopção de um critério normativo, dotado de abstracção e susceptível de ser invocado e aplicado a propósito de uma pluralidade de situações concretas. “
3. Nas alegações do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente pede-se o não conhecimento do recurso por dois motivos:
- O recorrente não pretende a apreciação de uma questão de constitucionalidade de normas, mas antes da interpretação que o tribunal a quo lhes deu;
- Não se verifica coincidência quanto ao âmbito do recurso entre o definido no requerimento de interposição e o sustentado nas alegações.
Nenhum deles é procedente.
3.1. Para o recorrido, a circunstância de o recorrente reportar a inconstitucionalidade a “uma determinada interpretação dada na decisão recorrida às normas impugnadas” não constitui questão de constitucionalidade normativa.
É certo que a competência do Tribunal Constitucional, em fiscalização concreta de constitucionalidade, consiste na verificação da constitucionalidade de normas. Neste sentido se diz que o recurso para ele interposto tem por objecto normas que tenham sido aplicadas (no caso previsto no citado artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC) pela decisão judicial impugnada e cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada pelo recorrente durante o processo, perante o tribunal que a proferiu.
Porém, este Tribunal nunca adoptou a perspectiva simplista de negar a sua competência sempre que a inconstitucionalidade que é chamado a apreciar, em fiscalização concreta, resida, não na norma abstractamente considerada (de sentido determinado por um intérprete ideal), mas na interpretação que dela tenha feito a decisão recorrida. Como se disse, por exemplo, no Acórdão nº
238/94, Diário da República, II Série, de 28 de Julho de 1994, citando J.M. Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 1992, p.50, a questão de inconstitucionalidade pode respeitar não apenas à norma, ou a uma sua dimensão parcelar, considerada em si, mas também, e mais restritamente, à interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida.
Ora, nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo o recorrente conclui do seguinte modo:
“(...)
11. A interpretação que o douto Acórdão sob recurso fez das normas dos artigos
7, 7-A e 7-B do Dec-Lei 110-A/81 e norma 1ª da portaria regulamentar 145/86, permitindo baixar os funcionários públicos aposentados com a categoria de Chefes de Divisão (letra E) para a de Chefes de Secção (letra H), contrariaria os princípios constitucionais de segurança e estabilidade no emprego, da garantia dos direitos adquiridos e legalmente protegidos, assim como o princípio da igualdade, tornando-as inconstitucionais. Todavia,
12. Quando as normas infraconstitucionais consentem duas interpretações possíveis. tudo requere que se siga aquela que se conforme à constituição.
13. No caso sob apreço, as citadas normas do Dec-Lei 110-A/81, consentem, como se demonstrou, uma interpretação conforme à Constituição, aos princípios da segurança no emprego, da estabilidade das situações funcionalmente alcançadas, da protecção dos direitos adquiridos e legalmente protegidos, assim como do princípio da igualdade impedindo que, arbitrariamente, sem justificação razoável e sem base em critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes, se baixe determinada categoria de funcionários, há muito aposentados, (Chefes de Divisão - letra E) para categoria inferior (Chefes de Secção - letra H).
(...)”
E no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, fez as seguintes indicações:
“(...) b) Pretende-se ver a inconstitucionalidade da Portaria 145/86, de 15 de Abril, mais propriamente do seu n.º 1, na parte em que aprovou as tabelas de equivalência a que se refere o seu anexo mapa V, onde se faz corresponder aos funcionários públicos portugueses já aposentados com a categoria de Chefes de Divisão do Ministério do Ministério do Trabalho e da Segurança Social de Angola
(ao tempo Letra E) a Chefes de Secção (ao tempo, Letra H) da escala do funcionalismo público português no activo, quando conjugada com os artigos 1, 7,
7-A e 7-B do Dec-Lei 110-A/81, de 14 de Maio, os dois últimos artigos aditados pelo Dec-Lei 245/81, de 24 de Agosto (n.º 1 da citada Portaria e seu anexo mapa V, pág. 921, do D.R. 1ª Série de 14/04/86). c) Tais normas, na interpretação dada pela decisão recorrida, ofendem e violam os princípios da segurança no emprego, a estabilidade das situações profissionais legalmente constituídas, da confiança na garantia dos direitos adquiridos e legalmente protegidos a impor, tanto aos órgãos legislativos como à própria Administração activa, a tomada de medidas orientadas por critérios de valores que respeitem a efectividade dessa confiança com base nos princípios da igualdade, proporcionalidade e justiça, princípios constitucionalmente consagrados nos artigos 50, 53 e 266 da Constituição da República; d) A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos supra referenciados e nas alegações de recurso para o Tribunal ora recorrido, mais propriamente nos seus artigos 27 a 33 e nas conclusões 11 a 13 daquela peça processual;
(...).”
Estamos, claramente, perante uma questão de constitucionalidade de determinado sentido normativo acolhido na decisão (o critério normativo da solução do caso imputado a um “bloco legal” e regulamentar) e não de impugnação da decisão propriamente dita, pelo que improcede a questão obstativa suscitada pelo recorrido.
3.2. Também improcede a objecção suscitada pelo recorrido quanto ao
âmbito de apreciação da questão de constitucionalidade. A objecção respeita agora não à norma submetida ao teste de constitucionalidade, mas aos parâmetros mobilizáveis para o efeito, que o recorrido entende não poderem incluir as normas ou princípios constitucionais invocados ex novo nas alegações do recorrente. Ora, esta pretensão de delimitação do poder cognitivo do tribunal, por preclusão do direito de dedução da parte, esbarra contra norma expressa.
Efectivamente, nos termos do artigo 79º-C da LTC, o Tribunal só pode julgar inconstitucional (ou ilegal) a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação, mas pode fazê-lo com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais (ou legais) diversos daqueles cuja violação foi invocada. É pressuposto do recurso ter o interessado acusado essa norma de inconstitucional ( ou ter-lhe o tribunal recusado aplicação, com esse fundamento), mas o posterior escrutínio estende-se a toda a questão de constitucionalidade e não ao vício específico levantado perante o tribunal da causa. Ora, se o Tribunal Constitucional pode conhecer ex oficio com essa extensão, por maioria de razão, há-de poder fazê-lo mediante alegação.
4. A norma cuja constitucionalidade vem impugnada é o n.º 1º da Portaria n.º 145/86, de 15 de Abril, com referência ao Mapa V anexo, na parte em que faz corresponder à categoria de “Chefe de divisão” do Ministério do Trabalho e segurança Social de Angola à data da aposentação a de “Chefe de secção” do actual ordenamento de carreiras.
E na Portaria, publicada em execução do disposto no n.º 1 do artigo
7º-B, do Decreto-Lei n.º 110-A/81, de 14 de Maio, aditado pelo Decreto-Lei n.º
245/81,de 24 de Agosto, aprovou as tabelas de equivalência de categorias da Administração Pública para efeitos de actualização de pensões degradadas. Tendo em atenção o estado de degradação em que se encontrava grande número de pensões de aposentação, reforma, invalidez, sobrevivência e pensões especiais, o Decreto-Lei n.º 245/81,de 24 de Agosto, estabeleceu medidas tendentes, segundo o preâmbulo do diploma, a “promover a recuperação dessas prestações a níveis que, quer numa perspectiva social, quer numa perspectiva de custos orçamentais, se configuram como os possíveis no corrente ano [1981]”, sempre considerando que
“[q]ualquer das medidas adoptadas, que se integram numa política geral de melhoria da situação do funcionalismo público, especialmente do mais carenciado e desprotegido, acarreta custos significativos e envolve um esforço orçamental que só com muita dificuldade se pôde compatibilizar com a estratégia de extrema contenção dos gastos públicos”. Para tanto, aditou ao Decreto-Lei n.º 110-A/81, de 14 de Maio (alterou a tabela de vencimentos, gratificações e pensões dos funcionários e agentes da Administração Pública), em cujo preâmbulo já se tinha anunciado esse propósito (cfr. nº 2 do preâmbulo deste diploma), um novo capítulo, instituindo o acompanhamento pelas pensões da evolução dos vencimentos do pessoal do activo, com a seguinte redacção:
“Art. 7º-A – 1 – As pensões a que se referem as alíneas do n.º 1 do artigo 7º serão determinadas, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 1981, por forma que: a) Os vencimentos a ter em conta no cálculo das pensões a que se refere a alínea a) daquele número sejam de montante igual a 76,5% dos vencimentos das categorias correspondentes do activo fixados os termos do presente diploma; b) Nenhuma pensão de sobrevivência a que se refere a alínea b) do referido n.º 1 do artigo 7º seja inferior a 60% da correspondente pensão de aposentação, calculada nos termos da alínea anterior; c) As pensões de preço de sangue e outras a cargo do Ministério das Finanças e do Plano a que se refere a alínea c) do mesmo número sejam aferidas pelos vencimentos das categorias correspondentes do activo fixadas pelo presente diploma.
2 – O processo de cálculo estabelecido no número anterior será aplicado às pensões aumentadas nos termos do artigo 7º, não podendo, em qualquer caso, resultar dessa aplicação redução dos montantes percebidos. Art. 7º-B –1 – A determinação da correspondência de categorias para efeitos do disposto no artigo anterior constará de tabelas de equivalências aprovadas por portarias conjuntas dos Ministros da Administração Interna, das Finanças e do Plano e da Reforma Administrativa, as quais terão em conta os requisitos de provimento, o posicionamento na tabela de vencimentos no momento da aposentação e a transição para o actual ordenamento de carreiras.
2 – Competirá em conjunto à Direcção-Geral dos Recursos Humanos, à Direcção-Geral de Integração Administrativa e à Direcção-Geral da Administração Regional e Local a elaboração das tabelas de equivalências referidas no número anterior, face aos elementos que lhes serão facultados pela Caixa Geral de Aposentações e pela Direcção-Geral da Contabilidade Pública.
3 – Relativamente às forças armadas e respectivo pessoal civil, as tabelas de equivalências serão elaboradas pelos serviços competentes dos respectivos estados-maiores e aprovadas por portaria conjunta do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, do Ministro da Defesa Nacional, do Ministro das Finanças e do Plano e do Ministro da Reforma Administrativa.
4 –Relativamente às forças militarizadas e respectivo pessoal civil, as tabelas de equivalências serão elaboradas pelos serviços dos Ministérios da tutela e aprovadas por portarias conjuntas do Ministro competente, do Ministro das Finanças e do Plano e do Ministro da Reforma Administrativa.
5 – Na elaboração das tabelas de equivalências do pessoal civil a que se referem os números anteriores , a Direcção-Geral dos Recursos Humanos e a Direcção-Geral de Integração Administrativa prestarão a necessária assessoria técnica.
6 – A determinação da correspondência de categorias para efeitos do n.º 1 deste artigo relativamente aos indivíduos que à data da aposentação prestavam serviço a empresas públicas ou a entidades suas antecessoras constará de tabelas de equivalências aprovadas pelos órgãos competentes face aos elementos que lhes serão facultados pela Caixa Geral de Aposentações.
.......................................................................................................”
Actualizaram-se as pensões em função do vencimento estabelecido para as correspondentes categorias no activo. Mas, não havendo sempre identidade, face à evolução do ordenamento das carreiras na função pública, entre as categorias nominais em que os interessados se tinham aposentado e as do ordenamento actual [por referência à data de implementação da medida], o processo de actualização ficou dependente de aprovação de uma tabela de equivalências, a efectuar mediante diploma regulamentar, tendo em conta os requisitos de provimento, o posicionamento na tabela de vencimentos no momento da aposentação e a transição para o actual ordenamento de carreiras.
A Portaria n.º 145/86, de 15 de Abril, insere-se neste programa de recuperação de pensões degradadas e esgota nisso a sua finalidade. Na parte que interessa o n.º 1 com referência ao Mapa V, cujo carácter de acto normativo o tribunal “a quo” aceitou, faz corresponder à categoria de Chefe de Divisão(Ministério do Trabalho e Segurança Social de Angola) à data da aposentação, a categoria de Chefe de secção (letra H), no actual ordenamento de carreiras.
5. O recorrente começa por concluir que a referida norma infringe
“os artigos 2°, 26°, 72° e 53º, da Constituição, entre si conjugados, na perspectiva da violação dos princípios da confiança e da segurança [jurídica]”. Para tanto argumenta que com o “sentido redutor” adoptado no acórdão recorrido são atingidos direitos constitucionais protegidos da esfera jurídico-pessoal do funcionário aposentado, que não têm o seu mundo vivencial confinado à pensão de aposentação que lhe é paga, direitos adquiridos no activo e projectados na aposentação, afectando-se de forma inadmissível, com a baixa da categoria que tinha à data da aposentação, um mínimo de certeza nos seus direitos e nas expectativas que lhe foram criados
Há nesta construção um equívoco fundamental que prejudica o confronto útil da norma em causa com os parâmetros constitucionais da protecção da confiança e da segurança jurídicas, ínsitos no princípio do Estado de Direito, expressamente consagrado no artigo 2º da Constituição.
Efectivamente, toda a argumentação do recorrente para convencer de que houve lesão dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assenta na atribuição à norma em causa de um sentido que extravasa a sua expressa finalidade e só desse (errado) pressuposto cobra sentido: a de que, mediante ela, se operou uma degradação da categoria com repercussão sobre a situação jurídica global dos aposentados a que se aplica. Sucede que a equiparação da categoria de “chefe de divisão” do Ministério do Trabalho e Segurança Social de Angola a “chefe de secção” é restrita ao fim que ditou a edição da portaria de equivalências : a recuperação das pensões degradadas. É um mero factor de cálculo de actualização das pensões, nisso se esgotando os seus efeitos. Ora, nesse domínio não funciona em desfavor dos ex-funcionários abrangidos, por um lado, porque no regime jurídico da aposentação não existia um direito à actualização da pensão por indexação ao vencimento estabelecido para a categoria pela qual o funcionário se aposentou – daí, precisamente, a degradação relativa das pensões – e, por outro lado, porque da sua aplicação não podia resultar redução dos montantes percebidos (n.º 2 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 245/81). E não funciona fora desse estrito domínio de
(re)cálculo da pensão de aposentação, não operando retroactivamente, nem atingindo outros eventuais direitos integrantes da situação jurídica de aposentado emergentes da categoria que o interessado atingiu no activo.
É, assim, manifesto o carácter infundado da imputação à norma em causa de violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança (artigo 2º da CRP).
Excepto no que respeita ao principio a igualdade (artigo 13º da CRP), a indicação, pelo recorrente, dos demais preceitos constitucionais que diz violados integra um bloco normativo com o princípio geral da segurança jurídica
(em sentido lato), pelo que a improcedência deste aspecto da questão dispensa a sua consideração autónoma.
Acrescentar-se-á, todavia, sumariamente, o seguinte:
- A norma em causa não contende com qualquer dos “outros direitos pessoais” garantidos pelo artigo 26º da Constituição, designadamente com o direito ao bom nome e à reputação, desde logo, por um lado, porque não atinge, directa ou reflexamente, qualquer aspecto da situação jurídica do funcionário aposentado que não seja o puramente pecuniário. Com efeito, o direito ao bom nome e reputação consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrém. Ora, os efeitos da norma não incidem sobre quaisquer destes bens jurídicos, nem consistem ou envolvem qualquer juízo pessoal desfavorável sobre a pessoa ou a actuação passada ou presente do interessado.
- E não tem virtualidade para violar o artigo 72º da Constituição – independentemente de considerações sobre a natureza programática desta norma – porque opera, precisamente, em sentido exclusivamente favorável às pessoas idosas que abrange.
- Finalmente é inteiramente deslocado falar em violação do princípio da segurança no emprego a seu propósito uma vez que pela aposentação se extingue a relação jurídica de emprego público stricto sensu (artigo 28º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro) e o direito à segurança no emprego é a expressão directa da vertente negativa do direito ao trabalho, garantindo, grosso modo, a manutenção do emprego, o direito a não ser privado dele (G. Canotilho e V. Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., p.
286). A relação jurídica de emprego público e a relação jurídica de aposentação são realidades distintas, embora relacionadas, na medida em que esta depende daquela (Cfr. J. Cândido de Pinho, Estatuto da Aposentação, p. 121). É certo que o aposentado continua a ser sujeito de direitos e deveres inerentes à qualidade de funcionário, designadamente, conservando os títulos e a categoria do cargo que exercia e os direitos e deveres que não dependam da situação de actividade
(artigo 74ºdo Estatuto da Aposentação), mas com isso não interfere a Portaria, que tem alcance puramente económico, de cálculo da actualização da pensão.
6. Resta considerar a alegada violação, pela norma em causa, do princípio da igualdade.
Conforme este Tribunal tem repetidamente afirmado (e é o próprio recorrente que o lembra), o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adopção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (Cfr., para maiores desenvolvimentos, dando abundante notícia de jurisprudência e doutrina pertinentes, o Acórdão n.º
232/2003, Diário da República, I série A, de 17 de Junho de 2003).
Ora, recordando, mais uma vez, que a portaria de equivalências se insere num programa legislativo que é o de permitir a recuperação de pensões degradadas, não pode considerar-se resultar de opção arbitrária a atribuição de categorias diferentes, para esse efeito, a aposentados que tinham a mesma categoria nominal, quando essa atribuição (categoria de equivalência) deva tomar em consideração (deva ser o resultado de) os requisitos de provimento, o posicionamento na tabela de vencimentos no momento da aposentação e as regras de transição para o actual ordenamento das carreiras (artigo 7º-B do Decreto-Lei n.º 110-A/81). A equivalência é estabelecida com base em critério materialmente fundado e adequado ao fim em vista. Se o resultado concreto da ponderação dos elementos que o integram não está conforme ao que deles deveria decorrer, ainda que esse normativo seja indevidamente diferenciador (por deficiência quanto à categoria em causa ou por excesso quanto a outras), o problema que se coloca é de ilegalidade que, na distribuição de competência para apreciação da validade de normas regulamentares, não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar ( Cfr. artigos 280º e 281º da Constituição e artigos 40º, alínea c) do anterior ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril e alterado pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro e artigos 24º e 39º do actual ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro e alterado pela Lei n.º 4-A/2003, de
19 de Fevereiro e pela Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro).
7. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, quanto à referida questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Julho de 2004
Vítor Gomes Gil Galvão Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida