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Processo nº 839/2003
3ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Da decisão lavrada pelo relator em 10 de Maio de 2004 e nos presentes autos, decisão essa por intermédio da qual foi concedido provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público da sentença proferida em 29 de Setembro de 2003 pelo Juiz do 5º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, reclamou a Câmara Municipal de Lisboa, dizendo, em síntese, que a norma constante da alínea e) do artº 29º do Decreto-Lei nº 40/95, de 15 de Fevereiro, era inconstitucional, que o “contrato administrativo consubstanciado no Decreto-Lei nº 49/95” violava “indiscutivelmente o artº 165º, nº 1, als. q) e v) e 283º, nºs 1, 3 e 4 da CRP - padecendo de inconstitucionalidade o artº 1º do DL 40/95” e, quando assim se não entendesse, deveria aquela alínea e) do artº
29º ser julgada ilegal por violação de lei de valor reforçado - a Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro.
Ouvido sobre a reclamação, o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de, mesmo a entender-se ter a Câmara Municipal de Lisboa legitimidade para intervir neste processo, e sendo inadmissível a pretensão de convolar um recurso, fundado na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, num recurso que versaria a apreciação de invocadas ilegalidades por violação de lei reforçado, não se vislumbra, na sua perspectiva, “qual o objectivo prosseguido por uma reclamação deduzida da decisão que se limitou a aplicação acabada de definir pelo Plenário do Tribunal Constitucional”.
Cumpre decidir.
3. Como se viu, impugna a Câmara Municipal de Lisboa (e independentemente de se estar agora a entrar na análise da questão de saber se a mesma deve ser, ou não, considerada como «parte» legítima para deduzir a reclamação) a decisão sub specie numa tripla perspectiva:-
- por um lado, a de se afigurar que a norma objecto de apreciação por tal decisão enfermar do vício de inconstitucionalidade;
- por outro, que o «contrato de concessão» consubstanciado no Decreto-Lei nº 40/95 é inconstitucional, sendo-o também o artº 1º desse diploma;
- por outro, ainda, de a norma da alínea e) do artº 29º padecer do vício de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado.
3.1. No que concerne aos primeiros dos dois indicados vícios, importa assinalar que o presente recurso teve, e só, como seu objecto, a norma ínsita na alínea e) do artº 29º do Decreto-Lei nº 40/95, não se abarcando nele, pois, quer o seu artº 1º, quer o denominado «contrato de concessão».
Pelo que, relativamente a estas duas últimas questões, sempre seria vedado das mesmas se conhecer na decisão reclamada.
3.2. No que concerne à alínea e) do artº 29º, suportou-se a decisão reclamada nas razões que levaram ao juízo de não desconformidade com a Constituição levado a efeito no Acórdão nº 288/2004, tirado em plenário.
Não vislumbrando este Tribunal que tais razões e juízo devam ser diversas, é de manter o que consta da decisão em apreço.
3.3. No que toca ao invocado vício de ilegalidade, do mesmo não poderia a decisão em causa conhecer e, consequentemente, não poderá o Tribunal Constitucional dar atendimento à reclamação.
Na verdade, o recurso para este órgão de fiscalização concentrada de constitucionalidade foi esteado na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, ou seja, na recusa de aplicação de uma dada norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.
No particular de que ora se cura, a reclamação deduzida pela Câmara Municipal de Lisboa, em rectas contas, pretende, afinal, que este Tribunal venha a tomar conhecimento do objecto de um recurso que não foi aquele com base no qual foi interposto, mas sim de um - eventual - recurso que só teria cabimento se ancorado na alínea c) do nº 1 do indicado artº 70º, sendo certo que do artº 79º-C da Lei nº 28/82 não pode ser interpretado, como parece fazê-lo a impugnante, no sentido de tendo a decisão recorrida julgado inconstitucional determinada norma, pode o Tribunal Constitucional julgá-la ilegal ou, tendo a decisão recorrida julgada ilegal dada norma, pode o Tribunal Constitucional julgá-la inconstitucional.
Efectivamente, a asserção, constante da parte final daquele artº 79º-C, “mas pode fazê-lo com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada” tem de compaginar-se com o vício que determinou - como no caso ocorreu
- a recusa de aplicação.
Ou seja, se a decisão recorrida desaplicou, por inconstitucionalidade, uma dada norma, baseando-se na violação de determinados normativos ou princípios constitucionais, este Tribunal poderá julgar inconstitucional aquela desaplicada norma, mas com fundamento em normas ou princípios constitucionais diferentes dos que foram convocados para a recusa de aplicação.
Se, por seu turno, a decisão recorrida efectuou a desaplicação, por ilegalidade, de certa norma, fundando-se na violação de uma norma legal, verbi gratia, constante de lei de valor reforçado, o Tribunal Constitucional poderá julgar essa norma ilegal, mas com fundamento em ser ela conflituante com outra norma ou princípio constante dessa lei de valor reforçado, ou pelo vício de violação de lei infra-constitucional permissor da abertura da via dos recursos de ilegalidade previstos no nº 1 do dito artº 70º.
Neste contexto, indefere-se a reclamação.
Lisboa, 3 de Junho de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida