Imprimir acórdão
Processo n.º 225/2004
3ª Secção Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 24 de Maio de 2004 o relator lavrou decisão com o seguinte teor:
“1. Pelo 1º Juízo Cível do Tribunal do Porto propuseram A. e mulher, B., contra C., acção, seguindo a forma de processo sumário, visando a denúncia do contrato de arrendamento incidente sobre um determinado prédio urbano, sito no Porto, prédio esse pertença dos autores e do qual o seu filho necessitaria para nele habitar.
Por saneador/sentença proferido em 16 de Abril de 2002, foi a ré absolvida do pedido, já que foi entendido que os autores se encontravam
‘impedidos de exercer o seu eventual direito de denúncia do contrato de arrendamento facultado pela al. a) do nº 1 do artº 69º do R.A.U. por ocorrer, no momento em que deveria produzir efeitos, a circunstância prevista na al. b) do nº 1 do artº 107º do mesmo diploma legal, na sua redacção actual’.
Não se conformando com o assim decidido apelaram os autores para o Tribunal da Relação do Porto.
Na alegação que, na apelação, produziu, a ré não suscitou qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por parte de norma ou normas
ínsitas no ordenamento jurídico infra-constitucional.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 28 de Janeiro de 2003, revogou a decisão impugnada, a fim de a mesma ser substituída por outra ‘que, julgando embora inaplicável ao caso a excepção às limitações do direito de denúncia prevista no art. 108º do RAU’, fizesse prosseguir os autos.
Desse aresto arguiu a ré a respectiva nulidade e solicitou a sua reforma.
Na peça processual consubstanciadora dessas pretensões, a ré, em dado passo, disse:
‘.....................................................................................................................
1 - Cronol[o]gicamente, e sobre o tema da limitação ao exercício do direito de denúncia do arrendamento com fundamento no tempo da sua duração, ocorreram, os seguintes actos com efeitos da sua regulação:
- O diploma da Lei 55/79 de 15/9 que introduziu as limitações ao exercício do direito de denúncia, entre as quais, a da duração do arrendamento na titularidade do arrendatário por 20 ou mais anos;
- O diploma do dec-lei 321-B/90 de 15/10(R.A.U.) que entrou em vigor em 15/11/90
- artigo 2º do Decreto Preambular,- e que revogando a Lei 55/79 introdutória dessas limitações, veio no artigo 107 nº 1 alínea b) da sua primitiva redacção, a alterar de 20 para 30 ou mais anos essa duração do arrendamento;
- 0 Acórdão do Tribunal Constitucional de 16/2/2000 publicado no D.R. de
17/3/2000 que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da citada disposição do artigo 107 nº 1 alínea b) do R.A.U. na sua primitiva redacção, referente [à]quela alteração da duração do arrendamento para 30 ou mais anos;
- O diploma do dec-lei 329-B/2000 de 22/12/2000 que entrou em vigor em
22/1/2001, e que no que concerne ao caso dos autos, e em conformidade com o artigo 2º alínea o) da Lei de autorização nº 16/ 2000 de 8/8, alterou o artigo
107 do R.A.U., estabelecendo na alínea b) do seu nº 1 como limitação ao exercício do direito de denúncia o seguinte que se transcreve: ‘manter-se o arrendatário no local arrendado há 30 ou mais anos, nessa qualidade, ou por um período de tempo mais curto previsto em lei anterior e decorrido na vigência desta’-(referindo-se à Lei anterior como é evidente) . Ora,
2 - Determina a disposição do nº 1 do artigo 282 da Const. Rep.Port. - inalterável até à última Revisão Constitucional da Lei nº 1/97 de 20/9 em vig[o]r, que,
‘A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repr[i]stinação das normas que ela, eventualmente haja revogado.
3 - Deste preceito resulta, e em primeiro lugar, que por força da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do citado Acórdão do Tribunal Constitucional de 17/3/2000,
0 normativo da alínea b) do nº 1 do artigo 107º do R.A.U. da sua primitiva redacção deixou de ser aplicável desde a sua entrada em vigor em 15/11/90.
0 que significa ter desaparecido deste diploma a alteração para trinta anos de duração do arrendamento para a limitação ao exercício do direito de denúncia. E em segundo lugar, Que, por repr[i]stinação, ficou reposta em vigor a limitação ao exercício do direito de denúncia da duração do arrendamento pelo tempo de 20 ou mais anos da Lei 55/79, que o R.A.U. revogara. Significa que, desde 15/11/90 data da entrada em vigor do R.A.U. até à publicação do novo diploma do dec-lei 329-B/2000 de 22/12/2000 que só entrou em
,vigor em 22/1/2001, a alterar a redacção do artigo 107 do R.A.U., e a estabelecer a duração do arrendamento em 30 anos ou por tempo mais curto previsto em lei anterior e decorrido na vigência desta,
A duração do arrendamento dentro do período assinalado como limitação ao exercício do direito de denúncia era e foi a vigente de 20 anos da lei anterior
55/79.
Portanto,
4 - 0 arrendamento sub-judice data 1/8/74. Em 1/8/94, e por força dos artigos 85 e 107 nº 2 do R.A.U., completaram-se 20 anos da sua duração em plena vigência da Lei 55/79, muito antes do dec-lei 329 B/2000 de 22/12/2000, vigente só a partir de 22/1/2001, ter estabelecido a de
30 anos, com expressa ressalva de aplicação de duração mais curta decorrida na vigência da lei anterior, precisamente a duração mais curta de 20 anos da Lei
55/79.
5 - Estas as razões pelas quais o saneador-sentença recorrido, bem julgou procedente a limitação ao exercício, do direito de denúncia, e que a Apelada também havia posto na sua contestação.
6 - 0 Acórdão em análise, ao revogar a decisão recorrida, considerou porém que o prazo de duração do arrendamento para a limitação ao exercício do direito de denúncia era o de 30 anos, ainda não completados e decorridos ao tempo da primitiva redacção do artigo 107 nº 1 alínea b) do R.A.U. em que era exercido o direito e esta produzia os seus efeitos. E a Apelada, tem absolutamente como certo, que só assim decidiu por manifesto lapso de falha humana de não ter reparado:
- Na declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da alínea b) do nº 1 do artigo 107 do R.A.U. que alterou para 30 anos a duração do arrendamento, decretada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional de 16/2/2000 citado;
- Nem na disposição do artigo 282 da Constituição da República, que estabelece os efeitos dessa declaração, e em face dos quais se determina que a norma legal de aplicação ao caso sub-judice quanto ao tempo de duração do arrendamento para a limitação ao exercício da denúncia, é a repr[i]stinada do diploma da Lei
55/79, de 20 anos, decorridos e mais que completados na vigência deste diploma, e antes da entrada em vigor do diploma do dec-lei 329-B/2000, de 22/12. Não fora o ocorrido lapso, e o Acórdão em análise, não tinha decidido não se haver ainda completado o prazo de duração do arrendamento para a limitação ao exercício do direito à denúncia.
E tal lapso importa a inconstitucionalidade do Acórdão que se suscita, por violação do Acórdão do Tribunal Constitucional citado e do artigo 282 da Const. Rep. Port., que determinou a escolha errada da norma aplicável à duração do arrendamento no caso dos autos, para a limitação ao direito de denúncia.
............................................................................................................................................................................................................................................’
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 8 de Abril de 2003, desatendeu tais pretensões.
Do acórdão de 28 de Janeiro de 2003 pediu revista a ré, ‘com fundamento na ofensa de caso julgado’, recurso esse do qual, após algumas vicissitudes processuais que agora não relevam, não veio a ser tomado conhecimento pelo acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 29 de Janeiro de 2004.
Dos acórdãos tirados pelo Tribunal da Relação do Porto em 28 de Janeiro e 8 de Abril de 2003 recorreu a ré para o Tribunal Constitucional, o que fez por intermédio de requerimento onde escreveu:
‘............................................................................................................................................................................................................................................ A)- Descrição prévia do objecto do processo e das decisões nele proferidas, para enquadramento do tipo, e fundamentos dos recursos de constitucionalidade que ora interpõe para o Tribunal Constitucional:
1- Acção de denúncia do arrendamento habitacional proposta em 20/12/2001 pelos senhorios-apelantes, e não emigrantes, com fundamento na necessidade de casa para habitação de seu descendente do primeiro grau, este alegadamente emigrante e pretendente a regressar ao país, facultada pela alínea a) do nº 1 do artigo 69 do R.A.U.
2 - O arrendamento denunciando é escrito, teve o seu início em 1/8/74, com prazo de ano sucessivamente prorrogável, e completou em 1/8/94 a duração de 20 anos na titularidade da apelada arrendatária, para quem se transmitira por falecimento do marido - artigos 84 e n° 2 do artigo 107 do R.A.U..
3 - A acção foi contestada pela arrendatária, por impugnação, e por excepção com a limitação ao exercício do direito de denúncia pela duração do arrendamento por mais de 20 anos completados em 1/8/94, invocando quanto a esta o seguinte: a) Pelo Acórdão n° 97 do Tribunal Constitucional de 16/2/2000 publicado no D.R. de 17/3/2000, foi declarada com forca obrigatória geral, a inconstitucionalidade da disposição da alínea b) do n° 1 do artigo 107 do R.A.U. na sua primitiva redacção que, para efeitos da aludida excepção da limitação ao exercício do direito de denúncia, alterou para 30 anos, o período de duração de arrendamento de 20 anos da Lei 55/79 de 15/9/79;
b) A declaração da aludida inconstitucionalidade, produz os efeitos desde a entrada em vigor daquele normativo declarado inconstitucional (ou seja, desde a vigência do R.A.U. em 1990), e a reposição, por repr[i]stinação, do período de
20 anos de duração do arrendamento da Lei 55/79 – artigo 282 da Const. Rep. Port.. Consequentemente, c) No caso dos autos, a apelada-arrendatária, completou em 1/8/94, o período de
20 anos de duração do arrendamento, ao abrigo da repr[i]stinada Lei 55/79, suficiente para o impedimento ao exercício do direito de denúncia; e muito antes da entrada em vigor do dec-lei 329- B/2000 de 22/12/2000 que dando nova redacção
à alínea b) do n° 1 do artigo 107 do R.A.U. recolocou novamente o período de duração do arrendamento em 30 ou mais anos, mas excepcionando as situações em que esse período f[o]sse mais curto previsto e decorrido na vigência de Lei anterior. Como na situação dos autos, em que o período mais curto de 20 anos de duração era o exigido e fora decorrido na vigência da repr[i]stinada Lei 55/79.
4 - Por sua vez, no articulado da resposta, os senhorios-apelantes, opuseram a esta excepção da limitação ao exercício de denúncia, a excepção impeditiva desta prevista no artigo 108 do R.A.U., sustentada na alegada factualidade do descendente do primeiro grau por necessidade de habitação de quem se peticionava a denúncia, ser emigrante e pretender regressar ao país; e na aplicação por analogia e interpretação extensiva da citada disposição do artigo 108, à situação em que, não sendo embora o senhorio denunciante, emigrante pretendente a regressar ao país, o f[o]sse contudo o descendente do primeiro grau por necessidade de habitação de quem o primeiro peticiona a denúncia.
5- O despacho saneador-sentença julgou procedente a excepção da limitação ao exercício do direito de denúncia com as razões apontadas nas alíneas a) a c) do ponto 3 supra, com absolvição da apelada-arrendatária do pedido; e julgou improcedente a excepção oposta a esta do artigo 108 do R.A.U., com a razão da factualidade alegada nos autos não integrar a previsão legal determinante da aplicação deste normativo.
6 - Deste saneador-sentença recorreram de Apelação os apelantes-senhorios, os quais nas suas alegações de fls. . . . : a)- Não impugnam a decisão recorrida quanto à suficiência do período de 20 anos de duração do arrendamento para a procedência da excepção da limitação ao exercício do direito de denúncia previsto, decorrido e mais que completado na vigência da repr[i]stinada Lei 55/79; b)- Restringiram o objecto do recurso tão somente à impugnação da decisão quanto a ter julgado improcedente a excepção prevista no artigo 108 do R.A. U. oposta à primeira impeditiva dos efeitos dela.
7 - O Acórdão do Tribunal da Relação de fls. . . proferido sobre o recurso de Apelação decidiu: a) Julgar improcedente esta excepção prevista no artigo 108 do R.A.U. invocada pelos apelantes senhorios e oposta àquela da limitação ao exercício do direito de denúncia invocada pela apelada-arrendatária; única questão pela qual os apelantes impugnaram o saneador-sentença no recurso de apelação, e o Tribunal da Relação era questionado;
b) Mas, surpreendentemente, resolveu conhecer de questão que não lhe fora posta, julgando improcedente a excepção da limitação ao exercício do direito de denúncia deduzida pela apelada-arrendatária e decidida no saneador-sentença, com aplicação ao caso dos autos da disposição do artigo 107 n° 1 alínea b) do R.A.U. na redacção que lhe fora dada pelo dec-lei 329 B/2000 de 22/12/2000, segundo a qual o período necessário de duração do arrendamento para efeitos da aludida excepção é de 30 anos, que a arrendatária ainda não havia completado à data da propositura da acção; e ordenou que o processo prosseguisse seus termos para fase de instrução.
8 - Deste Acórdão, reclamou a apelada-arrendatária com dois fundamentos: a) Arguição de nulidade prevista na alínea d) do n° 1 do artigo 668 do Cód. Proc. Civil, por conhecer de questão de que não podia tomar conhecimento por não lhe ter sido posta à sua apreciação; b) Pedido de reforma do Acórdão ao abrigo do n° 2 da alínea a) do artigo 669 do mesmo Código, com fundamento na inconstitucionalidade que suscitou, da aplicação
à situação dos autos da norma da alínea b) do n° 1 do artigo 107 do R.A.U., por violação do artigo 282 da Const. Rep. Port. que impunha, por repr[i]stinação, a reposição em vigor da Lei 55/79, face à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do citado Acórdão do Tribunal Constitucional n° 97 de
16/2/2000;
9 - Sobre esta reclamação foi proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de fls.
. . que indeferiu a arguição da nulidade, e não se pronunciou sobre o pedido de reforma do Acórdão proferido sobre o recurso de Apelação.
10 - Deste último, a apelada-arrendatária ainda interpôs recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, (indicado como de Revista, e corrigido para a espécie de Agravo no final da sua peça de fls. . . quando ouvida sobre a admissão do recurso ), com fundamento na ofensa de caso julgado do n° 2 do artigo 678 do Cód. Proc. Civil. Por considerar que, não tendo os apelantes-senhorios no recurso de Apelação interposto, questionado a parte da decisão do saneador-sentença que julgara a procedência da excepção da limitação ao exercício do direito de denúncia, tal importou a sua aceitação quanto a esta parte da decisão nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 681 do Cód. Proc. Civil, e que assim transitara em julgado. Tal assim não entendeu nem acolheu este Supremo Tribunal, que pelo seu Acórdão de fls. . . de 29/I/04, notificado arrendatária aí recorrente em 2/2/04, não admitiu o recurso interposto. Neste contexto em que se inserem os recursos de constitucionalidade das decisões que interpõe, e a cumprir as disposições da Lei 28/82 de 15/11 (LTC) com as alterações que lhe foram introduzidas, relativamente ao tipo, pressupostos e requisitos exigidos à sua admissão, indica: B)Quanto ao recurso de constitucionalidade da decisão do Acórdão do Tribunal da Relação proferido sobre o recurso de Apelação
1 - A cumprir o disposto no n° 1 do artigo 75 A, da indicação da alínea do n° 1 do artigo 70 ao abrigo da qual interpõe este recurso, indica a sua alínea b) – aplicação da norma cuja inconstitucionalidade fora suscitada durante o processo.
2- A cumprir o disposto no mesmo n° 1 do artigo 75 A, da indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, indica a norma da alínea b) do nº 1 do artigo 107 do R.A.U. na redacção dada pelo dec-lei 329 A/2000 de 22/12, relativa à limitação do exercício do direito de denúncia com base na duração do arrendamento, na sua aplicação à situação dos autos, de arrendamento iniciado em 1/8/74 e em que a arrendatária se manteve na titularidade do arrendamento pelo período de 20 anos decorridos e completados em
1/8/1994 ao abrigo da repr[i]stinada e reposta em vigor Lei 55/79; situação excepcionada na parte final da alínea b) do nº 1 do artigo 107 citado.
3- A cumprir o disposto no n° 2 do mesmo artigo 75 A, da indicação da norma ou princípio constitucional que considera violados, indica: a) A norma do artigo 282 da Const. Rep. Port.. Porque, tendo o Tribunal Constitucional pelo seu citado Acórdão n° 97 de 16/2/2000 publicado no D.R. de
17/3/2000 declarado com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da alínea b) do n° 1 do artigo 107 do R.A. U . na sua primitiva redacção, tal declaração segundo o citado artigo da Constituição, produziu os efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e repôs em vigor, por repr[i]stinação, a revogada Lei 55/79 nos termos da qual a duração do arrendamento para efeitos de limitação ao exercício do direito de denúncia é de
20 ou mais anos; normativo constitucional que a decisão ora recorrida violou ao aplicar à situação dos autos, em vez da Lei 55/79, a alínea b) do n° 1 do artigo
107 do R.A.U. na sua actual redacção, sem considerar a excepção da última parte do seu comando normativo. Por isso, e na realidade, o fundamento deste recurso não será assim o da alínea g) do artigo 70 da LTC, não só porque, o que o citado Acórdão n° 97 declarou inconstitucional foi a disposição da alínea b) do n° 1 do artigo 107 do R.A.U. na sua primitiva redacção, e não a da sua actual redacção, como também porque, a norma Constitucional violada foi a do artigo 282 por não ter sido repr[i]stinada e aplicada a Lei 55/79.
4 - A cumprir a parte final do n° 2 do mesmo artigo 75 A, da indicação da peça processual em que a recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade, expõe as seguintes considerações atinentes à oportunidade do cumprimento do requisito da suscitação da inconstitucionalidade, para admissão deste recurso: a) O despacho saneador-sentença, impugnado no recurso de Apelação interposto pelos senhorios apelantes, não enfermava da aplicação de normas com o vício de inconstitucionalidade que acima se apontam ao Acórdão proferido sobre a Apelação. A ora recorrente, foi parte vencedora, e recorrida no recurso de Apelação. b) Nas alegações dos apelantes-senhorios, neste recurso de Apelação, estes não impugnaram o saneador-sentença quanto à questão da suficiência do período de duração do arrendamento para efeitos da limitação ao exercício do direito de denúncia, aceitando o decidido neste saneador, de 20 anos completados em
1/8/1994 por aplicação da Lei 55/79, face à reposição desta em vigor por efeito da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do citado Acórdão do Tribunal Constitucional n° 97. c) A ora recorrente, e aí recorrida, nas suas contra-alegações de resposta no recurso de apelação, também não podia suscitar a inconstitucionalidade da aplicação de normas que ora invoca, por não se prenderem nem estarem em causa no objecto do recurso nem lhe assistir o direito de resposta a questões que não constituíam seu objecto. d) O vício de inconstitucionalidade na aplicação de normas que se aponta, surge pela primeira vez, e com inesperada e surpreendente surpresa, somente na decisão do Acórdão da Relação proferida no recurso de Apelação; esta, pois, a decisão que enferma do apontado vício, e de que a recorrente só tomou conhecimento com a sua prolação. Não teve nem podia ter tido a oportunidade de suscitar a inconstitucionalidade antes da decisão, porque ela ocorre na própria decisão, e após a sua última intervenção no processo. Nas circunstâncias, também não lhe era exigível que antevisse a aplicação de normas viciadas de inconstitucionalidade.
e) Acresce que, doutrinária e jurisprudencialmente, a razão fundamental da exigência da suscitação prévia da inconstitucionalidade durante o processo, assenta na necessidade do Tribunal ‘a quo’ ser confrontado com a questão da inconstitucionalidade antes de esgotados os seus poderes jurisdicionais, para poder emitir pronúncia sobre ela, por tal forma que, só então desta decisão de pronúncia se possa recorrer para o Tribunal Constitucional, como Instância Suprema da apreciação da constitucionalidade. Ora, segundo a disposição do nº 2 do artigo 669 do actual Cód. Proc. Civil, o Tribunal com a prolação da decisão nem sempre fica com os seus poderes jurisdicionais esgotados, porque, as situações previstas no citado artigo, ainda pode reformar a sua própria decisão. Tal sucedeu no caso dos autos, em que a ora recorrente logo reclamou a pedir a reforma de decisão do Acórdão com o fundamento na inconstitucionalidade das normas que aplicou. f) Nas precedentes e descritas circunstâncias processuais, deve ser dispensada da suscitação prévia da inconstitucionalidade para a admissão deste recurso, sempre que a recorrente não tivesse tido intervenção no processo com oportunidade de a suscitar em momento anterior em que o fez, como é jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional, citando-se nesta conformidade apenas os mais recentes Acs. do T.C. nºs 642/99, 674/99, 124/00,
155/00, 192/00, 210/00, e 120/02. C) Quanto ao recurso de constitucionalidade do Acórdão do Tribunal da Relação proferido sobre a reclamação da ora recorrente a pedir a sua reforma ao abrigo da disposição do nº 2 da alínea a) do artigo 669 do Cód. Proc. Civil:
1- A cumprir o disposto no n° 1 do artigo 75 A da indicação da alínea do n° 1 do artigo 70 ao abrigo da qual interpõe o recurso, indica a sua alínea b )- aplicação de norma cuja inconstitucionalidade fora suscitada durante o processo.
2- A cumprir o disposto no mesmo n° 1 do artigo 75 A, da indicação de norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, indica as normas dos artigos 158 e 668 n° 1 alínea d) do Cód. Proc. Civil. Porque o Acórdão em recurso violou estas disposições na sua aplicação, por não se haver pronunciado sobre o pedido de reforma do Acórdão reclamado que o precedeu, e necessariamente também, por não produzir quanto a ele qualquer fundamentação.
3- A cumprir o disposto no n° 2 do mesmo artigo 75 A, da indicação da norma ou princípio constitucional que considera violados, indica as normas do n° 2 do artigo 202 e n° 1 do artigo 205 da Const. da Rep. Port.
4 - A cumprir a parte final do n° 2 do artigo 75 A, da indicação da peça processual em que a recorrente suscitou a inconstitucionalidade, dá como reproduzidas, com as necessárias adaptações, as razões invocadas nas alíneas a) a d) e f) do n° 4 quanto à alínea B) relativa ao recurso de constitucionalidade do Acórdão proferido sobre o recurso de apelação, e pelas quais, o presente recurso de constitucionalidade também deve ser admitido, por impossibilidade de suscitação prévia da inconstitucionalidade.
............................................................................................................................................................................................................................................’
O Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, por despacho de 3 de Março de 2004, admitiu o recurso interposto do acórdão de 8 de Abril de
2003.
Encontrando-se já os autos no Tribunal Constitucional, e tendo a ré formulado requerimento, dirigido àquele Desembargador Relator, no qual solicitou que houvesse «pronúncia» sobre o recurso atinente ao acórdão de 28 de Janeiro de
2003, foi determinado que os autos fossem enviados ao Tribunal da Relação do Porto, a fim de ser efectuada análise sobre o peticionado.
Por despacho de 5 de Maio de 2004, lavrado pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, foi admitido o recurso interposto do acórdão de
28 de Janeiro de 2003, vindo o processo, de novo, a ser remetido ao Tribunal Constitucional.
2. Como resulta do requerimento de interposição dos recursos, o respeitante ao acórdão de 28 de Janeiro de 2004 foi esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo-se, por seu intermédio, a apreciação da norma constante da alínea b) do nº 1 do artº 107º do regime do Arrendamento Urbano, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº
329-A/2000, de 22 de Dezembro, ‘na sua aplicação à situação dos autos, de arrendamento iniciado em 1/8/74 e em que a arrendatária se manteve na titularidade do arrendamento pelo período de 20 anos decorridos e completados em
1/8/1994 ao abrigo da repr[i]stinada e reposta em vigor Lei 55/79’, por ofensa do artigo 282º da Constituição, sendo que, na óptica da recorrente, não teve oportunidade de suscitar esta questão de inconstitucionalidade antes da prolação desse acórdão.
Já o recurso referente ao acórdão de 8 de Abril de 2003, igualmente fundado na mencionada alínea b) do nº 1 do artº 70º, pretende-se a apreciação das normas dos artigos 158º e 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, porque ‘o Acórdão em recurso violou estas disposições na sua aplicação, por não se haver pronunciado sobre o pedido de reforma do Acórdão reclamado que o precedeu, e necessariamente também, por não produzir quanto a ele qualquer fundamentação’, de igual modo sustentando a impugnante que lhe fora impossível suscitar previamente a questão de inconstitucionalidade.
2.1. No que reporta ao recurso que tem por alvo o acórdão de 8 de Abril de 2003, é por demais claro que o mesmo não deveria ser admitido.
Na realidade, não é, de todo, colocação de uma questão de inconstitucionalidade normativa sustentar-se que uma dada decisão judicial violou as normas constantes dos indicados artigos 158º e 668º, nº 1, alínea d), pelo facto de a mesma não ter sido fundamentada e não se ter devidamente pronunciado sobre o pedido de reforma incidente sobre anterior decisão.
Com esta forma de dizer, o que a recorrente está, na realidade, é a imputar à decisão judicial o vício de inconstitucionalidade ou, mais propriamente, o que se está a questionar é a subsunção jurídica que veio a ser efectuada.
Ora, como se sabe, objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade são normas pertencentes ao ordenamento jurídico infra-constitucional e não outros actos do poder público tais como as decisões judiciais qua tale consideradas.
Assim, ao dizer que o acórdão violou determinadas normas processuais regentes dos poderes cognitivos do tribunal e da fundamentação das decisões, por não se haver pronunciado como, na perspectiva da recorrente, o devia ter feito, e por não ter carreado a, também na sua perspectiva, cabida fundamentação, é evidente que não é dirigida a qualquer norma o vício de inconstitucionalidade, mas sim à própria decisão judicial.
2.2. Pelo que concerne ao recurso do acórdão de 28 de Janeiro de 2003, igualmente se entende que ele não deveria ter sido admitido.
De facto, talqualmente se disse acima em relação ao recurso em que é impugnado o acórdão de 8 de Abril de 2004, não é modo de colocar uma questão de inconstitucionalidade normativa dizer-se que se intenta a apreciação da desconformidade com a Lei Fundamental por banda de uma dada norma, atenta a forma - que nunca se enuncia e nem sequer se indica qual a dimensão interpretativa do preceito em que ela se insere - como uma certa decisão judicial a aplicou à concreta situação dos autos, descrevendo-se a matéria fáctica destes.
Também do aqui se trata é de uma imputação de inconstitucionalidade à subsunção levada a efeito pelo tribunal a quo, o que não pode ser objecto de recurso de constitucionalidade.
E isto independentemente de se entrar na questão de saber se, efectivamente, impendia sobre a ora recorrente o ónus de, na «contra-alegação» do recurso de apelação, ou seja, precedentemente à prolação do acórdão de 28 de Janeiro de 2003, suscitar questão de desarmonia constitucional por banda da norma que agora identifica no requerimento de interposição de recurso, tanto mais quanto é certo que, na alegação dos então apelantes, foi justamente defendido que o artº 108º do Regime de Arrendamento Urbano constituía um regime especial privilegiado relativamente às excepções ao exercício do direito de denúncia estabelecido no artº 107º do mesmo Regime.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto dos dois recursos interpostos, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em sete unidades de conta”.
Da transcrita decisão vêm reclamar a recorrente, dizendo, no que agora importa:-
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................
4 - Com o devido respeito, afigura-se à recorrente que no ponto 2 da alínea B) do seu requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, indicou expressamente como norma cuja inconstitucionalidade pretendia que o Tribunal Constitucional declarasse, a norma da alínea b) do n° 1 do artigo 107 do R.A.U. na redacção introduzida pelo dec-lei 329 A/ 2000 de 22/12, na sua dimensão de aplicação a arrendamento com a duração de 20 anos completados em
1/8/1994, na vigência da Lei 55/79, por violação do artigo 282 da Const. Rep. Port., e em razão do Ac. Trib. Const. n° 97 de 16/2/2000 ter declarado anteriormente, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do mesmo preceito na sua primitiva redacção - ponto 3 alínea a) do mesmo requerimento.
5 - Em parte alguma deste seu requerimento, a recorrente exprimiu a pretensão de que este Tribunal Constitucional declarasse inconstitucional a decisão da qual para ele recorre.
É certo,- e não escamoteia,- que, não no requerimento de interposição do recurso, mas na peça que apresentou no Tribunal da Relação a pedir a reforma do Acórdão de 28/1/2003, cometeu o deslize de afirmar que esta decisão era inconstitucional.
Crê a recorrente, contudo, que este deslize, não deverá prejudicar o conhecimento pelo Tribunal Constitucional do recurso interposto; não só porque não foi cometido no requerimento de interposição, e deverá ser considerado uma impropriedade de expressão, como porque neste, está reparado.
6 - No concernente à questão levantada e não decidida na douta decisão reclamada, de saber se sobre a recorrente impendia ou não o ónus de ter suscitado a questão da inconstitucionalidade na sua contra-alegação no recurso de apelação, por os autores aí apelantes defenderem que o artigo 108 do R.A.U. constituía um regime especial privilegiado relativamente às excepções ao exercício do direito de denúncia estabelecido no artigo 107 do mesmo diploma;
Afigura-se à recorrente, e com o muito devido respeito, que a apontada especialidade privilegiada, não tem qualquer relevância para a questão de dever ou não ser dispensada a recorrente, desse ónus.
No caso dos autos, a especialidade das limitações do artigo 108 ao exercício do direito de denúncia como fundamento na duração do arrendamento, é a mesma, quer a duração do arrendamento aplicável seja a constitucional de 20 anos da Lei 55/79, quer seja a inconstitucional de 30 anos da alínea b) do n° 1 do artigo 107 do R.A.U. na sua última redacção.
Os então aí apelantes, que não questionaram nem impugnaram o saneador-sentença no recurso de apelação, aceitaram que as excepções ao direito de denúncia, no que respeita à duração do arrendamento, era a prevista neste
último diploma da lei 55/79.
Relativamente à exigência deste requisito de suscitação da inconstitucionalidade, dá como reproduzidas as considerações apontadas nas alíneas a) a f) do n° 4 da alínea B) do seu requerimento de interposição de recurso.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Ouvidos sobre a reclamação ora deduzida, os recorridos nada disseram.
Cumpre decidir.
2. É manifestamente improcedente a reclamação de que ora se cura.
No que diz respeito ao recurso incidente sobre o acórdão tirado em 8 de Abril de 2003 pelo Tribunal da Relação do Porto, não se vislumbra na peça processual em que a reclamação foi deduzida qualquer argumentação que infirme o que, a esse respeito, foi expresso na decisão sub iudicio, sendo que o Tribunal também não lobriga a mínima razão para alterar o juízo que ali se efectuou.
No que se reporta ao recurso atinente ao acórdão proferido pelo mesmo Tribunal de 2ª instância em 28 de Janeiro de 2003, reafirma o Tribunal, talqualmente se disse na decisão em análise, que não é modo adequado de colocar uma questão de inconstitucionalidade normativa dizer-se que se deseja que seja apreciada a incompatibilidade com o Diploma Básico por parte de um dado preceito, atenta a forma como ele foi aplicado na decisão pretendida impugnar perante este órgão de administração de justiça, descrevendo-se os contornos fáctico do caso concreto, sem nunca se enunciar ou, sequer, se indicar qual a dimensão interpretativa do preceito em que ela se insere.
É que, como na decisão em apreço se fez notar, um tal modo de dizer equivale à imputação do vício de desconformidade constitucional à subsunção que foi efectuada pela decisão intentada recorrer, sendo que estas considerações nada têm a ver, como é óbvio, com a indicação, no requerimento de interposição do recurso, do preceito ordinário, que é aquilo que, em rectas contas, a reclamante vem agora brandir como argumento. E isto, sem prejuízo, como de igual sorte se disse na decisão em crise, de se entrar no problema de saber se, na realidade, recaía sobre o ora reclamante e então recorrente o ónus de, na «contra-alegação» do recurso de apelação (o que o mesmo é dizer, antes do proferimento do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de Janeiro de
2003), suscitar a questão da desconformidade constitucional por parte da norma que agora identifica no requerimento de interposição de recurso, atento o que, na alegação dos apelantes, foi defendido, nomeadamente, que o artº 108º do Regime de Arrendamento Urbano constituía um regime especial privilegiado relativamente às excepções ao exercício do direito de denúncia estabelecido no artº 107º do dito Regime.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 8 de Julho de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida