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Processo n.º 759/03
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
A., requereu, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por apenso a processo de intimação para a passagem de certidão deduzido contra o Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP), a “execução do julgado” nesse processo, “nos termos e para os efeitos dos artigos 84.º, n.º 2, e 95.º da LPTA [Lei de Processo nos Tribunais Administrativos – Decreto-Lei n.º
267/85, de 16 de Julho] e 5.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho”, aduzindo não estar integralmente cumprida a sentença de intimação proferida, em 23 de Maio de 2003, nesse processo e pedindo que o Juiz a quo
“desenvolva os mecanismos de responsabilidade civil, criminal e disciplinar que se impõe face ao disposto no artigo 84.º, n.º 2, da LPTA e artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, embora a requerente reserve o seu direito de ser ressarcida pelos prejuízos advenientes pelo incumprimento da sentença de V. Ex.a em momento posterior” e ainda que “a autoridade requerida, e ora executada, se[ja] obrigada a prestar os documentos que tem em sua posse e que se inserem no pedido deduzido – em especial aqueles referidos nos pontos i) a xvii) acima, ou, caso esta se recuse a fazê-lo ou não o faça integralmente, no prazo que lhe seja fixado para esse efeito, seja declarada por V. Ex.a a inexistência de causa legítima de inexecução, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, aplicado ex vi artigo 95.º da LPTA e prossigam-se os termos ulteriores do processo de execução de julgado”.
Por decisão de 15 de Julho de 2003, o juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu liminarmente esse pedido de execução, por erro na forma de processo, por entender que dos artigos 5.º, n.º
1, do Decreto-Lei n.º 256-A/77 e 96.º, n.º 1, da LPTA, resulta que o meio processual executivo em causa apenas pode ser utilizado quando se verifique a falta de execução por parte da Administração de sentença que anule acto administrativo (ou seja, refere-se apenas às sentenças proferidas em recurso contencioso de anulação), não fazendo sentido o uso desse processo executivo em relação ao processo de intimação, uma vez que a própria decisão de intimação contém uma ordem à Administração para efectuar o comportamento requerido, bem como o respectivo prazo, e, assim, a eventual decisão que no processo executivo viesse a deferir o pedido nada acrescentaria à sentença de intimação. Em caso de incumprimento da intimação, a autoridade requerida fica sujeita a responsabilidade civil, disciplinar e criminal, conforme disposto no artigo
84.º, n.º 2, da LPTA.
Contra esta sentença interpôs a requerente recurso para o Tribunal Central Administrativo, sustentando nas respectivas alegações, além do mais, que a interpretação e aplicação dos artigos 95.º da LPTA e 5.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 256-A/77 violaria a garantia de tutela jurisdicional efectiva, corolário dos princípios de acesso ao direito e do Estado de direito democrático (artigos 268.º, n.º 4, 20.º, n.º 1, e 2.º da Constituição da República Portuguesa – CRP).
Por acórdão de 2 de Outubro de 2003, o Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:
“O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida em 15 de Julho de 2003, pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, pela qual se decidiu indeferir o requerimento de execução de julgado deduzido por apenso ao processo de intimação n.° 155/02 daquele Tribunal, por se haver entendido que:
«...o presente meio processual não podia ser usado pela requerente, ocorrendo erro na forma de processo previsto no artigo 199.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º da LPTA, o que obsta ao prosseguimento do processo
(artigo 57.°, § 4.º, do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo – RSTA)», pelo que se indeferiu liminarmente o pedido de execução. Para tanto, considerou a sentença recorrida que em processo de intimação «nem sequer faz sentido o uso do processo executivo, uma vez que a própria decisão de intimação contém uma ordem à Administração para efectuar o comportamento requerido, bem como o respectivo prazo». A recorrente alega que, por um lado, não fundou o seu pedido nos preceitos analisados pela sentença (artigos 96.°, n.º 1, da LPTA e 5.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 256-A/77, de 17 de Junho), mas sim no artigo 95.° da LPTA (que remete para a aplicação a todos os meios do contencioso administrativo dos termos do artigo 5.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 256-A/77) e artigos 5.° e seguintes do Decreto-Lei n.° 256-A/77; por outro lado, contrariamente à interpretação literal da decisão recorrida, o artigo 5.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 256-A/77 não restringe a sua aplicação a juízos anulatórios, pois que o mesmo refere a sua aplicação em acções de condenação da Administração por responsabilidade. Vejamos. O artigo 95.° da LPTA prevê que à execução das decisões dos tribunais administrativos pelas autoridades competentes «...é aplicável o disposto nos artigos 5.° e seguintes do Decreto-Lei n.° 256-A/77, de 17 de Junho, salvo o preceituado no artigo seguinte». Defende a recorrente que este preceito se aplica a todo o contencioso administrativo, ou seja, também em acções de condenação, e não apenas ao contencioso administrativo de mera anulação. Não há dúvida de que o artigo 5.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 256-A/77 se refere também à «acção», ao dizer «A execução de sentença proferida em contencioso administrativo (...) pode ser requerida pelo interessado, tratando-se de acção, ao competente órgão da pessoa colectiva nela demandada». No entanto, a acção aqui referida não é toda e qualquer acção das previstas nos artigos 71.º e 73.° da LPTA, mas tão-só a acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo (artigo 69.° da LPTA), única cuja tramitação segue os termos dos recursos de actos administrativos (dos órgãos da administração local
– cf. artigo 70.°, n.° 1, da LPTA), enquanto as previstas nos artigos 71.º e
73.° da LPTA se regem pelo artigo 72.° da LPTA, ou seja, seguem os termos do processo civil de declaração. Quanto a estas acções não só não é aplicável o disposto nos artigos 5.° e seguintes do Decreto-Lei n.° 256-A/77, como se discute até, na doutrina e jurisprudência, se a execução de decisão condenatória deve ser intentada nos tribunais administrativos de círculo, se nos tribunais judiciais (cf. artigo
74.° da LPTA) – veja-se sobre as posições da doutrina e da jurisprudência as anotações ao artigo 74.° referido, in Contencioso Administrativo, de Santos Botelho, 3.ª edição, págs. 442 a 445. Mas, mesmo que se entenda que a execução das decisões condenatórias proferidas nestas acções é da competência dos tribunais administrativos de círculo, o meio processual previsto nos artigos 5.° e seguintes do Decreto-Lei n.° 256-A/77 e
95.° da LPTA não lhes é aplicável, mas sim o regime processual contido nos artigos 805.° e seguintes do CPC – cf. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de Novembro de 1999, recurso n.º 29 521-A.
É, assim, de entender que o artigo 95.° da LPTA e os artigos 5.° e seguintes do Decreto-Lei n.° 256-A/77 apenas se aplicam aos julgados em sede de contencioso administrativo e não já a outras acções ou meios processuais previstos na LPTA, como resulta da própria letra da lei – cfr. artigos 96.°, n.° 1, da LPTA (para o qual remete o artigo 95.°) e 5.°, n.° 1, 10.° e 11.° do Decreto-Lei n.°
256-A/77. Aliás, tal como bem decidiu a sentença recorrida, «em relação ao processo de intimação nem sequer faz sentido o uso do processo executivo». Efectivamente, assim é. De facto, a própria decisão aí proferida ordena já à Administração que faculte a consulta de documentos ou processos ou que passe as certidões requeridas, estabelecendo o prazo em que tal deve ser cumprido. Não se vê, portanto, qual a utilidade de uma eventual execução de sentença, a qual nada acrescentaria ao já decidido. Poderíamos mesmo fazer uma analogia entre a tramitação da intimação e a execução de sentença, sendo que a tramitação prevista nos artigos 82.°, n.ºs 1 e 2, e
83.°, n.° 1, da LPTA corresponderia ao previsto nos artigos 5.°, 6.°, 8.° e 9.°, n.° 1, 1.ª parte, todos do Decreto-Lei n.° 256-A/77 (aqui averiguar-se-ia da existência ou não de causa legítima de inexecução, ali verificar-se-ia se a consulta ou certidões requeridas respeitariam a matérias secretas ou confidenciais que eximissem a Administração de as facultar), quanto ao artigo
84.°, n.° 1, da LPTA corresponderia ao previsto nos n.ºs 1, parte final, e 2 do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 256-A/77. Aliás, curiosamente a própria recorrente admite no artigo 48.° da sua alegação
[e conclusão K)] que, uma vez que a sentença já contém um prazo para cumprimento, «o artigo 5.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho,
é redundante e, por isso, ao se tratar de fase sem utilidade, pode ser ultrapassada, entrando-se imediatamente na fase judicial de execução...». Ora, o artigo 95.° da LPTA, que a recorrente invoca, não permite que se aplique apenas parte do regime dos artigos 5.° e seguintes do Decreto-Lei n.° 256-A/77
(excepto quanto ao regulado no artigo 96.°), não fazendo qualquer sentido pretender que se fixe novo prazo para a Administração cumprir o julgado e/ou arguir o não cumprimento de acordo com o previsto no artigo 84.°, n.° 2, da LPTA. Em nosso entender, ordenada na sentença que aprecia pedido de intimação o cumprimento do requerido no prazo aí fixado, o não cumprimento tem como consequência imediata o previsto no n.° 2 do artigo 84.° da LPTA, por ser esta a tramitação especial estabelecida por lei.
É que, a ser aplicável ao processo de intimação o disposto nos artigos 5.° e seguintes do Decreto-Lei n.° 256-A/77, não se justificaria a previsão do n.° 2 do artigo 84.° da LPTA, que se tornaria redundante. Significa isto que a solução expressa na lei foi a de apenas aplicar a este meio processual as sanções previstas no artigo 11.º daquele diploma legal, e não todo o regime nele previsto. Conforme refere Santos Botelho, in Contencioso Administrativo, citado supra, pág. 551:
«Atendendo às peculiares características da decisão judicial a proferir no caso de procedência do pedido de intimação onde se estatui ao nível da reintegração da ordem jurídica violada, pela não observância do direito à consulta de documentos ou à passagem de certidões, fixando-se o exacto conteúdo da intimação, tal decisão judicial não necessitará de ser objecto de uma qualquer fase judicial declarativa ulterior dos actos e operações de execução necessários à sua efectiva concretização. Não é, por isso, na nossa óptica, aplicável aqui o processo de execução previsto no Decreto-Lei n.° 256-A/77, de 17 de Junho».
Improcedem, assim, consequentemente, as conclusões A) a N) das alegações, não enfermando a sentença recorrida dos erros de julgamento imputados. Quanto à violação pela sentença da garantia de tutela jurisdicional efectiva
(artigo 268.°, n.° 4, da CRP), decorrente da garantia de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.°, n.° 1, da CRP) e ambas corolário do princípio do Estado de direito democrático propugnado pelo artigo 2.º da CRP, também não se verifica. Com efeito, o direito à tutela judicial efectiva passa pela existência de mecanismos jurisdicionais adequados e que possibilitem a execução das decisões já transitadas em julgado. Ora, o processo de intimação fornece por si só esses «mecanismos», sem necessidade de recurso a processo de execução, que, como já se disse, nada acrescentaria às garantias dadas em sede de intimação, pelo que improcedem as conclusões O) a R) da alegação.”
É deste acórdão que vem interposto, pela recorrente, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro – doravante designada por LTC), o presente recurso, visando a apreciação da inconstitucionalidade, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, das normas dos artigos 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, e 84.º, n.º 2, e 95.º da LPTA, interpretadas e aplicadas, como o foram na decisão recorrida, no sentido de que à execução de uma decisão proferida em processo de intimação para a passagem de certidões ou consulta de documentos não
é aplicável o processo de “execução de julgados” regulado naquele primeiro diploma.
A recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
“A) O presente recurso para o Tribunal Constitucional vem interposto da interpretação e aplicação inconstitucionais feitas pelo Tribunal Central Administrativo do artigo 84.º, n.º 2, da LPTA, por Acórdão datado de 2 de Outubro de 2003, pela sua 2.ª Subsecção da 1.ª Secção, no âmbito do Proc. n.º
12535/03, pela qual determinou a improcedência global do recurso jurisdicional que havia sido interposto da prévia decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que indeferira e rejeitara um pedido de execução de julgados fundado no artigo 95.º da LPTA e no artigo 5.º e seguintes do Decreto-Lei n.º
256-A/77, de 17 de Junho, relativamente ao incumprimento de uma sentença de intimação para passagem de certidão que o próprio Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa deferira contra o Presidente do IFADAP. B) Considerou a ora recorrente, em sede de alegações e conclusões no recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo e mantém no presente recurso, que a interpretação e aplicação do artigo 84.º, n.º 2, da LPTA, no modo e sentido constante da decisão, afrontava a garantia de tutela jurisdicional efectiva (artigo 268.º, n.º 4, da CRP), o direito ao acesso aos tribunais, à justiça e ao direito (artigo 20.º da CRP) e, em consequência, o princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), de que ambos os direitos fundamentais são corolários. C) Na base da situação de facto está o pedido que a recorrente oportunamente solicitou ao Presidente do Conselho de Administração do IFADAP para a passagem de certidão sobre certos documentos, os quais reputava essenciais para poder interpor um recurso contencioso de anulação contra acto praticado por órgãos do próprio IFADAP. Porque essa certidão não foi passada com todos os elementos requeridos, a recorrente dirigiu-se ao Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, onde requereu, ao abrigo do artigo 82.º e seguintes da LPTA, uma intimação com vista a que fosse proferida sentença que obrigasse a Administração Pública (o recorrido) a passar a certidão com os documentos em falta. D) O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa sentenciou o ora recorrido a passar a devida certidão com a documentação em falta, o que este fez apenas parcialmente, continuando, por isso, em falta numerosa documentação essencial para a interposição do referido recurso contencioso, verbi gratia, o próprio acto administrativo de rescisão do contrato, do qual só se tivera notícia por notificação que não cópia. E) Porque a sentença judicial não havia sido cumprida na íntegra, a recorrente lançou mão do mecanismo de execução de decisões proferidas pelos tribunais administrativos contido no artigo 5.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, solicitando a apreciação do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa acerca da conduta inadimplente do recorrido e, se fosse o caso, o condenasse em processo executivo à entrega da certidão devida ou o sancionasse pelo incumprimento de uma sua determinação judicial. F) O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa negou-se a fazê-lo, invocando que o artigo 84.º, n.ºs 1 e 2, da LPTA, ao referir a sanção de responsabilidade civil, criminal e disciplinar como (únicas) penalidades a aplicar ao órgão administrativo que incumpra o dever de cumprir uma decisão proferida em processo de intimação, bem como uma pretensa inaplicabilidade do Decreto-Lei n.º
256-A/77, de 17 de Junho, a sentenças proferidas em meios processuais acessórios no contencioso administrativo, decretando a rejeição liminar – logo a improcedência – do pedido aduzido. G) A ora recorrente não se conformou e recorreu desta decisão para o Tribunal Central Administrativo, tendo demonstrado nas suas alegações que a interpretação sobre o âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, não procedia e que a interpretação do artigo 84.º, n.º 2, da LPTA como significando a exclusão da aplicação de um meio processual executivo para obrigar ao cumprimento de decisão judicial de intimação era inconstitucional por permitir inviabilizar a entrega de documentos essenciais para que se possa interpor um recurso contencioso de anulação, assim se gorando a garantia de tutela jurisdicional efectiva (artigo 268.º, n.º 4, da CRP) e os corolários de acesso ao direito (artigo 20.º da CRP) e de primado dos princípios do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da CRP). H) Como oportunamente a recorrente referiu, a mera responsabilidade civil, disciplinar e criminal dos órgãos que se recusem cumprir a sentença de intimação que ordena a entrega de documentos não permite suprir a necessidade de obtenção desses documentos, sob pena de o particular nunca se encontrar dotado dos meios essenciais para poder usar o seu meio jurisdicional que o habilite a recorrer aos tribunais e ver por estes apreciada a legalidade que entende ter faltado à actuação da Administração. I) A ser permitido tal entendimento do sentido do artigo 84.º, n.º 2, da LPTA, estaria aberta a porta para a Administração vedar o acesso aos tribunais sindicarem da legalidade dos seus actos e aos particulares para se defenderem dos mesmos, condenando-se a garantia de reacção jurisdicional ao insucesso, apenas porque a Administração incumpre e não se aplicam meios jurisdicionais que obriguem à supressão desse incumprimento. J) Porque a recorrente entende que essa não é a interpretação devida em face da letra do artigo 84.º, n.º 2, e bem assim da sua conjugação com o artigo 95.º da LPTA e com o artigo 5.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, interpôs o presente recurso, solicitando a V. Ex.as que ponderem da interpretação e aplicação (em sentido) inconstitucional feita na decisão recorrida. K) Na posição tomada pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo, não poderia haver lugar a qualquer inconstitucionalidade na aplicação do direito, por parte dessa decisão, pois que considerou que a mesma só se poderia dar se houvesse ausência absoluta de meios executivos que obrigassem ao cumprimento da sentença de intimação que havia sido proferida anteriormente pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa. Mais considera que o n.º 2 do artigo 84.º da LPTA encerra aí mecanismos de responsabilidade, e que os mesmos se apresentam como meios provindos de uma tramitação especial, entende que os mesmos correspondem às únicas consequências que o legislador infraconstitucional quis que se desenvolvessem caso uma sentença de intimação não fosse cumprida. L) Desde logo, e a título preliminar, não se pode deixar de concluir que o artigo 95.º da LPTA não escolhe entre decisões dos tribunais administrativos, no que toca à aplicação às mesmas do previsto no Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, com o que nada autoriza – ao nível da letra de lei – uma distinção entre meios processuais, para que a uns se permita a aplicação desse diploma e a outros não. M) O artigo 95.º da LPTA manda aplicar a todas as decisões proferidas pelos tribunais administrativos esse diploma, não sendo lícito ao julgador diminuir o alcance de tal preceito, como erradamente se fez na decisão, sob pena de se retirar aos particulares a possibilidade de lançarem mão de meios processuais executivos que lhes habilitem levar a bom termo uma sentença declarativa previamente ditada. N) Uma justiça que se permita quedar por uma fase declarativa, quando o comando que ordena não é cumprido, perde toda a sua força autoritária – violando-se materialmente o artigo 205.º, n.ºs 1 a 3, da CRP e, em conformidade, incumpre a garantia de acesso ao direito (artigo 20.º da CRP), pois que não consegue levar ao cumprimento efectivo a composição material de interesses que opera com a sentença. O) Também não é rigoroso que o artigo 5.º e seguintes do Decreto-Lei n.º
256-A/77, de 17 de Junho, encerre alguma determinação que implique a sua diminuição de âmbito material, de modo a que se possa inferir directa ou indirectamente pela exclusão da possibilidade de execução de julgados (processo executivo) relativamente a sentenças proferidas em meios processuais acessórios do contencioso administrativo, pois que se refere sempre a sentenças, sem se diferenciar os meios processuais em que sejam proferidas. P) De novo, uma limitação imposta pelo julgador, através de uma interpretação e aplicação desse artigo 5.º e seguintes em desproveito de uma tutela efectiva, levada à prática por um juízo executivo, vai conflituar com as garantias de acesso ao direito e com a garantia de tutela jurisdicional efectiva, a qual, em uma das suas consequências, determina a possibilidade de o particular ver ser cumprido de forma plena e eficaz aquilo que um tribunal tenha decretado em seu favor, não se permitindo à Administração incumprir a determinação jurisdicional e esse incumprimento poder subsistir por ausência de processo executivo. Q) Face ao efeito imediato com que a garantia jurisdicional de tutela efectiva
(artigo 268.º, n.º 4, da CRP) se impõe à Administração e aos tribunais, pode ser dito que, ainda que o contencioso administrativo não contivesse um meio processual que o habilitasse a executar coercivamente as decisões que os seus tribunais proferissem, ou o mesmo não se aplicasse às decisões proferidas em sede de processos de intimação, facto é que o poder imanente e impositivo da garantia jurisdicional de tutela efectiva (artigo 268.º, n.º 4, da CRP) sempre imporia a importação e a aplicação – mesmo que com adaptações – de um diploma como o Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, ou outra legislação com o mesmo conteúdo ou efeito prático. R) No cerne da presente questão está a extensão da garantia jurisdicional de tutela efectiva, pois que os termos do seu assento constitucional – artigo
268.º, n.º 4, da CRP – apontam, com o sustento da longa jurisprudência deste Alto Tribunal, para a necessidade de no direito ao recurso (corolário dessa garantia) e na protecção jurisdicional (outro corolário dessa garantia), ter o particular de estar dotado dos competentes meios que o habilitem não só a chegar a tribunal, como aí apresentar o seu caso nas melhores condições de defesa da sua posição jurídica, como ainda, obtendo reconhecimento para essa, poder levar à prática a decisão proferida em seu favor. S) A garantia de tutela efectiva prende-se com a garantia de acesso ao direito e de ver a sua tutela efectivada, como manda o princípio do Estado de Direito Democrático. Para que o particular se possa proteger dos desmandos da Administração Pública, ao mesmo deve ser assegurada a possibilidade de conhecer dos actos desta e das razões que a moveram, realidade esta que tem sido designada como o direito à informação, ele próprio condição prévia e essencial ao correcto, cabal e completo uso dos meios jurisdicionais principais. T) Sem o acesso à informação e sem a possibilidade de execução coerciva das decisões jurisdicionais, o particular poderá nunca ter matéria suficiente para desenvolver os meios jurisdicionais principais, como seja o recurso contencioso de anulação, ou os desenvolver de forma esclarecida e com possibilidade de provimento. U) O direito à informação é vital para que a garantia de tutela efectiva se possa processar, como referiu este Alto Tribunal em diversas ocasiões, tendo sempre concluído pela impossibilidade de se erguerem obstáculos à obtenção da informação que seja necessária ao exercício do direito ao recurso contencioso de anulação, ou, de forma mais geral, o recurso a meios contenciosos principais. V) No caso presente, a particular recorrente pretendia aceder a informação essencial para que pudesse socorrer-se do direito fundamental ao recurso contencioso de anulação, no âmbito da garantia de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva. Para que o seu direito à informação fosse cumprido, lançou mão, sucessivamente, de pedidos de certidão à Administração, requerimentos de intimação junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, pedido de execução de julgados e o recurso jurisdicional da base do presente.
W) A decisão recorrida entendeu que a lei – mais concretamente o artigo 84.º, n.º 2, da LPTA – traduzia uma vontade do legislador infraconstitucional de reduzir os meios coercivos de cumprimento de uma sentença de intimação proferida ao abrigo do artigo 82.º e seguintes da LPTA a uma mera responsabilidade civil, disciplinar e criminal do órgão incumpridor, logo com exclusão do meio executivo constante do Decreto-Lei n.º 256-A/77 , de 17 de Junho. X) Esta interpretação e aplicação do artigo 84.º, n.º 2, da LPTA reputa-se inconstitucional à luz do artigo 268.º, n.º 4, da CRP, artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da CRP e artigo 2.º da CRP, para além do que se refere em textos internacionais com alcance e efeitos idênticos, como seja na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Y) Para que o direito ao recurso contencioso se efective, é necessário que o direito fundamental à informação que lhe é prévio e essencial se cumpra e seja levado a efeito (artigo 268.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), caso a Administração Pública se recuse a conformar-se com uma decisão jurisdicional que lhe é imposta e à qual deve obediência nos termos do artigo 205.º, n.º 2, da CRP (em sentido convergente, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º [43/96], de 23 de Janeiro de 1996, no Proc. n.º [539/94]). Z) Interpretar e aplicar o artigo 84.º, n.º 2, da LPTA como excluindo a possibilidade de se obrigar a Administração a entregar a documentação que se tem como vital para que se possa lançar mão dos meios jurisdicionais de defesa nas melhores condições de esclarecimento e de administração da justiça, implica reduzir o alcance do direito à informação e o direito ao recurso, quando perante a Administração Pública. AA) Essa compressão no direito fundamental só se justificaria se fosse acompanhada pela necessidade de protecção de um interesse ou direito fundamental superior, a que a Constituição ou a lei mandassem atender e as condições concretas mostrassem ser exigível, segundo a doutrina contida no artigo 18.º, n.º 2, da CRP. Não se perscruta onde essa compressão se possa sustentar, nem tão-pouco foi arguido na decisão que a mesma tivesse por fundamento uma tal compressão em homenagem a outros direitos ou interesses de relevância e dignidade constitucionalmente atendíveis. BB) Retira-se e percebe-se, sem esforço, que, fruto de uma errada interpretação, aos olhos da Constituição, é estabelecida uma interpretação e uma aplicação do artigo 84.º, n.º 2, da LPTA com um sentido interpretativo inconstitucional, consagrado nesse uma intenção legiferante segundo a qual esse preceito constituía uma exclusão do regime executivo constante do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho. CC) No dizer da decisão recorrida, a intenção era afastar a aplicação desse diploma, não por se tratar desse específico diploma, mas sim porque se identificara no artigo 84.º, n.º 2, da LPTA uma norma que implicava a exclusão do incumprimento de decisões de intimação a um regime de execução. Em último caso, a leitura a fazer-se é a de que o artigo 84.º, n.º 2, implicaria redução das consequências do incumprimento da Administração a uma mera sanção sobre o
órgão administrativo, sem cominação quanto à ausência de prestação de facto que a sentença de intimação proferida: a entrega dos documentos. DD) Equivale isto a dizer que a decisão recorrida admite a existência de um incumprimento e sua subsistência quanto ao direito à informação, assim se impossibilitando o exercício do direito ao acesso ao direito e da garantia de tutela jurisdicional efectiva, na vertente do direito ao recurso contencioso de anulação contra actos da Administração, pois que exclui a possibilidade de haver uma decisão jurisdicional que determine coercitivamente a entrega da documentação ao particular de que este necessita para poder reagir contra a actuação ilícita da Administração. EE) Porque a decisão recorrida aplica desta forma o artigo 84.º, n.º 2, da LPTA, inviabilizando o recurso a um meio processual que determine a efectiva entrega da documentação ao particular que este necessita para poder interpor o competente recurso contencioso de anulação (de todo em todo ou nas melhores condições), e isto porque admite que as sanções se quedam por responsabilidade do órgão incumpridor, mas sem que a sentença tenha efectivamente de ser cumprida, a mesma põe em causa a garantia de tutela jurisdicional efectiva
(artigo 268.º, n.º 4, da CRP), a garantia de acesso ao direito (artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da CRP) e o princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), do qual estas garantias são corolários.”
O recorrido não apresentou alegações.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. A questão central colocada no presente recurso consiste em saber se a interpretação normativa, seguida pela decisão recorrida, no sentido de que à execução da decisão judicial de intimação da Administração a emitir certidão de documentos não é aplicável o “processo de execução de julgados” regulado pelos artigos 5.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, viola, ou não, o direito de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 5, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, como corolários do princípio do Estado de direito proclamado no artigo 2.º da mesma Lei Fundamental.
Embora não compita ao Tribunal Constitucional apreciar a correcção, ao nível da interpretação do direito ordinário, daquele entendimento, mas apenas a sua conformidade constitucional, interessará conhecer as razões em que assenta tal entendimento, que, aliás, corresponde a jurisprudência corrente dos tribunais administrativos.
A regulação, nos artigos 5.º a 12.º do Decreto-Lei n.º
256-A/77, do chamado “processo de execução de julgados” apresenta-se dotada de especial complexidade, desde logo porque não se limita (como ocorre nos processos executivos em processo civil) a versar sobre a execução forçada, pelos tribunais, das suas sentenças, mas abrange todo o cumprimento, espontâneo, provocado ou forçado, das sentenças em causa por parte da Administração. A escassa relevância, no âmbito do contencioso administrativo, da execução forçada judicial, de índole estritamente processual, e o especial relevo que, nesse
âmbito, assume uma acepção substantiva de execução concebida como a prática, pela Administração activa, dos actos jurídicos e operações materiais necessários à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria, se o acto ilegal não tivesse sido praticado, tem sido assinalada pela doutrina, designadamente por Diogo Freitas do Amaral (A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 29-45) e Mário Aroso de Almeida (Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, Almedina, Coimbra, 2002, n.º 6, págs. 24-30).
Os artigos 5.º e 6.º do diploma citado regulam a chamada fase administrativa ou pré-judicial da execução dos julgados: a Administração deve executar espontaneamente a sentença proferida em contencioso administrativo no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado; se o não fizer, o interessado pode requerer a execução da sentença ao órgão que tiver praticado o acto administrativo recorrido e declarado nulo ou anulado (no prazo de 3 anos a contar daquele trânsito, salvo se prazo diferente resultar do disposto em lei especial – n.º 1 do artigo 96.º da LPTA) ou, tratando-se de acção, ao competente órgão da pessoa colectiva nela demandada (artigo 5.º, n.º
1, do Decreto-Lei n.º 256-A/77). A sentença deve ser integralmente executada no prazo de 60 dias a contar da apresentação do referido requerimento, mas a Administração pode invocar (excepto quando a execução da sentença consista no pagamento de quantia certa) causa legítima de inexecução (consistente na impossibilidade ou em grave prejuízo para o interesse público no cumprimento, total ou meramente parcial, da sentença), notificando o interessado dessa invocação e dos respectivos fundamentos (artigo 6.º, n.ºs 1 a 5).
Se a Administração, espontânea ou provocadamente, executou integralmente a sentença, extingue-se naturalmente o processo de execução de julgados. Se a não executou integralmente, invocando, ou não, causa legítima de inexecução (total ou parcial), abre-se então a fase judicial desse processo, regulada nos artigos 7.º a 12.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77. Aqui chegados, há duas hipóteses a considerar: ou o interessado concorda com a Administração quanto à existência de causa legítima de inexecução e então requer ao tribunal que em primeiro grau de jurisdição tiver proferido a sentença a fixação de indemnização dos prejuízos resultantes do acto anulado pela sentença e da inexecução desta, ou não concorda com a Administração e requer ao tribunal a declaração de inexistência de causa legítima de inexecução (artigo
7.º, n.º 1), devendo quer um quer outro desses requerimentos ser formulados no prazo de 2 meses, a contar da notificação que a Administração tenha feito ao interessado de não ser dada execução à sentença por causa legítima, ou no prazo de um ano, a contar do termo do prazo de 60 dias desde a apresentação do requerimento de execução da sentença, se a Administração não invocar causa legítima de inexecução, nem der execução integral à sentença (n.º 2 do artigo
96.º da LPTA).
Na primeira hipótese (pedido de indemnização, no caso de concordância com a existência de causa legítima de inexecução), o tribunal ordena a notificação da Administração e do interessado para, no prazo de 15 dias
(prorrogável a pedido do interessado), acordarem no montante da indemnização devida; na falta de acordo, são ouvidas cada uma das partes, pelo prazo de 15 dias, sendo admitida réplica à resposta, por igual prazo, após o que o tribunal ordena as diligências que considere necessárias, indo o processo com vista ao Ministério Público, também por 15 dias, e, por igual prazo, aos juízes do tribunal superior, se for este o competente, procedendo-se a julgamento nos termos gerais (artigo 10.º, n.ºs 1, 2 e 3). O processo também finda se entretanto tiver sido proposta acção de indemnização com o mesmo objecto ou o tribunal para elas remeter as partes, por considerar a matéria de complexa indagação (artigo 10.º, n.º 4).
Na segunda hipótese (pedido de declaração de inexistência de causa legítima de inexecução, que corre por apenso aos autos de recurso contencioso ou de acção – artigo 7.º, n.º 4), o interessado deve indicar, na petição, os fundamentos de facto e de direito com interesse para o pedido (artigo 7.º, n.º 2), a que se segue a audição da Administração sobre a petição do interessado e deste sobre a exposição daquela, pelo prazo de 8 dias, sendo admitida réplica à resposta, por igual prazo (artigo 8.º, n.º 1). Após efectivação das diligências que o tribunal considere necessárias, o processo vai com vista ao Ministério Público, por 8 dias, e, por igual prazo, aos juízes do tribunal superior, se for este o competente, procedendo-se a julgamento, neste caso, na primeira sessão seguinte (artigo 8.º, n.ºs 2 e 4).
Se o tribunal concluir pela inexistência de causa legítima de inexecução, ouve a Administração e o interessado, pelo prazo de 8 dias, sobre os actos e operações em que a execução deverá consistir e o prazo necessário para a sua prática, e, após as diligências instrutórias reputadas necessárias, especifica esses actos e operações e respectivo prazo, declara nulos os actos praticados em desconformidade com a sentença e anula os que tenham sido praticados com invocação ou ao abrigo de causa legítima de inexecução não reconhecida, sendo apensos ao processo de execução de julgado os recursos de anulação ou de declaração de nulidade desses actos que estejam pendentes (artigo 9.º, n.ºs 1, 2 e 3). Se a autoridade competente para a execução não acatar as determinações do tribunal, este, a pedido do interessado, manda notificar o titular do poder hierárquico ou tutelar a que aquela autoridade esteja sujeita para, em sua substituição, proceder à execução
(artigo 9.º, n.º 4).
A inexecução de sentença, não justificada por causa legítima, envolve responsabilidade civil da Administração (concretizável, designadamente, através da emissão, pelo Conselho Superior da Magistratura, a favor dos interessados, de ordens de pagamento com base nas dotações obrigatoriamente inscritas no orçamento das pessoas colectivas de direito público, à ordem daquele Conselho, destinadas ao pagamento de encargos resultantes de sentenças de quaisquer tribunais) e responsabilidade civil, disciplinar e criminal (crime de desobediência, sem prejuízo de outro procedimento especialmente fixado na lei) dos respectivos agentes (artigos 11.º e 12.º).
Recordada a tramitação do “processo de execução de julgados”, compreende-se a advertência de José Carlos Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 163-167) para o carácter enganoso da sua inserção legal entre os “meios acessórios”, pois, por um lado, trata-se de um meio autónomo (ligado ao processo em que foi proferida a sentença exequenda por uma relação de pressuposição, que não de acessoriedade) e, por outro lado, “não constitui um verdadeiro processo de execução (uma acção executiva), mas (...) ou uma acção sumária de indemnização ou uma espécie sumária de acção especial (complementar) de reconhecimento de direitos e interesses legítimos”. É que, “apesar de aí se estabelecerem algumas regras que valem para execuções propriamente ditas, a execução de julgados administrativos foi pensada para a execução de sentenças anulatórias, isto é, de natureza constitutiva, ao contrário da generalidade dos processos executivos, que são, em regra, pensados para sentenças condenatórias”; ora, “o problema do cumprimento das sentenças pela Administração é, em regra, mais complicado no que respeita às sentenças anulatórias, em face da sua natural indeterminação quanto aos efeitos sobre a relação jurídica”. E, após análise da sua regulação legal, conclui o mesmo autor quanto à natureza jurídica do meio processual em causa: “O processo de execução de sentenças é, como se vê, um processo que tem na sua base uma pretensão executiva, mas que se revela, afinal, como sendo ou uma acção especial de indemnização (que pode vir a seguir os trâmites normais dessas acções, em caso de complexidade da matéria de facto – artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 256-A/77), ou também uma acção declarativa complementar
(sobretudo da acção anulatória), no âmbito da qual se proferem sentenças que produzem efeitos meramente declaratórios ou de simples apreciação (verificação da existência ou da inexistência de causa legítima de execução, declaração de nulidade de actos), constitutivos (anulação de actos) e condenatórios
(especificação de actos devidos, indemnizações por responsabilidade civil)”.
Também Mário Aroso de Almeida (“Tutela declarativa e executiva no contencioso administrativo português”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 16, Julho-Agosto 1999, págs. 67-73) evidencia que a estrutura do processo de execução de julgados, tal como foi delineada pelo Decreto-Lei n.º 256-A/77, “só se compreende na medida em que ele foi expressamente concebido para funcionar como um complemento em relação ao recurso contencioso de anulação”, uma vez que a sentença de anulação não se pronuncia sobre as eventuais obrigações em que a Administração fica constituída, não lhe impondo o cumprimento dos deveres que para ela resultam da anulação, condenação esta que, aliás, envolveria indagações que se encontram afastadas do recurso contencioso, que apenas se debruça sobre a legalidade do acto impugnado, por referência às circunstâncias e ao quadro normativo vigente no momento em que esse acto foi praticado. O processo dito de execução de julgados não é, assim, em rigor, um processo executivo, assim como a sentença de anulação também não constitui um título executivo (trata-se de sentença declarativa ou constitutiva, consoante declare a nulidade ou anule o acto impugnado, e não uma sentença de condenação). No âmbito desse processo, “o tribunal procede a indagações novas, nunca antes realizadas, em ordem a verificar se a Administração deve ou não fazer aquilo que o interessado pretende e que, quando for caso disso, culmina na emissão de uma pronúncia mediante a qual impõe, pela primeira vez, o cumprimento dos deveres em que a Administração ficou constituída por efeito de tal anulação, mas cuja existência o tribunal ainda não tinha, até esse momento, verificado nem formalmente reconhecido”. Por outro lado, nota o mesmo autor que “o processo em análise não contempla, depois, a adopção de quaisquer medidas estruturalmente executivas, com carácter substitutivo ou subrogatório, que se traduzam na prática, pelo próprio tribunal ou por terceiro, dos actos indevidamente omitidos pela Administração”, e que “em caso de incumprimento dos deveres enunciados na declaração dos actos devidos, o artigo
11.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77 apenas admite, como foi referido, a constituição em responsabilidade, o que significa que se dá o incumprimento por definitivo e inultrapassável”, concluindo: “estamos, pois, perante um processo que assenta no incontornável pressuposto da infungibilidade das prestações a que se refere e que, portanto, não pode ser qualificado, do ponto de vista estrutural, como um processo executivo, mas antes como um processo declarativo, que funciona como um sucedâneo em relação a uma verdadeira acção, e no âmbito do qual o recorrente vitorioso pode, pela primeira vez, pedir a imposição judicial
à Administração do cumprimento dos deveres nos quais ela ficou constituída por efeito da anulação”.
2.2. Estas considerações permitem compreender melhor as razões pelas quais a jurisprudência administrativa tem correntemente concluído pela inaplicabilidade do “processo de execução de julgados”, tal como delineado nos artigos 5.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 256-A/77, à “execução” da decisão de intimação para passagem de certidão. [Não cumpre abordar, no âmbito do presente recurso, a questão do meio processual adequado à execução das sentenças condenatórias dos tribunais administrativos, designadamente nas acções de responsabilidade civil por actos de gestão pública e nas acções sobre validade, interpretação e execução de contratos administrativos: no sentido da aplicação das acções executivas reguladas nos artigos 805.º e seguintes do Código de Processo Civil, cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de
23 de Junho de 1999, processo n.º 44 893 (com a discordância de José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, pág. 164, nota 71), e, num caso de execução para pagamento de quantia certa, José Robin de Andrade, “A execução das sentenças condenatórias dos Tribunais Administrativos”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 5, Setembro/Outubro 1997, pp. 13-24].
Como demonstrativos dessa orientação jurisprudencial podem citar-se, a título exemplificativo, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (sumariados em www.dgsi.pt/jsta):
– acórdão de 11 de Abril de 1991, processo n.º 29 160:
“I – O processo de intimação para passagem de certidão termina com a decisão proferida sobre a apreciação do pedido formulado. II – Por isso é de indeferir o requerimento que o interessado fez juntar ao processo de intimação para obter a execução do julgado. III – O não cumprimento da intimação ordenada pelo tribunal importa responsabilidade civil, disciplinar e criminal nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, por força do artigo 84.º, n.º 2, da LPTA.”;
– acórdão de 12 de Janeiro de 1993, processo n.º 31 586:
“O processo de execução de sentença de tribunal administrativo, disciplinado no artigo 96.º da LPTA e no Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, não é aplicável à sentença que tenha proferido intimação nos termos do n.º 1 do artigo
84.º daquele primeiro diploma”;
– acórdão de 30 de Novembro de 1993, processo n.º 32
665: “I – A decisão final no meio processual acessório de intimação contém em si mesma a virtualidade de se impor coercivamente às autoridades públicas, não se compadecendo a sua inexecução com o uso de outro meio processual acessório como a execução de julgados. (...)”;
– acórdão de 21 de Dezembro de 1993, processo n.º 33
215: “Não é aplicável à sentença que intima uma autoridade administrativa à passagem de certidões o processo de execução regulado no Decreto-Lei n.º
256-A/77”;
– acórdão de 21 de Dezembro de 1995, processo n.º 38
300: “I – O processo de execução de sentença, previsto no artigo 96.º da LPTA e no Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, não é aplicável à sentença que tenha ordenado a intimação para a passagem de certidão nos termos do n.º 1 do artigo 84.º da LPTA. (...)”;
– acórdão de 11 de Março de 1999, processo n.º 44 576:
“(...) VI – As sentenças proferidas no processo de intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões já contêm a injunção sobre os actos a praticar e o prazo respectivo, não lhes sendo aplicável o processo de execução regulado no Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho. (...)”.
Na base desta orientação jurisprudencial está, por outro lado, o reconhecimento da desadequação da aplicação do processo de execução de julgados à execução da decisão de intimação para passagem de certidão e, por outro lado, a constatação de que tal aplicação não representaria nenhum acréscimo de garantia para a tutela jurisdicional do interessado. Aquela desadequação manifesta-se relativamente a todas as fases do processo de execução de julgados: o prazo para o cumprimento voluntário da decisão é o nesta obrigatoriamente fixado (no presente caso, 20 dias, a partir da notificação da decisão de intimação) e não o do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 256-A/77
(30 dias, a contar do trânsito em julgado); a impossibilidade ou grave prejuízo para o interesse público na passagem da certidão (designadamente por não existirem em poder da autoridade requerida os documentos que o requerente pretende ver certificados ou por tais documentos revestirem natureza reservada ou sigilosa) há-de ser invocada na resposta ao pedido de intimação, como oposição ao seu deferimento; contendo a decisão de intimação a condenação precisa da Administração à prática de um acto concretizado, não tem cabimento a prolação das verdadeiras sentenças condenatórias de determinação dos actos e operações a praticar pela Administração, que no processo de execução de julgados se justificam por a sentença exequenda, de mera anulação ou declaração de nulidade de acto administrativo, não conter qualquer pronúncia sobre os deveres em que a Administração fica constituída por força daquela decisão cassatória. Acresce que se, como pretende a recorrente, se tivesse seguido o processo de execução de julgados e persistindo o incumprimento por parte da Administração, a única reacção legalmente prevista acaba por ser a responsabilização civil da Administração e a responsabilização civil, disciplinar e criminal do agente (artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77), responsabilizações estas que, na tese da decisão recorrida, estão ao alcance do interessado logo que se constate o não cumprimento da intimação no prazo para tal assinalado (artigo 84.º, n.º 2, da LPTA). Isto é: a tese da decisão recorrida atribui de imediato ao interessado a mesma tutela que, na tese da recorrente, só seria alcançável no final do complexo percurso do processo de execução de julgados.
2.3. Neste contexto, surge como óbvio que nenhuma restrição para os direitos de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional efectiva, como corolários do princípio do Estado de direito democrático, advém para a recorrente da interpretação normativa por ela arguida de inconstitucional.
A dificuldade na efectiva execução da intimação que neste domínio se pode sentir não deriva da interpretação normativa impugnada, mas da própria natureza da prestação exequenda, que, traduzindo-se numa prestação de facto infungível (só a Administração pode passar certidões dos documentos existentes em seu poder), inviabiliza formas de execução substitutivas ou subrogatórias (que se traduzam na prática, pelo próprio tribunal ou por terceiro, dos actos indevidamente omitidos pela Administração) e apenas consente meios indirectos de constrangimento à execução pela própria Administração, como são as previstas responsabilizações civil, disciplinar e criminal.
Refira-se, por último, que no novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro) – onde surgem regulados verdadeiros e próprios processos executivos das sentenças dos tribunais administrativos (artigos 157.º a 179.º, distinguindo a execução para prestação de factos ou de coisas, a execução para pagamento de quantia certa e a execução de sentenças de anulação de actos administrativos) –, tratando-se de decisão de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (decisão que contém a determinação do prazo em que a intimação deve ser cumprida e que não pode ultrapassar os 10 dias), se houver incumprimento da intimação sem justificação aceitável, o artigo 108.º, n.º 2, estipula que o juiz deve determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169.º (isto
é, a condenação do titular do órgão faltoso no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso na execução da decisão judicial, a fixar entre
5% e 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento, que só cessará, em regra, quando se mostre ter sido realizada a execução integral da decisão judicial), sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil da Administração e da responsabilidade civil, disciplinar e criminal do órgão ou agente, a que haja lugar, segundo o disposto no artigo 159.º. Isto é: tal como no regime da LPTA, continua a não haver lugar à utilização directa dos processos executivos, mas apenas a responsabilização civil, disciplinar e criminal, a que agora se aditou a imposição de sanção pecuniária compulsória, como meios indirectos de levar a Administração a prestar um facto que só por ela pode ser praticado.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos
5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, e 84.º, n.º 2, e 95.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho), interpretadas no sentido de que à execução de uma decisão proferida em processo de intimação para a passagem de certidões ou consulta de documentos não é aplicável o “processo de execução de julgados” regulado naquele primeiro diploma; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 21 de Abril de 2004.
Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Silva Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos