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Processo n.º 641/04
2ª Secção Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. O Ministério Público e as assistentes A. e B. interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Fevereiro de 2003 que, em cumprimento do acórdão do Tribunal Constitucional n.º
483/2002 (publicado no Diário da República, II série, de 10 de Janeiro de 2003), reformou o que decidira anteriormente, pelo seu acórdão de 24 de Abril de 2001, e, em consequência, declarou prescrito o procedimento criminal movido contra os arguidos C., D., E., F., G., H., I., J. e L.. Por acórdão de 8 de Julho de 2003, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu em conferência (com um voto de vencido) rejeitar os recursos por, nos termos do artigo 400º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, não ser admissível recurso de “acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância”, dado que “um acórdão da Relação que confirma um despacho de não pronúncia é um acórdão absolutório” e considerando que o despacho dado na 1ª instância (proferido em 27 de Setembro de 2000 e a declarar extinto, por prescrição, o procedimento criminal) fora um despacho de não pronúncia, por ter sido mandado proferir pelo Tribunal da Relação nos termos do artigo 308º, n.º 3, do Código de Processo Penal, bem como que, de resto, “é
óbvio que, havendo prescrição do procedimento criminal, o arguido não pode ser condenado pelo crime a que aquele procedimento diz respeito.” As assistentes vieram então pedir a aclaração deste acórdão, com largas considerações nas quais explanam a sua discordância do entendimento nele seguido e afirmando que, “ao rejeitar o recurso das assistentes o STJ viola os artigos
2º, 9º/b, 13º, 16º, 18º, 20º, 27º e 32º/1, todos da CRP, porquanto aplica ao caso concreto uma interpretação normativa ao arrepio quer de jurisprudência obrigatória [o ‘Assento n.º 6/00, de 7 de Março’], quer da Lei, maxime no que respeita ao direito de recorrer, o que tem como resultado vedar o acesso das assistentes – vítimas – aos tribunais e, por conseguinte, impede estas de ver o seu recurso admitido a julgado”. Este pedido foi indeferido por acórdão de 23 de Outubro de 2003, no qual se salientou também que o citado acórdão de uniformização de jurisprudência não era aplicável ao caso dos autos, por estar em causa, não uma “decisão instrutória de pronúncia proferida pela 1ª instância”, mas um “despacho de não pronúncia, proferido, em recurso, pela Relação de Lisboa.” Após pedido de aclaração, agora do acórdão de 23 de Outubro de 2003, indeferido por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 2004, e novo pedido de aclaração desta decisão, indeferido por acórdão do mesmo Tribunal, de
4 de Março de 2004, as assistentes interpuseram recurso de constitucionalidade,
“ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 dos art.s 70º, 71º, 72º/1/b, 75º,
75º-A” da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação da constitucionalidade do “conjunto normativo e conjugado dos art.s 399º, 400º/1/d, 414º/2, 432º/b e 420º/1 do Código de Processo Penal (CPP), na definição interpretativa e aplicativa que lhe foi conferida e adoptada pelo STJ no acórdão recorrido”, por considerarem que tal interpretação, ao levar à inadmissibilidade do recurso em processo penal, viola os artigos “2º, 9º/b, 12º/1, 13º, 16º, 18º, 20º, 27º/1, 32º/1 e 205º”, todos da Constituição da República. Em 25 de Março de 2004, o relator no Supremo Tribunal de Justiça proferiu o seguinte despacho, a não admitir o recurso de constitucionalidade:
“Não recebo o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, dado que nenhuma inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo e, mesmo nos sucessivos pedidos de aclaração, se estes relevassem para tal efeito, as recorrentes não suscitaram inconstitucionalidade alguma, não tendo indicado concretamente qualquer norma que, na interpretação feita por este Tribunal, tivesse infringido norma ou princípio constitucional.”
2. As assistentes vêm reclamar deste despacho de não admissão do recurso, dizendo no requerimento que dirigiram a este Tribunal:
«(...)
3 - Já nas alegações do recurso das AA para o STJ, interposto do acórdão n.°
5/03, de 19 FEV 03, da Relação de Lisboa (RL) a fls. 18957 dos autos, aquelas invocaram que na reforma do anterior acórdão n.° 19/01, de 24 ABR 01, após o acórdão do TC n.° 483/02 de 20 NOV 02, a RL procedera a uma errada interpretação do normativo aplicável ao caso dos autos, em sede de cômputo de prescrição do procedimento criminal. Com efeito, Considerando que o TC aprecia matérias de natureza jurídico-constitucional, pronunciando-se sobre inconstitucionalidades e ilegalidades e não sobre factos, nomeadamente se houve interrupções, ou suspensões ou prescrição do procedimento criminal. Considerando que o TC, então, pretendeu, tal qual foi delineado o objecto da questão, o controle da conformidade constitucional da norma com independência da fase processual concreta, E, Considerando que o TC admitiu em seu acórdão a possibilidade da imprescritibilidade para certo tipo de crimes, não excluindo que a Constituição se compatibilize com a imprescritibilidade de certos crimes graves, Não podia a RL ignorar princípios fundamentais e, por isso, com ressonância constitucional, quais sejam o princípio da igualdade dos sujeitos processuais perante a lei, mormente das vítimas identificadas na acusação acolhida na pronúncia. A solução normativa adoptada pela RL, após o indicado acórdão do TC, ao considerar apenas uma vítima, ignorando dezenas de outras de um crime grave previsto e punido no Direito Penal, para efeitos de cômputo do prazo de prescrição do procedimento criminal, implica um resultado inconstitucional, por gerar um tratamento desigual das vítimas perante a lei, desprotegendo o direito das mesmas à saúde e à vida, que foram violados pelos arguidos nos termos de facto e de direito da acusação judicial e repetidamente comprovada através da pronúncia daqueles. Por outro lado, Contrariamente ao que parece resultar do despacho de que se reclama, Não podem as AA prever ou esperar que a definição interpretativa e aplicativa do direito a efectuar pela última instância de recurso ordinário, gerará um resultado geral e abstracto inconstitucional, por afronta a princípios ou valores ético-jurídicos fundamentais. Por conseguinte, a invocação de inconstitucionalidade pelo sujeito processual com legitimidade e interesse em agir, só pode ser feita e precisamente equacionada ou dimensionada após a publicação do acto decisório que a contém, sob pena de, assim não sendo, e coarctando-se a possibilidade recursória para a instância constitucional, se laborar num eventual artificialismo da decisão. pela eventualidade manipulatória e arbitrária que possa acompanhá-la insusceptível de controle. No caso dos autos,
4 - O STJ no seu acórdão de 8 JUL 03, com declaração de voto, rejeitou o recurso das AA (e do Ministério Público), interposto do acórdão da RL n.° 5/03, de 19 FEV 03, assumindo uma interpretação e aplicação do direito ordinário, relativamente ao conjunto normativo dos arts. 39º, 400°/1/d), 414°/2, 432°/b e
420°/1, do CPP, e quanto à jurisprudência do assento n.° 6/00, de 7 MAR 00. As AA fizeram sucessivos pedidos de aclaração do indicado acórdão junto do STJ, pretendendo esclarecer-se junto desta instância quanto ao mesmo, e invocando (e reafirmando ao longo deste) que a definição interpretativa e aplicativa do direito ordinário efectuada pelo tribunal quanto ao conjunto normativo resultante das normas constantes dos arts. 399°, 400°/1/d), 414°/2, 432°/b e
420°/1, do CPP, e bem assim quanto à jurisprudência do assento n.° 6/00, de 7 MAR 00, é inconstitucional por atentar contra a efectivação dos direitos e liberdades fundamentais estabelecidos nos arts 2°, 9º/b, 12°, 13°, 16°, 18°,
20°, 27° e 32°/1, todos da CRP. Como resulta dos pedidos de aclaração, nomeadamente do primeiro, que integram o processo e cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos. Por conseguinte, Não só as AA indicaram normas concretas que, na interpretação dada pelo STJ, infringiram a CRP, como pretenderam explicar onde em seu entendimento aquela afrontava a lei fundamental. Sumariamente se dirá que as AA invocaram perante o STJ que a sua interpretação e definição, segundo a qual a lei não preceitua a fundamentação no caso da dupla conforme, ignora o dever de fundamentar os actos decisórios, talqualmente previsto no art. 97°/4 do CPP e 205° da CRP. Igualmente invocaram que o STJ não podia ignorar nem a diversidade de fundamentação das duas decisões dos autos que o levaram a actuar a dupla conforme, nem o facto de a primeira delas - despacho de 1ª instância de 27 SET 00 -, ter sido revogada pela RL. As AA invocaram também que a definição interpretativa e aplicativa do direito pelo STJ é inconstitucional, por afectar de forma injustificada e definitiva o direito das AA ao recurso efectivo, tornando-o inútil e sobrepondo-se à garantia que do mesmo é feita pelo direito de acesso aos tribunais. O STJ actuou a dupla conforme quando não podia ignorar que o acórdão da RL, objecto do recurso interposto pelas AA e rejeitado, aprecia ex novo a questão da prescrição do procedimento criminal, com um quadro jurídico-processual diverso do que subjaz ao despacho de 1ª instância de 27 SET 00, posteriormente revogado em instância de recurso. Com efeito, Enquanto o acórdão da RL, após a pronúncia proferida neste tribunal, aprecia o prazo prescricional do procedimento criminal partindo da data do primeiro resultado morte (MAI 87), e declarou a prescrição com base neste, o indicado despacho declarou a prescrição partindo dos últimos factos com relevância penal com data de FEV 87, o que obviamente conduz a resultados completamente diversos, inesperados, com os quais as AA não podiam contar. Pelo que, tratando-se de questão nova, têm as AA todo o direito de sobre a mesma se pronunciarem perante uma instância de recurso. Quanto à omissão de pronúncia do STJ relativamente ao Assento n.° 6/00, de 7 MAR
00, as AA invocaram que a definição interpretativa e aplicativa daquele traz como resultado geral e abstracto a desigualdade de direitos entre os sujeitos processuais em sede da apreciação judicial de questões prévias ou incidentais - caso da prescrição -, numa clara violação do princípio da igualdade consignado na CRP, ainda em vigor. A interpretação do STJ tem como resultado que ao arguido seria permitido recorrer da decisão de todas as questões prévias ou incidentais num despacho de pronúncia - pois é ele quem tem interesse em recorrer do mesmo -, enquanto ao assistente seria vedado o direito de recorrer de uma decisão relativa ao mesmo tipo de questões num despacho de pronúncia. A negação da possibilidade recursória é mais insuportável, quando se trata de uma questão que é apreciada pela primeira vez no processo e com um quadro jurídico-processual diverso. Por isso, as AA invocaram que a interpretação e aplicação do direito pelo STJ é inconstitucional, pois despreza a garantia de defesa a que o sujeito processual diferente do arguido tem direito, como lhe nega o direito de reagir em matéria da mesma natureza, qual seja a dos pressupostos negativos do exercício da acção penal, - a prescrição do procedimento criminal. Assim e em conclusão, O STJ não podia deixar de admitir o recurso para o TC, atento a que as AA durante o processo suscitaram efectivamente nas alegações do recurso interposto do acórdão da RL para o STJ e por este rejeitado, a inconstitucionalidade da interpretação e aplicação do direito pela RL, bem como suscitaram a inconstitucionalidade da definição interpretativa e aplicativa que o STJ fez do conjunto normativo supra referido e quanto à jurisprudência do assento n.° 6/00, de 7 MAR 00, tendo indicado concretamente o normativo (arts. 39º, 400°/1/d),
414°/2, 432°/b e 420°/1, do CPP) que, na interpretação feita por aquele tribunal, infringiu as normas e princípios constitucionais também identificados
(arts 2°, 9º/b, 12°, 13°, 16°, 18°, 20°, 27° e 32°/1, da CRP).
(...)» O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, concordando com a apreciação dos requisitos para se poder tomar conhecimento do recurso efectuada no despacho reclamado. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3. O recurso que as ora reclamantes pretenderam interpor era intentado ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Ora, para se poder conhecer de tal recurso torna-se necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que a inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo, tendo sido justamente a falta deste último requisito que fundamentou o despacho de não admissão do recurso. As reclamantes discordam deste entendimento. Assim, no ponto 3 do seu requerimento de reclamação, as reclamantes reportam-se a uma discordância, alegada perante o Supremo Tribunal de Justiça, relativamente à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Fevereiro de 2003, proferido na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 483/2002, tendo então considerado, perante esse Tribunal, que essa decisão, e a solução normativa em que se baseou, conduziriam a um resultado inconstitucional. Como é evidente, não é, porém, a constitucionalidade desta solução normativa aquela que estava em causa no recurso de constitucionalidade que as ora reclamantes pretenderam interpor, que tinha como objecto a apreciação da constitucionalidade de normas (“art.s 399º,
400º/1/d, 414º/2, 432º/b e 420º/1 do Código de Processo Penal”) relativas à admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e não à questão de fundo prescrição do procedimento criminal, decidida pelo Tribunal da Relação da Lisboa. As referências a um alegado resultado inconstitucional devido à decisão desta questão não relevam, assim, como suscitação da inconstitucionalidade das normas indicadas no requerimento de recurso, relativas à admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
4. As recorrentes sustentam ainda que fizeram “sucessivos pedidos de aclaração junto do STJ” e que, nestes, nomeadamente no primeiro, não só “indicaram normas concretas que, na interpretação dada pelo STJ, infringiram a CRP, como pretenderam explicar onde em seu entendimento aquela afrontava a Lei Fundamental.” Ora, o requisito da suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo, exigido pelos artigos 280º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70º, n.º 1, alínea b) e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, deve ser entendido, como se decidiu no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República, II série, de 6 de Setembro de 1994), “não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que
(a mesma questão de constitucionalidade) respeita”.
É que é este o único sentido de tal requisito que se justifica pela natureza da intervenção do Tribunal Constitucional que tem lugar em via de recurso, isto é, para reexame ou reapreciação de uma decisão de um tribunal sobre uma questão de constitucionalidade de norma(s) que foi suscitada perante ele. Esta orientação, como também se salientou no Acórdão n.º 352/94, “sofre restrições apenas em situações excepcionais, anómalas, nas quais o interessado não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final.”
5. No presente caso, são as próprias reclamantes que admitem não ter suscitado a inconstitucionalidade das normas que pretendem ver apreciadas antes de esgotado o poder jurisdicional do Supremo Tribunal de Justiça, sustentando tê-lo feito apenas nos pedidos de aclaração do acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de Julho de 2003. Apenas poderiam, pois, considerar-se preenchidos os requisitos necessários para se tomar conhecimento do recurso se a questão de constitucionalidade apenas pudesse ter sido suscitada nesse momento, designadamente, como se referiu, por se estar perante uma situação excepcional, anómala, em que, pelo carácter inesperado ou insólito da decisão recorrida, ao interessado não fosse exigível a suscitação da inconstitucionalidade normativa antes de proferida a decisão final. Manifestamente, não é, porém, este o caso dos autos. Na verdade, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça limitou-se a fazer aplicação do artigo 400º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, no seu teor literal, e a considerar que o acórdão então recorrido era um acórdão confirmatório de um despacho de não pronúncia, fundamentando tal qualificação por se tratar de uma decisão proferida nos termos do artigo 380º, n.º 3, do Código de Processo Penal e por ambas terem decidido que o procedimento criminal estava prescrito. A qualificação destas decisões de extinção do procedimento criminal, para efeito do preenchimento da hipótese do artigo 400º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, que se baseia na ideia de “dupla conforme”, como decisões de não pronúncia, não pode ser considerada imprevisível ou insólita, de tal forma que as recorrentes possam ser dispensadas do ónus de suscitar a sua inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de esgotado o seu poder jurisdicional quanto à questão. Pois, como se salientou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de que as reclamantes pretenderam interpor recurso,
é claro que a extinção do procedimento criminal também inviabiliza logo a pronúncia dos arguidos. Aliás – e mesmo que tal qualificação pudesse estar em causa no presente recurso, questão que se deixa em aberto –, também a não aplicação ao caso do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2000 (“Assento n.º 6/2000”, publicado no Diário da República, I série-A, de 7 de Março de 2000, e segundo o qual a
“decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais”) não pode considerar-se imprevisível ou insólita. Pois estava em questão, no presente caso, não uma decisão instrutória de pronúncia (a que se referia aquele acórdão), proferida na 1ª instância, mas decisões de extinção do procedimento criminal, que também puseram logo em causa a pronúncia, proferidas pela 1ª instância e pelo Tribunal da Relação. Impendia, portanto, sobre as ora reclamantes o ónus de adoptar uma estratégia processual adequada (cfr. Acórdão n.º 479/89, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14º vol., págs. 143-144) ao preenchimento dos requisitos do tipo de recurso de constitucionalidade que pretenderam interpor. Ora, as ora reclamantes não suscitaram durante o processo – isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido – a inconstitucionalidade das normas cuja apreciação as recorrentes pretenderam com o seu requerimento de recurso de constitucionalidade: ou seja, a interpretação dos artigos “art.s
399º, 400º/1/d, 414º/2, 432º/b e 420º/1 do Código de Processo Penal”, conjugados com a jurisprudência fixada pelo citado acórdão n.º 6/00, do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de não abrangerem os despachos de não pronúncia proferidos em recurso pelos tribunais da Relação, mas somente os despachos de pronúncia proferidos na 1ª instância. E como o não fizeram, não pode agora concluir-se pela preterição, pela decisão declamada, do seu direito a ver uma certa questão de constitucionalidade reapreciada por este Tribunal (afinal o fundamento último deste tipo de reclamação, como se disse nos Acórdãos n.ºs 490/98, 24/99 e 46/02, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
6. Por outro lado, não pode dizer-se que as normas em questão tenham sido aplicadas pelo Supremo Tribunal de Justiça num sentido segundo o qual “a lei não preceitua a fundamentação no caso da dupla conforme”, como se afirma na presente reclamação. Tal dimensão interpretativa, aliás não identificada no requerimento de recurso (que apenas se refere à diversidade de fundamentação das decisões da
1ª instância e da Relação), não foi aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça, que se preocupou, antes, logo em afirmar que tal equiparação resultava, de resto, também de que “havendo prescrição do procedimento criminal, o arguido não pode ser condenado pelo crime a que aquele procedimento diz respeito”. Também nesta parte não pode, pois, deferir-se a reclamação apresentada. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e, consequentemente, condenar as reclamantes em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 7 de Julho de 2004 Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos