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Proc. n.º 235-A/04
3ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos em que A. é recorrente, o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 212/2004, determinou que se extraísse traslado do processado, para nele serem processados eventuais termos posteriores do recurso, e que o processo fosse remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 720º do Código de Processo Civil. Escudou-se, para tal, na seguinte fundamentação:
“5. O n.º 8 do artigo 84º da LTC prevê o recurso ao disposto no artigo 720º do Código de Processo Civil. Ora, verifica-se o seguinte:
- o presente recurso teve origem no traslado tirado no Supremo Tribunal de Justiça, nos requerimentos então autuados em separado e nos acórdãos sobre eles proferidos;
- a decisão sumária proferida nestes autos, nos termos do artigo 78º-A da LTC, embora ainda susceptível de reclamação para a conferência, é um modo de julgamento potencialmente apto a pôr termo ao recurso de constitucionalidade, pelo que também relativamente a tal espécie de decisão, pode o Tribunal Constitucional socorrer-se dos poderes conferidos pelo n.º 8 do artigo 84º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e pelo artigo 720º do Código do Processo Civil, de modo a impedir que do recurso para ele interposto se retirem efeitos meramente dilatórios;
- no processo que corre os seus termos neste Tribunal sob o n.º 158/04, foi, entretanto, proferido acórdão determinando a extracção de traslado e a imediata remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no n.º
2 do artigo 720º do Código de Processo Civil. Assim, em consequência do decidido no processo n.º 158/04 deste Tribunal, justifica-se que, no presente processo, se tome idêntica decisão.”
2. O recorrente vem agora reclamar, arguindo a nulidade deste acórdão, através de um requerimento do seguinte teor:
“[...], recorrente nos autos a margem referenciados, em que são recorridos o M.º P .º e outros, notificado da decisão que ordenou a extracção de traslado e a remessa do processo, imediatamente, ao STJ, nos termos do art.º 720.º n.º 2 do CPC, vem, da mesma, reclamar, arguindo as seguintes nulidades: A decisão sumária do relator, dada a sua natureza provisória e com a característica de mera tendência ou propensão a pôr fim ao processo, não é passível de aplicação do disposto no art.º 84.º n.º 8 da LTC. Com efeito, se e enquanto não transitar em julgado não é decisão proferida no recurso. Durante todo o tempo em que não é proferido acórdão sobre a matéria, é provisória, uma vez que está sujeita a ser modificada pela conferência. De outro modo, criar-se-ia uma situação aberrante, de provocar efeitos irreversivelmente perversos da sua eventual execução, v. g. a privação prematura da liberdade. A reclamação para a conferência destina-se a substituir a opinião singular do relator pela decisão colectiva do tribunal. Esta é que forma e constitui a decisão. Por outro lado, o citado preceito da LTC postula um requerimento pendente, ainda não despachado. O relator, em vez de proferir despacho, leva-o à conferência. É isto que resulta da lei. Ora, no caso, o pedido de aclaração já tinha sido despachado. Face à consumação do incidente, não podia ter ido à conferência. Houve extemporaneidade na intervenção do órgão colectivo, ao qual falecia competência para apreciar um assunto já encerrado. De outro modo, o traslado já não serviria para processar a decisão do requerimento, que é a verdadeira razão da existência da norma. Acresce que a apreciação ou parecer tem que ser do relator, perante a apresentação de um requerimento da parte. Não pode a conferência intervir por iniciativa de uma das partes, como foi o caso. A providência tem que ser sempre da iniciativa do relator e antes de o requerimento ser despachado. Se se entendesse que o mecanismo podia funcionar por iniciativa de uma das partes, então tinha, necessariamente, que ser assegurado o contraditório - “ art.º 3.º do CPC. Em matéria desta relevância, não pode dispensar-se a efectivação do contraditório, princípio basilar do processo. Decidindo em contrário, o acórdão reclamado violou o disposto no art.º 668.º, 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do art.º 69.º da LTC, dado que conheceu de questão que lhe estava vedada e não conheceu de uma questão que necessariamente tinha que conhecer. Termos em que, requer-se o deferimento da presente arguição de nulidades, com as consequências legais, maxime com a modificação do acórdão reclamado.[...]”
3. O Ministério Público, notificado da presente reclamação, respondeu da seguinte forma:
“1 - A arguição de nulidade, ora deduzida, assenta em pressupostos obviamente viciados.
2 - Assim, em primeiro lugar, é evidente que os mecanismos processuais que visam
- quer em processo civil, quer em processo constitucional - a defesa contra manobras abusivas são aplicáveis, quer na sequência da prolação de um acórdão, quer na sequência de uma decisão sumária do relator - que, como é evidente e inquestionável, tem virtualidades para funcionar como “decisão final” do recurso.
3 - Por outro lado, o que é decisivo para a aplicação de tais mecanismos processuais não é a circunstância de os requerimentos dilatórios estarem ou não
“pendentes”, mas um juízo objectivo e fundamentado sobre a actuação processual das partes, levando o tribunal a concluir com segurança que ocorre um uso anormal do processo por alguma delas.
4 - Finalmente, e ao contrário do que pretende o recorrente, o processo não foi levado à conferência “por iniciativa” de uma das partes, mas por decisão do relator - sendo evidente que a circunstância de um dos recorridos ter sugerido tal medida não “apaga” que tal iniciativa processual foi do competente órgão jurisdicional.
5 - T ermos em que deverá improceder a reclamação deduzida.”
4. O recorrido B. veio defender que “deve ser integralmente indeferida a arguição das nulidades feita pelo recorrente, mantendo-se inalterada a decisão do Tribunal Constitucional”. Os restantes recorridos nada disseram.
Cumpre decidir.
II – Fundamentação
5. Invoca o recorrente a alínea d) do artigo 668º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 69º da LTC. Diga-se, porém, desde já, que não é claro, nem o recorrente explicita no requerimento atrás transcrito, qual a questão de que o Tribunal, no acórdão reclamado, terá conhecido sem o poder fazer, nem qual a questão de que terá deixado de conhecer, devendo fazê-lo. Ora, como o Tribunal, no acórdão reclamado, após constatar o facto de os presentes autos terem tido origem num traslado, ter sido já proferida decisão sumária e ter sido decidido no processo principal – processo n.º 158/04 – a extracção de traslado, se limitou a determinar que se extraísse traslado do processado, para nele serem processados eventuais termos posteriores do recurso, e que o processo fosse remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, a única questão conhecida e a conhecer foi, então, a relativa à pertinência da manutenção neste Tribunal de uns autos, eles próprios com origem em traslado, de um processo que, entretanto, fora mandado remeter ao tribunal “a quo”, nos termos do artigo 720º do Código de Processo Civil.. Ora, essa questão é manifesto que o Tribunal pode e deve, sempre, conhecer, quando entenda que pode estar em causa a aplicação deste preceito.
Tanto basta para que, sem mais considerações, se indefira a presente reclamação.
Agora apenas se dirá que não tem razão o recorrente quando afirma que a decisão sumária é provisória, não sendo passível de aplicação do artigo 84º, n.º 8 da LTC, o que, aliás, não constituiria, em qualquer caso, nulidade. Na verdade, todas as decisões, enquanto não transitadas, são provisórias e o que esta norma visa é, precisamente, pôr termo a uma actividade do recorrente que visa objectivamente impedir, nomeadamente, que qualquer decisão provisória – sumária ou acórdão (da conferência, da secção ou do plenário) – possa adquirir carácter definitivo.
Alega o recorrente que a mesma norma postula um requerimento pendente ainda não despachado e que “não pode a conferência intervir por iniciativa de uma das partes, como foi o caso”. Refere ainda um requerimento de aclaração que não existe nestes autos. Mas, também aqui, não tem qualquer razão. Na verdade, não só a questão é levada à conferência pelo relator, como esta, constatando que, em face de decisão tomada no processo principal, se justifica a extracção de traslado, pode ordená-lo, sendo inteiramente irrelevante o facto que dá origem
àquela constatação e desnecessária a pendência de qualquer requerimento. Além de que, em qualquer caso, também aqui não estaríamos perante nenhuma nulidade.
Invoca ainda o recorrente a necessidade de assegurar o princípio do contraditório. Ora, o princípio do contraditório está assegurado já que, correndo o processo em traslado, aí haverá lugar à discussão, com todas as garantias legalmente asseguradas. E, competindo aos tribunais assegurar que os processos tenham decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, não podem estes deixar de tomar as medidas legalmente possíveis para permitir a materialização daquele comando constitucional.
III. Decisão
Nestes termos, desatende-se a reclamação. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
À conta para efeitos do disposto no artigo 84º, n.º 8, da LTC.
Lisboa, 5 de Maio de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Luís Nunes de Almeida