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Proc. nº 65/2004
2ª Secção Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
(Conselheiro Benjamim Rodrigues)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, em que figura como recorrente A., e como recorrida a Câmara Municipal de Lisboa, são submetidas à apreciação do Tribunal Constitucional as normas constantes dos artigos 14° e 22° do Regulamento sobre Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa (aprovado pelo Diário Municipal, nº
15.616, de 26 de Abril de 1989, com as alterações introduzidas pelo Edital nº
7/90, de 26 de Fevereiro), e do artigo 18° da Tabela de Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais (aprovada pelo Edital nº 100/89, Diário Municipal nº 15.714,
2° Suplemento, de 15 de Setembro de 1989, com as alterações dos Editais nºs
140/89, de 26 de Outubro de 1989 e 26/90, de 16 de Março de 1990). O Acórdão invocado foi o nº 32/2000 (D.R., II Série, de 8 de Março de 2000). A recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
EM CONCLUSÃO:
- A inconstitucionalidade das quantias liquidadas pela CML à ora recorrente/alegante a título de taxas de publicidade, é o fundamento daquela impugnação bem como do presente recurso.
- Uma taxa é um preço autoritariamente estabelecido, pago pela utilização individual de bens semi-públicos, sendo a sua contrapartida uma actividade do estado ou de outro ente público.
- As tarifas (taxas) cobradas pelos municípios apenas são devidas se resultarem de uma efectiva prestação de serviços pelo município.
- A distinção entre taxa e imposto consiste fundamentalmente no carácter sinalagmático da primeira.
- Este carácter sinalagmático ou reciprocidade não se verifica no caso em apreço.
- No caso em apreço não se verifica a remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares.
- Os suportes publicitários utilizados pela impugnante, aqui recorrente não ocupam a via pública, não se verificando a necessidade de levantamento de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da sua actividade.
- Se se admitisse a perspectiva da decisão recorrida, não seria então apenas o proprietário do imóvel no qual é afixada publicidade o obrigado à prestação, mas sim todos os demais beneficiários da utilização das vias de comunicação e espaço aéreo.
- A taxa a cobrar por um ente público é um preço autoritariamente estabelecido embora pela sua natureza não sujeito aos mecanismos da oferta e procura, mas cujo valor deve respeitar um critério de reciprocidade face ao valor da contrapartida recebida pelo particular.
- o carácter sinalagmático da taxa, exige, que perante a prestação do sujeito passivo, seja contraposta uma prestação individualizada do ente público.
- Esta prestação do ente público, ao contrário do que vem sendo superiormente entendido, sempre estará na base da quantificação do valor da prestação a pagar pelo sujeito passivo.
- Devendo o montante da taxa, corresponder (na íntegra) ao custo do bem ou serviço integrador da contraprestação do ente público.
- Não foi concretizada na sentença recorrida, qual a verdadeira contraprestação, porventura existente, e muito menos a individualização sempre exigível a essa prestação.
- Individualização, aliás sem a qual, e, pelo supra exposto, sempre tornaria impossível, por ilegítima, a quantificação do valor da prestação a pagar .
- Por não ser cobrada pela utilização de um bem semi-público, o tributo em causa
é um imposto e não uma taxa.
- A receita em causa foi criada por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa, que, ao estabelecer um verdadeiro imposto, é nula.
- O montante liquidado e cobrado pela Câmara Municipal de Lisboa a título de
“taxa de publicidade” não é devido, por ser aquele acto de liquidação ilegítimo, dada a ilegalidade e inconstitucionalidade do preceito de que resulta a criação da receita respectiva - as normas da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais que estabelecem o pagamento da taxa referida.
- A criação de impostos é assim matéria da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
- Tendo assim sido violados os artigos 165.º e 103.º n.º 3 da CRP.
- O acto em causa viola frontalmente os princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade, por exigir à impugnante o pagamento de tributo não previsto na Lei.
- É assim manifesto que o acto reclamado enferma de ilegalidade por violação de lei, inexistência de facto tributário e violação de princípios constitucionalmente consagrados.
- A jurisprudência, nomeadamente a emanada pelo Tribunal Constitucional tem-se pronunciado em consonância com o ora alegado, não se enquadrando no conceito jurídico-constitucional de “taxa” as importâncias exigidas por quaisquer entidades públicas a um particular, como mera condição de remoção de um obstáculo jurídico à utilização dos seus bens próprios, sem lhe conferir direito
à utilização de bens semi-públicos ou colectivos.
- A orientação jurisprudencial, no sentido da inconstitucionalidade orgânica das ditas “taxas de publicidade”, previstas em regulamentos camarários, vem do Acórdão n.º 558/98 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 41°, págs. 55 e segs.) e foi seguida pelos citados Acórdãos n.ºs 63/99 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 42°, págs. 291 e segs.), 32/2000
(publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 46°, págs. 283 e segs.),
346/2001 (ainda inédito), 92/2002 (ainda não publicado), e 437/2003.
Por seu turno, a Câmara Municipal de Lisboa contra-alegou concluindo o seguinte:
V-CONCLUSÕES
1. Não existe um conceito constitucionalmente positivado de taxa, pelo que deve o mesmo ser formulado com base nas Fontes de Direito, e com total respeito pela sua hierarquia.
2. O conceito de taxa tem hodiernamente a sua definição no n° 2 do ano 4° da Lei Geral Tributária datada de 1 de Janeiro de 1999, a qual estabelece o seu conteúdo e alcance, cuja concepção mais ampla não posterga as exigências garantísticas que fundamentam a distinção funcional dos conceitos.
3. Há um confronto entre o decidido pelos Tribunais Tributários e o Tribunal Constitucional, que assenta na discordância acerca do conceito de taxa, o qual se alterou pelo decurso do tempo, exigindo a sua interpretação conforme à Lei.
4. É partindo do conceito de taxa determinado pela Lei, que se deve ater a sindicância sobre a presente questão acerca da constitucionalidade da mesma.
5. O tributo exigido pela Recorrida (CML) resulta directamente da remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares (cfr. n° 2 in fine do art. 4° da LGT), em razão da necessidade absoluta de aqueles serem obrigados a requerer uma licença para o exercício da actividade, para a qual se exige a verificação dos requisitos e pressupostos decorrentes das normas legais e disposições regulamentares aplicáveis, que à autoridade licenciadora cumpre assegurar o seu cumprimento.
6. A licença de publicidade permite fazer publicidade na via pública ou no espaço aéreo, independentemente do meio, ou do suporte, propiciando a utilização de um bem público (cfr . n° 2 do art. 4° da LGT), consubstanciado nas ruas, avenidas, praças, jardins, e espaço aéreo onde a mesma é visível, onde circulam as pessoas com as quais se estabelece o diálogo publicitário, aproveitamento exclusivo para o beneficiário, objectivo visado pela colocação daquela, legitimando a exigência de uma taxa, contrapartida dessa utilização.
7. A verificação da compatibilidade dos reclamos publicitários com a área envolvente e a segurança dos dispositivos, prende-se directamente com um serviço prestado pelo Município exigido na sequência da emissão da correspondente licença, indispensável a tal exercício da actividade publicitária (cfr. n° 2 do art. 4° da LGT).
8. Tal prestação de serviços possui ligação directa e individualizada com a requerente, nomeadamente ao nível da responsabilidade relativamente a terceiros, por danos causados pela publicidade devidamente licenciada.
9. Resulta de todo o exposto a existência da sinalagmaticidade, pressuposto da existência da taxa, a qual se basta com a existência de um mínimo de equilíbrio jurídico entre ambas as prestações, indubitavelmente patente no presente caso.
10. Os tributos cobrados, em virtude do licenciamento prévio e manutenção dos meios publicitários, objecto dos presentes autos, revestem, assim, a natureza de taxa.
11. Revestindo a natureza de taxa, ao referido tributo não lhe é aplicável o princípio constitucional da legalidade dos impostos, previsto no ano 103° da Constituição da República Portuguesa, pelo que não padece o mesmo do vício de inconstitucionalidade;
12. Nesta conformidade, não são inconstitucionais as normas regulamentares que fixaram as taxas em causa - cfr. arts. 3° e 16° do Regulamento de Publicidade
Edital n° 35/92 - aprovado em execução da Lei 97/88, de 17.08, e Capítulo IV da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais para o ano financeiro de 2000, as quais integram as competências atribuídas pela Lei n° 42/98, de 6 de Agosto (Lei das Finanças Locais) – cfr. al. h) do art. 19° -, não padecendo as liquidações de qualquer ilegalidade;
13. Assim, concluímos pela improcedência do presente recurso, por ser manifestamente legal o tributo liquidado e cobrado, por configurar uma verdadeira “taxa”.
Cumpre apreciar.
2. A questão da constitucionalidade das normas em apreciação foi efectivamente apreciada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 32/2000, tendo o Tribunal decidido julgar inconstitucionais tais normas. Não suscitando o presente recurso qualquer questão nova que deva ser apreciada, remete-se para a fundamentação desse Acórdão n.º 32/2000, concluindo-se pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 14° e 22° do Regulamento sobre Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa (aprovado pelo Diário Municipal, nº 15.616, de 26 de Abril de 1989, com as alterações introduzidas pelo Edital nº
7/90, de 26 de Fevereiro), e do artigo 18° da Tabela de Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais (aprovada pelo Edital nº 100/89, Diário Municipal nº 15.714,
2° Suplemento, de 15 de Setembro de 1989, com as alterações dos Editais nºs
140/89, de 26 de Outubro de 1989 e 26/90, de 16 de Março de 1990).
3. Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 23 de Junho de 2004
Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração de voto aposta no Acórdão nº 34/04) Rui Manuel Moura Ramos