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Processo n.º 621/04
1.ª Secção Relator: Conselheiro Artur Maurício
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Nos autos de recurso supra identificados em que é recorrente A., foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1 - A., com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, do despacho proferido, pelo relator, na Relação de Guimarães de 01/03/04 (por lapso manifesto, a recorrente refere-se a 'acórdão'], que não admitiu os recursos interpostos dos acórdãos da mesma Relação, de 05/05/03 e 19/01/04, para o Supremo Tribunal de Justiça e da decisão do Vice-Presidente do STJ que indeferiu a reclamação daquele acórdão de
01/03/04, para apreciação da inconstitucionalidade das normas contidas nas seguintes disposições legais:
A) Artigos 219º e 400º nº 1 alíneas c) d) e) e f) do Código de Processo Penal (CPP) “na interpretação adoptada que considera não haver recurso da decisão do Tribunal da Relação que aplique ao arguido medida de coacção de prisão preventiva, por violação do disposto no artº 32º nº 1 CRP”
B) Artigos 219º e 399º do CPP “na interpretação segundo a qual a medida de coacção da prisão preventiva pode ser aplicada, pela primeira vez, por um Tribunal de 2ª instância, por violação do disposto no artº 32º nº 1 da CRP”
C) Artigos 202º e 204º do CPP, “na interpretação segundo a qual pode ser aplicada a um Presidente da Câmara a medida de coacção da prisão preventiva, por violação do disposto nos arts. 164º, al. m) e 117 nº 3 CRP”
D) Artigos 202º e 204º, conjugados com os arts 164 nº 2 e 264º nº 2, do CPP, “na interpretação que admite que seja decretada a prisão preventiva no âmbito de um processo iniciado com uma denúncia anónima, por violação do disposto no artº 20º nº 4 CRP”
E) Artigo 194º nº 2 do CPP, ”na interpretação que admite que a prisão preventiva seja decretada sem que ao arguido sejam indicados todos os concretos meios de prova dos quais resultam os indícios de ter praticado os crimes que lhe são imputados, por violação do disposto nos arts 28º nº 1 e 32º nº 1 CRP”;
F) Artigos 75º nº 1 e 80º nº 2 da LTC, “interpretados no sentido de que a interrupção do prazo para interposição de recursos ordinários é um facto instantâneo, que ocorre e cessa no mesmo instante, e que esse prazo se inicia com o trânsito em julgado da decisão do Tribunal Constitucional que implica a reforma dum acórdão e não com a prolação do acórdão reformado, por violação do disposto artº 20º nº 1 CRP”.
O recurso foi admitido pelo Vice-Presidente do STJ e os autos remetidos a este Tribunal.
Cumpre decidir.
2 – Resulta dos autos o seguinte:
- Por despacho do Juiz de Instrução Criminal de Guimarães foi aplicada à ora recorrente a medida de coacção de suspensão do exercício de funções de Presidente da Câmara Municipal de --------------------- e de proibição de entrada nas respectivas instalações;
- A arguida recorreu para a Relação de Guimarães desse despacho; e do mesmo recorreu o Ministério Público pugnando pela aplicação da medida de prisão preventiva;
- Por acórdão de 05/05/03, a Relação de Guimarães negou provimento ao recurso da arguida, mas deu provimento ao recurso do Ministério Público, aplicando a medida de prisão preventiva.
- Este acórdão foi notificado à arguida em 21/01/04,
- A arguida recorreu então para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo
70º nº 1 alínea g) da LTC no que concerne à norma do artigo 199º nº 1 alínea a) do CPP e ao abrigo da alínea b) do mesmo artigo e número da LTC quanto à norma do artigo 219º, também do CPP, posta em causa em termos de constitucionalidade, no ponto em que permitisse à relação revogar a decisão que não decretar a prisão preventiva.
- O Ministério Público interpôs, igualmente, recurso, ao abrigo do artigo 70º nº
1 alínea g) da LTC, quanto à norma do artigo 199º nº 1 alínea a) do CPP.
- Por decisão sumária de 11/07/03, o Tribunal Constitucional não conheceu do recurso, na parte em que tinha por objecto a norma do artigo 219º do CPP, por falta de suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo; deu, porém provimento ao recurso do Ministério Público e em parte ao recurso da arguida, fazendo uma interpretação conforme da norma constante do artigo 199º nº
1 alínea a) do CPP, no sentido de ela não abranger os titulares dos cargos políticos.
- A aclaração desta decisão e a reclamação para a conferência da mesma na parte em que se não conhecera do objecto do recurso foram indeferidas, respectivamente, por despacho de 16/09/03 e por acórdão de 08/10/03, este notificado à arguida na mesma data.
- Remetidos os autos à Relação de Guimarães, foi proferido acórdão em 19/01/04 que, tendo em conta o decidido pelo Tribunal Constitucional e considerando ter transitado a parte do acórdão a reformular (de 05/05/03) que decretara a prisão preventiva da arguida, decidiu revogar a decisão de 1ª instância que decretara a suspensão das funções de Presidente da Câmara Municipal de -------------------- e a proibição de acesso da arguida aos edifícios onde estão instalados os serviços daquela Câmara; este acórdão foi notificado à arguida em 21/01/04
- Em 04/02/04, a arguida recorreu dos referidos acórdãos de 05/05/03 e 19/01/04 para o STJ.
- Na motivação desse recurso, a arguida pretendeu demonstrar a tempestividade do recurso, uma vez que, por força do disposto no artigo 75º nº 1 da LTC, o prazo do recurso ficara interrompido até à notificação do acórdão da Relação de Guimarães que, em cumprimento do julgado pelo Tribunal Constitucional, reformulara o acórdão de 05/05/03.
Sustentou, anda, a admissibilidade do recurso, face ao disposto no artigo 219º do CPP que teria primazia, como norma especial, perante o disposto no artigo 400º nº 1 do mesmo Código; a entender-se o contrário e a não se admitir o recurso, suscitou a inconstitucionalidade de uma tal interpretação das disposições conjugadas dos artigos 219º e 400º nº 1 alíneas c), d) e f) do CPP por violação do disposto no artigo 32º nº 1 da CRP.
- Por despacho de 01/03/04, o recurso do acórdão de 05/05/03 não foi admitido, com fundamento quer na sua inadmissibilidade, face ao disposto no artigo 400º n.º 1 alínea c) do CPP, quer na sua intempestividade; no que concerne ao recurso do acórdão de 19/01/04, o recurso não foi admitido por falta de interesse em agir da recorrente.
- A arguida reclamou deste despacho para o Presidente do STJ, mantendo a argumentação já adiantada na motivação do recurso para o STJ no sentido da admissibilidade e tempestividade dos recursos e alegando ainda que:
a) as disposições conjugadas dos artigos 219º e 400º n.º 1 alíneas c), d), e) e f) do CPP são inconstitucionais a entender-se que é inadmissível o recurso de decisão da Relação que aplique, pela primeira vez, a medida de prisão preventiva, por violação do artigo 32º n.º 1 da CRP
b) a entender-se que a interrupção do prazo de recurso previsto no artigo 75º n.º 1 da LTC 'é um facto que ocorre e cessa no mesmo instante' verifica-se a inconstitucionalidade daquela norma, por violação do disposto no artigo 20º n.º 1 da CRP
c) também a entender-se que o prazo para o recurso ordinário em caso de provimento parcial do recurso de inconstitucionalidade começa a correr a contar do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Constitucional ou da entrada do processo na Relação, o artigo 80º n.ºs 2 e 4 da LTC é inconstitucional por violação do artigo 20º n.º 1 da CRP;
d) a arguida tem interesse em agir pois da procedência do seu recurso pode resultar o levantamento do mandado de captura e a revogação do acórdão que aplicou a medida de prisão preventiva.
- A reclamação foi indeferida por despacho do Vice-Presidente do STJ.
Nele começa por se apreciar a questão da tempestividade do recurso concluindo-se que o recurso foi interposto fora de prazo, por força do disposto nos artigos 75º n.º 1 e 80º n.º 4 da LTC; isto porque, não tendo o Tribunal Constitucional conhecido do objecto do recurso relativo à inconstitucionalidade da norma constante do artigo 219º do CPP, com o trânsito em julgado dessa decisão, transitou, também, a decisão recorrida, ou seja a que decretou a prisão preventiva - o prazo do recurso para o STJ, como a parte da decisão respeitante
à prisão preventiva não podia ser reformulada pelo Tribunal da Relação, que esgotara o seu poder jurisdicional, começava a correr a contar do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Constitucional e não da notificação do acórdão da Relação de 19/01/04, pois este apenas podia reformar a parte da decisão referente à suspensão de funções de presidente da câmara e à proibição de acesso
às instalações da mesma câmara.
Pronuncia-se ainda o mesmo despacho sobre a invocada inconstitucionalidade do artigo 80º n.ºs 2 e 4 da LTC, no caso de se entender, como se entendera, que o prazo do recurso ordinário, em caso de provimento parcial do recurso começa a correr do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Constitucional.
E diz-se, a propósito (depois de se salientar (i) o facto de o julgamento do Tribunal Constitucional conter duas decisões distintas, uma respeitante à medida de coacção de suspensão da arguida das funções de presidente da câmara e outra respeitante à media de coacção da prisão preventiva, só desta cabendo conhecer e (ii) a circunstância de o Tribunal Constitucional não ter conhecido do objecto do recurso na parte relativa à norma constante do artigo 219º do CPP - decisão equiparável à que não admite o recurso
- implicando que o prazo do recurso do acórdão da Relação que aplicara a prisão preventiva se iniciasse, como se dissera, com o trânsito em julgado da decisão do Tribunal Constitucional nos termos do artigo 80º n.º 4 da LTC), que, com a interpretação dada a esta norma, se não veda o direito ao recurso.
Salientando, depois, que o fundamento da intempestividade é bastante para indeferir a reclamação, o despacho não deixa de analisar a questão da admissibilidade do recurso, considerando que a situação que resulta do acórdão de 05/05/03 cai na previsão do artigo 400º n.º 1 alínea c), em conexão com a alínea b) do artigo 432º, ambos do CPP, sendo inaplicável o artigo 219º do mesmo Código, que se reporta à admissibilidade do recurso da 1ª instância para a Relação e não depois para o STJ.
Quanto à invocada inconstitucionalidade entende-se que está garantido um 2º grau de jurisdição, com observância do disposto no artigo 32º n.º 1 da CRP.
3 - Todo o relato, que sintetiza os traços essenciais da sequência processual que culmina com o presente recurso de constitucionalidade, justifica-se para melhor se compreender o sentido da decisão que se tomará.
Ora, antes do mais, importa definir o objecto do presente recurso que se terá que circunscrever ao despacho do Vice-Presidente do STJ indeferiu a reclamação da decisão que não admitiu o recuso interposto para o STJ dos acórdãos da Relação de Guimarães de 05/05/03 e 19/01/04.
Com efeito, não se conformando a recorrente com a inadmissibilidade dos recursos que interpusera para o STJ e colocando a questão da constitucionalidade das normas que teriam determinado a decisão de não admissão,
é o despacho do Vice-Presidente do STJ que decide e indefere a reclamação que está na ordem jurídica, 'substituindo' o despacho reclamado e constitui a
'última palavra' sobre a matéria na ordem dos tribunais judiciais
Isto significa que o objecto do recurso de constitucionalidade está circunscrito ao citado despacho do Vice-Presidente do STJ e à constitucionalidade das normas nele aplicadas, no ponto em que ela tiver sido suscitada pela recorrente.
Consequentemente, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso quanto ás normas indicadas supra em B) C), D) e E), por não terem sido aplicadas como ratio decidendi no despacho impugnado.
E poderá conhecer-se da constitucionalidade das restantes normas indicadas (supra A) e F))?
Vejamos.
4 - Como se deixou relatado, o despacho recorrido aprecia, antes do mais, a questão da tempestividade do recurso dos acórdãos de 05/05/03; e a solução que lhe dá no sentido de o recurso ser extemporâneo é, por ele, desde logo, considerada suficiente para indeferir a reclamação.
Tal não deixa de ter implicações no presente recurso, uma vez que, a não se conhecer do objecto do recurso relativamente às normas que foram aplicadas como fundamento dessa solução, ou a julgar-se improcedente o recurso nessa parte, se torna inútil apreciar qualquer questão de constitucionalidade relativa às normas em que assenta o entendimento de o recurso para o STJ ser igualmente inadmissível.
5 - Ora, para o despacho recorrido, o prazo de recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão da Relação de Guimarães, de 05/05/03, começaria a contar a partir do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Constitucional que decidira não conhecer do objecto do recurso na parte em que se questionava a constitucionalidade da norma do artigo 219º do CPP.
A doutrina que dele se extrai é, pois, a de que em caso de provimento parcial do recurso de constitucionalidade que implique a reformulação, também parcial, do acórdão recorrido, não deve aguardar-se a prolação do acórdão reformulado e a sua notificação ao recorrente para interpor recurso ordinário da parte daquele acórdão recorrido que decidiu questão autónoma (no caso, o decretamento da prisão preventiva), intocável nos termos do julgado pelo Tribunal Constitucional, isto por força do artigo 80º n.º 4 da LTC.
Ora, quanto a este aspecto, a recorrente requer a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 75º n.º 1 e 80º n.º 2 da LTC, nos termos supra referidos em E).
O artigo 80º n.º 2 da LTC não vem expressamente invocado, no despacho recorrido, admitindo-se, contudo, que o artigo 75º n.º 1 da mesma Lei sustente, também, a decisão.
Nem uma, nem outra, das interpretações referidas no requerimento de interposição de recurso foram, porém, acolhidas nos precisos termos em que a recorrente as formula.
A primeira, nem expressa, nem implicitamente, é adoptada, tratando-se de resto de uma formulação que corresponde a afirmação apenas feita no despacho de 01/03/04, proferido pelo relator, no Tribunal da Relação de Guimarães.
À segunda falta um elemento essencial da interpretação acolhida no despacho impugnada - tratar-se de um provimento parcial do recurso de constitucionalidade, cujo cumprimento, em termos de reformulação do acórdão impugnado, não implica a alteração do decidido, relativamente a questão autónoma, na parte que o recorrente pretende impugnar por meio de recurso ordinário.
Admite-se aqui, contudo, - numa perspectiva mais favorável à recorrente - que se possa conhecer do objecto do recurso, embora na interpretação normativa mais limitada do que a indicada pela recorrente e de acordo com o que se enuncia no parágrafo antecedente.
É o que se fará no último ponto desta decisão, sendo certo, pelas razões apontadas, que o improvimento do recurso, tornará inútil a apreciação da questão de constititucionalidade supra referida em A)
6 - No que respeita ao recurso interposto do acórdão de 19/01/04, o despacho recorrido funda a não admissão do recurso para o STJ, tal como o fizera o despacho então reclamado, na falta de interesse em agir da recorrente, uma vez que a decisão lhe é favorável.
Ora, a recorrente não suscitou na reclamação para o Presidente do STJ qualquer questão de constitucionalidade normativa relativamente a essa decisão, pelo que falece um dos pressupostos do recurso ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC : a suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo.
7 - Resta, assim, apreciar a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 75º n.º 1 da LTC (em conjugação com o disposto no artigo 80º n.º
4 da mesma Lei), nos termos referidos.
E ela é, para os efeitos do disposto no artigo 78º-A n.º 1 da LTC, simples, por ser manifesta a sua improcedência.
Impõe-se, antes do mais, evidenciar, como repetidamente o Tribunal Constitucional o tem feito, que não compete a este Tribunal sindicar a correcção ou justeza de entendimentos interpretativos, feitos nas decisões recorridas, no estrito plano do direito infraconstitucional.
Os poderes do Tribunal Constitucional limitam-se a 'aceitar' essas interpretações para, depois, emitir um juízo de conformidade ou desconformidade constitucional das normas aplicadas, nas decisões recorridas, com essas interpretações.
Tal significa, no caso, que o Tribunal não poderá fazer - e não fará
- qualquer juízo, no plano do direito infraconstitucional, sobre a interpretação acolhida no despacho do Vice-Presidente do STJ das citadas normas da LTC.
É inútil repetir o sentido com que essas normas foram aplicadas.
O que, agora, se deve decidir é a questão de saber se, com tal interpretação, as normas em causa violam, como pretende a recorrente, 'o acesso ao direito e aos tribunais', consagrado no artigo 20º n.º 1 da CRP.
E a resposta é afoitamente negativa.
Com efeito, a interpretação normativa em causa de nenhum modo inviabiliza ou agrava, de modo desrazoável, aquele direito constitucional, no caso concretizado no direito de recurso.
Trata-se, como se viu, de uma interpretação que faz iniciar o prazo de recurso ordinário de um acórdão - na parte em que este não é tocado por aresto do Tribunal Constitucional que, em recurso do mesmo acórdão, julga inconstitucional uma norma relativa a matéria autónoma, mas não conhece de outra respeitante à decisão que se pretende impugnar - com o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Constitucional.
Com esta interpretação, não fica o recorrente impedido de interpor aquele recurso ordinário, apenas não tendo que aguardar a notificação do acórdão que na parte atingida pelo juízo de inconstitucionalidade - e só nela - reformularia o anterior, mantendo, sempre, pela sua autonomia, o decidido na parte que se pretende impugnar.
Aplicando ao caso este entendimento, porque só a decisão de aplicação da medida de suspensão de funções como presidente da câmara e de interdição de acesso às instalações camarárias assentara na norma julgada inconstitucional, mas já não a de aplicação de prisão preventiva (a constitucionalidade da norma que a teria fundamentado e era questionada pela recorrente não fora apreciada) e sendo esta a parte decisória que a recorrente pretendia impugnar, dispunha a recorrente de todos os meios, e sem encurtamento dos seus direitos de defesa, para, no prazo legal, a contar do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Constitucional, interpor o recurso ordinário.
Não se verifica, assim, qualquer violação do disposto no artigo 20º n.º 1 da Constituição.
8 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão decide-se:
a) Não conhecer do recurso reportado ao despacho de 01/03/04;
b) Não conhecer do objecto do recurso relativamente às normas indicadas no requerimento de interposição de recurso, supra referenciadas em B),C), D) e E);
c) Não conhecer do recurso relativamente à parte do despacho recorrido que não admite o recurso do acórdão de 19/01/04;
d) [por lapso indicada como c)] Julgar manifestamente infundado o recurso relativamente às normas indicadas no mesmo requerimento, supra referenciadas em F), com o entendimento expresso em 5.;
e) [por lapso indicada como d)] Julgar inútil o conhecimento do recurso relativamente às normas indicadas no mesmo requerimento, supra referenciadas em A).
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 Ucs.'
A recorrente pediu, depois, a aclaração desta decisão sumária, o que veio a ser indeferido pelo despacho de fls. 119 e segs., nos seguintes termos:
'1 - Nos autos de recurso supra identificados em que é recorrente A., com os sinais dos autos, foi proferida decisão sumária, onde, entre o mais, julgou improcedente o recurso interposto, no ponto em que ele tinha como objecto a norma do artigo 75º n.º 1 da LTC (em conjugação com o disposto no artigo 80º n.º 4 da mesma Lei).
Desta decisão vem agora a recorrente pedir a sua aclaração, 'no sentido de se explicitar se lhe está, ou não pressuposto o entendimento de que transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento
(...) começam a correr os prazos' para o recurso ordinário mesmo na hipótese de este recurso ter por fundamento uma contradição que resulta de o acórdão recorrido ter sido reformado apenas na parte directamente afectada por um juízo de inconstitucionalidade'.
Na sua resposta, o Exmo Magistrado do Ministério Público sustenta que a decisão sumária aclaranda não carece de qualquer esclarecimento.
Cumpre decidir.
2 - A decisão sumária ora em causa formulou o seu juízo de improvimento do recurso com base na interpretação da norma sindicada que se entendeu ser a acolhida pelo despacho recorrido, como igualmente nos factos (ou dos juízos de facto) em que aquele assentou . E não podia fazê-lo de outro modo, no ponto em que ao Tribunal Constitucional não compete sindicar, no estrito plano do direito infraconstitucional, a interpretação feita das normas ordinárias, nem a factualidade que pressupõe.
Assim sendo, a decisão sumária não poderia deixar de configurar a questão de constitucionalidade tendo em conta que a parte do acórdão recorrido para o Tribunal Constitucional de que este conheceu - decretamento da medida de suspensão de funções de presidente da câmara - e que deu lugar à decisão sumária documentada a fls. 178 e segs., era autónoma relativamente àquela (não conhecida), consubstanciada no decretamento da prisão preventiva.
A decisão sumária em causa é a este respeito inteiramente clara e inequívoca.
Não tem, assim, qualquer cabimento o pedido de esclarecimento. agora apresentado pela recorrente
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir o pedido de aclaração'
Vem, agora, a recorrente reclamar para a conferência da decisão sumária supra transcrita.
A sua discordância assenta, fundamentalmente, no entendimento de que as decisões tomadas no acórdão de 05/05/03 – decretamento das medidas coactivas de prisão preventiva e de suspensão do exercício de funções de presidente da câmara - não são distintas, do que derivaria o desacerto de se considerar transitada em julgado aquela decisão com o trânsito em julgado da decisão sumária de
11/07/2003 do Tribunal Constitucional que não conhecera do objecto do recurso na parte em que era posta em causa a constitucionalidade da norma - artigo 219º do Código de Processo Penal - em que se fundara a mesma decisão; e derivaria, também, a contradição do acórdão da Relação de Guimarães 19/01/04 que, na sequência do decidido na referida decisão sumária - inconstitucionalidade da norma do artigo 199º n.º 1 alínea a) do CPP, fundamento da decisão de decretamento da suspensão do exercício de funções de presidente da câmara - apenas reformara o julgado quanto a esta decisão, mantendo a medida de prisão preventiva.
O Exmo Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
2 - Como se deixou transcrito, a decisão sumária reclamada é plural, contendo pronúncias diversas sobre as questões suscitadas no requerimento de interposição de recurso.
De entre essas pronúncias há, desde logo, que salientar a que se expressa nas alíneas a), b) e c) - não conhecimento do objecto do recurso no que concerne ao despacho de 01/03/04 (o que, na Relação de Guimarães, não admitira recurso para o STJ), às normas indicadas no requerimento de interposição de recurso em B), C), D), e E) (não aplicadas no despacho ora recorrido do Vice-Presidente do STJ) e à parte do despacho recorrido que confirmara a não admissão do recurso do acórdão de 19/01/04 (por não ter sido suscitada qualquer questão de constitucionalidade relativamente ao fundamento de direito daquele despacho - falta de interesse em agir).
Relativamente a estas pronúncias nada a reclamante aduz em contrário do decidido.
A impugnação da reclamante acaba, assim, por se centrar no ponto em que a decisão sumária julgou manifestamente infundado o recurso na parte em que vinha questionada a constitucionalidade da norma do artigo 75º n.º 1 da LTC, em conjugação com o disposto no artigo 80º n.º 4 da mesma Lei, na interpretação ali definida.
Tal interpretação - acolhida no despacho recorrido - tinha como elemento essencial o facto de o acórdão do TC de 11/07/03 ter concedido provimento parcial ao recurso e de o acórdão então impugnada conter decisões autónomas e distintas (decretamento de prisão preventiva e de suspensão do exercício de funções de presidente da câmara), sendo que o julgamento de inconstitucionalidade incidira apenas sobre a norma fundante da segunda decisão,
Ora, a decisão sumária deixou bem claro que ao Tribunal Constitucional não competia sindicar, no estrito plano do direito infraconstitucional, a interpretação feita no despacho recorrido.
Nessa medida, haveria que aceitar aquele elemento essencial - o de que estavam em causa decisões substancialmente distintas e autónomas.
Mas pode adiantar-se que, mesmo ultrapassando este limite dos poderes cognitivos do TC, sempre se reconheceria o acerto daquele juízo: numa perspectiva normativa, aquelas medidas são substancialmente distintas, ainda que, por razões de ordem prática, a situação de prisão preventiva possa por em causa o exercício das funções de presidente da câmara.
Deste modo, no ponto em se que julgou infundada a questão de constitucionalidade da norma do artigo 75º n.º 1 da LTC, em conjugação com o disposto no artigo 80º n.º 4 da mesma Lei, com a referida interpretação - ela não ofendia os princípios consagrados no artigo 20º n.º 1 da CRP - não tinha a decisão sumária reclamada que ponderar o que a reclamante entende como contradição no acórdão da Relação de Guimarães reformulado na sequência do acórdão do TC de 11/07/03 com a eliminação da medida de suspensão do exercício de funções como presidente da câmara e a manutenção da prisão preventiva (esta intocada pelo juízo de inconstitucionalidade).
Tanto basta para improceder a reclamação da reclamante.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 20 de Outubro de 2004
Artur Maurício Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos