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Processo n.º 158-A/04
3ª Secção Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., notificado do acórdão de 26 de Março de 2004, que ordenou a extracção de traslado e a remessa do processo, imediatamente, ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo
720º do Código de Processo Civil e do n.º 8 do artigo 78º da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro (LTC), arguiu nulidades desse acórdão, nos termos seguintes:
“A decisão sumária do relator, dada a sua natureza provisória e com a característica de mera tendência ou propensão a pôr fim ao processo, não é passível de aplicação do disposto no artº 84º, n.º 8 da LTC. Com efeito, se e enquanto não transitar em julgado não é decisão proferida no recurso. Durante todo o tempo em que não é proferido acórdão sobre a matéria, é provisória, uma vez que está sujeita a ser modificada pela conferência. De outro modo, criar-se-ia uma situação aberrante, de provocar efeitos irreversivelmente perversos da sua eventual execução, v.g. a privação prematura da liberdade. A reclamação para a conferência destina-se a substituir a opinião singular do relator pela decisão colectiva do tribunal. Esta é que forma e constitui a decisão. Por outro lado, o citado preceito da LTC postula um requerimento pendente, ainda não despachado. O relator, em vez de proferir despacho, leva-o à conferência. É isto que resulta da lei. Ora, no caso, o pedido de aclaração já tinha sido despachado. Face à consumação do incidente, não podia ter ido à conferência. Houve extemporaneidade na intervenção do órgão colectivo, ao qual falecia competência para apreciar um assunto já encerrado. De outro modo, o traslado já não serviria para processar a decisão do requerimento, que é a verdadeira razão da existência da norma. Acresce que a apreciação ou parecer tem que ser do relator, perante a apresentação de um requerimento da parte. Não pode a conferência intervir por iniciativa do relator e antes de o requerimento ser despachado. Se se entendesse que o mecanismo podia funcionar por iniciativa de uma das partes, então tinha, necessariamente, que ser assegurado o contraditório – artº
3 do CPC. Em matéria desta relevância, não pode dispensar-se a efectivação do contraditório, princípio basilar do processo. Decidindo em contrário, o acórdão reclamado violou o disposto no art.º 668º, a, al. d) do CPC, aplicável ex vi do art.º 69º da LTC, dado que conheceu da questão que lhe estava vedada e não conheceu de uma questão que necessariamente tinha que conhecer. Termos em que, requer-se o deferimento da presente arguição de nulidades, com as consequências legais, maxime com a modificação do acórdão reclamado.”
O Ministério Público, em resposta, depois de sustentar a intempestividade da reclamação da decisão sumária para a conferência, com o consequente trânsito em julgado daquela decisão do relator – questão que será objecto de apreciação noutra sede –, responde, sobre a arguição de nulidade do acórdão, o seguinte:
“(...) Tal circunstância conduz à evidente improcedência do requerimento de arguição de nulidades, deduzido a fls. 515, já que a decisão sumária pode ser obviamente a decisão “final” proferida no recurso, justificando-se inteiramente a utilização do artigo 84º, nº 8, da Lei do Tribunal Constitucional quando o recorrente adopte os comportamentos processuais aí previstos, na sequência de tal decisão. Não é, por outro lado, exacto que o processo tenha sido levado à conferência por
“iniciativa de uma das partes”: é evidente que tal iniciativa foi do relator, não sendo naturalmente a prévia sugestão da parte que modifica ou transfigura a decisão do relator de levar o processo à conferência, nos termos da aludida disposição legal. Improcedendo, deste modo, a arguição da nulidade deduzida.”
O recorrido B. pugna pela improcedência da arguição de nulidades, argumentando em síntese, que é manifestamente aplicável também às decisões sumárias o disposto nos artigos 84º, n.º 8 da LTC e 720º do CPC, como foi decidido pelo acórdão sob reclamação, e que o princípio do contraditório sofre restrições lógicas e naturais, designadamente quando, como é o caso, se trata de obstar ao exclusivo efeito dilatório pretendido por aquele que abusa dos meios processuais.
Os demais recorridos não responderam.
2. O recorrente apresentou um requerimento, em tudo semelhante ao presente, no processo n.º 235-A/04, em que o recurso de constitucionalidade emerge do mesmo processo criminal, reagindo contra outro acórdão em que igualmente foi ordenada a extracção de traslado na sequência de uma decisão sumária. O Tribunal desatendeu essa reclamação, por acórdão de 5 de Maio de
2004, desta mesma Secção, com a seguinte fundamentação:
“5. Invoca o recorrente a alínea d) do artigo 668º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 69º da LTC. Diga-se, porém, desde já, que não é claro, nem o recorrente explicita no requerimento atrás transcrito, qual a questão de que o Tribunal, no acórdão reclamado, terá conhecido sem o poder fazer, nem qual a questão de que terá deixado de conhecer, devendo fazê-lo. Ora, como o Tribunal, no acórdão reclamado, após constatar o facto de os presentes autos terem tido origem num traslado, ter sido já proferida decisão sumária e ter sido decidido no processo principal – processo n.º 158/04 – a extracção de traslado, se limitou a determinar que se extraísse traslado do processado, para nele serem processados eventuais termos posteriores do recurso, e que o processo fosse remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, a única questão conhecida e a conhecer foi, então, relativa à pertinência da manutenção neste Tribunal de uns autos, eles próprios com origem em traslado, de um processo que, entretanto, fora mandado remeter ao tribunal “a quo”, nos termos do artigo 720º do Código de Processo Civil. Ora, essa questão é manifesto que o Tribunal pode e deve, sempre, conhecer, quando entenda que pode estar em causa a aplicação deste preceito. Tanto basta para que, sem mais considerações, e indefira a presente reclamação. Agora apenas se dirá que não tem razão o recorrente quando afirma que a decisão sumária é provisória, não sendo passível de aplicação do artigo 84º, n.º 8 da LTC, o que, aliás, não constituiria, em qualquer caso, nulidade. Na verdade, todas as decisões, enquanto não transitadas, são provisórias e o que esta norma visa é, precisamente, pôr termo a uma actividade do recorrente que visa objectivamente impedir, nomeadamente, que qualquer decisão provisória – sumária ou acórdão (da conferência, da secção ou do plenário) – possa adquirir carácter definitivo. Alega o recorrente que a mesma norma postula um requerimento pendente ainda não despachado e que “não pode a conferência intervir por iniciativa de uma das partes, como foi o caso”. [...]. Mas, também aqui, não tem qualquer razão. Na verdade, não só a questão é levada à conferência pelo relator, como esta, constatando que, em face de decisão tomada no processo principal, se justifica a extracção de traslado, pode ordená-lo, sendo inteiramente irrelevante o facto que dá origem àquela constatação e desnecessária a pendência de qualquer requerimento. Além de que, em qualquer caso, também aqui não estaríamos perante nenhuma nulidade. Invoca ainda o recorrente a necessidade de assegurar o princípio do contraditório. Ora, o princípio do contraditório está assegurado já que, correndo o processo em traslado, aí haverá lugar à discussão, com todas as garantias legalmente asseguradas. E, competindo aos tribunais assegurar que os processos tenham decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, não podem estes deixar de tomar as medidas legalmente possíveis para permitir a materialização daquele comando constitucional.”
Por estas mesmas razões, que se reiteram sem necessidade de qualquer aditamento, porque as questões a decidir são em tudo semelhantes –, aliás os requerimentos de arguição de nulidade coincidem, palavra por palavra – a reclamação tem de ser desatendida. Efectivamente, essas razões são inteiramente transponíveis, porque as situações apenas diferem num aspecto que, para apreciação das nulidades, nos termos em são arguidas, é irrelevante. Consiste no fundamento imediato da decisão que, no recurso de que o presente traslado emerge foi, directamente, a conduta processual do recorrente, suscitando um incidente posterior à decisão manifestamente infundado. A constatação dessa conduta processual e a adopção das medidas adequadas a obstar ao efeito pretendido é, obviamente, uma questão de que o Tribunal podia conhecer, nos termos do nº 8 do artigo 84º da LTC e do nº 2 do artigo 720º do Código de Processo Civil.
3. Decisão
Nestes termos, desatende-se a reclamação e condena-se o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 ( vinte) unidades de conta.
Lisboa, 10 de Maio de 2004 Vítor Gomes Gil Galvão Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida